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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

José de Alencar (Diva) Resumo da obra

Foi publicado em 1864. Não é uma continuação da obra Lucíola, ao contrário do que muitos pensam. A história de Lucíola se encerra na própria obra. O que liga as duas obras é um detalhe curioso. O narrador de Lucíola, Paulo, se torna amigo do narrador de Diva, Amaral, como é possível depreender da epígrafe de Diva. Então, o livro Diva é composto por cartas que Amaral teria enviado a Paulo, como confissões a um amigo. No final do Capitulo III, a personagem Emília é comparada a uma Vênus moderna, a diva dos salões, explicando assim o título do livro: Diva. (3)

No imaginário social do século XXI ainda predominam fortemente as características do amor-romântico. As antigas definições de amor, paixão e maturidade psicoafetiva (transição do afeto infantil para o adulto) ainda circulam nas atuais conversas íntimas, literaturas, novelas e meios de comunicação, por exemplo. Mesmo assim, sabe-se que tais definições tem sido modificadas pelas novas configurações dos relacionamentos na era pós-moderna. (2)

Lembrando que Augusto é o narrador e, portanto, mentor da visão idealizada de Emília (pois é ele quem afirma várias vezes a maturidade afetiva dela) é de se esperar que o arquétipo social feminino de Alencar, fale mais alto sobre um processo de amadurecimento, que na realidade, não ocorreu. (2)

Emília não progrediu psicoafetivamente só porque passou a amar Augusto, o que ela conseguiu foi o título de amadurecimento conforme o imaginário de maturação feminino do século XIX. (2)

RESUMO:


Quando doutor Augusto conheceu Emília ela era ainda uma menina por volta dos seus catorze anos, feia e recatada. Ele iniciava sua carreira de médico e ela recebeu toda sua dedicação, incluindo horas sem dormir para que a menina fosse curada do mal que quase lhe levou a vida. Mas desde esse período Emília tratava o médico com uma grande hostilidade. Ele, que se dedicara tanto ao caso, nem quis receber, afinal valia mais o mérito de ter salvado a vida da filha de uma, até mesmo, importante família. E assim o pai da menina deixou em aberto essa dívida que tinha para com Dr. Augusto.

Anos mais tarde, Emília já se tornara uma moça e, por mais inesperado que fosse, era a mais bela da corte. Sua chegada no baile desanimava as demais moças que não podiam com a beleza dela e inspirava nos rapazes inúmeros galanteios. A família dela sempre insistia em uma reconciliação da menina com o seu salvador, no entanto, ela satisfazia-se em humilhar e constrangê-lo.

Se ele, por insistência dos demais, vinha lhe pedir o prazer de uma quadrilha, ela negava dizendo já ter parceiros para a quantia de danças que pretendia ter e seguidamente, ainda na frente dele, concedia a quarta ou a sexta valsa a outro cavalheiro.

Porém todo o desprezo da menina despertou no médico um grande amor. Mas ao mesmo tempo em que ele a amava, sentia seu orgulho muito mais que ferido... Entretanto ele continuava a lhe pedir valsas e ela a negá-las. Foi nesse contexto que ele, extremamente aniquilado pelos maus tratos da moça, decidiu por fim vingar-se e esquecê-la de vez.

A sua sorte foi que Geraldo, irmão de Emília, tinha que ajudar a uma órfã por pedido da irmã que tinha um bom coração tratando-se de caridades. Geraldo, sem ânimo nenhum para a boa ação, pediu ajuda ao doutor, que viu a sua chance e se disponibilizou a ajudá-lo.

O dinheiro para ajudar a menina era uma quantia pequena, e ele foi pedí-la ao pai de Emília como pagamento pela vez que salvara a vida da menina. Ele chegou a lhe oferecer maior quantia e até mesmo a recusar-se a pagar tão pouco, mas ali estava a vingança do médico. Visto que Emília estava presente afirmou que era aquela singela quantia que era merecida pelo seu trabalho, o que implicitamente era dar o mesmo valor à vida da moça.

Recebendo o dinheiro, foi embora satisfeito e decidido a abandonar de vez o convívio com aquela família. Mandou a ajuda à órfã no nome de Geraldo e assim concretizou sua ação. Porém logo depois desse ato foi chamado à casa de Emília. Surpreendentemente ambos e mais a tia da menina seguiram em um passeio que acabou mais cedo para a tia dela intencionalmente, por parte de Emília.

A sós a moça abriu-lhe o coração. Tratava-o com tamanho desprezo e indiferença por temê-lo. Desconhecia em seu coração o amor e o único sentimento que nutria era uma gratidão e admiração imensa pelo médico, mas o tratava de tal forma porque temia que o conhecendo pudesse frustrar o coração quanto a esses sentimentos. Mas quando notou o quanto o feria resolveu dizer-lhe toda a verdade.

Assim, de pazes feitas passaram ao convívio. Já nos bailes ela lhe concedia danças e até mesmo fazia da quadrilha com ele a última da noite. Ela ainda não o amava, ele só sentia o amor crescer-lhe e assim também o ciúme, este último fez em certa ocasião os dois brigarem, pois a ela não faltavam admiradores e declarações.

No entanto, eles acabavam por superá-las. Dr. Augusto chegou a se mudar para a vizinhança da moça e durante a noite os dois a sós se encontravam nos jardins e conversavam. Ele chegou a se declarar e ela pedia-lhe calma, pois ainda não o amava, mas o sentimento com o caminhar do tempo estava mais prestes a nascer do que nunca.

No entanto o amor de Emília que não nascia frustrava o médico, a essa altura os admiradores já haviam sido afastados e ela diferente da menina orgulhosa que era já se dobrava a uma submissão. No entanto um se submetia à vontade do outro trazendo para a relação, no ponto de vista dela, uma terrível monotonia.

Foi em uma tarde que o médico, chegando à casa dela, a encontrou pronta para uma ida ao teatro, o ciúme instantaneamente vibrou no peito de Augusto, e ele lhe pediu que finalmente, até mesmo para acalmá-lo, ela dissesse que o amava. Porém, segundo ela ainda era cedo, mas o doutor não suportou e rompeu definitivamente o romance – pelo menos era o que pensava.

Um mês depois se reencontraram e ela lhe questionou sobre o amor que ele tinha por ela, ele negou sua atual existência. Três dias depois estavam na chácara da família dela um grande grupo a passear, Emília se afastou e logo Augusto foi ter com ela. Ali tiveram sua conversa fatal.

Ele declarou a ela que todo o amor que afirmava sentir, crescera e apenas vivera devido ao sucesso econômico do pai de Emília e que só por isso ele se interessava por ela, nada mais que os benefícios que o ganhador da mão dela teria. Ela, depois de tal declaração, afirmou que aquilo não passava de uma confirmação do seu amor. Augusto, enfurecido, concordou, mas disse que o amor adorador que sentia agora tinha sido substituído por uma vontade de possuí-la contra a própria vontade dela.

Feito isso, a menina o desprezou. Ele tentou-lhe dar um beijo, mas ela esquivou-se e quando Augusto percebeu tinha posto a menina a seus pés. Vendo a sua ação pediu-lhe perdão e recebeu em troca uma declaração de amor. Sua resposta foi ir embora.

No dia seguinte recebeu de Emília uma carta afirmando todo o seu amor e devoção que só agora ela percebera. O médico ainda tentou resistir a ela, mas foi inútil. Amavam-se e naturalmente o passo seguinte foi o casamento.

Fontes:
– (1) Resumo por Rebeca Cabral, disponível em Brasil Escola
– (2) Rayssa Perreira Amorim (Univ. Estadual do Amapá), disponível em Academia.Edu
– (3) Wikipedia

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Dan Brown (Inferno)


Inferno é o sexto livro de ficção do escritor dos Estados Unidos Dan Brown e o quarto a ser protagonizado pelo simbologista Robert Langdon. Segundo divulgado, o livro foi lançado em 14 de maio de 2013 pela Doubleday, em 20 de maio, no Brasil e em 10 de Julho em Portugal pela Bertrand Editora.

Em 15 de janeiro de 2013, Dan Brown divulgou o título do livro em seu site, após avisar os seus leitores para ajudar a "revelar" um mosaico digital com mensagens no Twitter e no Facebook.

Conforme divulgado pela editora, o livro é ambientado na Itália e em um dos centros da história mais duradoura e misterioso: a obra literária Inferno de Dante Alighieri.

No Langdon de volta para o coração Inferno... seguimos Robert da Europa, onde ele se entrelaça em um mistério com ramificações globais... ligado aos detalhes sinistros e verdadeiramente fascinantes da obra magistral de Dante. ”

O professor Robert Langdon, da Universidade Harvard, desperta em uma cama de hospital com um ferimento na cabeça e sem conseguir se lembrar do que aconteceu nos últimos dias. Ao olhar pela janela, descobre que está em Florença, na Itália. Logo, os médicos Sienna Brooks e Marconi entram em seu quarto e o explicam que ele sofreu uma concussão ao levar um tiro de raspão e deu entrada no pronto-socorro do hospital por conta própria.

Repentinamente, Vayentha, uma assassina profissional que havia perseguido Robert anteriormente, invade seu quarto, atira no médico e tenta chegar até ele, que é agarrado por Sienna e retirado do hospital às pressas.

Eles fogem para o apartamento da médica, onde Robert descobre que Sienna é uma superdotada. Mais tarde, ele encontra um cilindro em um bolso secreto de seu paletó (tão secreto que nem ele mesmo sabia que existia). O cilindro contém o símbolo de risco biológico. Robert decide então ligar para o consulado estadunidense, onde descobre que estão a sua procura. Instruído por Sienna, ele dá o endereço do prédio à frente, para se certificar de que realmente seu consulado enviará funcionários da representação diplomática. Contudo, é Vayentha quem chega ao local, levando Robert e Sienna a acreditarem que o governo estadunidense quer Robert morto.

Robert decide então abrir o cilindro e encontra um cilindro ósseo medieval dotado de um projetor laser que projeta uma versão levemente modificada do Mapa do Inferno de Sandro Botticelli. Na parte de baixo da ilustração, há uma inscrição onde pode-se ler: verità è visibile soolo attraverso gli occhi della morte (a verdade só pode ser vislumbrada através dos olhos da morte). Repentinamente, soldados de preto invadem o prédio de Sienna, que consegue escapar por pouco com Robert. Ambos seguem em direção à Cidade Velha, acreditando que o cilindro está relacionado a Dante Alighieri. Contudo, eles descobrem que a polícia de Florença e os carabinieri fecharam as pontes e procuram por eles. Eles correm para uma obra perto dos Jardins Boboli onde Robert acende o projetor novamente e percebe que dez letras, que formam a palavra "CATROVACER", foram adicionas a cada uma das dez camadas do Inferno, e que as camadas foram rearranjadas. Ao organizá-las de modo a ficarem como na pintura original, Robert chega às palavras "CERCA TROVA" - as mesmas palavras na pintura A Batalha de Marciano de Vasari, localizado no Palazzo Vecchio. Robert e Sienna escapam dos soldados e vão à Cidade Velha usando o Corredor de Vasari.

Robert observa A Batalha de Marciano tentando encontrar respostas. Uma curadora o encontra e o leva para a diretora do museu, Marta Alvarez. Marta havia encontrado Robert e Ignazio Busoni, diretor da Santa Maria del Fiore na noite anterior e lhes mostrado a máscara mortuária de Dante, mas Robert, devido à sua amnésia, não lembrava de nada. Fingindo se lembrar do encontro, Robert pede para ser levado novamente ao local, mas a máscara desapareceu. Checando as câmeras de segurança, eles vêem Robert e
Ignazio tomando a máscara. Os seguranças do museu dominam Robert enquanto Marta liga para Ignazio, mas é informada por sua secretária de que ele sofreu um infarto. A secretária pede para falar com Robert e reproduz um recado que Ignazio deixou antes de morrer: "Os portões estão abertos para você, mas não demore. Paraíso 25."

Robert e Sienna fogem dos guardas, mas os soldados chegam. Eles escapam pelo sótão da Apoteose de Cosimo I. Vayentha encurrala os dois, mas Sienna e empurra para sua morte metros abaixo. Roberto conecta "Paraíso 25" com o Batistério de São João, onde ele e Sienna encontram a máscara mortuária de Dante com uma charada deixada por seu atual dono, um geneticista bilionário chamado Bertrand Zobrist. Um homem chamado Jonathan Ferris, que esconde um ferimento em seu peito, aparece e afirma ser da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ele ajuda os dois a fugirem dos soldados. A charada é uma estrofe do Inferno de Dante, que os leva até Veneza, onde Jonathan sofre uma parada cardíaca e Robert é capturado por um grupo de soldados. Sienna consegue escapar .

Robert é levado a Elizabeth Sinskey, diretora-geral da OMS, e finalmente descobre o que está acontecendo. Bertrand, que cometeu suicídio uma semana antes, era um cientista transumanista radical que havia desenvolvido uma praga biológica que mataria boa parte da população da Terra para resolver o problema da superpopulação. Elizabeth violou o cofre particular de Bertrand, encontrou o cilindro e convocou Robert até Florença para ver se ele conseguia entender as pistas. Durante o encontro, Elizabeth costurou um bolso secreto em seu paletó e colocou o cilindro lá dentro para deixá-lo seguro. Contudo, Robert parou de se comunicar com Elizabeth depois de seu encontro com Marta e Ignazio, e a OMS passou a desconfiar dele. Os soldados que perseguiam Robert eram na verdade uma equipe de emergência da OMS e nunca tiveram a intenção de matá-lo.

