segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Sobre o Ler e o Reler (Raymundo Silveira)

Pela primeira frase de um texto o leitor costuma decidir se continua ou não a lê-lo. É o que está acontecendo com este precisamente agora. Por que estou tão certo disto? Simplesmente porque leio todos os dias desde os nove ou dez anos de idade, encontro-me na faixa de leitores considerada média que engloba a maioria de quem se interessa por leitura, e ajo exatamente assim.

Obviamente, logo mais tarde ele voltará a decidir se quer ou não prosseguir, mas se as primeiras palavras não o interessarem e supondo que se trata de uma leitura por prazer, e não por obrigação, como sucede com quem estuda uma disciplina que detesta, simplesmente porque quer entrar numa faculdade e por isso tem de passar no vestibular, pelo menos o primeiro parágrafo será decisivo para a sua leitura integral.

Ocorre quanto à escrita algo muito semelhante ao que sucede quanto ao cinema. Dizem que certa vez um repórter perguntou a Billy Wilder qual seria a principal razão do seu sucesso como diretor cinematográfico, haja vista que a maioria dos seus filmes se baseia em roteiros aparentemente triviais, e ele respondeu com uma frase de seis palavras: "É simples: basta não ser chato!"

O que me motivou esta escrevinhação foram as palavras de um escritor amigo meu quando amigos comuns o solicitaram a postar os seus textos em mais de um dos sites da Internet e ele se saiu assim: "Não gosto de reprises; de reprises só gosto dos gols do Pelé!" Não concordo absolutamente com isto, a menos que se trate dos textos de um escritor pra lá de chato, o que certamente não é o caso dele, pois tenho o costume de ler os seus escritos por mais de uma vez, do começo ao fim.

Então, a menos que a pessoa deteste ler e seja viciada em futebol, não há como trocar, releituras sucessivas de bons autores pela chatice de ver por diversas vezes o mesmo balão cheio de ar entrando entre três paus, por mais habilidoso que seja o jogador, e por mais espetacular que tenha sido a sua jogada. Se, somente a intensidade do prazer não dispensasse maiores comentários, acrescentaria tantas vantagens da repetição de boas leituras em relação à de lindos gols que, aí sim, me tornaria superchato apenas pela obviedade.

Um tempero a mais a fim de tornar palatável uma escrevinhação é uma pitada de humor. Há textos, aparentemente ocos, mas o autor conhece um macete; uma espécie de erva irresistível, que atrai a atenção de qualquer leitor. Não pretendo ter a audácia de dizer que conheço este tempero, mas todas as vezes que começo a escrevinhar me lembro da frase de Billy e me ponho na situação de alguém que iria ler aquilo que pretendo pôr no papel. Certa ocasião redigi um escrito sobre o tema: "Como Escrever Sobre Um Assunto Que Consiste Em Não ter Assunto Para Escrever". Como se pode aparentemente deduzir, tinha tudo para não ser lido. Pois recebi inúmeros e-mails favoráveis e o mais sóbrio deles dizia que quem o escreveu conseguiria tirar leite de pedras. Mas como tirar leite de pedras e este ser bebível, ao mesmo tempo? Em outras palavras, o que é ser ou não ser chato? Falar simplesmente que um texto chato é aquele que não atrai o leitor é o mesmo que dizer que as trevas são indesejáveis porque nelas não se podem enxergar os objetos e nem as pessoas.

Então, como evitar a chatice? Simplesmente tentando ser original, criativo e evitando obviedades, linguagem rebuscada e repetitiva. Se eu tivesse começado o presente texto por um período como este, por exemplo, dificilmente alguém o teria lido até aqui: "Toda leitura, para ser prazerosa e eficaz, deve ser feita num ambiente confortável, calmo, silencioso e isolado das demais pessoas, do contrário ela não surtirá o efeito que se pretende adquirir, pois daquelas quatro características dependerá o desiderato que alguém almejará alcançar". Acho que fui por demais complacente; certamente o leitor não teria passado daí, ou sequer o tivesse lido todo. E, se acaso caísse agora na tentação de querer mostrar onde está a carência de originalidade e criatividade, bem como, a sua obviedade e a linguagem rebuscada e repetitiva, me tornaria mais chato ainda do que ele.
Fonte:

Sir Arthur Conan Doyle (1859 - 1930)

Sir Arthur Conan Doyle, criador do mais famoso detetive do mundo, Sherlock Holmes, e autor de suas sessenta histórias, nasceu em Edimburgo no dia 22 de Maio de 1859. Filho de Charles Doyle, pintor casual de descendência Irlandesa, e Mary Foley Doyle, também de parentesco Irlandês.

