segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Sir Arthur Conan Doyle (Conto: Nosso Visitante da Meia Noite)

A minha história, contei-a quando fui preso, mas ninguém acreditou em mim. Contei-a de novo, durante o processo. Contei tudo como se havia passado. Deus me defenda! Pormenorizei tudo, e as palavras e os gestos da Srª. Mannering e as minhas palavras e os meus gestos. E para quê? "O réu fez uma declaração incoerente, inadmissível, nos detalhes em que não repousa sobre nenhuma aparência de prova", assim se exprimiu um jornal de Londres; para os outros, foi como se eu não tivesse apresentado defesa alguma. E entretanto eu vi com estes olhos o assassinato do Sr. Mannering; nele estou tão inocente como qualquer dos jurados que me julgaram. E já que hoje estais aí, senhor, para receber os requerimentos dos prisioneiros, eis o meu. Peço-vos que o leias, somente que o leias. Depois sabereis qual o caráter daquela Srª. Mannering - se é que ela conserva ainda o nome que usava há três anos, quando para minha desgraça, a conheci. Encarregai desse inquérito um agente particular ou um advogado; e em breve sabereis o bastante para vos convencerdes de que minha narrativa é a pura verdade. A menor averiguação colocar-vos-á sobre a pista. Lembrai-vos de que o crime só beneficiou essa pessoa, pois que, de uma mulher desgraçada que era, tornou-se hoje uma viúva rica. Tendes aí o fio condutor, basta seguí-lo e ver onde ele vos leva. Notai, senhor, que eu não falo de roubo. Não reclamo contra o que mereci, que não foi mais do que merecia. Foi somente o roubo, e paguei-o com meus três anos de cadeia. Reconheço o furto; mas no que diz respeito ao assassinato que hoje faz de mim um condenado por toda a vida, - e com outro juiz que não fosse o Sr. Doutor James, talvez tivesse ido parar na forca - afirmo que estou preso sem culpa, e protesto a minha inocência.

Volto à noite de 13 de setembro. Dir-vos-ei exatamente o que aconteceu. Havia passado o verão em Bristol, em busca de trabalho. Pensei que seria fácil achar algum em Portsmouth, pois sou bom mecânico, e pus-me a caminho, cortando o sul da Inglaterra, ocupando-me de mil negociosinhos. Esforçáva-me por sair honestamente dos trabalhos, pois acabava de passar um ano na prisão de Exter e não me agradava alojar-me em Casa da Rainha. Mas quem tem o nome manchado faz mal em se empregar; e tudo o que pude fazer foi viver.

Enfim, cerca de dez dias passados a cortar lenha e a quebrar pedras por um salário chorado, achava-me perto de Salisbury com um "shilling" no bolso e a paciência esgotada. Há na estrada que vai de Blandford e Salibury, uma taverna chamada "A boa intenção". Aluguei ali um leito para passar a noite.

Estava sentado na sala, completamente só, à hora de fechar as portas, quando o taverneiro, chamado Allen, aproximou-se de mim e pôs-se a falar de gente da vizinhança. Era um homem que gostava de tagarelar; tão bem que eu fiquei lá, fumando e despejando um copo de cerveja, enquanto durava o seu discurso. E não prestei muita atenção no que ele dizia, até o momento em que, metendo-se o diabo no meio, ele pôs-se a falar dos tesouros de Mannering Hall.

- Quer falar da grande casa que fica à direita, antes de entrar na vila? - perguntei. Aquela que tem um parque?

- Exatamente. A casa branca dos pilares, na estrada de Blanaford

Havia notado essa casa, quando por lá passara e, como, naquele momento, pensado que facilmente uma pessoa poderia introduzir-se nela. Havia expulsado essa idéia, mas eis que agora o hospedeiro a fez voltar com a enumeração das riquezas.

- Ainda moço - disse ele - o seu proprietário já era avarento. Imagine agora em sua idade! Nada impede que ele tenha tido algum prazer com seu dinheiro.

- Que prazer pode ter tido, se não o gasta? - perguntei.

- Mas possuindo a mulher mais bonita da Inglaterra. Isto pelo menos é um prazer. Ela pensava ter o dinheiro à disposição, hoje conhece a diferença.

- E ela, o que era? - murmurei, para dizer alguma coisa.

- Nada, quando o velho Senhor a fez sua Senhora. Vinha de Londres. Uns pretendiam que ele a havia retirado do teatro. Ninguém sabia. O velho havia passado um ano fora. Quando voltou, trazia uma moça. Ela ainda está lá. Sephens, o mordomo, disse-me uma vez que ela, nos primeiros tempos, alegrava toda a casa; mas o procedimento mesquinho de seu marido, a solidão em que a conservava, pois ele detesta as visitas, e a dureza de suas palavras, pois sua língua é um aguilhão, fizeram com que a vivacidade a abandonasse, e transformaram-na numa pálida e silenciosa criatura, que se vê errar pelos atalhos do campo. Alguns pretendem que ela amava outro homem, mas que os tesouros do velho a tornaram infiel, e que agora se lhe despedaça o coração por ter perdido, sem proveito, um pelo outro, pois com a fortuna do marido poderia perfeitamente passar pela pessoa mais pobre da paróquia.

O taverneiro dizia-me essas coisas e muitas outras semelhantes; mas a esquecia logo, porque não me interessavam. O que me preocupava era a maneira por que o Sr. Mannering guardava suas riquezas. Os títulos de propriedade e de renda são simples papéis, e tirá-los é mais perigoso que lucrativo. Mas o ouro e as jóias valem bem o perigo. E então, como que respondendo a meus pensamentos, o taverneiro pôs-se a falar da grande coleção de medalhas de ouro, reunida pelo Sr. Mannering. Era a mais preciosa do mundo; e a prova disso era que, se se pusessem todas as medalhas num saco, o homem mais forte não conseguiria carregá-lo. Então a mulher do taverneiro chamou-o e fomos nos deitar. Isto não é uma historia cuidadosamente preparada para as necessidades da minha causa. Mas, eu vos peço, senhor, prestai atenção: interrogai vossa consciência e dizei se poderia haver tentação mais cruel?

Aquela noite estava eu naquele leito, sem recursos, sem esperança, sem trabalho, com o ultimo "shilling" no bolso. Havia experimentado ser honesto e as pessoas honestas haviam me virado as costas. Chamavam-me ladrão e impeliam-me ao roubo. Arrebatado por essa corrente, não havia para mim meio de salvação. E eis que me aparecia essa pechincha: A grande casa rodeada de janelas, e as medalhas de ouro tão fáceis de fundir! Era como se alguém tivesse estendido uma côdea de pão a um faminto, crendo que ele não a comeria! Lutei um momento; mas basta! Acabei sentando-me na cama, e jurando que naquela noite me tornaria rico e depois renunciaria ao crime, ou conheceria ainda o peso das algemas. Vesti-me às pressas, pus um "shilling" sobre a mesa para o taverneiro e pela janela pulei para o jardim. Um muro alto servia de tapume. Saltei-o com facilidade. Do outro lado, o campo era livre. Não encontrei ninguém na estrada. A porta da entrada estava aberta. No pavilhão do porteiro, ninguém se mexia. O luar estava claro e eu avistava o palácio, muito branco, sob a abóbada das arvores. Andei cerca de um quarto de milha e cheguei a um vasto terreno arenoso diante da porta principal. Permaneci ali um instante acocorado procurando o meio mais fácil para subir. A janela do canto de um dos lados parecia a menos visível dos andares; ocultava-a uma espessa cortina de hera: tinha lá as melhores probabilidades de êxito. Protegido pelas árvores, deslizei por trás da casa. Um cão ladrou e ouviu-se o ruído de sua corrente. Esperei que sossegasse, depois continuei a marcha furtiva até à janela escolhida.

É extraordinário que a gente da aldeia não se ponha em guarda contra os ladrões e que a idéia destes não entre nunca em sua mente. A ocasião faz o ladrão, quando ao passar por uma porta sem pensar no mal, este a vê abrir-se diante de si. Não foi este verdadeiramente o meu caso. Mas um simples gancho fechava a janela; soltei-o com a ponta do meu canivete, levantei a vidraça, introduzi a lamina no intervalo das persianas e abri. Eram persianas de dobradiças e bastou-me empurrá-las para penetrar no quarto.

- Boa noite, senhor! Seja bem-vindo! - disse uma voz.

Sofri muitas emoções em minha vida, mas nenhuma mais violenta do que aquela. Perto da janela, ao alcance do meu braço, estava uma mulher, que tinha na mão uma vela. Alta, delgada, tinha um belo rosto pálido, que parecia ser talhado no mármore, e seus olhos e seus cabelos eram negros como a noite. Uma espécie de "peignoir" descia-lhe até aos pés. E com essa roupa e com esse rosto parecia um fantasma imóvel. Minhas pernas tremiam e tive que apoiar-me a uma janela. Teria girado sobre os calcanhares e fugido, se tivesse tido forças para isso. Mas mal me sustinha em pé, e fiquei a contemplá-la. Depressa ela me reanimou.

- Não tenha medo! - disse ela, - e de uma dona de casa a um ladrão eram estranhas essas palavras.

- Vi-o da janela de meu quarto, quando se ocultava sob as árvores; então desci e o ouvi à janela. Tê-la-ia aberto se me desse tempo. Mas o senhor precedeu-me. - Pegou-me na mão e puxou-me para o quarto.

- Que significa isso, senhora? Nada de gracejos! - disse com uma voz rude, e sei torná-la rude quando quero.

- Não estou disposto a deixá-la zombar de mim, acrescentei, mostrando-lhe o canivete aberto com que forçara a janela.

- Não penso em zombar de si, respondeu ela. Pelo contrário, sou sua amiga e desejo auxiliá-lo.

- A senhora se desculpa, o que é difícil de acreditar. Por que deseja auxiliar-me?

- Tenho minhas razões.

E de repente, seus negros olhos brilharam de cólera, em seu rosto pálido.

Porque o odeio, odeio, odeio! Compreende?

Lembrei-me do que me havia dito o taverneiro, e compreendi. Olhei-a de frente e conheci que podia confiar nela. Ela queria vingar-se de seu marido. Ela queria feri-lo no ponto sensível, na bolsa. Ela o odiava a ponto de perder o orgulho e confiar num individuo como eu, contanto que se vingasse. Detestei algumas pessoas em minha vida; mas creio que não havia compreendido o ódio, até ao momento em que vi aquele rosto de mulher, à luz da vela.

- Agora, confia em mim? - perguntou-me; e outra vez puxou-me levemente pela manga do paletó.

- Sim, senhora.

- Então conhece-me?

- Suponho quem seja.

- Minhas queixas são o assunto obrigatório da gente desta terra. Mas que importa isto a esse homem? Ele só ama uma coisa na terra, e essa coisa está à sua disposição. Tem um saco?

- Não, senhora.

- Feche as persianas. Assim, ninguém verá a luz. Não tema nada. Os criados dormem do outro lado. Vou mostrar-lhes os objetos preciosos. O senhor não pode levá-los todos; escolherá os melhores.

Achava-me numa sala comprida e baixa. Tapetes e peles cobriam o soalho polido. Pequenas vitrines erguiam-se aqui e ali. As paredes eram cobertas de lanças, espadas, remos e outros objetos semelhantes que se encontram nos museus. Havia ali também estofos bizarros, trazidos de paises selvagens. A mulher tirou do meio de tudo isso um grande saco de couro.

- Este servirá. Venha; vou mostrar-lhe onde estão as medalhas.

Pensava sonhar com a idéia dessa mulher pálida que, sendo a dona da casa, me ajudava a roubar sua própria residência. Ter-me-ia rido, talvez, se, na palidez do seu rosto, não houvesse uma coisa que me impressionava e me amedrontava. Ela deslizou diante de mim como um fantasma, levando o rolo verde de seu pavio de cera, e a segui com meu saco, até uma porta na extremidade da sala. A chave estava na fechadura. Penetrei no quarto do lado, atrás da minha guia. Era uma sala vasta, com tapeçarias pendentes que, bem me recordo, representavam uma caça ao veado. E, à luz trêmula da vela, jurar-se-ia ver os cães e os cavalos saltarem ao longo das muralhas. Não havia outros móveis além de grandes armários de nogueira, ordenados de cobre e munidos, no alto, de vidraças, sob as quais eu via alinharem-se as medalhas de ouro, algumas grandes como pratos, de meia polegada de espessura, colocadas todas sobre veludo escarlate e brilhando na obscuridade. Os dedos abriam-se para apanhá-las e já me preparava para fazer saltar uma das fechaduras com meu canivete. Mas a mulher deteve-me o braço.