Quanto a Bertrand, este havia pago uma organização secreta (chamada simplesmente de "Consórcio") para que o deixassem isolado e incomunicável por algum tempo enquanto desenvolvia a praga, e também para que protegessem o cilindro até uma certa data. Ele também deixou um vídeo perturbador com eles, que deveria ser enviado a toda a imprensa mundial no dia seguinte aos eventos do livro. No vídeo, uma espécie de balão pode ser visto flutuando em uma caverna subaquática, com uma substância escura dentro.

Quando Elizabeth roubou o cilindro, o Consórcio se viu forçado a proteger o que quer que ele apontasse. Eles sequestraram Robert após o encontro com Marta e Ignazio, mas ele ainda não havia desvendado todas as charadas, então, eles o injetaram uma dose de benzodiazepina para forçar a amnésia. Criaram também um falso ferimento na cabeça e uma encenação para forçar Robert a encontrar mais respostas. Sienna, Vayentha, Jonathan e até o suposto atendente do consulado estadunidense eram todos atores trabalhando para o Consórcio, sendo que Jonathan era também o médico supostamente assassinado no início da história. O ferimento em seu peito foi resultado de uma explosão mal calculada para simular o tiro que supostamente recebeu de Vayentha. O líder do Consórcio, chamado simplesmente de "Diretor", ao descobrir o plano bioterrorista, se vê forçado a se submeter à OMS para deter a praga.

Descobre-se que a substância contida no balão do vídeo é uma praga prestes a ser liberada, e Robert descobre que o local onde a praga está fica abaixo da Santa Sofia em Istambul, onde Enrico Dandolo está enterrado. Sienna, que estava desaparecida, também segue para lá, onde é perseguida por Robert, o Consórcio e os agentes da OMS, que descobrem que ela na verdade trabalhava por Bertrand, sua paixão secreta. Robert e Christoph Brüder, chefe da equipe da OMS que também é ligada ao Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, descem até a Cisterna da Basílica, e descobrem que Sienna já está lá. O balão que continha a praga, feito de uma material hidrossolúvel, já havia se desfeito uma semana antes, e todos descobrem que, na verdade, a praga já estava espalhada pelo mundo todo, já que o local é muito visitado por turistas de vários países. Para fugir, Sienna cria um tumulto ao gritar que o local está pegando fogo.

Sienna revela que nunca quis liberar a praga, mas sim detê-la. Contudo, ela não confiava na OMS, pois achava que, uma vez que as amostras de vírus fossem levadas por eles, elas acabariam caindo nas mãos de governos interessados em criar armas de destruição em massa. O Diretor tenta fugir do domínio da OMS com a ajuda de policiais disfarçados, mas acaba preso pela polícia de verdade mais tarde. Sienna decide ajudar a OMS a lidar com a situação em troca de anistia.

A praga criada por Bertrand, na verdade, é um vírus vetor que infectará todas as pessoas da Terra, mas terá efeito em apenas 1/3 delas, selecionadas aleatoriamente, causando uma modificação no DNA que provoca a infertilidade. Desta forma, a humanidade é forçada a entrar em uma nova era, pois qualquer tentativa de reverter o vírus pode provocar efeitos genéticos colaterais perigosos.

Fonte:
Wikipedia

domingo, 10 de março de 2019

Jorge Amado (Mar Morto) 2a. e 3a. partes


Resumo comentado por Jayrus Luna

2ª parte

A segunda parte da obra denomina-se O PAQUETE VOADOR (nome do segundo barco de Guma) e compõe-se de nove capítulos.

Primeiro capítulo - Roteiro do mar grande

Meses de dificuldades no cais. Poucas viagens. Trabalho só para a boia. Quando Guma estava de bom humor, Lívia acompanhava-o, às vezes ficava sozinha, com o velho Francisco, ouvindo as histórias do cais. Sabia que o marido estava no mar e que podia não voltar. Gostou quando Esmeralda, amásia de Rufino, veio morar junto dela. Era uma mulata bonita e peituda.

Às vezes, a professora Dulce passava por lá e dava dois dedos de prosa. Esmeralda não gostava de Rufino que, se morresse no mar, ela arranjaria outro, ele já era o quarto. E ficava com insinuações para cima de Guma, que evitava, pois ela era amásia de Rufino, que era seu amigo.

Guma no "Valente" e mestre Manuel no "Viajante sem Porto" apostam corrida. Guma ganha. Andando pela praia, Lívia e Maria Clara encontram duas ciganas, e uma delas disse a Lívia que eles, ela e o marido, estavam passando por dificuldades, que as coisas iriam melhorar, que Guma corria grande perigo. Já há um ser que se move dentro de Lívia.

Segundo capítulo - Esmeralda

Grávida, Lívia procura Dr. Rodrigo, que ajudava as mulheres do cais e não se negava, inclusive, a fazer anjos, pois era um favor para muitas daquelas mulheres que passavam fome.

Guma, ao saber que ia ser pai, avisou a todos, primeiro a Rufino, e foi comemorar no Farol das Estrelas. Esmeralda falou a Guma que não tinha topado ainda com um homem que lhe fizesse um filho. Não queria um filho de Rufino. Ela era preta e queria melhorar a família. E mais uma vez, insinuou-se para Guma. Lívia passou mal e quase abortou. Guma chamou Esmeralda e doutor Rodrigo para ajudá-lo.

Enquanto Lívia dorme, Guma, sozinho com Esmeralda, deita-se com a amásia do seu melhor amigo. Depois, num momento de cólera, ameaça matá-la, quando ouve os passos dos tios de Lívia que chegavam com o velho Francisco. Lívia passava bem.

Terceiro capítulo  - Eram cinco meninos
Após a melhora de Lívia, Guma viajou, fugindo das perseguições de Esmeralda e tentando evitar Rufino, pois havia quebrado a lei do cais, traindo seu melhor amigo. Sentia vergonha. Encontrou Rufino no mar com a canoa engolindo água, parte da carga de açúcar perdida, que foi removida para o "Valente". Lívia e Esmeralda esperam os seus homens no cais. Somente Guma chega e, ao subir a ladeira com Lívia, Esmeralda sente ciúme. Guma fugia dela.

Leôncio, dado como morto, irmão do velho Francisco e tio de Guma, chega misteriosamente. Todos se assustam, principalmente o velho Francisco que pede que ele vá embora, mas Lívia permite que ele fique por duas noites. Saiu para andar pelo porto e nunca mais voltou. Guma tem receio de que Esmeralda conte a Rufino o seu relacionamento com ele. Esmeralda tinha os seios pontudos, e Rufino estava enrabichado por ela.

Na viagem seguinte, Rufino perguntou a Guma se ele já tinha ouvido falar de Esmeralda no cais. Veem os destroços de três saveiros. Salvam a tripulação. Eram cinco crianças que o pai esperava. Só sobrou uma.

Quarto capítulo - Água mansa

Depois do novo desaparecimento de Leôncio, velho Francisco pouco parava em casa, vivia no cais, bebia no Farol das Estrelas, voltava sempre bêbado. Rufino já desconfiava de que Esmeralda andava enganando-o, de que era corno. Achou uma carta dela endereçada a um marinheiro do "Miranda".

Num passeio de canoa, com troca de acusações, Esmeralda, sabendo que ia morrer, conta em detalhes o seu envolvimento com Guma, mas Rufino não acreditou. E ela ria. E foi rindo que morreu. Rufino abriu a cabeça dela com o remo: matou-a e, depois, jogou-se no mar para ser comido pelos tubarões. Morreu sem alegria. Só encontraram, depois, pedaços dos cadáveres.

Guma trabalhando no mar, Lívia achava cada vez mais que a vida dele corria perigo. Os tios dela iam visitá-la, queriam que Guma deixasse aquela vida do cais e fosse trabalhar na cidade alta.

Quinto capítulo - O "Valente"

" Valente" era o nome do saveiro de Guma. Aqui, Jorge Amado destaca a volta de Chico Tristeza, um negro que fora embora há muito tempo e, agora, voltava hercúleo, contando histórias. Trouxe um xale de seda para a sua mãe que vendia cocada.

A história que mais impressionou a todos foi a da África. Ali, vida de negro era pior que vida de cachorro. Lá, num descarregamento do Lloyd Brasileiro, os negros trabalhavam sob o chicote do branco. Aí, um preto que era foguista do navio, de nome Bagé, viu um negro ser chicoteado. Tomou o chicote das mãos do branco francês e, à frente de todos, deu-lhe uma surra. Nunca ninguém tinha visto aquilo. Chico Tristeza foi embora. Seu navio só demorou dois dias.

Sexto capítulo - O Filho

O Dr. Rodrigo foi chamado, pois Guma, no acidente, ficou com um ferimento na cabeça, mas primeiro teve que atender Lívia. Nasceu o filho de Guma. Ao invés de ficar alegre, Guma estava triste: seu filho nasceu, e ele não tinha um saveiro. Com a ajuda do dr. Rodrigo, comprou de João Caçula, para pagar em parcelas, o "Roncador", que passou a chamar de "Paquete Voador".

Sétimo capítulo - Toufick, o árabe

Nesse capítulo, aparece a figura do árabe Toufick, que chegou na terceira classe de um navio e vivia em uma aldeia entre os desertos. Com sua mala de mascate, sem conhecer direito a língua, já vendia sombrinhas, seda barata e bolsas às empregadas e criadas da Bahia. Aos poucos, foi conhecendo a cidade; morava num bairro árabe da Ladeira do Pelourinho.

Por suas qualidades de comerciante, foi trabalhar para F. Murad, o árabe mais rico da cidade, dono de uma casa de tecido que tomava quase todo um quarteirão e contrabandista de seda.

Oitavo capítulo - Contrabandista

Frederico, o filho de Guma e Lívia, já começava a andar, mas não queria saber de brincar com trenzinho, ursinho ou palhaço. Preferia brincar com um barquinho numa bacia de água, prenúncio de que teria o destino do pai.

O "Roncador", comprado a prazo de João Caçula, havia-se transformado em "Paquete Voador". Guma devia a dr. Rodrigo, que não cobrava, mas João Caçula vivia no seu pé, querendo que ele vendesse o barco para lhe pagar o que devia.

Toufick propõe a Guma que aceite transportar o contrabando de sedas, serviço feito por Xavier, que o deixou na mão. Guma podia ganhar, de uma só vez, até quinhentos mil réis e pagar o seu saveiro em dois ou três meses. Guma reluta, mas, por extrema necessidade, aceita o serviço, recebendo cem mil réis de adiantamento. Na primeira viagem, conhece Haddad, outro contrabandista, e F. Murad, o árabe mais rico da cidade.

Rodolfo e Lívia já desconfiavam de que Guma estava metido no negócio de contrabando, até que ele, encurralado e sem argumentos, diz a ela que, quando acabasse de pagar o "Paquete Voador", deixaria aquela vida.

Guma pagou o saveiro. Tomou amizade ao árabe Toufick. A vida havia melhorado. Guma tinha duzentos e cinquenta mil réis em casa e estava livre de dívidas. Em breve, quando juntassem um conto de réis, deixariam aquela vida para morar na cidade alta. Dariam um destino melhor para o filho.

Nono capítulo - Terras de Aiocá

Guma manda avisar a Rosa Palmeirão, nas terras do Norte, que o "neto" dela já havia nascido. Lívia a recebeu como uma irmã. Guma, enfrentando um grande temporal, numa das viagens de contrabando, com Toufick, Haddad e, desta vez, com Antônio, jovem árabe e filho de F. Murad, naufraga com o "Paquete Voador". Os tubarões devoram Haddad, Guma salva Toufick e fica ouvindo os gritos e F. Murad, na praia, pedindo pelo filho. Guma volta ao mar, pega o jovem que é jogado na praia pela forte correnteza.

Numa luta mortal com tubarões, Guma desaparece. O vento joga o "Paquete Voador" na areia do porto.

3ª parte

A terceira parte da obra denomina-se MAR MORTO e possui quatro capítulos.

Primeiro capítulo - O mar é doce amigo

 No "Viajante sem Porto", mestre Manuel, dr. Rodrigo, o velho Francisco, Maneca, Maria Clara e Lívia chegam ao local onde Guma desapareceu. O velho Francisco acende uma vela. Onde o pires parasse, lá estaria o corpo. Era só mergulhar. Todas as tentativas foram em vão. Guma desapareceu salvando dois, teve a morte mais heroica do cais.

Segundo capítulo - A noite é para o mar

Aqui, temos a volta da mãe de Guma, depois de vinte anos, velha e trôpega, meio cega. Toufick agradece a Lívia por Guma ter salvado a vida dele e a de Antônio. Murad, pai de Antônio, mandara uma certa quantia em dinheiro. Em certa estação de rádio da Bahia, alguém pede às mulheres que rezem para encontrar o corpo de uma marinheiro que morreu afogado. Lívia assume o comando do "Paquete Voador".

Terceiro capítulo - Hora da noite

Lívia sente o peso da solidão. O seu homem estava longe, morto no mar. Outros homens rondavam a sua porta. Para ela, a noite continua. A noite sem estrelas do mar morto.