Em Outubro de 1876, Conan Doyle ingressou na Universidade de Edimburgo a fim de formar-se em medicina. Foi lá que conheceu o Dr. Joseph Bell, cirurgião do Hospital de Edimburgo e professor na Universidade, cujos surpreendentes métodos de dedução e análise serviram de grande inspiração na futura criação de seu detetive. De maneira similar a Holmes, o Dr. Bell explicava os sintomas de seus pacientes, até mesmo contava-lhes detalhes de suas vidas, antes que eles pronunciassem uma palavra sequer.

Incentivado pelos conselhos de um amigo, que mencionara como suas cartas eram expressivas, Conan Doyle percebeu que algum dinheiro poderia ser efeito fora do campo medicinal. Foi então que ele escreveu sua primeira história, "O Mistério de Sassassa Valley", publicada, anonimamente, por míseros três guinéus no Chamber's Journal, em 1879. O conto revela sua precoce idéia da aparição de uma "besta demoníaca", tema que ele mais tarde explorou na mais famosa história de Sherlock Holmes, "O Cão dos Baskervilles".

Foi nas horas de ócio em seu consultório médico que Doyle começou a esboçar o que mais tarde seria seu detetive. Inspirado em Gaboriau, no detetive Dupin, de Poe, e logicamente, no seu tutor Joseph Bell, Conan Doyle criou a primeira versão do que seria o detetive que conhecemos hoje - um tal de Sherringford Holmes, posteriormente Sherlock Holmes.

Depois de muitas tentativas e frustrações, Doyle conseguiu que sua primeira história estrelando o detetive e seu escudeiro Watson fosse publicada. "Um Estudo em Vermelho" apareceu na Beeton's Christmas Annual, em 1887. A boa aceitação do público levou-o a escrever sua segunda história de Holmes, o "Signo dos Quatro". O detetive começava a chamar a atenção, atraindo aos poucos o que se tornariam mais tarde fiéis leitores.

Nos intervalos das histórias do detetive, Doyle dedicou-se a obras "mais sérias", mais apreciadas pelo escritor, como "A Companhia Branca", "As Façanhas do Brigadeiro Gerard" e "Micah Clarke". Esse último, um grande sucesso. Doyle acabou, assim, abandonando a medicina para seguir definitivamente a carreira literária.

As histórias de Sherlock Holmes tornavam-se mais e mais populares, obrigando Conan Doyle a continuar criando casos para seu detetive. E quanto mais vezes o detetive expunha suas habilidades para o público estupefato, mais as outras obras de Doyle tornavam-se obscurecidas. Em 1891, escreveu à sua mãe: "Tenho pensado em matar Holmes... e livrar-me dele para sempre. Ele mantém minha mente afastada de coisas melhores".

A idéia de acabar com Holmes permanecera com Doyle, e durante sua visita à Suíça, em 1893, conheceu as cataratas Reichenbach, local que escolheu como palco para o encontro fatal entre Holmes e o Professor Moriarty. Pretendia, assim, pôr um fim às histórias de Holmes e dar espaço às suas obras mais clássicas.

Para a grande surpresa de Doyle, a morte de Sherlock Holmes, publicada em 1893 no caso "O Problema Final", chocou milhares de pessoas de todos os cantos do mundo. Muitos marcharam em luto pelas ruas de Londres, em protesto. O público não se conformava e clamava pela volta do detetive.