- Um momento, disse ela. O senhor tem um negócio melhor. Moedas de ouro não valem mais do que estas medalhas?

- Certamente, disse. É o que há de melhor.

- Bem, replicou ela. Meu marido dorme lá em cima, justamente sobre nossas cabeças. Uma simples escadinha nos separa dele. Há, sob seu leito, uma caixa de folha-de-flandres e nessa caixa há bastante dinheiro para encher esse saco.

- Mas como hei de tirá-lo, sem que o homem acorde?

- Que lhe importa que ele acorde? E acrescentou, olhando-me fixamente: - O senhor pode impedi-lo de gritar.

- Não, senhora, isso não.

- Como for do seu agrado, concluiu ela. Julgava-o um homem corajoso; vejo que me enganei! Desde que um velho o intimida, é lógico que não pode tirar o dinheiro de sob seu leito. O senhor é o único juiz de seus atos. Mas esperava mais de si. E creio que deveria escolher outro oficio.

- Não quero ter um assassinato na consciência.

- Pode tirá-lo sem fazer-lhe mal algum. Quem lhe fala de assassinato? O dinheiro está sob sua cama. Fiquei aí se lhe falece o ânimo.

Assim ela me excitava pelo sarcasmo; tentava-me com esse dinheiro que fazia luzir ante meus olhos. E, sem duvida, teria acabado por ceder, e ter-me-ia arriscado, se, percebendo com que olhos maliciosos e pérfidos ela me via lutar, não tivesse compreendido que ela queria fazer de mim um instrumento de sua vingança, e que me deixava na alternativa de matar o velho ou deixar-me prender. Achou que ia muito longe, pois de repente transfigurou-se e sorriu-me. Era tarde: sabia o que devia pensar.

- Não irei lá em cima, declarei. Tenho aqui o que desejo.

Ela olhou-me desdenhosamente, como nunca se olhou para um homem.

- Seja! Roube essas medalhas. Preferia que começasse por este lado. Suponho que uma vez fundidas terão todas o mesmo valor; estas aqui são as mais raras e por conseqüência têm para ele maior preço. É inútil forçar as fechaduras; basta apertar este botão de cobre; há uma mola secreta. Aqui! Em primeiro lugar este grande. Ele guarda-o como a menina-dos-olhos. - Ela havia aberto um dos móveis, e todas aquelas preciosidades se me ofereciam. Ia apanhar as medalhas que ela me indicava, quando a vi mudar de cara e levantar o dedo como para me advertir.

- Silencio! - murmurou. - Que será isso?

Ao longe, no silêncio da casa, ouvimos um rumor surdo e fraco, um rumor de passos. Ela fechou imediatamente o móvel.

- Meu marido! - murmurou. - Mas não se inquiete, arranjarei tudo.

Escondeu-me com o saco atrás da tapeçaria e, iluminando com a vela, voltou rapidamente para o quarto de onde havíamos saído. Apesar de escondido, continuava a vê-la pela porta entreaberta.

- És tu, Roberto? - perguntou ela.

A luz de uma vela iluminou a soleira da porta do museu; os passos aproximaram-se; e vi aparecer um rosto, um rosto grande e severo, magro, e enrugado, com um enorme nariz adunco e lunetas de ouro. A cabeça inclinava-se para trás, por causa das lunetas, e o nariz era saliente como o bico de um pássaro. Os cabelos anelavam-se em torno de sua cabeça. Não tinha barba. Sua delicada boca, pequena e afetada, dissimulava-se profundamente sob o nariz imperioso. Ele estava lá, com a vela à sua frente, e olhava sua mulher com um ar estranhamente hostil. Vendo-o, adivinhei que era igual a afeição que tinham um pelo outro.

- Oh! - perguntou - então que é isso? Ainda um acesso de gênio? Que tens para rodar assim pela casa? Por que não te vais deitar?

- Não tenho sono.

Ela falava pronunciando as palavras com languidez. Se aquela mulher algum dia tivesse sido atriz não esquecia sua profissão.

- Hás de permitir que eu creia - disse ele com uma voz rude - que uma consciência tranqüila é uma boa auxiliar de sono?

- Enganas-te - replicou a mulher- pois dormes admiravelmente.

- Em minha vida - trovejou ele, e com os cabelos eriçados pela cólera parecia um velho papagaio de topete, - só há uma coisa de que me envergonho. Sabes qual? Foi um erro da minha parte que trouxe a punição consigo.

- Tanto para mim como para ti, lembra-te disso!

- Não tens de que te queixar. Eu desci e tu subiste.

- Subi?

- Sim, subiste. Não negarás que se sobe quando se passa do "music-hall" para o Mannering-Hall!! Fui um imbecil arrancando-te do teu meio!

- Se pensas assim, por que me prendes?

- Porque um tormento oculto vale mais do que uma vergonha pública. Porque é mais fácil sofrer as conseqüências de uma loucura do que reconhecê-la. E também porque quero continuar a conservar-te sob meus olhos e a saber que não podes voltar para a companhia do outro.

- Miserável! Miserável covarde!

- Sim, sim, conheço tua ambição secreta. Mas não a realizarás enquanto eu viver. E se voltares para a companhia daquele homem, depois da minha morte, saberei fazer com que voltes ao estado de mendiga. Tu e teu caro Eduardo jamais terão a satisfação de esbanjar minhas economias. Decide-te. Como me explicas estarem abertas esta janela e estas persianas?

- A noite estava muito quente.

- Cometeste uma imprudência. Sabes que pode haver vagabundos lá fora e que minha coleção de medalhas é incomparável? Tinha igualmente deixado aberta a porta. É este o meio de impedir que roubem minhas vitrines?

- Eu estava lá.

- Sem duvida. Ouvi mexeres no quarto das medalhas e foi por isso que desci. Que estavas fazendo?

- Que poderia fazer? Admirava as medalhas.

Curiosidade nova da tua parte.

Olhou-a desconfiado e dirigiu-se para a outra sala. Ela seguiu-o. Constatei então uma coisa que me fez estremecer. Havia deixado meu canivete aberto sobre uma das vitrines. Ele estava ali completamente à vista. A mulher viu-o primeiro. Com uma astúcia bem feminina, colocou sua vela de maneira a interpor a luz entre os olhos do Sr. Mannering e o canivete; depois tomou-o na mão esquerda e ocultou-o na roupa. Entretanto o velho examinava, canto por canto, toda a vitrine; houve um momento em que se aproximou de mim até ao alcance da mão. Nada indicando que se tivesse mexido nas medalhas, ele examinou, murmurando e praguejando, a primeira peça. Apenas passada a revista na primeira colocou a sua vela num canto de uma das mesas e sentou-se fora do alcance de minha vista. Ela ia e vinha atrás dele, segundo indicava a sombra projetada sobre o soalho pela luz da vela. Então ele pôs-se a falar do homem a quem chamava Eduardo, e cada palavra que proferia caia como uma gota de vitríolo. Falava baixo, de sorte que nem tudo eu podia ouvir; mas, pelo que ouvia, acreditei que ele não a teria martirizado mais, açoitando-a com um chicote. A princípio ela murmurou algumas palavras; depois emudeceu, enquanto ele, com sua voz glacial e irônica, continuava insultando, remexendo o passado, torturando, a tal ponto, que me admirava que ela sofresse em silêncio. E, de repente, ouvi o velho gritar: "Sai de trás de mim! Deixa-me! O quê! Ousarias ferir-me!" Ouvi então um ruído característico, uma espécie de choque mole. O velho gritou: "Meu Deus! Sangue!" E arrastou os pés, como se levantasse. Ouvi um segundo golpe. O velho gritou ainda: "Desgraçada!" Depois, só veio interromper o silêncio da casa o ruído de um líquido caindo no chão. Saí então do meu esconderijo e, trêmulo de terror, corri para o primeiro quarto. O velho tinha escorregado da cadeira e seu robe, repuxado, fazia-lhe uma corcova monstruosa nas costas. A cabeça, ainda com as lunetas em seu lugar, inclinava-se para o lado, e a boca pequenina estava aberta como a de um peixe morto. Não via de onde vinha o sangue, mas ouvia-o cair no chão. Ela, de pé, atrás dele, recebia em cheio a luz da vela. Seus lábios fechavam-se, seus olhos brilhavam, um leve rubor subira-lhe ao rosto; não me lembro de ter visto nunca mulher mais bela.

- A senhora fez isso?

- Fiz - respondeu tranqüilamente.

- E agora, o que vai fazer? Vão prende-la por crime de morte.

- Não se inquiete por minha causa. Nada me prende à vida; isso não tem importância. Ajude-me a endireitá-lo na cadeira. É horrível vê-lo assim.

Obedeci, não obstante gelar-me o tocar num cadaver. Um pouco de sangue caiu-me na mão.

- Agora pode tirar as medalhas - disse ela. Tanto faz o senhor, como um outro. Tire-as e vá-se embora.

- Não as quero mais. Quero partir, nunca estive metido em negócio semelhante.

- Que loucura! - disse ela. O senhor veio por causa das medalhas, elas estão à sua disposição. Por que não levá-las? Ninguém lho impede.

Conservava ainda o saco comigo. Ela abriu o móvel e despejamos uma centena de medalhas no saco. Mas não tive forças para ficar por mais tempo. Aproximei-me da janela, pois o ar da casa parecia envenenado pelo que acabava de testemunhar. Voltando-me, a vi ainda de pé, alta e graciosa, com a vela na mão, tal como me havia aparecido. Fez-me um gesto de despedida, ao qual correspondi, e internei-me rapidamente no parque. Graças a Deus, tenho o direito de jurar, com a mão sobre o coração, que não cometi o crime. Talvez fosse diferente, se tivesse podido ler no espírito daquela mulher; e sem duvida ficariam dois cadáveres em vez de um, naquele quarto, se tivesse podido presumir o que ocultava aquele ultimo sorriso. Preocupado unicamente com a minha segurança, não refleti nem um minuto sequer na maneira pela qual ela me havia armado o laço. Mas, havia dado apenas cinco passos no jardim, caminhando na sombra das arvores, da mesma maneira como tinha chegado, quando ouvi um grito, um grito capaz de despertar toda a paróquia, depois outro e mais outro.

- Assassino! Assassino! Assassino! Socorro!

E esses gritos de mulher no silêncio da noite, repercutiram pelos campos. Perturbaram-me o espírito. Num instante, luzes começaram a agitar-se, janelas a abrir-se, não só atrás, no palácio, mas no pavilhão do guarda e nas cavalariças, na frente. Como uma lebre espantada, corri pela alameda, mas ouvi fecharem o portão, antes que pudesse alcançá-lo. Então, escondi o saco num montão de lenha e procurei salvar-me através do parque. Alguém me viu à luz da lanterna e fui imediatamente perseguido por uma dúzia de pessoas, auxiliadas por cachorros. Acocorei-me entre os arbustos, mas os cães eram muito numerosos, e só respirei quando chegaram os homens para impedir que me estraçalhassem. Agarraram-me e levaram-me para o palácio de onde eu saíra.

- Foi este homem, senhora? - perguntou o mais velho do grupo, que mais tarde soube ser o mordomo.

Inclinada sobre o corpo, ela ocultava os olhos com um lenço. Bruscamente, lançou-me um olhar de fúria. Ah! aquela mulher é uma perfeita comediante!

- Sim, sim, foi esse mesmo - gritou ela. Ah! Canalha! Canalha! Fazer isso com um velho! - Estava lá um individuo que parecia um oficial de justiça da aldeia. Pôs-me a mão no ombro e perguntou-me:

- Que responde a isto?

- Que foi ela quem o assassinou - disse, designando a mulher, que nem pestanejou diante de mim.

- Vamos, vamos! Não me engana! - disse ele - E um dos criados deu-me um murro. - Digo que vi, protestei. Vi-a dar duas facadas nesse homem. Ela matou-o, depois de me ter ajudado a roubá-lo.

O criado quis bater-me ainda; ela, porém, estendeu a mão.

- Nada de violências, disse; a justiça castigá-lo-á.

- Queira Vossa Senhoria dizer-me, Vossa Senhoria presenciou o crime?