Quarto capítulo - Estrela

A professora Dulce olha da escola. Os saveiros saem. Lívia, bem frágil, e Rosa Palmeirão, de navalha na saia e punhal no peito, seguem no veleiro. Rosa Palmeirão parece um homem em cima do "Paquete Voador".

O velho Francisco, olhando para o mar, vê Lívia em pé, no "Paquete Voador". E grita para os outros no cais: "- Vejam! Vejam! É Janaína."

Era a segunda vez que ele a via. 

Segundo Jorge Amado, "assim contavam na beira do cais."

Fonte:

quinta-feira, 7 de março de 2019

Jorge Amado (Mar Morto) Primeira Parte

Resumo comentado por Jayrus Luna

Mar Morto pertence a primeira fase do autor: depoimentos líricos, com predominância do elemento sentimental, sobre rixas, e amores de marinheiros.

A história se passa no Cais da Bahia, onde viviam os marinheiros, e um dos mais antigos era Seu Francisco que criava o sobrinho Guma, ensinando-lhe as leis do mar. Guma, com o tempo, tomou conta do saveiro chamado Valente. A fama de Guma no cais ocorreu em uma noite de tempestade, onde Guma, com o seu Valente, salvou um navio (Canavieiras) que iria naufragar. Depois disso, Guma conheceu Lívia, uma das moças mais bonitas do cais, casou-se com ela e foram morar com Seu Francisco, onde ao lado deles foram morar Rufino (um grande amigo de Guma) e Esmeralda.

Viviam muito bem, até que Guma envolveu-se com Esmeralda que o perseguia, Rufino descobriu, matou Esmeralda e depois matou-se de desgosto. Logo depois, Lívia descobriu que estava grávida. Guma, com remorso de ter traído Rufino e Lívia, pegou o Valente e foi para o mar e bateu nas pedras. Não morreu, mas o Valente ficou totalmente destruído. Lívia teve o filho que se chamava Frederico e Guma estava feliz com o filho, mas ao mesmo tempo arruinado por ter perdido seu saveiro. Sem escolha, começou a contrabandear seda (já tinha comprado outro saveiro) para os árabes. Numa dessas viagens, o filho de um dos árabes tinha ido junto para Porto de Santo Antônio, mas caiu no mar. Guma pulou no mar e conseguiu salvá-lo, mas morreu com seu ato de coragem. Lívia ficou com Frederico e o Seu Francisco, e tomaram conta do saveiro (de nome Paquete Voador) apenas com a lembrança de Guma que ficará na memória do cais, principalmente porque após sua morte as águas do mar se tornaram calmas e mortas, mas também por ele ter sido um homem de coragem e bom coração.

1ª parte

A primeira parte da obra denomina-se IEMANJÁ, Dona dos Mares e dos Saveiros, e possui doze capítulos:

Primeiro capítulo - Tempestade

Jorge Amado destaca a chegada da noite com tempestade, carregada de nuvens, lavando o cais, amassando a areia, balançando os navios atracados e maltratando, sem piedade, os negros da estiva. Todos abandonaram o cais. O preto Rufino, diante do copo de cachaça, sabia que, com a tempestade, Esmeralda não viria ao encontro dele. Mestre Manuel resolveu não sair com seu saveiro, preferiu ficar amando Maria Clara. Lívia ficou, aflita, à beira do cais, sob a chuva e o vento, esperando Guma que vinha no "Valente", desafiando a fúria dos ventos. Um saveiro virou no mar e dois homens (Raimundo e Jacques) caíram na água e morreram.

Segundo capítulo - Cancioneiro do Cais

Cessada a tempestade, Lívia continua esperando Guma e ouve os gemidos de Maria Clara dentro do saveiro com mestre Manuel. Breve ela também estaria nos braços de Guma, pois há oito dias não o via. Rufino conta a Lívia que Raimundo e Jacques morreram afogados, tendo sido seus corpos encontrados por Guma. Todos passam a compartilhar do sofrimento de Judith, mulher de Jacques, uma mulata que ficou com um filho na barriga. Maria Clara ainda soluça de amor. Judith não terá amor esta noite nem nunca mais, pois seu homem morreu no mar. Do forte abandonado, vem a música cantada pelo velho soldado Jeremias, voz possante de preto:

"A noite é para o amor...

"Vem amar nas águas, que a lua brilha...

"É doce morrer no mar...

Terceiro capítulo - Terras do sem fim

Agora, o velho soldado Jeremias entoa uma canção que diz "desgraça é a mulher que casa com um homem do mar, seu destino será infeliz". O velho Francisco conhece essa canção, pois foram quarenta anos num saveiro, e era amigo de todos daquela região. Uma vez, ao salvar uma tripulação, viu o vulto de Iemanjá. Já teve três saveiros, mas agora vivia de remendar velas e do que lhe dava Guma. Frederico, seu irmão e pai de Guma, morreu na tempestade para salvá-lo. Sua mulher Rita morreu do coração quando soube do acidente com o marido.

A mãe de Guma, que o entregou ao pai logo que ele nasceu, chega de Recife para levar o menino. Frederico, mulherengo que nem macaco, passando um mês em Aracaju e prometendo-lhe mundos e fundos, deixou-a naquele estado. Havia morrido, Guma era um filho sem pai e seria criado por ela. O velho Francisco não entregaria o seu sobrinho para uma mulher da vida. Quando foi apresentá-la ao filho, Guma pensou que aquela fosse a mulher que seu tio lhe prometera, que deitaria com ele numa cama, mesmo tendo apenas onze anos. Guma assusta-se ao saber que aquela mulher tão esperada por ele era sua mãe, pois nunca lhe tinham falado dela. Ela o chama de filho e só então Guma sente um pouco de ternura por aquela mulher. Despediu-se e nunca mais voltou. Não iria jamais com ela. Seu destino era o mar. Uma noite, Velho Francisco deixou uma mulata para Guma no saveiro. Depois, vieram outras. Somente quando Guma tinha dezoito anos, o tio contou ao sobrinho as peripécias do irmão, que vivia pelo mundo e uma vez voltou trazendo a vida de um homem na ponta da faca. Guma já era homem, pois manobrava muito bem um saveiro.

Quarto capítulo - Acalanto de Rosa Palmeirão

Neste capítulo, Jorge Amado dá ênfase à história dessa mulata que possuía um ABC com as suas aventuras, contadas por todos, principalmente pelo velho Francisco. Sua fama corria o mundo, e todo marinheiro a conhecia: navalha na saia, punhal no peito, deu em seis soldados, comeu vinte prisões, bateu em muito homem. Andava pelo Recôncavo, sul do Estado e Rio de Janeiro. Uma flor (uma rosa palmeirão) que trazia sempre no vestido herdou-lhe o nome. Não aparecia há anos.

Certa vez, na terceira classe de um navio, chegou do Rio de Janeiro e foi o centro das atenções, reviu a todos e conheceu Guma (tinha-o visto ainda menino) a quem confessou que queria ter um filho e com quem viveu uns tempos. Dessa vez, contou que, vivendo com um tal de Juca, um cabra frouxo que havia apanhando dela invadiu a casa com mais seis homens querendo bater no Juca e abrir a vela. Todos apanharam. Na delegacia, o delegado, que era baiano, já conhecia sua a fama de Rosa Palmeirão. Juca foi-se embora de medo.

Quinto capítulo - Lei

Uma nova tempestade assustou os homens do cais, proibindo viagens e dando prejuízos. Num dia igual a esse, morreu João Pequeno, o mestre de saveiro que mais conhecia a profissão naquele cais. O governo deu uma pensão à mulher dele, cortada por economia. Aparecia nas noites de tempestade.

Xavier, mulato troncudo, chegou no seu saveiro Caboré. Quando lhe perguntam o porquê daquele nome, ele explica, meio alterado: "Foi por causa de uma mulher". Ela o chamava de Caboré, mas ele não sabia por quê. Um dia, sem nenhum motivo, foi embora.

Godofredo, comandante da Companhia, odiado no cais por perseguir a todos, ofereceu duzentos mil réis, mais cem mil réis do seu bolso, para um prático que trouxesse o "Canavieiras", que estava fora, sem poder entrar e pedindo socorro. Seus dois filhos estavam dentro. Guma aceitou o desafio, resgatou o saveiro e salvou a tripulação. A partir desse episódio, ganhou fama no cais da Bahia.

Sexto capítulo - Iemanjá dos cinco nomes

Ninguém no cais tinha um só nome, inclusive Iemanjá, que tinha cinco nomes doces, conhecidos por todos:

IEMANJÁ, seu verdadeiro nome, dona das águas, senhora dos oceanos.

DONA JANAÍNA, para os canoeiros.

INAÊ, para os pretos, seus filhos mais diletos.

PRINCESA DE AIOCÁ, para quem os pretos também faziam suas súplicas.

DONA MARIA, para as mulheres do cais, as mulheres da vida, as mulheres casadas, as moças que esperam noivos.

O pai de santo Anselmo era quem organizava as festas de Iemanjá, presidia as macumbas e, com ordem dela, curava as doenças. No Dique, nas Cabeceiras, em mar Grande, em Gameleira, em Dom Despacho e na Amoeira, seu dia é 2 de fevereiro. Já em Monte Serrat, onde a festa é a maior, seu dia é 20 de outubro. Porém todos se uniam para festejar Iemanjá.

Sétimo capítulo - Um navio ancorou no cais

"Um navio ancorou no cais e nele Rosa Palmeirão foi embora." Alguém a chama de bicha doida, pois só vivia correndo o mundo. Num grupo de conhecidos, Guma, cabisbaixo, é zombado por Maneca e Severiano que, ao ser socado por Guma, puxou de uma faca.

"Severiano encostou-se na parede do mercado, faca na mão, e gritou para Guma:

- Manda Rosa brigar comigo que tu não é homem."

Apesar de Guma pular, o pé de Severiano alcançou-o na boca do estômago. Rodolfo interveio e salvou Guma da morte. Rodolfo, malvisto no cais, chamado por muitos de ladrão, conta a Guma as aventuras do velho Concórdia, seu pai, que tinha uma filha, agora sua irmã, que ele não conhecia. Ela queria ver Guma para agradecer-lhe, pois alguns da tripulação do "Canavieiras" (navio salvo por Guma) eram seus parentes. Na saída, Guma pergunta:

"- Como é o nome dela?

- Lívia!" - respondeu Rodolfo.

Traíra morreu, vítima de um tiro, numa confusão, em um prostíbulo, em uma das cidadezinhas do Recôncavo (Cachoeira), após ter sido socorrido por Guma, que o conheceu na ocasião. No momento da morte, lembrou-se das filhas: Marta, Margarida e Rachel.

Oitavo capítulo - Marta, Margarida e Rachel

Aqui, o autor destaca dr. Rodrigo, que era de família de marinheiros. Seus pais e avós cruzaram os mares como meio de vida. Era magro e fraco, incapaz de levar um saveiro pelas águas; por isso, tratava da moléstia dos marinheiros e tirava até gente da cadeira. Era estimado no cais. Era também poeta, mas somente a professora Dulce sabia que ele fazia poemas sobre o mar. Todos esperavam que os dois se casassem; até saíam e conversavam.

Jorge Amado destaca também as filhas de Traíra (o que morreu com um tiro, em Cachoeira). Marta tinha dezoito anos, cosia peças, estava preparando um enxoval à espera de um noivo. Margarida nadava na beira do rio; Rachel era a menor, de quatro anos, brincava com uma boneca e não sabia pronunciar direito as palavras.

Nono capítulo - Viscondes, Condes, Marqueses e Besouro

Coloca-se em evidência a cidade de Santo Amaro, pátria de muito barão do Império, viscondes, condes e marqueses. Pátria também de gente humilde do cais, pátria de Besouro, o mais valente dos negros do cais, que derramou sangue, esfaqueou, atirou, lutou capoeira e foi morto perto dali, à traição, em Maracangalha, cortado todinho de facão. Virou uma estrela.

No dia em que Traíra morreu, Guma estava para ir ver Lívia, que foi à festa de Iemanjá somente para vê-lo. Lívia nasceu na capital, a cidade das sete portas, onde nascem as mulheres mais lindas do cais. Guma assumiu um compromisso com Rosa Palmeirão: ter um filho com Lívia para Rosa ajudar a criar.

Décimo capítulo - Melodia

Guma fez boa viagem em busca de Lívia, a mais bela mulher que seria oferecida ao mar. O "Valente" correu, e já brilham as luzes da Bahia, Guma já ouve o baticum dos candomblés, parecia ouvir a risada clara de Lívia.

Décimo primeiro capítulo - Rapto de Lívia

Guma alimentava seis meses de um desejo intenso. Chegando de Santo Amaro, Rodolfo levou-o para ver Lívia, que estava bela e tímida. Os tios dela, que tinham uma pequena quitanda e que foram salvos por Guma no acidente com o "Canavieiras", não aceitavam o relacionamento, queriam que ele fosse embora, pois Lívia não podia esperar nada de um marinheiro mais pobre que eles.

Guma entregou a ela uma carta; na verdade, foi escrita pelo doutor Filadélfio, conhecido por todos como doutor, escrevia histórias em versos, ABCs do cais, cantigas. A resposta de Lívia veio quando ele voltava: "- Estou preparando o enxoval."