Assim, em meio a um turbilhão de protestos e insultos, Doyle foi obrigado a ressuscitar seu detetive no caso "A Casa Vazia", em 1903. Era a prova de que a criatura tornara-se mais forte do que o criador. Sherlock Holmes tinha tornado-se imortal.

No final de 1899, o conflito iminente entre a Inglaterra e a África do Sul deu a Doyle, um fervoroso patriota, a possibilidade de auxiliar seu país. Conseguiu a supervisão de um hospital estabelecido na África, onde tomou posto em 1900.

Juntamente com a guerra, veio de todo o mundo um surto de críticas contra a conduta do Império Britânico. Coube a Doyle defender os interesses de sua pátria, no panfleto amplamente traduzido "A Guerra na África do Sul: Suas Causas e Conduta".

Pelos seus esforços na defesa dos interesses de seu país, Conan Doyle recebeu, em 1902, o título de nobreza do Império. Passou, então, a portar o soberbo título Sir antecedendo seu nome.

Em 1912, Doyle introduziu ao mundo da literatura o célebre Professor Challenger, de "O Mundo Perdido", um conto sobre o renascimento da pré-história num lugar remoto da América do Sul.

Em seus últimos anos de vida, Conan Doyle dedicou-se ao estudo aprofundado do espiritismo, assunto sobre o qual escreveu exaustivamente. O espiritismo tornou-se uma religião para ele, e o levou a promover palestras em vários países, como a Austrália e África do Sul.

O mágico Harry Houdini, um showman continuamente alerta a oportunidades para auto-promoção, expôs publicamente os truques mediunísticos em seus shows de palco e escreveu folhetos se opondo a médiuns fraudulentos. Mesmo assim alguns espiritualistas afirmaram que Houdini possuía poderes espiritualistas genuínos, recusando-se a aceitar as próprias declarações de Houdini de que só enganação estava envolvida em suas ilusões de palco.

Arthur Conan Doyle dedicou um capítulo inteiro de seu livro The Edge of the Unknown para argumentar em detalhe que Houdini tinha poder psíquico genuíno, mas não admitia. Curiosamente, Doyle e Houdini permaneceram amigos, apesar dos confrontos públicos a respeito do espiritualismo. Talvez eles compartilhassem uma apreciação do valor da auto-promoção pública.


Doyle era um crédulo ingênuo em vários tipos de tolice. Ele não só acreditou no espiritualismo e todos os fenômenos de sessões espíritas, mas também acreditou em fadas.

Em 1917, duas meninas adolescentes em Yorkshire produziram fotos que tinham tirado de fadas em seu jardim. Elsie Wright (6) e sua prima Frances Griffiths (10) usaram uma máquina fotográfica simples e dizia-se que não possuíam qualquer conhecimento de fotografia ou truques fotográficos.

Arthur Conan Doyle não apenas aceitou estas fotografias como genuínas, ele até escreveu dois panfletos e um livro que atestavam a autenticidade destas fotografias, incluindo muito folclore de fadas adicional. O livro dele, A Vinda das Fadas [The Coming of the Fairies], ainda é publicado, e algumas pessoas ainda acreditam que as fotografias são autênticas. Os livros de Doyle são leitura muito interessante até mesmo hoje. A convicção de Doyle no espiritualismo convenceu muitas pessoas de que o criador de Sherlock Holmes não era tão brilhante quanto a criação fictícia dele.

Alguns pensaram que Conan Doyle estava louco, mas ele defendeu a realidade de fadas com toda a evidência que pôde encontrar. Ele se opôs aos argumentos dos descrentes. Na realidade, os argumentos dele soam surpreendentemente semelhantes sob todos os aspectos a livros atuais promovendo a idéia de que seres alienígenas nos visitam em OVNIs. Robert Sheaffer escreveu um artigo inteligente traçando estes paralelos de forma maravlihosa.