- Com meus próprios olhos. Foi horrível. Ouvimos barulho e descemos. Meu marido vinha na frente. O homem havia aberto uma das vitrines e enchia o saco de couro preto que tinha na mão. Saltou diante de nós para fugir. Meu marido deteve-o. Na luta o Sr. Mannering recebeu duas facadas. Se não me engano a arma ainda está na ferida. E veja o sangue nas mãos do assassino!

- Vejo-o nas mãos dela - respondi.

- Ela pegou na cabeça de Sua Senhoria, patife desavergonhado! - disse o mordomo.

Nesse momento entrou um criado trazendo o saco que eu escondera na minha fuga.

- Eis - disse o oficial - o saco e as medalhas de que falou Vossa Senhoria. Isto basta. Esta noite conservaremos aqui o homem e amanhã o inspetor e eu o levaremos para Salisbury.

- Pobre diabo! - disse a mulher. - Por minha parte, perdôo-lhe o mal que me fez. Quem sabe que tentação o terá impelido ao crime? Sua consciência e a lei irão assegurar-lhe uma punição que não quero tornar mais cruel com minhas censuras.

Não achava resposta. Não, senhor, não achava resposta, a tal ponto me assombrava essa mulher com sua segurança; e, num silêncio que parecia dar-lhe razão, deixei-me arrastar pelo oficial e pelo mordomo para o celeiro, onde me fecharam por aquela noite. Já vos contei toda a série de acontecimentos que terminaram pelo assassinato do Sr. Mannering por sua mulher, na noite de 14 de setembro de 1894. Talvez, como o oficial de justiça de Mannering-Towers e o juiz, não leveis em conta minhas alegações. Talvez reconheçais nelas o acento da verdade; e, escutando-me, sereis talvez um homem que não se embaraça com considerações pessoais, quando se trata de justiça. Só espero em vós, senhor. Se me relevardes dessa falsa acusação, abençoar-vos-eis como nunca homem algum abençoou a outro. Mas, se pelo contrário me abandonardes, dou-vos minha palavra que daqui a algumas semanas estarei enforcado nas barras do meu cubículo e, daí em diante, por pouco que isto tenha sido permitido a alguém, aparecerei em todos os vossos sonhos. O que peço é muito simples. Informai-vos sobre essa mulher, vigiai-a, revolvei seu passado, verificai o emprego do dinheiro de que se tornou dona, verificai a existência desse Eduardo, que creio estar ligado à sua vida. E se, por acaso, souberdes de alguma coisa que vos mostre a verdadeira natureza da pessoa, ou que vos pareça corroborar a história que vos contei, sei que posso contar com o vosso coração para alcançar piedade para um inocente.


Fonte:
DOYLE, Sir Arthur Conan. Nosso visitante da meia-noite e outros contos sensacionais. Ediouro.
http://www.gargantadaserpente.com/

Artur de Azevedo (Conto: O Espírito)

O caso que vou contar passou-se há um bom par de anos, quando no Rio de Janeiro o espiritismo não tinha ainda o caráter de seriedade nem os ilustres prosélitos que hoje tem, mas começava a ocupar a atenção e a roubar o tempo a algumas pessoas de boa fé.

Entre essas figurava o Garcia, bom homem, cujo único defeito era ser fraco de inteligência, defeito que todos lhe perdoavam por não ser culpa dele.

O nosso herói não se empregava absolutamente noutra coisa que não fosse comer, beber, dormir e trocar as pernas pela cidade. Tinha herdado dos pais o suficiente para levar essa vida folgada e milagrosa, e só gastava o rendimento do seu patrimônio.

Casara-se com d. Laura que, não sendo formosa que o inquietasse, nem feia que lhe repugnasse, era mais inteligente e instruída que ele. Esta superioridade dava-lhe certo ascendente, de que ela usava e abusava no lar doméstico, onde só a sua vontade e a sua opinião prevaleciam sempre.

O Garcia não se revoltava contra a passividade a que era submetido pela mulher: reconhecia que d. Laura tinha sobre ele grandes vantagens intelectuais e, se era honesta e fiel aos seus deveres conjugais, que lhe importava a ele o resto?

Sim, que d. Laura já não lembrava do Frederico...

Quem era esse Frederico? Um elegante guarda-livros, que a namorava quando o Garcia apareceu iluminado pela sua auréola de capitalista, pondo-o imediatamente fora de combate.

Ou fosse para melhorar de situação ou porque realmente o magoasse a vitória fácil do dinheiroso rival, o guarda-livros, ainda d. Laura não se tinha casado, mudara-se para São Paulo, e nunca mais souberam dele, nem ela, nem o Garcia.

Num dia em que este, ano e meio depois de casado, perguntou, a gracejar, pelo primeiro namorado de sua mulher, d. Laura, no generoso intuito de o tranqüilizar, respondeu, simulando
indiferença:

- Não sei... Parece que morreu...

- Morreu?...

- Pelo menos disseram-me que sim... em São Paulo... Não sei ao certo, nem isso me interessa.

Por esse tempo já o Garcia tinha sido iniciado, por algum amigo, nos mistérios do espiritismo, e fazia parte de um grupo, um dos primeiros que organizaram nesta cidade, para estudar os fenômenos revelados nos livros de Allan-Kardec.

Os associados reuniam-se todos os sábados para consultar a mesa giratória, evocar espíritos e conversar com defuntos célebres. Produziam-se, realmente, alguns fenômenos, que impressionaram profundamente o espírito débil de Garcia, a ponto de fazer com que ele não pensasse mais noutra coisa a não ser em almas de outro mundo.

Tinha o nosso espírita grande curiosidade de evocar por meio de tal mesa giratória o espírito de Frederico, apenas para verificar se estava morto o seu antigo rival; abstinha-se, porém, de o fazer pelo receio de que os colegas do grupo, sabendo do namoro da sua mulher, o tomassem por ciumento e ridículo.

Mas uma noite, em que a sessão ainda não começara, e estavam presentes apenas dois companheiros, que mal o conheciam, o Garcia pediu-lhes que o ajudassem a evocar o espírito de um amigo.

Os outros aquiesceram. Sentaram-se os três e espalmaram as mãos sobre uma pequena mesa de três pés, que em poucos minutos começou a mexer-se como um ser animado.

- Está presente o espírito que evoquei? - perguntou o Garcia em voz sinistra e cavernosa. - Se está presente, dê duas pancadas!

A mesa inclinou-se duas vezes, e obedeceu.

- Faça o favor de dizer o seu nome por letras do alfabeto! -continuou o Garcia no mesmo tom.

A mesa deu seis pancadas.

- F - disseram os dois companheiros.

- Adiante!

A mesa deu dezoito pancadas.

- R - repetiram os espíritas.

- Adiante!

A mesa deu cinco pancadas.

- E - explicou um dos três.

- F, R, E - disse o outro.

E em tom de comando, acrescentou:

- Se é Frederico, dê uma pancada forte!

A mesa deu uma pancada tão violenta, que partiu a perna.

O Garcia ergueu-se lívido e assombrado, gaguejando:

- Estou satisfeito.

- Mesmo porque é preciso consertar a mesa - concluiu um dos companheiros.

- Com duas pernas é impossível fazê-la trabalhar.

O que preocupava o grupo já não eram os espíritos invisíveis nem os fenômenos da mesa, que se poderiam atribuir a simples efeitos do magnetismo animal; o que todos ali desejavam era ver um espírito materializado, e para isso tinham empregado grandes esforços, mas sempre vãos.

Nessa ocasião estavam presentes no Rio de Janeiro não só o espírito como o corpo, em carne e osso, do Frederico, vindo de São Paulo para tratar de um negócio urgente, de três a quatro dias.

Apesar da pressa que trazia, o guarda-livros achou um momento disponível para passar pela casa do Garcia, na esperança de ver - apenas ver - d. Laura. Poupem-me os leitores explicar-lhes como não só a viu, como lhe falou; e até entrou para a sala..

O caso ê que, naquela noite, a mesma da evocação, voltando o Garcia para os seus penates mais cedo que de costume, pois que a sessão não se realizara por falta de número, encontrou o Frederico no corredor, saindo para a rua, e ficou tão estupefato que o deixou sair sem lhe dirigir a palavra.

O pobre-diabo foi direto ao quarto de sua mulher, que, ouvindo-lhe os passos apressados, se sentara mais que depressa numa cadeira de balanço, a ler um livro, fingindo a maior tranqüilidade.

- Que quer isto dizer?

- Isto quê?

- Esse homem que acaba de sair daqui?

- Um homem?! Daqui?! Tu estas doido!...

- Oh, senhora! Pois não esteve aqui um homem?

- Estás doido, repito.

- Eu vi-o!

- Não podias ter visto.

- Vi-o, e era o Frederico!

D. Laura soltou uma risada.

- Ora o Frederico! Um morto! Olha, sabes que mais? O tal espiritismo transtorna-te o miolo! O melhor é deixares-te disso!

O Garcia pensou:

- Um morto... Sim, ele está' morto... e ele então materializou-se para aparecer-me... Não foi outra coisa!

No sábado seguinte, o Garcia apareceu radiante ao grupo:

- Meus amigos, tenho que lhes fazer uma comunicação muito importante: sou médium vidente!

- Deveras? - exclamaram todos em coro.

- É o que lhes digo! Sábado passado, ao entrar em casa, encontrei no corredor uma pessoa que morreu em são Paulo.

- Conte-nos isso - ordenou o presidente do grupo - Você não teve medo?

- Eu? Nenhum! O espírito, sim, o espírito é que, pelos modos, teve medo de mim, porque assim que me viu deitou a fugir...

Fonte:
AZEVEDO, Artur de. Contos. Ed. Escala. Col. Grandes Obras.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Pessoas em Fernando Pessoa

Mário de Andrade (Resuno e Análise: Contos Novos)

Retratando as vivências da classe média

Datado de 1947, o volume apresenta nove contos, sendo quatro ("Peru de Natal", "Vestida de Preto", "Frederico Paciência" e "No Tempo da Camisolinha") escritos em 1ª pessoa e cinco ("O Ladrão", "Primeiro de Maio", "Atrás da Catedral de Ruão", "O Poço" e Nélson") escritos em 3ª pessoa.

Predomina nos contos a análise psicológica, chegando a estruturas refinadas e perfeitas dentro da modernidade a que se propõe, como é o caso de "Peru de Natal".

Mário de Andrade, nos contos em 1ª pessoa, apresenta caráter autobiográfico. No período, influenciado pelas doutrinas psicanalíticas de Freud, deixa-se levar por certo complexo edipiano, de maneira a exaltar a figura da mãe-mártir perfeita e abominar a formação patriarcal da família. Ainda é lembrada ("Frederico Paciência") certa tendência ao homossexualismo. Por trás da análise psicológica, o escritor mostra a vivência urbana, retirando seus personagens das camadas médias da sociedade paulistana.

Gênero literário

Contos de estrutura moderna, que acolhem as principais correntes ficcionistas que marcaram a Literatura Brasileira das décadas de 30 e 40. Mais do que os fatos exteriores, os relatos procuram registrar o fluxo de pensamento das personagens.

Contexto histórico-cultural

São Paulo, capital e interior, décadas de 20 a 40; processo de urbanização e industrialização (cidade); patriarcalismo X progressismo (ambiente rural).

Enredos:

1. "Vestida de preto": Juca, em flash-back, recupera as primeiras experiências amorosas com sua prima Maria, bruscamente interrompidas por uma Tia Velha. A repressão associa-se à rejeição da prima, que o esnoba na adolescência. A prima se casa, descasa, e o convida para visitá-la. "Fantasticamente mulher", sua aparição deixa Juca assustado.

2. "O ladrão": Numa madrugada paulistana, um bairro operário é acordado por gritos de pega-ladrão. Num primeiro momento, marcado pela agitação, os moradores reagem com atitudes que vão do medo ao pânico e à histeria, anulados pela solidariedade com que se unem na perseguição ao ladrão. Num segundo momento, caracterizado pela serenidade e enleio poético, um pequeno grupo de moradores experimenta momentos de êxtase existencial. Os comportamentos se sucedem, numa linha que vai do instinto gregário ao esvaziamento trazido pela rotina.

3. "Primeiro de Maio": Conflito de um jovem operário, identificado como "chapinha 35", com o momento histórico do Estado Novo. 35 vê passar o Dia do Trabalho, experimentando reflexões e emoções que vão da felicidade matinal à amargura e desencanto vespertinos. Mesmo assim, acalenta a esperança de que, no futuro, haja liberdade democrática para que "sua" data seja comemorada sem repressão.