Os tios proibiram Guma de visitá-la, e Rodolfo sugeriu que ele a raptasse, que a levasse para Cachoeira e casasse na volta. Combinaram tudo para uma semana. E assim se fez. Na ida, preso ao leme do "Valente", sente as carícias dos cabelos dela.

Décimo segundo capítulo - Marcha nupcial

Rodolfo acalma os tios de Lívia, que estavam revoltados, e pede a Guma que faça sua irmã feliz. O casamento seria daí a sete dias, na igreja de Monte Serrat e no fórum.

O velho Francisco ficou danado, pois sabia que um marinheiro não se devia casar. Iria embora. A mulher de Guma poderia não gostar de que ele continuasse morando ali. Mas não foi. Ali mandava Guma. Doutor Filadélfio bebeu no Farol das Estrelas à saúde de Guma e de sua futura.

No dia do casório, o cortejo entrou na casa de Guma. Jeremias trouxera o violão, e o negro Rufino, sua viola. Cantaram as canções do mar; desde aquele dia, que a noite é para o mar. Lívia jurou que seu filho não seria marinheiro.
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Continua… Segunda Parte: O Paquete Voador

Fonte:

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Fiodor Dostoiévski (O Duplo)

O Duplo é um romance do escritor russo Fiódor Dostoiévski, escrito um ano após o seu livro de estreia, Pobre Gente.

O Duplo narra as aventuras do conselheiro titular Goliadkin e das suas terríveis inquietações em torno de um colega que lhe usurpa a identidade enquanto seu homônimo.

Concebida ainda numa prematura fase do autor russo, O Duplo é ao mesmo tempo «uma história verídica» sobre as crispações - e alienações - de um homem que se vê privado de seus direitos enquanto pessoa particular numa sociedade intrusa e ávida de usurpação, e de uma história documentada sobre a existência do indivíduo em torno de fatores que o levam à insanidade mental e à ruptura da sociedade, mercê de uma vida em que o terror supera o amor em sua plena renovação - fatores esses que desencadearam décadas de superstição e preconceito numa Rússia agitada pelos ventos avassaladores de que o realismo soube tirar proveito.

O mais inquietante neste romance de contornos realistas é a completa desconfiança do senhor Goliadkin – desconfiança essa partilhada ao longo da narrativa pelo leitor – perante as causas que disparam a sua condição. O senhor Goliadkin é antes de qualquer suspeita um homem aparentemente normal, não fosse a sua incessante agitação em redor dos seus inimigos, numa sociedade onde se fomenta a intriga na primeira pessoa. É neste contexto que nos é apresentado o senhor Goliadkin.

Porém, a existência deste homem, aparentemente anônimo e oculto da sociedade de que faz parte, é repentinamente abalada com a aparição de um senhor Goliadkin «completamente igual a si próprio», como se este fosse prova viva da sua pavorosa ocupação.

Após haver dado guarida ao senhor «completamente igual a si» - um indivíduo bastante infeliz e miserável, que passara por várias provações na vida -, o senhor Goliadkin ver-se-á numa situação deveras delicada quando o mesmo a quem dera «do seu pão» se haver convertido em seu inimigo.

A situação em casa do senhor Goliadkin seria para o senhor Goliadkin uma forma muito frutuosa de se passar despercebido na sociedade que frequentava; compreendera mesmo a causa que o deixaria incólume. Porém, o seu homônimo acabaria por se deixar passar por ele mesmo, ora granjeando o carinho dos chefes do departamento, ora fazendo-se convidado no reduto dos seus mais diretos inimigos.

Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Duplo_(romance)

domingo, 24 de março de 2013

Autran Dourado (O Risco do Bordado).

Obra-prima da carpintaria literária, O risco do bordado vem percorrendo desde seu lançamento, em 1970, o caminho típico de um clássico contemporâneo, alcançando um notável sucesso de público e crítica, suscitando inúmeras teses universitárias e sendo adotado como leitura curricular. O próprio Autran Dourado considera-o o eixo central de sua obra pela forma com que conjuga sua obsessiva construção de uma mítica mineira. "Escrevo para compreender Minas", declarou ele.

Ambientado na mítica Duas Pontes, cidade a que retornaria em outros livros como uma síntese do universo interiorano de seus personagens, O risco do bordado é uma viagem ao passado do escritor João da Fonseca Ribeiro, que volta ao cenário de sua infância. Ao encontrar antigos moradores da cidade, parentes e companheiros de infância, ele vai montando uma espécie de quebra-cabeças entre o vivido e o imaginado, completando e expandindo fragmentos de memória que são a narrativa de sua infância e adolescência.

Como num típico romance de formação, em que o principal interesse está no crescimento e desenvolvimento do protagonista, o leitor vai sabendo, aos poucos, como João se tornou o que é, sua dura trajetória na descoberta da sexualidade, da amizade, da traição e, também, da literatura. Prostitutas, jagunços, antepassados mortos, parentes velhos, figuras características de Duas Pontes cruzam o caminho de João, que desta forma vai enxergando, retrospectivamente, o risco sob o bordado que, afinal, é a sua própria história de vida.

Autran Dourado dá à narrativa o ritmo descontínuo da memória. Ele trabalha idas e vindas e histórias fragmentadas que, num primeiro momento, podem se assemelhar a contos sutilmente interligados. Arquitetado paciente e minuciosamente a partir de gráficos e esquemas, O risco do bordado tem um similar na obra do autor: Uma poética do romance. Neste ensaio, também reeditado pela Rocco, ele explica cada detalhe da construção do romance, publica os desenhos e plantas-baixas que auxiliaram sua construção e reflete sobre seu processo de criação como um todo.

Artigo:

O Herói Trágico em O risco do bordado, de Autran Dourado.
Por: Lilian Manes de Oliveira - Revista Saberes - Letras/Universidade Estácio, RJ.


Numa sequência cronológica linear, constata-se que o crescimento de João, protagonista de O risco do bordado, corresponde a um sucesso de mistérios que o levam a questionar-se, em sua trajetória de menino a homem. Por vezes as diferentes formas de questionamento revestem um mesmo mistério. O encontro de João com o mistério leva-o a um sentimento trágico da vida. Ele é um pessimista sombrio. A busca de um sentido existencial o conduz a uma atitude de tragédia.

Seu primeiro encontro é com a "Casa da Ponte", que dá título ao primeiro capítulo da obra. Esta tem seu ciclo trágico iniciado e concluído por tal casa.

Segundo Albert Camus, "a tragédia é um mundo fechado". "Mundo fechado" era a Casa da Ponte, "reino proibido" de pequenas e grandes tragédias, que despertavam a curiosidade do menino. Dividido entre dois sentimentos, a vontade de ver Teresinha Virado (o despertar do sexo) e o medo de ser descoberto pela mãe, seu Bernardino ou outra pessoa, João é um personagem tenso: "nunca para ele uma espera durou tanto num átimo assim tão pequeno. O coração carregado, lampejos, vislumbres". "Metade dele queria ir logo embora, a outra metade fincava pé".

O problema ainda semiconsciente do garoto, diante do sexo, vai reaparecer num sentimento irrealizado de amor incestuoso, em "O salto do touro".

Num outro momento, João se defronta com a morte. "... agora que o velho Maximino estava para morrer – aquela agonia lenta que chegava a dar nos nervos e que deixava os meninos, o colégio, a cidade, suspensos de angústia, de medo".

"É limpa a tragédia, é repousante, é certa" (Jean Anouilh). Limpa? Como um terreno após a explosão de uma bomba atômica. Repousante e certa? Como a morte inelutável.

Os colegas de João, a empregada do tio-avô desempenham, cada um, seu papel. Dir-se-ia que correspondem ao coro da tragédia grega, que anuncia a morte do velho, que não deixa nenhuma margem à esperança. Não há surpresa nessa morte. Ela é esperada, longamente esperada. Não atinge João. O que o atinge é a agonia, a situação que se prolonga, a angústia resumindo todos os seus sentimentos: contar ou não à vovó Naninha? Ir ou não ao enterro? A morte já estava decidida. O desenlace, irremediável. Eis o verdadeiro efeito da tragédia. Ela é limpa; é pura, porque é fatal.

Outra vez ela aparece. A fatalidade previsível; a "ananké" dos gregos, o "fatum" latino vai-se repetir em "A volta do filho pródigo" e em "Assunto de família"."Às vezes vovô Tomé achava que tio Zózimo tinha puxado ao pai dele, era muito parecido com o bisavô Mariano". Eis a premonição trágica. O desempenho de Zózimo e Zé Mariano é descrito, como se João tivesse sempre presente no espírito o trágico futuro que os aguardava. Zé Mariano trancou-se num barraco e suicidou-se. Tio Zózimo também, enforcado. Em "As voltas do filho pródigo", João ainda é personagem, o que serve de ligação deste grupo com os dos capítulos precedentes. Em "Assunto de família", João é sujeito oculto, apenas ouvinte, pois o caso é narrado em falsa terceira pessoa, sendo o avô quem fala, o remorso e a culpa identificando os dois. A situação trágica se propõe pelo desdobramento do sujeito enunciante. João participa de ambas as tragédias, já que "presencia" a primeira como o "ouvido" do avô. O capítulo é escrito em terceira pessoa. A tragicidade do personagem se revela na busca da saída para uma angústia que o leitor apenas percebe, sem entender-lhe, a princípio, a razão. Vovô Tomé acha uma saída: comunica-se com o neto. Agora João carrega consigo a dúvida. Os tormentos do avô são seus. Todo esse capítulo poderia ser transposto para a primeira pessoa; mas, se tal ocorresse, não haveria mais o ouvinte: vovô Tomé continuaria incomunicável.

A busca se apodera de João. Incomunicável é ele. É trágico. O questionamento lhe pertence. Ele conscientiza o problema. As perguntas sobre o comportamento do tio nunca lhe são respondidas. Mas percebe a atmosfera trágica num crescendo quotidiano. As cartas que vovó Naninha oculta; o desespero de vovô Tomé; de novo, o coro trágico anunciando a João a volta do tio. Quando ele chega, a tragicidade aumenta; porém sofre uma interrupção. Como um parêntese entre a chegada e o fim de Zózimo, este volta à vida, a família se alegra, os habitantes da cidade o cumprimentam: é o trágico aberto. A um ciclo trágico que se fecha, segue outro ciclo trágico que se abre. Num de seus retornos ao lar, o filho pródigo se suicida. Sucessivamente, João se encontra com a loucura, com a morte. É o trágico cerrado.

Outra vez a figura da morte: a de Zé Mariano. O coro trágico – Teodomiro e Sá Vitoriana – pressentindo o desenlace trágico. A angústia de vovô Tomé: "não demorou três dias (três dias que foram a minha agonia, a minha morte temporã)".

O que compõe a atmosférica trágica não é só a obra, é o leitor; o que conta são as relações dos personagens com o leitor. A atmosfera trágica implica adesão, engajamento, identificação. Daí chamar-se tensão dionisíaca ao estado no qual o leitor se sente ligado ao destino dos personagens, seja por identidade, seja por vontade de ruptura, tão intimamente que ele perde consciência de que este destino não é o seu. Assim a morte, destino comum a todos, pode constituir um tema de tragédia, quando o leitor se identifica com ela. A morte trágica é a minha morte, eu sou o sujeito da ação que se representa.

Entretanto, a morte não é somente o ponto extremo de um engajamento que pode encontrar sua força em outras circunstâncias. No trágico, pode representar um papel secundário. É uma das saídas. O homem é trágico, porque faz uma pergunta, respondida ou não. Só o homem é trágico, porque nunca encontrará uma resposta. As saídas não são A SAÍDA.

Vovô Tomé sofreu o tormento da incomunicabilidade. Não conseguiu penetrar no íntimo do pai, pois Zé Mariano lhe era de um mutismo monossilábico. O ciúme que sentia do meio-irmão foi provocado pelo distanciamento em que, embora filho legítimo, o pai o colocara. Em companhia de Teodomiro, parecia que o pai voltava à vida.

Um princípio de identidade estabelece o paralelismo. Também João não se comunica com o pai. Em seu mundo habitam mãe, avó, avô, tios, amigos. Referia-se ao pai de leve. O leitor sabe apenas que é mal sucedido nos negócios, não se dá bem com o sogro. João não deixa vir à tona os motivos. A incomunicabilidade está nas entrelinhas. Apenas, depois de morto ( "Sob a magia da dor") , descobre-se o nome do pai: Tonico Nogueira. João ainda acrescenta: "remedando o tio que assim o apresentava às pessoas". O silêncio sobre o pai é quase total.

O destino também é o inimigo de tia Margarida. O sobrinho não entende o porquê de uma existência estreita, daquele "mundo fechado". "Querendo, ela podia ser bem bonita". No entanto, um sentimento de culpa em relação a ela o acompanha desde menino. "Esse era o seu pecado mais fundo, a sua maior dor; embora ele nada tivesse feito, nenhuma culpa lhe coubesse. Porém, a culpa tudo tingia e envenenava". "O salto do touro materializa essa culpa, dá-lhe razões de existir. O destino foi inimigo de João também. "Destino", palavra criada por Hegel, para explicar a natureza profunda do tormento helênico, por ele próprio definida: "O destino é a consciência de si mesmo, mas como de um inimigo."