Com o passar dos anos persistiu o mistério. Só alguns fanáticos acreditaram que as fotografias eram de fadas reais, mas o mistério dos detalhes de como (e por que) elas foram feitas continuou fascinando os estudantes sérios de brincadeiras, fraudes e enganações. Quando as meninas (já adultas) foram entrevistadas, suas respostas eram evasivas. Em uma entrevista da BBC em 1975 Elsie disse: "Eu lhe contei que elas são fotografias de invenções de nossa imaginação e é nisso que vou insistir". Em 1977 Fred Gettings tropeçou em evidência importante enquanto trabalhava em um estudo de ilustrações de livro do começo do século XIX. Ele achou desenhos por Claude A. Shepperson no livro infantil de 1915 que as meninas poderiam ter facilmente possuído, e que eram, sem dúvida, os modelos para as fadas que apareceram nas fotografias.

Morreu em 7 de Julho de 1930, debilitado por um ataque cardíaco que o afligira meses atrás.

OBRAS

Romances sobre Sherlock Holmes:
1887 - Um Estudo em Vermelho
1890 - O signo doa quatro
1902 - O Cão dos Baskervilles
1915 - O Vale do Medo

Sherlock Holmes coletânea de contos:
1892 - As Aventuras de Sherlock Holmes
1894 - As Memórias de Sherlock Holmes
1905 - A Volta de Sherlock Holmes
1917 - Seu Último Adeus
1927 - O livro de casos de Sherlock Holmes
1928 - Coleção completa de histórias de Sherlock Holmes

Histórias do Professor Challenger:
1912 - The Lost World
1913 - The Poison Belt
1926 - The Land of Mist
1927 - The Disintegration Machine
1928 - When The World Screamed
1952 - The Professor Challenger Stories

Ensaios
1893 - Jane Annie or the Good Conduct prize (with J.M. Barrie)
1895 - A Question of Diplomacy
1899 - Brothers
1903 - A Duet. A Duologue
1907 - The Story of Waterloo
1909 - The Fires of Fate
1910 - Brigadier Gerard
1912 - A Pot of Caviare
1912 - The Dramatic Works of Arthur Conan Doyle
1912 - The Speckled Band
1912 - The House of Temperley
1922 - Sherlock Holmes (with William Gillette)

Panfletos:
1902 - The War in South Africa: Its Cause and Conduct
1907 - The Case of Mr. George Edalji
1912 - The Case of Oscar Slater
1914 - In Quest of Truth
1914 - To Arms!
1914 - Great Britain and the Next War
1915 - The Treatment of our Prisoners
1920 - Our Reply to the Cleric
1920 - A Debate with Dr. Joseph McCabe
1920 - Spiritualism and Rationalism
1925 - The Early Christian Church and Modern Spiritualism
1925 - Psychic Experiences (reprint)

Ficção:
1879 - The Mistery of Sasassa Valley
1885 - The Surgeon of Gaster Fell
1889 - Micah Clarke, his statement as made to his three grandchildren
1889 - The Mystery of Cloomber
1889 - Mysteries and Adventures
1890 - The Captain of the Polestar and other tales
1890 - The Firm of Girdlestone: A Romance of the Unromantic
1891 - The White Company
1892 - The Doings of Raffles Haw
1892 - The Great Shadow
1892 - Beyond the City
1893 - The Gully of Bluemansdyke (reissue of Mysteries and Adventures 1889)
1893 - The Refugees. A Tale of Two Continents
1894 - An Actor's Duel and The Winning Shot
1894 - The Parasite
1894 - Round the Red Lamp: Being Facts and Fancies of a Medical Life
1895 - The Stark Munro Letters
1896 - The Exploits of Brigadier Gerard
1896 - Rodney Stone
1896 - Uncle Bernac: A Memory of the Empire
1898 - The Tragedy of Korosko
1899 - A Duet, with an Occasional Chorus
1900 - The Croxley Master
1900 - The Green Flag and Other Stories of War and Sport
1901 - Strange Studies from Life
1903 - The Adventures of Gerard
1906 - Sir Nigel
1908 - Round the Fire Stories
1911 - The Last Galley: Impressions and Tales
1918 - Danger! and Other Stories
1922 - Tales of Long Ago
1922 - Tales of Pirates and Blue Water
1922 - Tales of Adventure and Medical Life
1922 - Tales of Terror and Mystery
1922 - Tales of Twilight and the Unseen
1922 - Tales of the Ring and Camp / The Croxley Master and Other Tales of the Ring and Camp
1928 - The Dreamers
1929 - The Maracot Deep and Other Stories
1929 - The Conan Doyle Stories
1931 - The Conan Doyle Historical Romances I (Includes:The White Company, Sir Nigel, Micah Clarke and Refugees)
1932 - The Conan Doyle Historical Romances II (Includes: Rodney Stone, Uncle Bernac, The Exploits of Gerard and The Adventures of Gerard)
1934,47 - The Field Bazaar (Private Printings)
1958 - The Crown Diamond (Private Printing)