4. "Atrás da catedral de Ruão": Relato dos obsessivos anseios sexuais de uma professora de francês, quarentona invicta, que procura hipocritamente dissimular seus impulsos carnais. Aplicação ficcional da psicanálise: decifração freudiana.

5. "O poço": Joaquim Prestes, fazendeiro dividido entre o autoritarismo e o progressismo, é desafiado por um grupo de peões que se insubordinam, desrespeitando o mandonismo absurdo do patrão.

6. "Peru de Natal": Juca exorciza a figura do pai, "o puro-sangue dos desmancha-prazeres", proporcionando à família o que o velho, "acolchoado no medíocre", sempre negara.

7. "Frederico Paciência": Dois adolescentes envolvidos por uma amizade dúbia, de conotação homossexual, procuram encontrar justificativas para esse controvertido vínculo e se rebelam contra as convenções impostas pela sociedade.

8. "Nélson": Registro do comportamento insólito de um homem sem nome. Num bar, um grupo de rapazes exercita seu "voyeurismo" pela curiosidade despertada pelo estranho sujeito: quatro relatos se acumulam, na tentativa de decifrar a identidade e a história de vida de uma pessoa que vive ilhada da sociedade, ruminando sua misantropia.

9. "Tempo de camisolinha": Juca, posicionando-se novamente como personagem-narrador, evoca reminiscências da infância, especialmente do trauma que lhe causou o corte de seus longos cabelos cacheados. Reconcilia-se com a vida ao presentear um operário português com três estrelas-do-mar.

Foco narrativo de 1a pessoa

Centra-se no eixo de individualidade de Juca, protagonista-narrador. Por meio de evocação memorialista, em profunda introspecção, ele relembra a infância, a adolescência e o início de vida adulta.

Foco narrativo de 3a pessoa

Centra-se num eixo de referência social, de inspiração neo-realista. A denúncia de problemas sociais se alia à análise da problemática existencial das personagens.

Espaço

Integra-se de forma dinâmica nos conflitos das personagens. Por exemplo, em "O poço", o frio cortante do vento de julho, no interior paulista, amplifica o tratamento desumano que o fazendeiro Joaquim Prestes dá a seus empregados.

Personagens

Nas nove narrativas, evidencia-se um profundo mergulho na realidade social e psíquica do homem brasileiro. Os quatro contos de cunho biográfico e memorialista, centrados em Juca, promovem uma "interiorização" de temas sociais e familiares. Já os com enunciação em terceira pessoa apresentam personagens cuja densidade psicológica procura expressar a relação conflituosa do homem com o mundo. Em contos como "Primeiro de Maio", "Atrás da catedral de Ruão" e "Nélson", os protagonistas não têm nome: isso é índice da reificação e da alienação que fragmentam a existência humana na sociedade contemporânea.
Fonte:
Digerati CEC 0004. CD Rom

Camilo Castelo Branco (Resumo: Amor de Salvação)

Amor de Salvação é uma novela passional, considerada pela crítica uma das obras mais bem acabada do autor. A história relata lembranças que são contadas ao narrador pelo protagonista, em uma noite de Natal, após um reencontro entre os dois que não se viam há quase doze anos.

Afonso e Teodora foram prometidos um ao outro, por suas mães que eram amigas desde os tempos em que estudavam num convento. Após a morte da mãe, Teodora vai para um convento e tem como tutor seu tio, pai de Eleutério Romão. Teodora e Afonso estão sempre em contato aguardando o tempo certo para casarem. Afonso resolve estudar fora por dois anos. Teodora influenciada pela amiga Libana quer casar-se o mais rápido possível. A mãe de Afonso, D. Eulália, pede-lhe para aguardar. Mas com a saída de Libana do convento Teodora se desespera e resolve casar-se com seu primo, Eleutério, para libertar-se das grades do convento.

Eleutério era o oposto a beleza de Teodora, era rude e vestia-se de forma hilariante. Apesar da grande tentativa de seu tio, o padre Hilário, em ensinar-lhe a ler, nada conseguiu. Vencido pela incapacidade de seu sobrinho, Padre Hilário desistiu afirmando que somente através de uma fresta no cérebro, aberta a machado, seria possível tal façanha. Teodora viveu em pompas, trajes de sedas, cavalos, bailes, etc., mas nunca esquecera Afonso, enviava-lhe cartas de amor mas nunca obtivera resposta.

Afonso sofreu muito com a notícia do casamento de Teodora, pediu a mãe permissão para se ausentar de Portugal. Contava sempre com o apoio e o consolo das cartas de sua mãe e sua prima Mafalda, que o amava pacientemente. Após anos de amargura, sofrimento e luta contendo-se diante das cartas de Teodora, para não fugir aos ensinamentos religiosos aos quais sua mãe o educou, foi fulminado pela influencia do amigo José de Noronha que o incentivou a escrever à Teodora. Relutou mas não conseguiu. A tal carta foi cair nas mãos de Eleutério, leu mas nada entendeu. Pediu então a um amigo ajuda para interpretá-la. A carta acabou sendo rasgada por Fernão de Teive, dando a desculpa de serem grandes sandices, após junto com sua filha Mafalda, reconhecer as intenções do remetente, seu sobrinho Afonso de Teive. Não conformado Afonso parte ao encontro de Teodora. Eleutério quando os encontra juntos, pede-lhes explicações. Teodora responde-lhe que é uma mulher livre a partir daquele momento, e vai viver com Afonso. Passam momentos, ilusoriamente, felizes. Afonso abandona até a sua própria mãe para viver ardentemente esta paixão que sempre o consumiu. Sua mãe sempre afetuosa, apesar da grande tristeza, sustenta a vida luxuosa que Afonso tem ao lado de Teodora .

Afonso quando fica sabendo da morte de sua mãe, através de carta escrita por Mafalda, se desespera. Teodora tenta consolá-lo, mas ele sente em suas palavras ironia e sente nojo de tamanho fingimento. Procura isolar-se de Teodora e dos amigos. Durante este período, Tranqueira, velho criado da família, alerta-o sobre as intenções do amigo José de Noronha por Teodora. No início se revolta contra o criado, mas acaba escutando-o e passa a observá-los. Encontra umas cartas que confirmam as suspeitas. Certo dia os pega juntinhos com gestos de muita familiaridade. Aborrece-se pede para que Noronha saia de sua casa. Teodora dissimulada como sempre, tenta enganá-lo, mas ele atira-lhe as cartas. Teodora desmaia enquanto Tranqueira derruba Noronha na cisterna para vingar seu patrão.

Afonso passa alguns dias fora de casa, quando retorna encontra uma carta de Toedora informando os pertences que havia levado consigo. Apesar de traído sente saudade da encantadora Teodora. Vende tudo e parte para Paris atrás de um amor que o salve. Gasta tudo o que tem. Por fim, pede ao seu tio Fernão para comprar-lhe a casa onde viveram seus pais e avós, pois não queria ofender a memória de sua mãe que o havia pedido, em carta antes morrer que não a vendesse. Mafalda com seu coração generoso e cheio de amor pelo primo, pede a seu pai que o atenda, e este assim o faz mas, com a condição de que a casa continuaria sendo de Afonso. Afonso afunda-se cada vez mais em seus vícios e extravagâncias a ponto de querer suicidar-se. Tranqueira, que nunca o abandonou, percebeu sua intenção e disse-lhe severas palavras que o livraram de tamanha loucura. Mudou de vida, passou a trabalhar e a estudar com apoio de seu criado.

Fernão de Teive adoece, e prestes a morrer pede ao padre Joaquim que vá a Paris entregar a Afonso, os documentos de propriedade da casa a qual comprara, apenas com intuito de ajudar o sobrinho. Após a morte de Fernão, Mafalda sentindo-se sozinha, resolve viajar com o padre Joaquim para Paris com a objetivo de juntar-se as irmãs de caridade. Quando o padre Joaquim encontra Afonso e conta-lhe da morte do tio, este chora e corre ao encontro da prima que ficara em uma hospedaria.

Mafalda conta ao primo sua decisão, mas padre Joaquim pede-lhes, pelo amor de Deus, que ao invés disso, casem-se. Afonso aceitou de imediato e agradeceu à Deus por ter ouvido os pedidos de suas mães. Afonso e Mafalda voltaram para sua cidade, casaram-se, tiveram oito filhos e foram muito felizes. Apesar do título “Amor de Salvação” a novela relata em quase toda sua extensão, um “amor de perdição” entre Afonso de Teive e Teodora Palmira. Ao “amor de salvação”, Mafalda, são dedicadas somente as ultimas páginas do romance.

Fonte:
Sueli Rodrigues in Digerati. CEC 0004. CD Rom.

Bernardo Guimarães (Resumo: A Escrava Isaura)

"O coração é livre; ninguém pode escravizá-lo, nem o próprio dono."

Em uma magnífica fazenda, no município de Campos de Goitacases (RJ), morava Isaura, uma linda escrava de cor de marfim. Isaura era filha de uma bonita escrava que por não se sujeitar aos sórdidos desejos do senhor comendador Almeida (dono da casa) sofreu as mais terríveis privações. Esta escrava teve um caso com o feitor Miguel, que era um bom homem e não aceitou castigá-la como mandou o seu senhor, sendo Isaura fruto desse relacionamento. Isaura foi educada pela mulher do comendador, e era dotada de natural bondade e candura do coração além de saber ler, escrever, italiano, francês e piano. A mulher do comendador tinha desejo de libertar Isaura, porém não o fazia para conservá-la perto e assim ter companhia.

O Sr Almeida se aposenta, retirando-se para a corte e entrega a fazenda a seu filho Leôncio. Este era digno herdeiro de todos os maus instintos e devassidão do comendador. Casou-se por especulação. Nutre por Isaura o mais cego e violento amor. Ele chega à fazenda com sua mulher - Malvina - e seu cunhado - Henrique. Malvina era mulher dócil e tratava Isaura muito bem. Henrique era um filho rico, estudante de medicina, e também ficou tocado pela beleza de Isaura. Morre a mãe de Leôncio sem deixar testamento que libertasse Isaura.

Henrique rapidamente percebe as intenções de Leôncio para com Isaura. Temendo que ele traia sua irmã, adverte-o que não tolerará tal ato. Henrique se oferece como amante para Isaura e daria em troca sua liberdade. O jardineiro da fazenda, um ser disforme e abjetável, também se oferece como amante. Isaura não dá atenção a essas propostas, e diz nunca casar sem amor. Leôncio é avistado por Henrique e Malvina quando fazia semelhante proposta à Isaura. Malvina setencia: ou ela (Isaura) ou eu. No mesmo momento da calorosa discussão, aparece o pai de Isaura com o dinheiro suficiente, uma enorme quantia de 10 contos de réis, para comprar a liberdade dela conforme havia prometido o comendador Almeida. Leôncio não aceita o dinheiro e dá desculpas vazias.

Morre o pai de Leôncio e ele finge imensa tristeza por dias, o que o alija temporariamente de brigar com a mulher. Passado certo tempo, Malvina continua a pressão para que se libertá-se Isaura. Com as desculpas e adiamentos de Leôncio, ela decide voltar à casa do seu pai. A sua saída era caminho livre para os intentos indecentes de Leôncio. Como Isaura continuava a resistir, Leôncio ameaça com torturas. Miguel, sabendo do acontecido, decide fugir com Isaura para o Norte.

Chegando em Recife, a linda Veneza Americana, Isaura muda seu nome para Elvira e Miguel para Anselmo passando a morarem numa chácara no bairro de Santo Antônio. Álvaro era um moço rico, filho de uma distinta e opulente família, liberal, republicano e abolicionista extremado. Ele avista Isaura ao passear perto da sua chácara e a conhece, passando a visitá-la constantemente. Álvaro se utiliza de todos os meios para convencer Isaura a ir a um baile com ele. Isaura não queria ir para não enganar a sociedade e iludir o seu amante. Ela por diversas vezes tentou contar a Álvaro que se tratava de uma escrava fugida, mas não tinha coragem. Ela só aceita ir diante do argumento de que tanta reclusão estaria despertando a atenção da polícia. Isaura sente um mau presságio desse baile.

No baile, Isaura se destaca no meio de todas as mulheres devido a sua beleza e por tocar muito bem piano. Contudo, é reconhecida por Martinho - um estudante de sórdida ganância e espírito de cobiça - que havia guardado um anúncio de escravo fugido. Ele provoca um escândalo durante o baile e Isaura confessa diante de toda a sociedade se tratar de uma escrava. Álvaro, não obstante, defende-a e devido a sua influência a toma por fiador, sem deixar que ela caísse nas mãos imundas de Martinho. Este, sem conseguir levá-la, escreve para Leôncio informando que havia achado sua escrava.