Engloba, portanto, algo exterior e que se realiza no interior do ser humano. O mecanismo trágico existe desde o sempre. "Querendo" e "podia": duas hipóteses. O risco do bordado impede de realizá-las. Prazer e dor, eis a tragédia pura; suas mil combinações refletirão as mil possibilidades de sofrer.
 
"Valente Valentina" retrata a magia e o deslumbramento, a necessidade apolínea do sonho que eleva o homem. Sonho que se esfuma na dualidade da tensão existencial. "Ah, meu Deus, como tudo se passou tão depressa! ... Eu súbito descobri a verdade de que a gente só guarda para toda a vida aquilo que dói demais. Num instante chegou a hora do Circo Milano partir". Valentina partira. "Eu nada podia fazer". Não mais restava nenhuma esperança. O próprio princípio da tragédia se põe em causa. "O mundo é uma comédia para o homem que pensa e uma tragédia para o homem que sente" (Provérbio espanhol).

No capítulo final, "As roupas do homem", o protagonista se liberta de suas dúvidas, recupera sua identidade. O simplesmente João a verbaliza: João da Fonseca Nogueira. Livra-se dos sentimentos de impotência diante do mistério existencial. O trágico o levou à descoberta de um universo misterioso e confusamente temido. Consegue a serenidade: os tormentos que o afligiam são apenas recordações.

O trágico termina num apaziguamento triste. João olha de frente seu destino. Liberta-se, pelo repouso que a tragédia da vida lhe trouxe.

Fonte:
Apostila 8 de Contemporânea da Lit. Brasileira. Disponível em http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaBrasileira/Contemporanea/Autran_Dourado_O_Risco_do_Bordado_resumo.htm

sábado, 23 de março de 2013

Ungulani Ba Ka Khosa (Ualalapi)

Ualalapi é o nome de um guerreiro nguni a quem é destinada a missão de matar Mafemane, irmão de Mudungazi (depois chamado Ngungunhane-Gungunhana). Este guerreiro dá o título ao relato, ficcionado por Ba Ka Khosa, da vida e da época do hosi (rei, imperador, em língua tsonga) Ngungunhane, famoso pela resistência que opôs aos portugueses nos finais do séc. XIX. Mas à medida que a narrativa progride, o quadro que se desenrola aos nossos olhos é bem outro. Numa escrita veloz, forte, densa, violenta, crua, chocante por vezes, recorrendo a metáforas quase brutais, perpassada de aforismos e de uma raiva não disfarçada que a poderosa imaginação visual do autor reforça, Ngungunhane é-nos revelado como um homem cruel, sanguinário, violento, um verdadeiro tirano para o seu povo - a sua designação como imperador ou rei é propositadamente anárquica -, na mesma medida em que os colonizadores portugueses o eram para com esse mesmo povo (vejam-se os testemunhos epocais transcritos, num paralelismo óbvio com o que se vai ler em seguida). Um e outros provocam a destruição do império de Gaza, deixando um rasto de miséria, fome, crueldade, sofrimento e humilhação. Uma «história»-ficção de sangue, de guerra, de arbitrariedades, de morte. Mas sem dúvida tão perturbadora quanto fascinante.

"Estes homens da cor de cabrito esfolado que hoje aplaudis entrarão nas vossas aldeias com o barulho das suas armas e o chicote do comprimento da jibóia. Chamarão pessoa por pessoa, registando-vos em papéis que ... vos aprisionarão. Os nomes que vêem dos vossos antepassados esquecidos morrerão por todo o sempre, porque dar-vos-ão os nomes que bem lhes aprouver, chamando-vos merda e vocês agradecendo. Exigir-vos-ão papéis até na retrete, como se não bastasse a palavra, a palavra que vem dos nossos antepassados, a palavra que impôs a ordem nestas terras sem ordem, a palavra que tirou crianças dos ventres das vossas mães e mulheres. O papel com rabiscos norteará a vossa vida e a vossa morte, filhos das trevas".
[O último discurso de Ngungunhanhe, segundo Ungulani Ba Ka Khosa, Ualalapi, Associação dos Escritores Moçambicanos, 2ª edição, p. 118]
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O livro de estréia de Ungulani Ba Ka Khosa Ualalapi, publicado em 1987, é um romance histórico que foi distinguido em 1994 com o prémio Nacional de Ficção, e em 1990, junto com Vozes Anoitecidas de Mia Couto, com o Grande Prémio da Ficção Narrativa. Trata-se da primeira obra de ficção que, como sublinha Chabal (1996: 85), se dedica exclusivamente ao passado colonial de Moçambique e que conta a ascensão de Ngungunhane, o imperador de Gaza, famoso pela resistência que opôs aos portugueses nos finais do século XIX e a derrocada do seu império.

O livro constrói-se a partir de uma colagem de fragmentos históricos, comentários de oficiais portugueses envolvidos na campanha contra o império de Ngungunhane, e a imaginação de Khosa na reconstrução de episódios deste período na forma de seis contos que constituem o romance. Deste modo o livro aborda exactamente o momento inicial da ocupação efectiva pelos portugueses e a passagem do tempo pré-colonial ao período colonial. Ualalapi, no entanto, não é uma obra que apresenta os grandes feitos heróicos de um Grande Homem contra a violência do domínio colonial, como Ngungunhane vai ser retratado no Moçambique da pós-independência. Em vez disso dedica-se muito mais a uma representação de Ngungunhane que corresponde à realidade histórica, mostrando a imagem de um tirano cruel em relação aos outros povos africanos, mas também para com o seu próprio povo.

É por essa razão que o ‘Outro’, na forma dos ‘brancos, do outro lado do mar’[(citação de Akawitchi Akaporo – armas e escravos, p.31)], se limita na parte fictícia do romance a duas alusões inseridas nos episódios relatados. A primeira encontra-se logo no começo do romance, na referência à morte de Ngungunhane no exílio “em roupas que sempre rejeitara e no meio da gente da cor do cabrito esfolado que muito se espantara por ver um preto” (p.30). Apesar deste anúncio da consequência final da invasão dos portugueses para o rei, verifica-se a presença do invasor europeu na parte fictícia do romance primeiro incidentalmente, como quando os grandes do reino têm de decidir sobre o castigo do guerreiro Mputa, que é falsamente acusado de ter afrontado a primeira mulher do imperador:

(...) Este, com a argúcia que a vida ensinara, disse ao rei, em jeito de síntese, que a morte não seria digna para um homem que ousou cobiçar o corpo da rainha. Era necessário um castigo brutal e memorável na mente dos súbditos; por que não cegá-lo como faziam os tsongas em tempos que não importa recordar? Caso faças isso o teu poder imperial sairá fortificado nestes tempos tumultuosos em que os homens da cor de cabrito esfolado assediam o teu reino vasto (Khosa 1990: 47).

O romance dá-nos assim uma impressão da maneira como os portugueses surgiram lentamente nesta parte da África e como eram percepcionados enquanto seres diferentes. É, por outro lado, um ponto de vista que contrasta com os fragmentos históricos dos oficiais portugueses, intitulados “Fragmentos do fim”, que representam a história do ponto de vista do colonizador. Estes falam sobretudo sobre o andamento da campanha militar e revelam a relação de domínio subjacente.

O significado histórico da presença portuguesa relativamente ao futuro desenvolvimento do território mostra-se no fim do livro, no derradeiro capítulo “O último discurso de Ngungunhane”, que é um monólogo no qual Ngungunhane profetiza o período colonial, antes da sua partida para o desterro:

Estes homens da cor de cabrito esfolado que hoje aplaudis entrarão nas vossas aldeias com o barulho das suas armas e o chicote do comprimento da jibóia. Chamarão pessoa por pessoa, registando-vos em papéis que enlouqueceram Manua e que vos aprisionarão (Khosa 1990: 118).

Segue-se uma séria de descrições pormenorizadas das conseqüências socio-culturais do tempo colonial referindo-se à alienação da sociedade moçambicana em relação às culturas africanas e à dinâmica e ao impacto social do período do domínio português. Manua, o filho de Ngungunhane a que se refere aqui o imperador, é relativamente às diferentes formas em que se manifesta o ‘Outro’ certamente uma das personagens mais interessantes do livro, por ser, como afirma, um “dos poucos na minha tribo, que teve acesso ao mundo dos brancos, à sua língua, aos seus costumes e à sua ciência (...)” (p.100). A alienação dele em relação à sua origem africana revela-se nitidamente, nesta passagem:

Quando eu for imperador eliminarei estas práticas adversas ao Senhor, pai dos céus e da Terra. Serei dos primeiros, nestas terras africanas a aceitar e assumir os costumes nobres dos brancos, homens que estimo desde o primeiro dia que tive acesso ao seu civismo são (p.100).

         Manua revela-se aqui um adepto fervoroso dos costumes do ‘Outro’, colonizador e da cultura europeia, um forte contraste com a profecia de Ngungunhane no fim do livro que mostra um ponto diferente de vista do imperador em relação à cultura europeia, indicando uma grande diferença entre as posições do pai e do filho:

(...); e haverá homens com vestes de mulher que percorrerão campos e aldeias, obrigando-vos a confessar males cometidos e não cometidos, convencendo-vos de que os espíritos nada fazem, pois tudo o que existe na terra e nos céus está sob o comando do ser que ninguém conhece mas que acompanha os vossos passos e as vossas palavras e os vossos actos. A noite terá caído definitivamente nestas terras que mudarão de face com o vosso suor (p.119).

         Trata-se aqui de uma alusão aos efeitos da “desvalorização das formas de culturas indígenas, que caracterizou a política colonial de assimilação” (Leite: 1998: 90), em que Manua representa um dos primeiros moçambicanos envolvidos neste processo, que “contribuiu para a descaracterização e rasura de valores ancestrais” (idem), o que se pode verificar também na descrição do moço pelos outros passageiros no navio a Lourenço Marques que afirmam que se veste “como um branco (...), (...) não tem cara de maltês, (...), (...) e estudou muito mais que o compadre” (p.104). O filho de Ngungunhane apresenta-se, portanto, como um dos primeiros africanos assimilados, o que nos indica a alienação de uma parte da sociedade moçambicana através da influência da cultura europeia.

Por outro lado, a violência excessiva no romance que caracteriza os métodos de Ngungunhane mostra um paralelo com a brutalidade deste ‘Outro’, colonizador e português nos “Fragmentos do fim”. Faz com que o imperador, a personagem central nesta época crucial na história de Moçambique, se revele um tirano que não se distingue dos portugueses na opressão e destruição das culturas africanas, que considera com uma inferioridade semelhante:

(...) Trouxemos a chuva para estas terras adustas e educamos gente brutalizada pelos costumes mais primários. E hoje essa gente está entre vocês. Nguni! (p.29).

A crueldade com que Ngungunhane governava exibe-se frequentemente no romance e pode ser lida nas entrelinhas das palavras do rei a respeito do castigo de Mputa que “puseram em delírio o povo tsonga que esquecera que estava perante o invasor que poisara naquelas terras com o sangue dos inocentes guerreiros nunca relembrados, (...)” (p.49), o que sublinha mais uma vez a semelhança entre a maneira de agir do imperador de Gaza e os métodos dos portugueses. É um facto que se pode verificar também no capítulo “O cerco ou fragmentos de um cerco” que comprova a ferocidade com que o imperador submeteu outros povos e onde se pode observar como os nguni correspondem ao ‘Outro’ do ponto de vista dos machopes:

– Vamos lutar e morrer se for necessário, mas o nosso desprezo pelos nguni manter-se-á por séculos, porque esta terra é e será nossa. (...) O nosso não é para que as nossas mulheres não sejam escravas e os nossos filhos não engrossem as fileiras desse exército bárbaro. (...).

– Iremos para a luta com a certeza da vitória, apesar deste cerco criminoso que moveram contra nós, um cerco que contraria os princípios mais elementares de uma guerra de homens, de uma guerra que os nossos antepassados mais remotos cultivaram com a certeza de que os homens olham-se de frente e as lanças chocam-se sob o olhar atento dos guerreiros (...) (p.86).

         O trecho sublinha obviamente a destruição de algumas partes da sociedade autóctone que se deu, portanto, já sob o domínio de Ngungunhane cujo regimento se caracterizava pela inobservância das regras da tradição. O fragmento comprova que o não respeito por uma cultura tradicional e a relação subjacente de domínio, que certamente entrou numa fase de aceleração sob domínio colonial português, já começou no período do império de Gaza no fim do século XIX, onde a opressão de povos e tradições já fazia parte da estratégia imperial de Ngungunhane.

O mesmo pode verificar-se no que diz respeito à própria tradição nguni, como consta do caso da doença misteriosa da sua mulher preferida, Damboia, caso que mostra como Ngungunhane se sobrepõe à tradição, proibindo a realização do nkuaia devido à convicção dele que “e se ela se vai, vai-se o império, homens!” (p.63), quebrando a regra de só não realizar a cerimónia no caso da morte do rei, visto que Damboia não era soberana nem estava morta:

E por isso e outras coisas mais que vos aprouver dizer, para o bem do reino, o nkuaia não se realiza. Na capital não ressoarão esses cânticos de louvor que nos rejuvenescem. Os guerreiros não baterão os escudos do bayete, levantando a poeira pré-histórica dos nossos antepassados esquecidos. (...) Por isso, as leis que vigoraram até aqui irão vigorar, e eu serei homem de mais leis emanar quando para isso for necessário, porque o império é meu, e o poder pertence-me; (...) (p.63).