Versos:
1898 - Songs of Action
1911 - Songs of the Road
1919 - The Guards Came Through and Other Poems
1922 - The Poems of Arthur Conan Doyle. Collected edition

Escritos sobre Guerra, Política e Espiritualismo:
1900 - The Great Boer War
1901 - The Immortal Memory
1905 - The Fiscal Question
1906 - An Incursion into Diplomacy
1907 - Through the Magic Door [Essays on books.]
1909 - The Crime of the Congo
1909 - Divorce Law Reform: An Essay
1911 - Why He is Now in Favour of Home Rule
1914 - The German War
1914 - Civilian National Reserve
1914 - The World War Conspiracy
1914 - The German War
1915 - Western Wanderings
1915 - The Outlook on the War
1916 - An Appreciation of Sir John French
1916 - A Visit to Three Fronts
1916 - The British Campaign in France and Flanders, 1914-1918
1917 - Supremacy of the British Soldier
1918 - Life After Death (A Form Letter)
1918 - The New Revelation: or, What Is Spiritualism?
1919 - The Vital Message
1922 - Spiritualism-Some Straight Questions and Direct Answers
1921 - The Wanderings of a Spiritualist
1922 - The Case for Spirit Photography (with others)
1922 - The Coming of the Fairies
1923 - Our American Adventure
1923 - Three of them. A Reminiscence
1924 - Memoirs and Adventures
1924 - Our Second American Adventure
1924 - The Spiritualists Reader (Editor)
1924 - Leon Denis: The Mystery of Joan of Arc (Translator)
1926 - The History of Spiritualism 2 vol.
1927 - Pheneas Speaks. Direct Spirit Communications
1928 - A Word of Warning
1928 - What does Spiritualism actually Teach and Stand for?
1929 - An Open Letter to those of my Generation
1929 - Our African Winter
1929 - The Roman Catholic Church. A rejoinder.
1930 - [A Form Letter]
1930 - [A Second Form Letter]
1930 - The Edge of the Unknown

Fontes:
http://www.beatrix.pro.br/
http://www.ceticismoaberto.com/

Sir Arthur Conan Doyle (Conto: Nosso Visitante da Meia Noite)

A minha história, contei-a quando fui preso, mas ninguém acreditou em mim. Contei-a de novo, durante o processo. Contei tudo como se havia passado. Deus me defenda! Pormenorizei tudo, e as palavras e os gestos da Srª. Mannering e as minhas palavras e os meus gestos. E para quê? "O réu fez uma declaração incoerente, inadmissível, nos detalhes em que não repousa sobre nenhuma aparência de prova", assim se exprimiu um jornal de Londres; para os outros, foi como se eu não tivesse apresentado defesa alguma. E entretanto eu vi com estes olhos o assassinato do Sr. Mannering; nele estou tão inocente como qualquer dos jurados que me julgaram. E já que hoje estais aí, senhor, para receber os requerimentos dos prisioneiros, eis o meu. Peço-vos que o leias, somente que o leias. Depois sabereis qual o caráter daquela Srª. Mannering - se é que ela conserva ainda o nome que usava há três anos, quando para minha desgraça, a conheci. Encarregai desse inquérito um agente particular ou um advogado; e em breve sabereis o bastante para vos convencerdes de que minha narrativa é a pura verdade. A menor averiguação colocar-vos-á sobre a pista. Lembrai-vos de que o crime só beneficiou essa pessoa, pois que, de uma mulher desgraçada que era, tornou-se hoje uma viúva rica. Tendes aí o fio condutor, basta seguí-lo e ver onde ele vos leva. Notai, senhor, que eu não falo de roubo. Não reclamo contra o que mereci, que não foi mais do que merecia. Foi somente o roubo, e paguei-o com meus três anos de cadeia. Reconheço o furto; mas no que diz respeito ao assassinato que hoje faz de mim um condenado por toda a vida, - e com outro juiz que não fosse o Sr. Doutor James, talvez tivesse ido parar na forca - afirmo que estou preso sem culpa, e protesto a minha inocência.