Graças a valiosa intervenção de Álvaro, Miguel e Isaura continuam na sua chácara em Santo Antônio na espera das ações que ele havia prometido tomar. Isaura conta que fugiu para escapar do amor de um senhor libidinoso e cruel. Enquanto Álvaro se encontrava na chácara, Leôncio aparece para sua surpresa e exige levar Isaura. Leôncio encontrava-se munido de um mandado de prisão contra Miguel e guardas para levar sua escrava. A aparição é seguida de forte discussão e Álvaro avança contra Leôncio. A briga é cessada com a aparição de Isaura que se entrega ao seu senhor.

Isaura volta a fazenda onde fica na mais completa reclusão. Leôncio se reconciliara com Malvina, pois iria precisar do seu dinheiro. Miguel é ludibriado na cadeia e convencido
a tentar persuadir Isaura a se casar com Belchior, o jardineiro da fazenda, em troca da liberdade sua e da filha.

Isaura aceita o sacrifício pois estava sem forças e sem esperança. Leôncio já havia tomado todas as providências para o casamento, quando é informado que alguns cavalheiros chegaram. Pensando se tratar do vigário e do tabelião, mando-os entrar. É tomado de surpresa ao avistar Álvaro. Este tinha ido ao Rio de Janeiro e descobre com alguns comerciantes que Leôncio estava falido. Compra os seus créditos e fica dono de toda a dívida de Leôncio.

Álvaro afirma a Leôncio que nada mais o pertence, que toda a sua fazenda incluindo os escravos passavam a ser dele com a execução dos débitos. Isaura abraça Álvaro. Leôncio jura que nunca irá implorar a sua generosidade para abrandar a dívida. Ele ausenta-se da sala e se suicida.

Fonte:
Renato Lima
Digerati CEC 0004. (CDROM).

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Os Estatutos do Homem (Thiago de Melo)

Os estatutos do homem
(ato Institucional Permanente)

Artigo I - Fica decretado que agora vale a verdade,
que agora vale a vida,
e que de mãos dadas,
trabalharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II - Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III - Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abri-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV - Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único: O homem confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V - Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com o seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI - Fica estabelecida, durante séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII - Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII - Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX - Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha sempre
o quente sabor da ternura.

Artigo X - Fica permitido a qualquer pessoa,
a qualquer hora da vida,
o uso do traje branco.

Artigo XI - Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã

Artigo XII – Decreta-se que nada será obrigado nem proibido.
Tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único: Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII - Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso o grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final: Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.

Santiago do Chile, abril de 1964
Melo, Thiago de. Faz escuro mas eu canto

Fonte:
SANTOS, Eberth. MOURA, Josana de. Literatura e Filosofia (Palavra em Ação). 2.ed. Uberlândia: Ed. Claranto, 2004.

Concursos de Trovas em Andamento

XVIII CONCURSO NACIONAL E INT. DE TROVAS DE PINDAMONHANGABA
Biblioteca Pública Municipal “Ver. Rômulo Campos D’Arace”
Ladeira Barão de Pindamonhangaba, s/n – Bosque da Princesa
CEP: 12401-320 – Pindamonhangaba-SP
Temas:
Nível Regional: para trovadores domiciliados na cidade de Pindamonhangaba, demais cidades do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Região Serrana (Mantiqueira, no Estado de São Paulo) – SEDUÇÃO.
Nível Nacional/Internacional: para os trovadores domiciliados nas demais cidades do Brasil e Exterior – APATIA.
XII Juventrova (para estudantes) – FICAR
Para todos os temas valem palavras cognatas.
Premiação = Dia: 05 de Julho de 2008.
Máximo de 3 trovas (líricas/filosóficas) por concorrente, datilografando acima da trova, o tema a que concorre.
Serão consideradas as trovas recebidas até 29 de fevereiro de 2008.
Sistema de envelopes.
________________________________________
XLVIII JOGOS FLORAIS DE NOVA FRIBURGO
Temas de âmbito nacional:
"Escolha" (lírico/filosófica) "Feira" (humorística)
A/C Nádia Huguenin, Rua Emilia Barroso, 128-Cônego
Cep 28.621-290 - Nova Friburgo/RJ
Âmbito Municipal (apenas para Nova Friburgo) = Temas:
"Feitiço" (lírico/filosóficas) e "Cabelo" (humorísticas)
A/C João Freire Filho, Rua Parintins, 200, c/8, Cep 21.321-190 = RJ
ATENÇÃO: haverá ainda um concurso paralelo, tema: "Vinda de D.João VI e suas realizações no Brasil". Enviar para o mesmo endereço dos concursos nacionais. Todos os concursos são pelo "Sistema de envelopes", máximo de 03 trovas por tema. Prazo de chegada: até 29/02.2008.
________________________________________
XIV JOGOS FLORAIS DE CURITIBA - PR
Temas: Âmbito Nacional = MISTÉRIO (lírico/filosófica), PIPOCA (humor)
Enviar para Rua Itupava, 791-Alto da Rua XV, Cep 80.040-000, Curitiba.
Âmbito Estadual = ABRAÇO(lírico/filosófica), BATIDA (humor)
Enviar para Rua Graúna, 410-apto. 41, Cep 04513-002, São Paulo-SP
Máximo de 03 trovas por tema. Prazo de recebimento: até 29/02/2008
________________________________________
III JOGOS FLORAIS DO BALNEÁRIO CAMBORIÚ
A /C de Gislaine Canales
Rua: 2700 – Nº 71 Ap. 302-Edifício Acácias – Bloco B – Centro
Cep 88.330-374 - Balneário Camboriú – SC
Tema nacional: LÁGRIMA
Tema estadual (SC): SORRISO
Países de língua espanhola: SONRISA
Máximo 3 (Lírico/Filosóficas)
Valerão trovas recebidas até 31-05-2008
Outras informações: gislainecanales@uol.com.br
________________________________________
XXXVIII JOGOS FLORAIS DE NITERÓI 2008
Caixa Postal 100.518, CEP 24001-970 - Niterói - RJ
Temas: Estadual (só trovadores RJ) = CORTINA
Nacional/Internacional = VARANDA
Valem palavras derivadas.
Máximo de 03 trovas (líricas/filosóficas)
Período para remessa: 01/02/08 a 31/05/08
Endereço para remessa:
Festa de premiação marcada para 29 e 30 de novembro 2008.
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III JOGOS FLORAIS DE CAMBUCI
A/C Almir Pinto de Azevedo
Praça da Bandeira, 79, Cambuci-RJ, Cep 28.430-000
Âmbito nacional/internacional: TEMA LIVRE = apenas uma trova.
Sistema de envelopes. Valem as trovas chegadas até 31.05.2008
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III JOGOS FLORAIS DE CANTAGALO
A/C Ruth Farah Nacif Lutterback
Rua Dr. Nagib Jorge Farah, 204, Cantagalo-RJ, Cep 28.500-000
Temas: âmbito nacional=INVERNO ; âmbito estadual (RJ)=VERÃO
Máximo de duas trovas por autor, trovas lírico/filosóficas.
Valem trovas chegadas até 31.05.2008 = Sistema de envelopes.
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XXVI CONCURSO DE TROVAS DE TAUBATÉ
A/C Angélica Villela Santos
Rua Francisco Xavier de Assis, 36, Taubaté-SP, Cep 12.060-460
Temas= Nacional/Intern.=BRASIL; Para o Vale do Paraíba, Região Mantiqueira e Litoral Norte=TROPEIRO.
Máximo: duas trovas por autor. Prazo para recebimento: até 30.06.2008.
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II CONCURSO NACIONAL DE TROVAS DE SAQUAREMA
A/C de João Costa
Rua Pereira, 331 - Bacaxá, Cep 28.993-000 - Saquarema – RJ
Tema único: Gaivota (s) = Duas (2) trovas por concorrente
Sistema de envelope = Prazo: Até 30 de abril de 2008
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I CONCURSO ESTADUAL / NACIONAL DE TROVAS DO SITE TROVA UNE VERSOS
REGULAMENTO
1. Para o concurso TROVA é a forma poética composta de quatro versos de sete sílabas métricas cada um deles, com ocorrência de rimas do 1º verso com o 3º e do 2º com o 4º, tendo o conjunto sentido completo;
2. As TROVAS, em nº de 02(duas), LÍRICAS OU FILOSÓFICAS, serão enviadas entre 01.12.07 a 29.02.08, EXCLUSIVAMENTE PELA INTERNET para trovauneversos@gmail.com; devendo ser inéditas e de autoria do poeta ou poetisa concorrente;
3. Serão acolhidas TROVAS somente em língua portuguesa, o que não exclui os trovadores de outros países, desde que se sirvam dessa língua;
4. Do e-mail deverão constar obrigatoriamente:
- Nome do autor (completo); - Endereço postal (completo);
- Nº do telefone (se houver); - E-mail;
- TROVAS (duas).
5. As TROVAS terão por temas: LENDA(S) – concorrentes domiciliados no estado do Rio Grande do Norte; SONHO(S) – à exceção do Rio Grande do Norte, para os demais estados do Brasil
e outros países;
6. A Comissão Julgadora escolherá em cada segmento 10 (dez) trovas, assim distribuídas:
- 1º, 2º e 3º lugares – Trovas Campeãs (Ouro / Prata / Bronze);
- 4º, 5º e 6º lugares – (Menções Honrosas);
- 7º, 8º, 9º e 10º lugares – (Menções Especiais).
7. Aos vencedores serão concedidos DIPLOMAS de acordo com a classificação;
8. O site TROVA UNE VERSOS anunciará o resultado em 20.04.08;
9. Trovas que estiverem em desacordo com os Artigos deste Regulamento serão excluídas automaticamente do Concurso e a remessa de mais de 02(duas) trovas resultará na desclassificação do(a) participante;
10) Pela simples remessa das TROVAS o(a) concorrente aceita as normas do presente regulamento;
11) Outros informes serão obtidos pelo site: www.trovauneversos.hpgvip.com.br (na seção Informativo); dúvidas pelo e-mail: trovauneversos@gmail.com .

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Fonte:
http://www.falandodetrova.com.br/v5/andamento

Concurso de Trovas (Sistema de Envelopes)

No Brasil o sistema adotado desde muito tempo é o chamado "sistema de envelopes", que consiste em:

- datilografar/digitar a Trova na face externa de um pequeno envelope de aproximadamente 7/11 cm, tendo, acima da Trova, o Tema a que concorre.

- colocar dentro deste envelope um papel com: nome e endereço completos, mais a assinatura. E outros dados de identificação que achar necessários.

- fechar esse envelope (colar) para remessa.

- colocar o(s) envelope(s) com as Trovas em outro, maior, para a remessa, endereçado ao Concurso. Esse envelope não deve ter nenhuma identificação do remetente. Se não houver instruções específicas, usar como remetente "Luiz Otávio" e repetir o endereço do próprio Concurso.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Alberto da Cunha Melo (1942 - 2007)


por Marcelo Pereira do Caderno C / JC

Uma das principais vozes poéticas da literatura brasileira contemporânea, o poeta Alberto da Cunha Melo faleceu no sábado (13/10), às 19h35, aos 65 anos, na UTI do Hospital Jayme da Fonte, de falência múltipla dos órgãos em decorrência de complicações pós-operatórias do transplante de fígado ao qual foi submetido no dia 24 de agosto passado. Seu corpo está sendo velado na Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), em Santo Amaro. Alberto deixa quatro filhos, sendo dois do primeiro casamento e dois da viúva Cláudia Cordeiro.

Expoente da chamada Geração 65, em julho passado, Alberto da Cunha Melo foi agraciado com o Prêmio Poesia 2007, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro O cão dos olhos amarelos & Outros poemas inéditos ( A Girafa Editora). Não chegou a ir receber a láurea em virtude do seu estado de saúde. O escritor vinha lutando contra um câncer no fígado, antes de se submeter ao transplante.

"Alberto é Pernambuco, um grande nome pernambucano da poesia nacional, filho ilustre, amigo leal e que lutou para a derrubada do muro que separa os homens e restitui a justiça e a cidadania", disse o imortal da Academia Pernambucana de Letras e presidente da Cepe, poeta Flávio Chaves, de quem Alberto era assessor especial.