         O absurdo da guerra e o carácter violento de Ngungunhane, descontrolado pela estranha e vergonhosa doença que atinge Damboia, mostra-se também na ordem dada ao comandante para que as suas tropas ataquem e massacrem um reino vizinho:

Ide, vassalos, e apagai as tochas que por este império estiveram acesas. E para que os machope não se riam da nossa dor, tu Maguiguane, vai por essas terras espalhar a morte e a dor. Eu quero que todos, mas todos, se compadeçam com a dor que nos atacou. Ide, guerreiros, que o império vos salvaguarda, agora e depois da morte (p.63).

     Em resumo, pode-se dizer que os métodos do império de Gaza mostram semelhanças com a táctica que os portugueses aplicarão contra os povos de Moçambique. Desta maneira pode-se verificar como Ngungunhane pretende construir um ‘Mesmo’ por exclusão do ‘Outro’, em processos idênticos à da colonização portuguesa, baseado numa relação de domínio. No último capítulo, no qual o imperador desenvolve um discurso profético acerca das consequências da presença portuguesa a respeito do desenvolvimento socio-cultural do território, mostra-se o significado histórico da chegada do português em toda a sua dimensão histórica, indicando as transformações da sociedade causadas por esta intervenção ao longo do tempo:

Os nomes que vêem dos vossos antepassados esquecidos morrerão por todo o sempre, porque dar-vos-ão os nomes que bem lhes aprouver, chamando-vos merda e vocês agradecendo. Exigir-vos-ão papéis até na retrete, como se não bastasse a palavra, a palavra que vem dos nossos antepassados, a palavra que impôs ordem nestas terras sem ordem, (...) (p.118).

     Esta passagem indica ao mesmo tempo que as palavras de Ngungunhane correspondem a um dos aspectos centrais na representação da identidade pós-colonial nos romances de Mia Couto. A alienação da sociedade moçambicana em relação à sua origem africana através da perda dos nomes africanos das pessoas é um assunto que já encontrámos na personagem Marta em A Varanda do Frangipani, afirmando que os membros da sua família “já há muito perderam seus nomes africanos” (VFA: 129). No que diz respeito às consequências socio-culturais da presença dos portugueses, nota-se como o monólogo do imperador refere explicitamente o período do colonialismo, descrevendo pormenorizado o sofrimento da população indígena:

(...) Começarão a abandonar as vossas aldeias ante a vergonha e a impotência de verem as vossas filhas violadas em plena rua, os vossos pais mortos como reses, os vossos irmãos chicoteados por peidarem de medo frente ao branco que vos aviltará por todo o sempre, queimando as vossas casas, usurpando a terra que vem dos vossos antepassados, cobrando as moedas pelas palhotas que erguestes com suor, obrigando-vos a trabalhar em machambas enormes, onde dia e noite andarão como sonâmbulos, comendo jibóias e macacos, escalavrando a terra com os dedos descarnados e tirando a merda da criança do vosso patrão (p.120).

     É interessante como Khosa conseguiu traçar um paralelo entre o império de Gaza e o tempo colonial através do fictício último discurso de Ngungunhane. Por um lado esclarece que a tradição da exploração já existiu antes da chegada dos portugueses. Por outro lado faz com que a profecia chegue pela boca de Ngungunhane, um tirano igual aos portugueses, o que faz com que a significação do tempo colonial ganhe ainda maiores dimensões. A ocupação efectiva pelos portugueses aparece assim como um ponto de não-retorno, significando o início de um processo que não só conduz à construção de uma nação moçambicana, mas também traduz uma transformação irrevogável, como resume Ngungunhane na previsão dos futuros acontecimentos:

E aí o mundo terá mudado para sempre (p.121).

Apesar disso apresenta exemplos concretos como esta transformação se manifestará na sociedade moçambicana, no surgimento de uma nova classe social:

E por todo o lado, como uma doença que a todos ataca, começarão a nascer crianças com a pele da cor do mijo que expelis com agrado nas manhãs. Serão crianças da infâmia (p.119).

Ngungunhane alude aqui à posição difícil dos mulatos em Moçambique, um assunto que aparece também na obra de Mia Couto. Além disso, pode-se verificar como o afastamento da sociedade da sua origem exprime-se de maneira semelhante como em A Varanda do Frangipani e Terra Sonâmbula, visando a tensão entre o passado e a modernidade em Moçambique, aqui anunciado por Ngungunhane:

Fora das grades os vossos netos esquecer-se-ão da língua dos seus antepassados, insultarão os pais e envergonhar-se-ão das mães descalças e ocultarão as casas aos amigos. A nossa história e os nossos hábitos serão vituperados nas escolas sob o olhar atento dos homens com vestes de mulher que obrigarão as crianças a falar da minha morte e a chamarem-me criminoso e canibal (p.121).

         O processo de alienação por causa da fusão da cultura europeia com as culturas africanas mostra-se evidentemente na religião:

         (...) Mas começarão a aprender novas doutrinas que rejeitarão os espíritos, os feiticeiros e curandeiros. Todos ou quase todos aceitarão o novo pastor, mas pela noite adentro muitos irão ao curandeiro e pedirão a raiz contra as balas do inimigo, (...). (p.122).

         A profecia de Ngungunhane alude assim à convivência do passado com a modernidade em Moçambique, neste lugar na forma da coexistência da religião cristã e das tradições africanas. Apesar disso, aponta o facto de que não só se trata de uma mera aquisição de elementos da cultura europeia, mas que a situação inicial do embate das culturas imediatamente dá lugar a um processo de deslocações nas quais os africanos se apropriarão das novas doutrinas que o europeu traz para encontrar um caminho para a liberdade. Mas processo também no qual os europeus se moçambicanizaram:

(...) Outros transformar-se-ão em serpentes, entrarão no campo inimigo, estudarão os seus passos e verão o quantitativo. E esta será a nossa guerra vitoriosa contra os homens que entraram nestas terras sem autorização de ninguém. Muitos dos filhos destes homens ficarão nestas terras e aprenderão as nossas línguas e dançarão as nossas danças e casarão com as nossas mulheres à vista de toda a gente e serão os nossos irmãos de verdade (...) (idem).

         Por outro lado, esta passagem mostra que a chegada do português provocará mudanças sociais de carácter definitivo. O presságio do futuro limita-se, porém, não só ao papel do intruso no período colonial, mas mostra que a miséria profetizada por Ngungunhane não terminará com o fim do domínio do português:

Chegada a vitória tereis um preto no trono destas terras. (...) Mas não tereis chegado ainda ao tempo da vossa felicidade, seus cães, porque a maldição que abraçou estas terras, perdurará por séculos e séculos. (...) A desordem será de tal ordem que as casas mudarão de cor, passando a ter a cor da morte que se instalará nas vossas terras que terão a extensão de meses e meses de percurso (p.122-123).

         No seu último discurso Ngungunhane exprime que a libertação e independência em 1975 ainda não significarão o fim da guerra, mas uma transformação da guerra de carácter colonial em guerra civil, guerra que se estendeu até 1992. O romance faz assim uma ligação entre o tempo do império Gaza e os acontecimentos históricos dos últimos trinta anos em Moçambique. É por essa razão que Ualalapi deve ser considerado como um romance em diálogo ou em confronto com a história e com as fabricações da história, assumindo como tema central a questão do ‘Outro’ no processo político e cultural de construção de uma identidade nacional.

Fonte:
Capítulo de tese de Christoph Oesters (Utrecht, 11/2005)
http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaAfricana/Ungulani_Ba_Ka_Khosa.htm

domingo, 17 de março de 2013

Fernando Namora (O Homem Disfarçado)

O personagem principal é João Eduardo, médico de prestígio profissional. João Eduardo é casado com Luísa, tem dois filhos Carlitos e Teresinha em idade escolar.

A narrativa começa demonstrando uma das características da personalidade de João Eduardo, sua impassibilidade e seu receio diante das coisas. As primeiras palavras do livro são “Acudam! Acudam!”. O médico está esperando seu carro ser lavado, quando um rapaz lhe informa que uma mulher pede por socorro uma vez que seu filho ficou entalado no elevador. Indeciso entre prestar ajuda e esconder-se, opta pela segunda alternativa uma vez que acredita que pouco poderá fazer ou o que poderá fazer talvez não valha a pena. Logo chega uma ambulância e leva a mãe e o garoto ao hospital.

Em casa, sua relação com a mulher tem esfriado. Luísa vai se tornando mais distante e mais impessoal. Compara-a com Silvina, sua amante, uma dançarina de casas noturnas que está a caminho da prostituição. Com Silvina sente-se seguro para contar suas impaciências, dúvidas e frustrações, o que não ocorre com a companhia de Luísa.

Sua vida profissional, embora de sucesso, estava lhe causando enfado. D. Emília uma vizinha e uma das primeiras clientes que tivera na cidade, era uma velha que vivia a bisbilhotar a vida alheia. Ela era casada com um velho doente que João Eduardo tratava também. Durante a narrativa, por vezes, João Eduardo busca saber o destino do garoto que ficara ferido no elevador, pergunta no hospital se algum garoto naquelas condições dera entrada, chega a ir à porta do apartamento da mãe perguntar pela sua saúde, mas a mãe não responde por estranhar-lhe os modos tensos e fecha a porta.

Há um amigo de infância, doente, tuberculoso, chama-se Jaime. Atualmente João Eduardo não só acompanha o tratamento de Jaime como o ajuda emprestando dinheiro que sabe dificilmente será pago. Rita, a mulher de Jaime, compreende a gravidade da situação e vê em João o único apoio para suportar o fim trágico que se anuncia para seu marido.

Na sua vida profissional, embora seja admirado pelo seu sucesso, João relembra que começou como médico de vilarejo no interior de Portugal, que lá podia atender os pobres e ajudá-los, mas a necessidade progredir na profissão e de ter uma clientela mais apta a gastos maiores o fez seguir na direção de trabalhar na capital, Lisboa. Jaime, o amigo, por outro lado, sempre fora dado a aventuras, chegara a ser guia de viagens num barco apenas pelo prazer e se sentir livre, além do que adorava beberagens, daí contraíra a tuberculose. O casamento com Rita se dera quase na mesma época em que se diagnosticara sua doença.

Um outro amigo do interior de Portugal e do início dos estudos era o Magalhães. Este continuava um modesto médico do interior e ansiava trabalhar na capital para melhorar de vida. Por pressão de Luísa que tinha simpatia por Magalhães e por sua esposa, João Eduardo chega a pensar em tentar arrumar alguma colocação para o amigo, embora lá no fundo, não nutrisse muita admiração por Magalhães, ao contrário da admiração que tinha pela ousadia de Jaime.

Fica sabendo que um médico morrera no Banco das Índias e que um cargo se abria. Foi até diretor financeiro averiguar a possibilidade de se dar esse cargo ao amigo provinciano, mas para sua surpresa o cargo estava sendo oferecido a ele, João Eduardo. Logo quis recusar mas acabou sendo convencido, até com relativa facilidade a aceitar o cargo. Isso criaria uma animosidade com a mulher e com o amigo provinciano, mesmo porque ele, João Eduardo, não precisava de mais um cargo.

O diretor do hospital, professor Cunha Ferreira é uma pessoa importante de suas relações profissionais. No entanto, o professor Cunha Ferreira sustentara o seu poder numa série de negociatas e conchavos. Dava parte dos honorários recebidos nas operações para os médicos que lhes encaminhassem doentes, fazia coincidir o dia das operações com o dia em que estava no hospital, entre outras coisas, e por vezes, João Eduardo participara desses arranjos.

Por outro lado, existia a figura de Medeiros. Medeiros era um médico respeitado por sua carreira pautada a honestidade e nos valores éticos. João Eduardo oscilava entre esses dois modelos de comportamento, mas via de regra tendia a seguir o professor Cunha Ferreira.

No hospital, o professor Cunha Ferreira convida João Eduardo e sua esposa para um jantar em que estará presente também o Medeiros. João Eduardo começa a desconfiar das intenções do professor nesse jantar. Se ele pretendesse arregimentar o Medeiros para o seu lado dificilmente conseguiria. Soube João Eduardo que Medeiros já reprovara algumas chapas médicas que fundamentavam algumas das operações feitas por Cunha Ferreira.

No jantar que contou com a presença de um certo rico vinhateiro, senhor Trigueiros, João Eduardo teme por um conflito entre as duas personalidades médicas. Mas com o apoio da habilidade de Luísa, o Medeiros vai se esquivando das inferências do professor Cunha Ferreira e consegue terminar o jantar sem abrir diretamente uma discussão.

Já altas horas da noite, sob a desculpa de atender um paciente, João Eduardo vai visitar Silvina num teatro de cabaré de terceira categoria. Para sua surpresa, Silvina está tensa e confidencia-lhe que tem uma filha, coisa que sempre escondera de João Eduardo e de todos os seus amantes. João descobre que Silvina tentava dar à filha uma educação decente e que escondera da filha sua profissão. Porém a filha descobrira por meio de outras pessoas e agora recusava em vê-la. João e Silvina bebem até ficarem bêbados.

João Eduardo tivera outras amantes, uma de que se lembra o nome era Clara, saíra com ela uma única vez, mas sua personalidade lhe impressionara, nunca mais a vira. Tinha um apartamento em que marcava os seus encontros e Silvina tinha acesso irrestrito àquele lugar.