José Alberto Tavares da Cunha Melo nasceu em Jaboatão, em 1942 e tinha orgulho de se dizer neto e filho de poetas. Era sociólogo e jornalista, tendo sido o editor da página Suplemento Cultural do Jornal do Commercio, nos anos 80, abrindo espaços para jovens poetas, principalmente do movimento de escritores independentes, e críticos. Ultimamente, assinava a coluna Marco Zero, na revista Continente Multicultural (editada pela Cepe). Seu primeiro livro - Circulo cósmico - foi publicado em 1966, ano em que o historiador Tadeu Rocha rotulava de Geração de 65 o grupo de poetas surgidos das páginas do Diário de Pernambuco. Portanto, completa, neste ano de 2006, 40 anos de trabalho poético ininterruptos.

Alberto da Cunha Melo deixa uma obra vasta e consistente. São 16 livros, 13 de poesia, e participou de 26 antologias, duas delas internacionais. Suas obras, por ordem de edição são as seguintes: Círculo Cósmico ( Recife: UFPE, separata da revista Estudos Universitários, 1966.); Oração pelo Poema. Recife: UFPE, separata da revista Estudos Universitários, 1969.; a Publicação do Corpo (Quíntuplo, Aquário/UM, 1974.), A Noite da Longa Aprendizagem. Notas a Margem do Trabalho Poético. Recife, 1978-2000, v. I, II, III, IV, V; inédito, . Dez Poemas Políticos (Recife, Pirata, 1979), Noticiário ( Recife: Edições Pirata, 1979), Poemas a Mão Livre (Edições Pirata, 1981), Soma dos Sumos (Rio de Janeiro: José Olympio, 1983), Poemas Anteriores (Recife: Bagaço, 1989), Clau (Recife: Imprensa Universitária da UFRPE, 1992), Carne de Terceira com Poemas à Mão Livre (Recife: Bagaço, 1996.), Yacala (Recife: Gráfica Olinda, 1999), Meditação sob os Lajedos (Natal/Recife: EDUFRN, 2002), Dois caminhos e uma oração (São Paulo: A Girafa, 2003) e O cão de olhos amarelos & Outros poemas inéditos (São Paulo: A Girafa, 2006).

Entre as principais participações em antologia, participou de Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século, (Geração Editorial - SP), organizada por José Nêumanne Pinto, e 100 Anos de Poesia. Um panorama da poesia brasileira no século XX, (O Verso/ MinC), organizada por Claufe Rodrigues e Alexandra Maia, e de Pernambuco, Terra da Poesia (IMC/Escrituras), organizada por Antônio Campos e Cláudia Cordeiro.

Na década de 1990 seus poemas saem das fronteiras de Pernambuco e ganham o Brasil e o exterior com o livro Yacala, lançado na Universidade de Évora, em Portugal, com prefácio do crítico literário e professor da Universidade de São Paulo Alfredo Bosi. Em 2003, em entrevista ao Jornal da USP, Bosi ratifica seu entusiasmo pela poesia de Cunha Melo e o considera o principal nome que vem despontando no cenário poético nacional.

O livro Meditação sob os Lajedos, em Dois Caminhos e uma Oração, foi considerado um dos dez melhores livros publicados no Brasil em 2002, por um júri de 400 especialistas do Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira, em sua primeira versão 2003.


Fonte:

União Brasileira dos Escritores

Monteiro Lobato (1882 - 1948)

1882 - 1904
Primeiras letras: Lobato estudante

José Bento Monteiro Lobato estreou no mundo das letras com pequenos contos para os jornais estudantis dos colégios Kennedy e Paulista, que freqüentou em Taubaté, cidade do Vale do Paraíba onde nasceu, em 18 de abril de 1882.

No curso de Direito da Faculdade do Largo São Francisco, em São Paulo, dividiu-se entre suas principais paixões: escrever e desenhar. Colaborou em publicações dos alunos, vencendo um concurso literário promovido em 1904 pelo Centro Acadêmico XI de Agosto. Morou na república estudantil do Minarete, liderou o grupo de colegas que formou o Cenáculo e mandou artigos para um jornalzinho de Pindamonhangaba, que tinha como título o mesmo nome daquela moradia de estudantes. Nessa fase de sua formação, Lobato realizou as leituras básicas e entrou em contato com a obra do filósofo alemão Nietzsche, cujo pensamento o guiaria vida afora.

1905 - 1910
Lobato volta ao Vale do Paraíba


Diploma nas mãos, Lobato voltou a Taubaté. E de lá prosseguiu enviando artigos para um jornal de Caçapava, O Combatente. Nomeado promotor público, mudou-se para Areias, casou-se com Purezinha e começou a traduzir artigos do Weekly Times para O Estado de S. Paulo. Fez ilustrações e caricaturas para a revista carioca Fon-Fon! e colaborou no jornal Gazeta de Notícias, também do Rio de Janeiro, assim como na Tribuna de Santos.

1911 - 1917
Lobato fazendeiro e jornalista


A morte súbita do avô determinou uma reviravolta na vida de Monteiro Lobato, que herdou a Fazenda do Buquira, para a qual se transferiu com a família. Localizada na Serra da Mantiqueira, já estava com as terras esgotadas pela lavoura do café. Assim mesmo, ele tentou transformá-la num negócio rendoso, investindo em projetos agrícolas audaciosos.

Mas não se afastou da literatura. Observando com interesse o mundo da roça, logo escreveu artigo, para O Estado de S. Paulo, denunciando as queimadas no Vale do Paraíba. Intitulado “Uma velha praga”, teve grande repercussão quando saiu, em novembro de 1914. Um mês depois, redigiu Urupês, no mesmo jornal, criando o Jeca Tatu, seu personagem-símbolo. Preguiçoso e adepto da "lei do menor esforço", Jeca era completamente diferente dos caipiras e indígenas idealizados pelos romancistas como, por exemplo, José de Alencar. Esses dois artigos seriam reproduzidos em diversos jornais, gerando polêmica de norte a sul do país. Não demorou muito e Lobato, cansado da monotonia do campo, acabou vendendo a fazenda e instalando-se na capital paulista.

1918 - 1925
Lobato editor e autor infantil


Com o dinheiro da venda da fazenda, Lobato virou definitivamente um escritor-jornalista. Colaborou, nesse período, em publicações como Vida Moderna, O Queixoso, Parafuso, A Cigarra, O Pirralho e continuou em O Estado de S. Paulo. Mas foi a linha nacionalista da Revista do Brasil, lançada em janeiro de 1916, que o empolgou. Não teve dúvida: comprou-a em junho de 1918 com o que recebera pela Buquira. E deu vez e voz para novos talentos, que apareciam em suas páginas ao lado de gente famosa.

O editor
A revista prosperou e ele formou uma empresa editorial que continuou aberta aos novatos. Lançou, inclusive, obras de artistas modernistas, como O homem e a morte, de Menotti del Picchia, e Os Condenados, de Oswald de Andrade. Os dois com capa de Anita Malfatti, que seria pivô de uma séria polêmica entre Lobato e o grupo da Semana de 22: Lobato criticou a exposição da pintora no artigo “Paranóia ou mistificação?”, de 1917. “Livro é sobremesa: tem que ser posto debaixo do nariz do freguês", dizia Lobato, que, para provocar a gulodice do leitor, tratava o livro como um produto de consumo como outro qualquer, cuidando de sua qualidade gráfica e adotando capas coloridas e atraentes. O empreendimento cresceu e foi seguidamente reestruturado para acompanhar a velocidade dos negócios, impulsionada ainda mais por uma agressiva política de distribuição que contava com vendedores autônomos e com vasta rede de distribuidores espalhados pelo país. Novidade e tanto para a época, e que resultou em altas tiragens. Lobato acabaria entregando a direção da Revista do Brasil a Paulo Prado e Sérgio Milliet, para dedicar-se à editora em tempo integral. E, para poder atender às crescentes demandas, importou mais máquinas dos Estados Unidos e da Europa, que iriam incrementar seu parque gráfico. Mergulhado em livros e mais livros, Lobato não conseguia parar.

O autor infantil
Escreveu, nesse período, sua primeira história infantil, A menina do narizinho arrebitado. Com capa e desenhos de Voltolino, famoso ilustrador da época, o livrinho, lançado no Natal de 1920, fez o maior sucesso. Dali nasceram outros episódios, tendo sempre como personagens Dona Benta, Pedrinho, Narizinho, Tia Nastácia e, é claro, Emília, a boneca mais esperta do planeta. Insatisfeito com as traduções de livros europeus para crianças, ele criou aventuras com figuras bem brasileiras, recuperando costumes da roça e lendas do folclore nacional. E fez mais: misturou todos eles com elementos da literatura universal, da mitologia grega, dos quadrinhos e do cinema. No Sítio do Picapau Amarelo, Peter Pan brinca com o Gato Félix, enquanto o saci ensina truques a Chapeuzinho Vermelho no país das maravilhas de Alice. Mas Monteiro Lobato também fez questão de transmitir conhecimento e idéias em livros que falam de história, geografia e matemática, tornando-se pioneiro na literatura paradidática - aquela em que se aprende brincando.

Crise e falência
Trabalhando a todo vapor, Lobato teve que enfrentar uma série de obstáculos. Primeiro, foi a Revolução dos Tenentes que, em julho de 1924, paralisou as atividades da sua empresa durante dois meses, causando grande prejuízo. Seguiu-se uma inesperada seca, que decorreu em um corte no fornecimento de energia. O maquinário gráfico só podia funcionar dois dias por semana. E numa brusca mudança na política econômica, Arthur Bernardes desvalorizou a moeda e suspendeu o redesconto de títulos pelo Banco do Brasil. A conseqüência foi um enorme rombo financeiro e muitas dívidas. Só restou uma alternativa a Lobato: pedir a autofalência, apresentada em julho de 1925. O que não significou o fim de seu ambicioso projeto editorial, pois ele já se preparava para criar outra empresa. Assim surgiu a Companhia Editora Nacional. Sua produção incluía livros de todos os gêneros, entre eles traduções de Hans Staden e Jean de Léry, viajantes europeus que andaram pelo Brasil no século XVI. Lobato recobrou o antigo prestígio, reimprimindo nela sua marca inconfundível: fazer livros bem impressos, com projetos gráficos apurados e enorme sucesso de público.

1925 - 1927
Lobato no Rio de Janeiro

Decretada a falência da Companhia Gráfico-Editora Monteiro Lobato, o escritor mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde permaneceu por dois anos, até 1927. Já um fã declarado de Henry Ford, publicou sobre ele uma série de matérias entusiasmadas em O Jornal. Depois passou para A Manhã, de Mario Rodrigues. Além de escrever sobre variados assuntos, em A Manhã lançou O Choque das Raças, folhetim que causou furor na imprensa carioca, logo depois transformado em livro. Do Rio Lobato colaborou também com jornais de outros estados, como o Diário de São Paulo, para o qual em 20 de março de 1926 enviou "O nosso dualismo", analisando com distanciamento crítico o movimento modernista inaugurado com a Semana de 22. O artigo foi refutado por Mário de Andrade com o texto "Post-Scriptum Pachola", no qual anunciava sua morte.

1927 - 1931
Lobato em Nova Iorque

Em 1927, Lobato assumiu o posto de adido comercial em Nova Iorque e partiu para os Estados Unidos, deixando a Companhia Editora Nacional sob o comando de seu sócio, Octalles Marcondes Ferreira. Durante quatro anos, acompanhou de perto as inovações tecnológicas da nação mais desenvolvida do planeta e fez de tudo para, de lá, tentar alavancar o progresso da sua terra. Trabalhou para o estreitamento das relações comerciais entre as duas economias. Expediu longos e detalhados relatórios que apontavam caminhos e apresentavam soluções para nossos problemas crônicos. Falou sobre borracha, chiclete e ecologia. Não mediu esforços para transformar o Brasil num país tão moderno e próspero como a América em que vivia.

1931 - 1939
A luta de Lobato por ferro e petróleo

Personalidade de múltiplos interesses, Lobato esteve presente nos momentos marcantes da história do Brasil. Empenhou seu prestígio e participou de campanhas para colocar o país nos trilhos da modernidade. Por causa da Revolução de 30, que exonerou funcionários do governo Washington Luís, ele estava de volta a São Paulo com grandes projetos na cabeça. O que faltava para o Brasil dar o salto para o futuro? Ferro, petróleo e estradas para escoar os produtos. Esse era, para ele, o tripé do progresso.

1940 - 1944
Lobato na mira da ditadura


Mas as idéias e os empreendimentos de Lobato acabaram por ferir altos interesses, especialmente de empresas estrangeiras. Como ele não tinha medo de enfrentar adversários poderosos, acabaria na cadeia. Sua prisão foi decretada em março de 1941, pelo Tribunal de Segurança Nacional (TSN). Mas nem assim Lobato se emendou. Prosseguiu a cruzada pelo petróleo e ainda denunciou as torturas e maus-tratos praticados pela polícia do Estado Novo. Do lado de fora, uma campanha de intelectuais e amigos conseguiu que Getúlio Vargas o libertasse, por indulto, após três meses em cárcere. A perseguição no entanto continuou. Se não podiam deixá-lo na cadeia, cerceariam suas idéias. Em junho de 1941, um ofício do TSN pediu ao chefe de polícia de São Paulo a imediata apreensão e destruição de todos os exemplares de Peter Pan, adptado por Lobato, à venda no Estado. Centenas de volumes foram recolhidos em diversas livrarias, e muitos deles chegaram a ser queimados.

1945 - 1948
Os últimos tempos de Lobat
o

Lobato estava em liberdade, mas enfrentava uma das fases mais difíceis de sua vida. Perdeu Edgar, o filho mais velho, presenciou o processo de liquidação das companhias que fundou e, o que foi pior, sofreu com a censura e atmosfera asfixiante da ditadura de Getúlio Vargas. Aproximou-se dos comunistas e saudou seu líder, Luís Carlos Prestes, em grande comício realizado no Estádio do Pacaembu em julho de 1945. Partiu para a Argentina, após associar-se à editora Brasiliense e lançar suas Obras Completas, com mais de 10 mil páginas em trinta volumes das séries adulta e infantil. Regressou de Buenos Aires em maio de 1947, para encontrar o país às voltas com os desmandos do governo Dutra. Indignado, escreveu Zé Brasil. Nele, o velho Jeca Tatu, preguiçoso incorrigível, que Lobato depois descobriu vítima da miséria, vira um trabalhador rural sem terra. Se antes o caipira lobatiano lutava contra doenças endêmicas, agora tinha no latifúndio e na distribuição injusta da propriedade rural seu pior inimigo. Os personagens prosseguiam na luta, mas seu criador já estava cansado de tantas batalhas. Monteiro Lobato sofreu dois espasmos cerebrais e, no dia 4 de julho de 1948, virou “gás inteligente” - o modo como costumava definir a morte. Foi-se aos 66 anos de idade, deixando imensa obra para crianças, jovens e adultos, e o exemplo de quem passou a existência sob a marca do inconformismo.

Fonte:

Monteiro Lobato (Produções e Idéias)

Mais do que produzir livros para crianças, Monteiro Lobato dialogava com as crianças.

Monteiro Lobato foi uma criança diferente dos outros garotos de sua geração. A cara enfiada nos livros e os olhos brilhantes a enxergar para muito além da janela do quarto denunciava uma mente irrequieta e fértil imaginação. Seu espaço preferido era a biblioteca do Visconde, na casa da Rua XV de Novembro em Taubaté, onde passava horas folhando revistas ilustradas e aventurando-se nos clássicos da literatura. Mas nem por isso deixou de participar da vida da fazenda, nem de conviver com a população interiorana, seus costumes e suas crenças.

Em 1920 quando seu amigo Hilário Tácito contou-lhe a estória de um peixinho que morreu afogado porque desaprendeu a nadar, Lobato a transformou num pequeno conto que é sua estréia no mundo do faz-de-conta. Lobato reaviva suas lembranças dos tempos de menino, repletas de cenas da roça onde passara a infância. E, assim inspirado, lança a primeira versão de A menina do narizinho arrebitado, narrando as peripécias de uma avó, sua neta órfã, Lúcia, e a inseparável boneca de pano, Emília, além da negra tia Anastácia.

A partir daí Lobato realiza sua vocação de comunicador incomparável na fecunda produção de obras para o público infanto-juvenil.

Procurando a melhor forma de se comunicar com as crianças, Lobato escrevia a seu amigo Rangel: Mando-te o Narizinho escolar. Quero tua impressão de professor acostumado a lidar com crianças. Experimente nalgumas, a ver se interessa. Só procuro isso: que interesse às crianças.

Militante da causa do progresso, Monteiro Lobato percebeu que só através dos jovens seria possível apressar a modificação do mundo. No cenário do sítio da dna. Benta fazia transcorrer o Brasil de seus sonhos: democrático, sem opressão, capaz de construir uma grande Nação.
E o fez opondo-se ao conceito de que crianças eram adultos reduzidos em idade e estatura, embora com a mesma psicologia. "A criança é um ser onde a imaginação predomina em absoluto", defendia. "O meio de interessá-la é falar-lhe à imaginação". "Escrever para crianças! - exclamou em resposta a um repórter – é admirável... Elas não têm malícia, aceitam tudo, tudo compreen-dem”.

Captando a lógica e a estrutura do pensamento infantil, Lobato falava não para elas, mas como e no lugar delas. Por isso, pelas suas mãos o aprendizado virava brincadeira séria e as lições escolares mais difíceis – em geral ministradas através de métodos e mestres antiquados – ficavam claras e acessíveis.

Misturando sonho e realidade, Lobato conquistava os pequenos fãs, que logo passavam a dividir com ele o universo em que tudo era possível – bastava usar um pouco de imaginação. Ingrediente que não faltava nas centenas de cartas remetidas por crianças de todas as idades e de todos os cantos do País.

Recebia montanhas de cartas e respondia a todas, tratando as crianças como interlocutores competentes. Não se esquivava de discutir temas como saúde, religião ou política. Além disso, estimulava a atividade literária dos seus leitores, encorajando-os a desenvolver enredos e histórias, ou analisando criticamente sua produção.

De 1920 a 1947 lançou 22 títulos que até hoje continuam a ser editados:
Ficção
Reinações de Narizinho
Viagem ao Céu
O Saci
As Caçadas de Pedrinho
Memórias de Emília
O Poço do Visconde
O Picapau Amarelo
A Reforma da Natureza
O Minotauro
A Chave do Tamanho
Os 12 Trabalhos de Hércules
História do Mundo para Crianças
Emília no País da Gramática
Aritmética da Emília
Geografia de Dona Benta
Serões de Dona Benta
História das Invenções

Adaptações
Hans Staden
Peter Pan
Don Quixote das Crianças
Histórias de Tia Nastácia
Fábulas

Toda obra literária de Monteiro Lobato tem uma forte conotação política. Mesmo naquelas de pura fábula, é política a intenção e a motivação do autor. Como jornalista e como editor todo seu trabalho foi pautado por sua vocação político-libertária. Sem filiar-se oficialmente a organizações ou partidos políticos, Lobato sempre esteve presente nos debates sobre os problemas nacionais e nunca deixou de opinar sobre os assuntos que afetavam a vida do País.

Sua idéia de Brasil nação instiga seu inconformismo com o desenraizamento cultural. Ataca os modismos importados que nada têm a ver com a realidade e propugna pelo resgate do elemento nativo brasileiro de rica tradição. Nessa mesma linha denuncia a agressão que se faz ao nosso idioma adotando vocábulos estrangeiros por simples espírito de imitação.

Nas diversas cruzadas e causas públicas em que se engajaria ao longo da vida – contra a ditadura de Bernardes primeiro, depois a de Vargas, em defesa do voto secreto -, Monteiro Lobato sonhava transformar o Brasil em uma nação próspera cujo povo pudesse desfrutar os benefícios gerados pelo progresso e desenvolvimento. Com essa perspectiva já na fazenda Buquira, que herda do avô, tentou implantar novos métodos de criação e produção agrícola, incentivando ainda as campanhas de saneamento.

Para Lobato, o atraso do país só seria superado pelo trabalho racional e aposta na modernização. Sua luta pela adoção de processo científicos em todos os níveis da atividade humana encontrou a síntese em Henry Ford que ele traduz em seu personagem Mr. Slang, que rebate as críticas dos céticos que culpam a índole do povo pelo atraso do país.

Ferro e petróleo

Certo de que transformaria seu país em uma nação produtiva, eficiente e rica, Monteiro Lobato abandona temporariamente a literatura e a atividade de editor e livreiro, a que se havia dedicado consciente da importância do poder da comunicação, para vivenciar experiências no mundo da indústria e dos negócios.
"O solo, a superfície, apenas permite a subsistência. O enriquecimento vem de baixo. Vem do subsolo". Entretanto, não bastava explorar as riquezas. Era preciso que o país usufruísse delas. Trabalha para iniciar a produção do ferro com metodologia moderna recém patenteada nos Estados Unidos, utilizando recursos naturais disponíveis no País, tais como a palha do café e o xisto betuminoso.

Os relatórios que envia de Nova York, onde ocupou o posto de adido cultural no consulado brasileiro, são eivados de oportunas observações sobre formas de criar alternativas de exportação de produtos brasileiros. As longas cartas enviadas posteriormente ao presidente Vargas são verdadeiras plataformas desenvolvimentistas e nacionalistas.

Decidido a convencer o povo brasileiro da importância dos empreendimentos petrolíferos, Lobato alimenta debates pela imprensa e realiza palestras. Prega a necessidade da independência econômica e aponta o caminho para alcançá-la. "Conferências sobre o petróleo constituem novidade absoluta. Conferências de negócio1 Para promover a venda de ações duma companhia! Para levantar dinheiro!"

Num auditório abarrotado em Belo Horizonte, Lobato resume: "Compreendi ser o petróleo a grande coisa, a coisa máxima para o Brasil, a única força com elementos capazes de arrancar o gigante do seu berço de ufanias”.

Lançada em 1931, sua Companhia Petróleos do Brasil tem a metade das ações subscritas em quatro dias. Satisfeito com os primeiros resultados percorre o país divulgando o andamento das últimas descobertas.

Ao mesmo tempo em que reclama dos entraves e da burocracia do Ministério da Agricultura que dificultavam as atividades da sua companhia denuncia, em documento enviado a Vargas, as manobras da Standard Oil para assenhorar-se dos melhores lençóis petrolíferos brasileiros através da filial argentina.

Em 1936, a sonda de Alagoas da Cia. Petróleos Nacional sofre intervenção federal e é interditada. Lobato resiste, consegue levantar alguns recursos e finalmente, a 250 metros de profundidade vê irromper o primeiro jato de gás de petróleo do poço São João, em Riacho Doce, em Alagoas.

Numa jogada estratégica, em 1935, lança pela Cia. Editora Nacional: “A luta pelo petróleo", de Essad Bey, que denuncia a ineficiência do Serviço Geológico, órgão oficial encarregado das pesquisas, a quem acusa de encampar internamente a política dos trustes internacionais para o Brasil: "não tirar petróleo e não deixar que ninguém o tire".

Em 1936 lança "O escândalo do Petróleo" que teve duas edições esgotadas em menos de um mês. Convencido de que os trustes tudo fariam para sabotar o petróleo brasileiro, na página de rosto do livro Lobato conclama os militares a assumir sua parcela de responsabilidade na questão da soberania nacional: "Se não ter petróleo é inanir-se economicamente, militarmente é suicidar-se”. Apesar de todos os reveses, Lobato e seus companheiros persistem e, em julho de 1938, realizam a assembléia de constituição da Companhia Matogrossense de Petróleo, com objetivo de perfurar em Porto Esperança, em Mato Grosso, região com a mesma estrutura geológica da Bolívia que estava produzindo óleo de qualidade.

Em março de 1938, Lobato, em carta a Getúlio, ressalta que as novas diretrizes do Departamento Nacional da Produção Mineral representam um golpe de morte para o petróleo no país e exorta: "Pelo amor de Deus, e do Brasil, não preste sua mão generosa à mais cruel e mesquinha obra de vingança pessoal, disfarçada em sublime nacionalismo."

No dia 20 de março de 1941 é preso subitamente em São Paulo, segundo a agência norte-americana Overseas News Agency, "vítima de intensa campanha de militares brasileiros e outros elementos pró-nazismo, que combatem os elementos democráticos e anglófilos do país".

Impedido de receber visitas, conversar com outros detentos ou tomar sol no pátio, conta em carta a Purezinha, sua esposa, a vida em prisão. "É a gente sozinho com o pensamento, e nunca o pensamento trabalha tanto. Mas de tanto trabalhar acaba girando num círculo"... Última peça do inquérito policial, o relatório encerrado em 1º de fevereiro, salienta que "ficou provado à saciedade que o Dr. José Bento Monteiro Lobato ... procura com notável persistência desmoralizar o Conselho Nacional do Petróleo, sem contudo apresentar qualquer prova de suas acusações”.