Depois da deixar Silvina, após beberem juntos chega em casa já quase amanhecendo e a mulher, Luísa ainda acordada lhe informa que o amigo Jaime morrera, essa, aliás, é a última frase do romance.

 Fonte:
http://literatura-edir.blogspot.com.br/

sexta-feira, 15 de março de 2013

Ariano Suassuna (Romance da Pedra do Reino)

A caminho da bela e lendária Pedra do Reino

Inspirada no Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, de Ariano Suassuna, a tradicional cavalgada de São José do Belmonte chega à sexta edição prometendo atrair mais de 800 cavaleiros (sem falar nos turistas "preguiçosos" que fazem o percurso de carro). Este ano, o evento acontece entre os dias 29 e 31 deste mês, oferecendo aos participantes uma chance imperdível de conhecer um pouco mais sobre a "tragédia sebastianista" ocorrida em Pernambuco há 160 anos e conferir algumas das mais típicas manifestações da cultura popular.

Promovida pela Associação Cultural da Pedra do Reino, a Cavalgada relembra o movimento liderado por João Ferreira, em 1838, na chamada Pedra do Reino, na Serra do Catolé, em São José do Belmonte (na verdade composta por duas grandes formações rochosas, uma com 30 e outra com 33 metros de altura). No local, o auto proclamado Rei João Ferreira formou uma comunidade de fiéis prometendo um reino de justiça, liberdade e prosperidade, onde os pobres ficariam ricos e até os pretos renasceriam brancos.

Tudo isso aconteceria depois da ressurreição de Dom Sebastião, antigo Rei de Portugal, desaparecido na África durante a batalha do Alcácer-Quibir, no século 16. No começo, aos fiéis pedia-se apenas que acreditassem, aguardassem e vivessem segundo as leis do Rei João Ferreira (que incluíam o direito de passar a noite com cada noiva da comunidade, no dia do casamento delas!).

Chegou um ponto em que passaram a ser exigidos sacrifícios humanos. João Ferreira (chamado de Dom João II) pregava que Dom Sebastião só desencantaria se a Pedra do Reino fosse lavada com sangue. O resultado foi a morte de 11 mulheres, 12 homens e 30 crianças (sem falar em 14 cachorros). O próprio João Ferreira terminou sendo morto e outro rei assumiu o seu lugar, Pedro Antônio, que só passou um dia no poder.

A Guarda Nacional, integrada por fazendeiros da região, decidiu intervir e mais 22 pessoas morreram (entre sebastianistas e soldados). O então prefeito da comarca de Flores, Francisco Barbosa Paes, descreveu o episódio como "uma das maiores carnificinas acontecidas no Sertão Pernambucano. O caso mais extraordinário, mais terrível, nunca visto, quase incapaz de acreditar-se".

O EVENTO

A história é contada no romance de Ariano Suassuna e revivida anualmente na Cavalgada da Pedra do Reino (que este ano acontece no domingo, 31, precedida de outras celebrações a partir da sexta, 29). Os participantes, com trajes, armas e bandeiras de inspiração medieval, partem da praça central de São José do Belmonte, por volta de 05h da manhã, depois que tiros de bacamarte ecoam pela cidade e o padre abençoa os cavaleiros. Cinco horas depois, chegam à Pedra do Reino, onde é celebrada uma Missa com a presença de cantadores e violeiros, seguida por uma grande festa. Este ano, uma das atrações é a banda Comadre Florzinha.

Convidado especialíssimo, o escritor e secretário de cultura do estado de Pernambuco, Ariano Suassuna, lidera a comitiva com o título de Imperador da Pedra do Reino, concedido pela Associação. Junto a ele segue seu filho, o artista plástico Dantas Suassuna, Rei da Cavalgada, acompanhado da Rainha, Elizandra Carvalho, escolhida por concurso entre as garotas do município. Também na comitiva de frente, os membros da Ordem dos Cavaleiros da Pedra do Reino, em seis pares de vermelho e azul.

Um ritual um tanto mágico parece estar acontecendo, à medida em que os cavaleiros seguem até a Pedra do Reino, entoando tradicionais aboios (cantigas de vaqueiros), com trajes elaborados especialmente para a ocasião. Mais envolvente só mesmo o romance de Ariano sobre o tema, indispensável para quem quiser captar toda a essência do evento.

Para quem não tiver chance de lê-lo, vale ir se familiarizando com a história a parte do Memorial da Pedra do Reino, que será inaugurado no próximo domingo, dia 24, em Belmonte. No local, funcionará um museu com objetos, fotos e documentos sobre as mortes nas pedras e sobre a criação da festa. Uma das salas terá o nome do Imperador Ariano Suassuna.

A obra de Ariano Suassuna

“O assunto da obra esteia-se no mistério da decifração da morte de Sebastião Garcia-Barretto; afinal, é, aparentemente, por estar ligado a ela que o narrador se encontra preso e depondo num processo que constitui(rá) a narrativa. Essa morte é atribuída, pelo narrador, a motivos políticos que se relacionariam à sucessão do trono do Imperador do Brasil, da dinastia de João Ferreira, fanático que se proclamou rei do Brasil, em 1836, na comarca de Vila Bela.

No plano histórico, a década de 30 é marcada por confrontos políticos. Fundem-se o real e o imaginário, para surgimento da ficção, o que corresponde à proposta quadernesca de ajeitar o real para que possa ‘caber nas métricas da Poesia’.

Na verdade, a morte instaura apenas um enigma, gerador de um discurso sobre fatos mais relevantes: a genealogia de Quaderna, que lhe impõe um Destino, as atividades dessa personagem, o desaparecimento, no dia do crime, de Sinésio, filho de Sebastião Garcia-Barretto, e o posterior aparecimento do rapaz do cavalo branco.

Esse assunto apresenta características de epopéia: está em jogo o destino da Vila e, pela megalomania do narrador, o do Brasil; há a volta de um herói, tido por morto, depois responsável por grandes façanhas que incluem a vingança do pai assassinado e o estabelecimento de uma nova ordem (‘um reino de glória, justiça e paz’), condizente com os mais elevados destinos da Raça e da Nação brasileira, se amolda ao projeto de Quaderna.

(...)

O rapaz do cavalo branco e o próprio Quaderna são ‘assinalados’, isto é, devem cumprir um Destino como os heróis Ulisses, Enéias, Gama.”

(MICHELETTI, Guaraciaba. Na Confluência das Formas, ed.Clíper, 1997, p. 75-76)

“Para atingir seus objetivos, Quaderna, respaldando-se na sua tradição familiar, funda a religião Católica-Sertaneja, que toma de outras princípios básicos, refundindo-os, de acordo com seus propósitos.

Desta religião, essencialmente pragmática, nasce outra demanda: a política. As duas confundem-se no ‘rapaz do cavalo branco’, que se revela herdeiro do mito de D.Sebastião e da tradição cavaleiresca do Santo Graal. D.Sebastião é o casto guerreiro que, em seu cavalo branco, em Alcácer-Qibir, luta contra os mouros, me defesa dos ideais cristãos. Roberto do Diabo, depois pai de Ricarte da Normandia, um dos Doze Pares de França, purgou suas culpas, redimiu-se, quando montado em seu cavalo branco, que ‘era encantado’, livrou o reino de sua amada de um grande traidor. Ambos, mito e romance, partilham da crença de que os novos tempos são anunciados pela chegada do predestinado.”

(MICHELETTI, p. Cit., p. 66)

A PEDRA DO REINO

Publicado em 1970, A pedra do reino continua sendo considerado um romance completo, pois até hoje as duas outras partes da trilogia não vieram a público, pelo menos em edições comerciais. Em vista disso, a possibilidade de análise é um tanto precária, apesar de a obra oferecer, em suas mais de 600 páginas, matéria suficiente não apenas para ensaios como para livros inteiros.

De leitura um pouco árida na primeira centena de páginas, A pedra do reino, mesmo isolada da trilogia de que faz parte, é um verdadeiro monumento literário que se liga à cultura caboclo-sertaneja nordestina, muito marcada pelas tradições do mundo ibérico (Portugal e Espanha), trazidas pelos primeiros colonizadores europeus e transformadas ao longo dos séculos.

Em linhas gerais, A pedra do reino é a apresentação do memorial - obviamente em primeira pessoa - de D. Dinis Ferreira - Quaderna, que, preso em Taperoá, faz sua própria defesa perante o corregedor e, para tanto, conta a história de sua família, das desavenças, das lutas e das controvérsias políticas, literárias e filosóficas em que se vira envolvido. Como diz um crítico, na obra de Suassuna podem ser percebidas "duas distintas tradições a informarem a concepção de mundo do herói: a tradição mítico-sertaneja e a tradição erudita" (J. H. Weber). O que faz, como no caso de todas as demais obras da nova narrativa, com que A pedra do reino se diferencie claramente do romance brasileiro tradicional.

O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta foi publicado no Rio de Janeiro em agosto de 1971. Seu sucesso foi imediato e as reedições traduzem o interesse dos leitores (janeiro de 1972, agosto de 1972).

Resumir A Pedra do Reino seria, sem dúvida, destruir uma obra composta de idas e vindas, de momentos líricos e cômicos, de debates políticos e filosóficos, de múltiplas citações, alusões e referências históricas e literárias. Basta esboçar o argumento narrativo para se convencer da dificuldade da empreitada : Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, poeta, humorista, memorialista e bibliotecário da Vila de Taperoá, no sertão da Paraíba, decide relatar os acontecimentos que o trouxeram onde se encontra no início do livro, ou seja na cadeia. Elabora assim um Memorial dirigido «aos magistrados e soldados, toda essa raça ilustre que tem o poder de julgar e prender os outros […] aos nobres Senhores e belas Damas de peitos brandos…» Após a evocação do fator determinante, isto é a chegada do Donzel Branco, seu primo, Sinesio o Alumioso, e o assassinado do tio de Quaderna, éste conta a história de sua família, ligada à proclamação de um reino, estabelecido sobre duas pedras «encantadas», situadas no Alto Sertão de Pernambuco. Descreve seu itinerário pessoal e até íntimo : sua infância, sua formação poética com um cantador, a descoberta do passado da família e do mundo da cavalaria, a tomada de consciência de herdeiro do reino, a longa viagem iniciática que lhe permite reencontrar este passado, seus mestres e os problemas filosóficos, literários e políticos que os ocupam, o espírito aventureiro que leva Quaderna a organizar a sua reconquista do Reino Perdido e lhe permitirá talvez, um dia, revelar a verdade sobre a morte rocambolesca do seu tio. A chegada do Rapaz do Cavalo Branco, misterioso e perigoso, será o início da grande aventura de Quaderna, sua "Demanda do Graal" : demanda da identidade do rapaz, busca da verdade, procura de um tesouro perdido mas, antes de mais nada, espera e procura da Revelação, do «Sacramento» que o tornará Imperador do Sertão e Gênio da Raça. A aventura de fato não começou : o romance inteiro não é senão preparação à aventura, relato mesclado de muitas histórias ou anedotas ligadas, direta ou indiretamente, à narrativa principal.

1. Uma Pedra movediça ou a constelação de variantes

Se o Auto da Compadecida foi imediatamente traduzido e representado em várias línguas no mundo inteiro, A Pedra do Reino, apesar do entusiasmo que desperta em críticos e leitores, assustou os editores estrangeiros pelas suas dimensões (625 páginas) tanto quanto pelo seu mundo denso de referências culturais brasileiras, eruditas e populares. As editoras alemãs tomaram a frente : a edição, em dois volumes reunidos numa caixinha, teve um formato semi-bolso, uma diagramação atraente e uma capa original.

Os editores franceses reagiram positivamente à leitura do romance mas pretenderam aplicar uma regra então quase generalizada para as obras volumosas de autores estrangeiros pouco conhecidos : a redução do volume por amputação de uma ou várias partes. Jorge Amado já tinha sido vítima deste procedimento e sua Tereza Batista só foi editada na sua integridade textual nos anos 90 : na primeira edição francesa, faltavam o primeiro e o último capítulos o que resultava num considerável empobrecimento do significado da obra.

1.1. Informado, Ariano Suassuna começou recusando mas reavaliou posteriormente a sua posição e entregou (à sua tradutora), em 1976, uma primeira tentativa de redução textual, uma variante do primeiro livro do Romance d’A Pedra do Reino, intitulada A Pedra do Reino, versão para Franceses e outros estrangeiros sensatos. Mas as negociações de edição foram suspensas e a reescritura parou neste ponto. Esta primeira versão reduzida foi vertida para o francês e figura, com autorização do autor, em anexo da minha tese de Doutoramento em Letras, na Universidade de Paris III , juntamente com poemas e textos de outros autores, membros do Movimento Armorial. Esta «Antologia Armorial» não saiu, até o presente momento, das páginas da tese.

Contudo, o trabalho de redução assim iniciado não restringiu somente o volume global de palavras por capítulo como atingiu aos poucos a própria estrutura do romance, obrigando o autor a uma re-visão de sua obra. Deste modo, Suassuna elabora uma variante que não se destina mais exclusivamente à tradução. A redução do texto implica corte de parte do volume inicial, as duas primeiras partes que relatam a infância e a formação literária do narrador-protagonista, Quaderna. Por outro lado, são suprimidas varias citações e alusões diretas ou indiretas a obras literárias, em particular a folhetos, cantigas ou quadras populares.

1.2. Quaderna, o Decifrador (tapuscrito com correções manuais, datado de 1978) reduziu-se de fato a um primeiro livro, A Pedra do Reino ou a Quarta-feira de Trevas. A matéria narrativa continua distribuída em partes, intituladas «Canto» e não «Livro» como na edição de 1971. Estas três partes são :

Canto I – Os Três Irmãos Sertanejos nas teias da sorte cega

Canto II – Os Gaviões Cegadores

Canto III – A Demanda do Sangral

Apesar da transformação do intitulado do segundo canto, podemos encontrar no conteúdo narrativo do livro bem como no intitulado dos «folhetos» ou capítulos, uma exata correspondência com o conteúdo dos Livros III, IV e V da versão editada em 1976.

Suassuna acaba por redistribuir os elementos de sua trilogia : este primeiro volume de Quaderna o Decifrador, A Pedra do Reino ou a Quarta-feira de Trevas, deveria ser seguido por um segundo volume, provavelmente intitulado As infâncias de Quaderna, que retomaria a matéria narrativa dos dois primeiros livros da edição de 1971, parte da História d’O Rei Degolado nas Catingas do Sertão, além dos folhetos publicados sob este título em forma de folhetins semanais no Diário de Pernambuco, de 2 de maio 1976 a 19 de junho de 1977.

Sem prazo para concluir estas transformações do segundo e do terceiro volume, Suassuna prefere manter inédita a nova versão para reeditar os três volumes de uma só vez ou com poucos mêses de distância. Contudo, em curto artigo, datado de 9 de agosto de 1981 e publicado no Diário de Pernambuco, Ariano Suassuna comunica a sua retirada da vida pública e da literatura. O aparente, e tão apressadamente comentado, fracasso do seu engajamento cultural [no Movimento Armorial] juntou-se às dúvidas e questionamentos de um escritor e de um homem que se declarou sempre «perturbado por sonhos, químeras e visões até utópicas da vida e do real».

1.3. Em 1994, antevendo a possibilidade concreta de traduzir A Pedra do Reino e tendo encontrado um editor francês decidido a publicá-la, submeti a proposta a Ariano. A aceitação foi seguida, dois mêses mais tarde, pela remessa de um tapuscrito intitulado A Pedra do Reino, versão para Europeus e Brasileiros sensatos. O título era evidentemente adaptado da primeira versão reduzida e destinada à tradução (a de 1976), contudo Ariano, ao incluir os «Brasileiros» entre os destinatários desta nova obra, manifestou claramente o caráter definitivo desta nova estrutura narrativa e que será algum dia publicada em português. Esta versão retoma o texto de Quaderna, o Decifrador, com muitas correções manuscritas, algumas supressões e alguns acréscimos4, e mantém a mesma estrutura em folhetos (capítulos) de mesmo título, suprimindo contudo a divisão em partes ou «cantos» da versão de 1978. Os folhetos apresentam-se portanto uns após os outros sem qualquer separação ou forma de estruturação.

Este livro, traduzido por mim, foi publicado pelas Editions Anne-Marie Métailié em fevereiro de 1998, poucos dias antes da realização do Salão do Livro de Paris, cujo convidado de honra era, naquele ano, o Brasil. A edição foi primorosa e reproduziu na capa uma xilogravura colorida de Gilvan Samico, intitulada «Alexandrino e o Pássaro de Fogo», escolhida pela editora entre as muitas sugestões apresentadas, sem saber que esta gravura tinha sido preferida por Ariano Suassuna para ilustrar a capa do primeiro disco LP do Quinteto Armorial (capa conservada na edição em CD).

Dispomos portanto de quatro textos distintos d’A Pedra do Reino :

A. O Romance d’A Pedra do Reino, de 1971, editado pela José Olympio, só se encontra hoje nos sebos e saiu há muito tempo do catálogo da editora. Desconfio que esta situação de «quase desaparecimento» seja aceita com certa satisfação pelo autor que deixa se criar um hiato antes da publicação da nova versão;

B. A Pedra do Reino, versão para Franceses e outros estrangeiros sensatos, de 1976, ensaio de redução do primeiro livro (ou parte) que foi interrompido. Foi traduzido para o francês e tornado público como anexo de uma tese (ou seja está inédito para o grande público!);

C. Quaderna, o Decifrador : Livro I – A Pedra do Reino ou a Quarta-feira de Trevas, de 1978, versão completa e inédita em português ;

D. A Pedra do Reino, versão para Europeus e Brasileiros sensatos, de 1994, versão corrigida do texto anterior, inédita em português e publicada em francês em tradução minha, com o título de La Pierre du Royaume, version pour Européens et Brésiliens de bon sens.

Eis o estado da questão em matéria textual : a Pedra do Reino continuará sem dúvida alguma a se mexer e esperamos que chegue a uma edição completa e satisfatória.

2. O processo de tradução de La Pierre du Royaume

Existem dois tipos de tradutores : os que traduzem por amor à língua e os que traduzem por amor a uma obra literária. Não considero evidentemente aqueles que traduzem por apego ao dinheiro porque geralmente desistem logo de ser tradutores! Na França, tradutor tem estatuto, tem tarifa sindical, tem associação representativa. Tradutor de português tem principalmente dificuldades para encontrar um editor que queira publicar obras da literatura portuguesa ou brasileira.

Eu me situo objetivamente entre os tradutores que traduzem por amor a uma obra literária : descobriram um autor ou um livro e querem fazer compartilhar aos seus compatriotas – que não têm a sorte de poder ler no original – o prazer desta leitura. A minha leitura d’A Pedra do Reino foi apaixonada e apaixonante. A tradução do livro tornou-se portanto um objetivo. Durante anos, andei nas editoras parisienses em cada viagem à França, deixava o livro, umas páginas traduzidas e esperava o diagnóstico. Ele sempre foi o mesmo : a obra era magnífica, a tradução de qualidade mas… e no «mas» entrava segundo os anos e as editoras : a crise da edição francesa, a falta de interesse para a literatura estrangeira, o tamanho do livro, o custo da tradução, a situação financeira da referida editora etc.

Em 1994, a França lia e a-do-ra-va um escritor brasileiro, que fazia um sucesso inacreditável e vendia até cinco edições paralelas de um mesmo livro. Precisa dizer o nome ? Pois era mesmo aquele que vocês imaginam : Paulo Coelho. Esta situação me deu força para ir à luta novamente. Resolvi procurar desta vez uma pequena casa editorial que tinha 15 anos de existência e um invejável catálogo de autores brasileiros : Machado de Assis, Euclydes da Cunha, Guimarães Rosa, Cornélio Penna e Raquel de Queiroz figuravam, entre outros, na sua «Biblioteca brasileira». Não precisei de nenhum esforço para convencer Anne-Marie Métailié da importância da Pedra do Reino : mencionei a Versão para Franceses e outros estrangeiros sensatos de 1976 e o Quaderna, o Decifrador, de 1978. Poucos mêses depois, o contrato estava assinado e Ariano me mandava a versão definitiva, corrigida e transformada em Versão para Europeus e Brasileiros sensatos.

O meu trabalho de tradução, correção, releitura e recorreção durou 3 anos, sem exclusiva, claro, porque tradutor, na França como em qualquer parte do mundo, dificilmente vive graças a suas traduções.

Eu pensava conhecer o livro : afinal tinha lido inúmeras vezes, consultado, anotado, fichado, tinha escrito uma dissertação de mestrado sobre A Pedra do Reino como novela de cavalaria e uma tese de doutorado sobre o Movimento Armorial em que a obra figurava e era analisada pormenorizadamente. Tinha feito comunicações, conferências, debates mas nunca havia experimentado esta relação íntima com o texto, este pisar no rasto do autor, este passar pelas próprias palavras as emoções, as dúvidas, as alegrias. A tradução me revelou dimensões da obra que a crítica e a análise não podiam alcançar mas, em compensação, sem este trabalho anterior de longos anos de pesquisa e aprofundamento não somente deste livro senão da obra completa de Suassuna e dos integrantes do Movimento Armorial, nunca teria ousado enfrentar tamanho desafio.

A Pedra do Reino é um livro oral, ele é dito, contado, por um narrador falante e mentiroso, que envolve o seu leitor em conversas, relatos e discursos brilhantes interrompidos por crises de sinceridade ou de medo. Eu traduzi este livro falando em voz alta, frente ao meu computador; revisava teatralizando e muitas vezes preferi tal palavra a tal outra simplesmente porque soava melhor. Esta busca do tom, do som, da justeza da conversa me levou freqüentemente a simplificar as formas verbais porque o subjuntivo, por exemplo, não tem o mesmo valor nem a mesma significação social em português e em francês.

Além da dimensão oral, A Pedra do Reino é um livro visual, com ilustrações reproduzidas na edição de 1971 em página inteira ou integrada no texto. Para a edição francesa, Ariano Suassuna retrabalhou seus desenhos a modo de vinhetas situadas na abertura de cada folheto, lembrando as iluminuras e iniciais ricamente ornamentadas dos manuscritos antigos. O efeito é surpreendente e belíssimo.

O léxico apresenta-se sempre como a dificuldade mais visível de uma tradução. A pesquisa lexicográfica representa sem dúvida uma parte importante do trabalho : alguns termos de geografia, culinária ou história foram mantidos no texto, sem nota quando se tratavam de termos já dicionarizados, como caatinga ou sertão, ou com nota de rodapé, retomados num glossário no final do livro, quando muito específicos como foi o caso de certas manifestações folclóricas ou plantas.

Por outro lado, o respeito do texto obriga a desconfiar do peso adquirido por certos termos na língua-meta : um dos meus leitores (foram vários) criticou minha tradução, aparentemente preguiçosa, de «um Negro meio sangue de Índio-Tapuia» (un Noir demi-sang d’Indien-Tapuia) e sugeriu «um Nègre métis d’Indien-Tapuia». Desprezando este «meio-sangue» que, em português como em francês, refere-se à mistura de sangue da raça eqüina, ignorou a paixão do narrador Quaderna pelos cavalos : as comparações entre homens e cavalos são freqüentes no romance e sempre positivas enquanto o termo «mestiço» conserva, em ambas as línguas, uma carga semântica negativa.

Outro objeto de debate, o nome do Estado, a Paraíba. A prática habitual dos geógrafos consistiria em traduzí-la por «la province du Paraïba», termo que me pareceu de imediato muito estreito para designar o que, para o narrador, representa um verdadeiro país e até o centro do Império do Sertão, seu território mítico. A estrutura federal do Brasil impõe, por outro lado, de não assimilar um Estado a uma simples província, que se define em relação a um centro, numa perspectiva centralizadora e jacobina inaceitável no Brasil. O Estado da Paraíba apresenta-se nesta obra como um país designado no feminino em razão do seu final em –a. Escrever-se-á portanto la Paraïba como se escreve la Louisiane ou la Californie. Le Paraïba, no entanto, continuou designando o rio Paraíba e Paraïba, «tout court», foi reservado à capital do Estado que mudou de nome em 1930 para escolher o nome do seu Presidente assassinado, João Pessoa.

La Pierre du Royaume, version pour Européens et Brésiliens de bon sens não obedece, portanto, a critérios acadêmicos : os famosos exercícios de aprendizagem de língua estrangeira, latim ou grego, version ou thème, que a universidade francesa continua valorizando ao extremo, para as línguas vivas tanto quanto para as mortas. Todos os anos, por ocasião da preparação dos concursos que dão acesso à carreira docente (Capes e Agrégation) as traduções das obras inscritas ao programa são analisadas, dissecadas e geralmente condenadas por professores universitários que perseguem o «faux-sens», o «contre-sens», o «solécisme» ou qualquer um destes graves pecados da vida docente. E propõem textos impecáveis, conservando todos os modos e pretéritos perfeitos e imperfeitos, mas geralmente textos mortos, destruídos pelas marteladas conjugadas da erudição e da gramática. Não estou defendendo o erro e muito menos a aproximação ou a falta de rigor mas, como no teatro, a tradução deve se tornar de algum modo interpretação para conseguir atingir a verossimilhança discursiva e a poética.

Assim, me atrevo a concluir esta reflexão com a ajuda de Samuel, personagem de A Pedra do Reino :

«[…] quando um Poeta brasileiro ou português traduz uma obra estrangeira, para mim, o original fica sendo o trabalho dele. Sou nacionalista, e, podendo, pilho os estrangeiros o mais que posso! Para mim, Manoel Odorico Mendes é o autor dos originais da Ilíada e da Eneida brasileira : Homero e Virgílio são, apenas, os tradutores gregos e latinos dessas obras dele! Castilho é o autor do Fausto e do Dom Quixote, assim como José Pedro Xavier Pinheiro é o verdadeiro autor da Divina Comédia que Dante traduziu para o italiano!»

Posso portanto com tranquilidade e orgulho assinar este texto :
Idelette Muzart Fonseca dos Santos
autora de La Pierre du Royaume,
Version pour Européens et Brésiliens de bon sens,
obra traduzida para o português por Ariano Suassuna.


Fontes:
http://educaterra.terra.com.br/literatura/litcont/litcont_6.htm)
http://www.geocities.com/ail_br/lapierreduroyaume.html)