Em 1950, inspirados no exemplo de Monteiro Lobato, os partidos políticos de esquerda e os movimentos sociais lançam a campanha de rua em defesa do Petróleo. A campanha "O Petróleo é nosso", empolga o país e servirá de pretexto para que o Congresso Nacional aprove a legislação sobre o Petróleo que, na última hora, recebeu uma emenda que criou o monopólio da Petrobrás.
Carta a Purezinha

À sua esposa, Pureza Monteiro Lobato, da prisão política de São Paulo em março de 1941

Purezinha

Só contarei o que é a vida em prisão. É a gente sozinho com o pensamento e nunca o pensamento trabalha tanto. Mas de tanto trabalhar acaba girando num círculo, isto é, volta sempre às mesmas coisas. Os pontos que formam o círculo do nosso pensamento, ou as estações em que o pensamento pára, para pensar sempre a mesma coisa, são – 1º você. Penso em V. com uma ternura imensa e um imenso dó, e culpo-me de um milhão de coisas. Meu dever era só cuidar da tua felicidade, Purezinha, e no entanto passei a vida a te contrariar e a fazer asneiras que tanto nos estragaram a vida. Se eu tivesse ouvido em negócios, minha situação seria hoje de milionário. Não ouvi, nem sequer te consultei, e o resultado foi desastroso. Cheguei até à prisão!

Depois de pensar e repensar em você e de convencer-me que apesar de todas as aparências, e da nossa eterna divergência, é você a única pessoa que eu amo no mundo, pulo para outra estação. Há a estação da Morte, penso na sobrevivência, no Além, em promessas do espiritismo, etc. Penso em Guilherme (filho do escritor falecido aos 24 anos de idade) e Heitor (Heitor de Morais) e acho-os tremendamente felizes por já terem morrido, isto é, feito uma coisa que nós ainda vamos fazer. Depois penso no meu caso – na vingança que os homens de cima que eu insultei hão de querer tirar de mim. Que tolice dar soco em faca de ponta! Espetei a mão a faca ficou no que era. Meu soco não a quebrou.

A vida aqui me tem feito pensa no horror que V. sempre teve pela prisão, pela condenação do homem ao confinamento por anos e anos. Agora vejo como, sem Ter experiência própria, V. adivinhou o certo. Não há castigo maior. Mil vezes a cadeira elétrica ou a forca – dores de um momento.

Estou preso há quase três dias e já me parecem três séculos. As horas têm 60.000 minutos. As noites não têm fim. Sou obrigado a não fazer nada de nada. Não há o que ler – nem jornais. E a incomunicabilidade em que estou, agrava tudo, porque me isola completamente do mundo exterior. Não posso falar com ninguém, nem comunicar-me com ninguém.

Imagine agora o meu prazer quando ontem recebi um pacote. Abri e vi logo você ali – ceroulas, lenços, meias, pijama novo e aspirina. Que presente, Purezinha! Como qualquer coisinha é todo um mundo para quem está sem nada! Repeti mil vezes o teu nome, e hoje de manhã, ao acordar e ver em cima da mesa as coisas, peguei nas meias e beijei-as... Imagine agora a que fica reduzida uma criatura depois de anos de prisão se eu só com dois dias já estou assim.

Foi o primeiro contacto com o mundo externo, esse presente que V. m mandou. Que alegria imensa me causou! Foi o mesmo que receber a tua visita.

Tratam-me muito bem aqui. Os guardas e diretores são pessoas delicadíssimas; que vêm ver-me todos os dias e conversar. Estou num "apartamento" otimozinho, com um banheiro de primeira ordem, com lavatório, bidê, privada e banheiro novinho com água quente. Sou servido no quarto pelo João, um mulato que está preso há já três meses. Cinco refeições, imagine! Para eu que só azia três. Café com leite, pão e manteiga às 7 h. Almoço com seis pratos às 11, chá mate, pão e manteiga às 2. Jantar às 5 e chá à noite. Creio que vou engordar. Mas o que mais me dói é não Ter o que ler, nem o que fazer – eu com tanto trabalho em andamento aí em casa! Quem me dera pilhar a tradução a Gulnara (Gulnara Monteiro Lobato, nora e sobrinha de Monteiro Lobato) para corrigir! E o febrezinho de Edgard? (Edgar Monteiro Lobato, então doente dos pulmões) Como vai ele? Febre ainda? Como eu prejudiquei aquele menino – como eu prejudiquei a vocês todos, minha cara Purezinha! E agora, no fim de dez anos de lutas, dou de presente a vocês o que meu Deus! A minha prisão – mais amargura para você, mais sofrimento...

O Ernâni, aquele em cuja casa você esteve anteontem mostrou-se muito camarada. Pedi-lhe que telefonasse a você ontem e agora o espero ansioso para saber se telefonou. Ele entra em serviço às 9 horas, um dia sim, um dia não. São 8. Daqui a uma hora saberei se ele conversou com você. Adeus, minha querida, minha cada vez mais querida Purezinha. Um apertadíssimo abraço, e outro em Rute (Rute Monteiro Lobato, filha do escritor) e Edgard. Coragem aí, que cá do meu lado é o que não falta.

Estou escrevendo por escrever, para dar vazão aos sentimentos, porque não há jeito de fazer este papel chegar a você.

Incomunicável! Agora compreendo o horror desta palavra

Juca.

Monteiro Lobato nunca escondeu sua paixão pela pintura. Se não lhe foi possível seguir a carreira de artista plástico, tampouco deu para abafar o impulso criativo que despontou à frente da vocação literária, antecedendo, inclusive, o domínio da própria linguagem.

Começou seus rabiscos ainda na infância. Gostaria de se matricular na Escola de Belas Artes, mas, por imposição do avô materno, que assumira sua tutela após a morte dos pais, entra para a Academia de Direito com dezoito anos incompletos. Tornar-se pintor seria talvez o único sonho descartado em toda a sua vida.

Na Faculdade de Direito, Lobato dava vazão à veia artística no quartinho do chalé avarandado onde morava no Largo do Palácio. Teria virado pintor, mandado às favas o curso de Direito não fosse um incidente com uma caixa de aquarelas, comprada como tinta a óleo: "A vergonha daquela rata matou em mim todas as veleidades pictóricas. Como pretende ser pintor um imbecil que nem distingue aquarela de óleo? "Desistindo de uma arte, caiu nos braços de outra. Fez-se escritor, em uma transposição vocacional que se reflete por toda sua obra.

Quando ponderava sobre sua vocação artística, Lobato admitia uma espécie de saudade do que poderia ter sido, se houvesse optado pela pintura. "No fundo não sou literato, sou pintor. Nasci pintor, mas como nunca peguei nos pincéis a sério ... arranjei este derivativo de literatura, e nada mais tenho feito senão pintar com palavras. Minha impressão dominante é puramente visual".

Tão severo consigo mesmo que, embora pintando e desenhando sem cessar, jamais pretendeu expor seus trabalhos, guardados com carinho em um enorme baú de jacarandá entalhado. Em 1909 chegou a participar de um concurso de cartazes, realizado no Rio de Janeiro, e também colaborou com ilustrações para algumas revistas, como Fon-Fon e Vida Moderna. Ele mesmo fez as ilustrações para a primeira edição de Urupês.

Pintou até os últimos dias de vida – preferencialmente aquarelas – e impregnou suas histórias de coloridos e formas, como se fossem quadros.

Monteiro Lobato vivia permanentemente preocupado com revelar um Brasil desconhecido a que os intelectuais brasileiros davam as costas. Essa preocupação aliada à necessidade compulsiva de se comunicar - comunicar-se com o próximo, comunicar-se com o mundo - levaram-no ao jornalismo. Seu espírito empreendedor e a necessidade de liberdade absoluta para se expressar transformou o jornalista no empresário editor que revolucionou o mercado de livros no Brasil.

"O escritor confundia-se com o jornalista, o homem de imprensa virava publicista e ambos lançavam mão dos meios de comunicação da época - o livro, jornal e a revista - para tentar despertar a consciência social e criar novos padrões de comportamento coletivo".

Monteiro Lobato é o protótipo do nacionalista de seu tempo, defensor de um nacionalismo que, em todos os tempos, tem sido indispensável para forjar uma nação.

Como escritor, editor ou empresário ele é um homem preocupado com seu país e um arguto crítico social. É esse seu caráter que vai projetá-lo internacionalmente.

Suas obras, de grande repercussão no País, repercutem também nos países vizinhos. Empresário de visão, ele sabe que o mercado de língua espanhola é grande e esteve sempre tentado lançar coisas nossas, traduzidas. Seu sonho como escritor é lançar um livro nos Estados Unidos, mercado para edições de um milhão de exemplares.

Em 1919, pretendeu, sem êxito, estender a Revista do Brasil a Buenos Aires. Em 1921 inicia colaboração com a revista argentina La Novela Semanal; a editora Pátria, de Buenos Aires, lança com sucesso Urupês, em tradução de Benjamin de Garay. Em 1923, uma coletânea de contos é lançada na Espanha, em 1924 outra coletânea é publicada na Argentina. No ano seguinte, quatro contos vertidos para o inglês são publicados nos Estados Unidos. Nessa época também colabora com as revistas francesas La Revue de L'Amerique Latine e La Revue Nouvelle.

Em 1926, Lobato se entusiasma com as idéias e a ações de Henry Ford e começa a publicar uma série de artigos difundindo essas idéias na imprensa carioca, particularmente em O Jornal. Ele acha que ao contrário dos idealistas utópicos, Ford é o idealista orgânico - "o gênio que em 20 anos tornara-se o homem mais rico de todos os tempos", exemplo que ele quer ver seguido no Brasil. Em seu livro Mr Slang, lançado em 1927, traça um paralelo entre o Brasil e Estados Unidos e reafirma sua crença de que o Brasil pode repetir a façanha do grande desenvolvimento daquele país.

Ainda em 1927, é nomeado por Washington Luís adido comercial interino ao consulado do Brasil em Nova Iorque. Sua permanência nos Estados Unidos confirma o que ele arquitetava para seu país, inspirado no fordismo. Contribui também para modernizar seu pensamento e lhe dá coragem para os passos mais arrojados que mais tarde daria como empresário, lançando-se na busca do petróleo e na transformação do minério do ferro.

Fontes:
http://lobato.globo.com/lobato_%20Biografia.asp
http://www.projetomemoria.art.br/%20MonteiroLobato/monteirolobato/index.html

Monteiro Lobato (Autobiografia)

Nasceu em Taubaté, aos 18 de abril de... 1884 (na verdade 1882). Mamou até 87. Falou tarde, e ouviu pela primeira vez, aos 5 anos, um célebre ditado: "Cavalo pangaré/Mulher que... em pé/Gente de Taubaté/ Dominus libera mé".
Concordou.

Depois, teve caxumba aos 9 anos. Sarampo aos 10. Tosse comprida aos 11. Primeiras espinhas aos 15.

Gostava de livros. Leu o Carlos Magno e os doze pares de França, o Robinson Crusoé, e todo o Júlio Verne.

Metido em colégio, foi um aluno nem bom nem mau - apagado. Tomou bomba em exame de português, dada pelo Freire. Insistiu. Formou-se em Direito, com um simplesmente no 4º ano - merecidíssimo. Foi promotor em Areias, mas não promover coisa nenhuma. Não tinha jeito para a chicana e abandonou o anel de rubi (que nunca usou no dedo, aliás).

Fez-se fazendeiro. Gramou café a 4,200 a arroba e feijão a 4.000 o alqueire.

Convenceu-se a tempo que isso de ser produtor é sinônimo de ser imbecil e mudou de classe. Passou ao paraíso dos intermediários. Fez-se negociante, matriculadíssimo. Começou editando a si próprio e acabou editando aos outros.

Escreveu umas tantas lorotas que se vendem - Urupês, gênero de grande saída, Cidades mortas, Idéias de Jeca Tatu, subprodutos, Problema vital, Negrinha, Narizinho. Pretende publicar ainda um romance sensacional que começa por um tiro:

- Pum! E o infame cai redondamente morto...

Nesse romance introduzirá uma novidade de grande alcance, qual seja, a de suprimir todos os pedaços que o leitor pula.

Particularidades: não faz nem entende de versos, nem tentou o raid a Buenos Aires.

Físico: lindo!

Autobiografia por Monteiro Lobato
A Novela Semanal, São Paulo, nº 1, 2 de maio 1921