Volto à noite de 13 de setembro. Dir-vos-ei exatamente o que aconteceu. Havia passado o verão em Bristol, em busca de trabalho. Pensei que seria fácil achar algum em Portsmouth, pois sou bom mecânico, e pus-me a caminho, cortando o sul da Inglaterra, ocupando-me de mil negociosinhos. Esforçáva-me por sair honestamente dos trabalhos, pois acabava de passar um ano na prisão de Exter e não me agradava alojar-me em Casa da Rainha. Mas quem tem o nome manchado faz mal em se empregar; e tudo o que pude fazer foi viver.

Enfim, cerca de dez dias passados a cortar lenha e a quebrar pedras por um salário chorado, achava-me perto de Salisbury com um "shilling" no bolso e a paciência esgotada. Há na estrada que vai de Blandford e Salibury, uma taverna chamada "A boa intenção". Aluguei ali um leito para passar a noite.

Estava sentado na sala, completamente só, à hora de fechar as portas, quando o taverneiro, chamado Allen, aproximou-se de mim e pôs-se a falar de gente da vizinhança. Era um homem que gostava de tagarelar; tão bem que eu fiquei lá, fumando e despejando um copo de cerveja, enquanto durava o seu discurso. E não prestei muita atenção no que ele dizia, até o momento em que, metendo-se o diabo no meio, ele pôs-se a falar dos tesouros de Mannering Hall.

- Quer falar da grande casa que fica à direita, antes de entrar na vila? - perguntei. Aquela que tem um parque?

- Exatamente. A casa branca dos pilares, na estrada de Blanaford

Havia notado essa casa, quando por lá passara e, como, naquele momento, pensado que facilmente uma pessoa poderia introduzir-se nela. Havia expulsado essa idéia, mas eis que agora o hospedeiro a fez voltar com a enumeração das riquezas.

- Ainda moço - disse ele - o seu proprietário já era avarento. Imagine agora em sua idade! Nada impede que ele tenha tido algum prazer com seu dinheiro.

- Que prazer pode ter tido, se não o gasta? - perguntei.

- Mas possuindo a mulher mais bonita da Inglaterra. Isto pelo menos é um prazer. Ela pensava ter o dinheiro à disposição, hoje conhece a diferença.

- E ela, o que era? - murmurei, para dizer alguma coisa.

- Nada, quando o velho Senhor a fez sua Senhora. Vinha de Londres. Uns pretendiam que ele a havia retirado do teatro. Ninguém sabia. O velho havia passado um ano fora. Quando voltou, trazia uma moça. Ela ainda está lá. Sephens, o mordomo, disse-me uma vez que ela, nos primeiros tempos, alegrava toda a casa; mas o procedimento mesquinho de seu marido, a solidão em que a conservava, pois ele detesta as visitas, e a dureza de suas palavras, pois sua língua é um aguilhão, fizeram com que a vivacidade a abandonasse, e transformaram-na numa pálida e silenciosa criatura, que se vê errar pelos atalhos do campo. Alguns pretendem que ela amava outro homem, mas que os tesouros do velho a tornaram infiel, e que agora se lhe despedaça o coração por ter perdido, sem proveito, um pelo outro, pois com a fortuna do marido poderia perfeitamente passar pela pessoa mais pobre da paróquia.

O taverneiro dizia-me essas coisas e muitas outras semelhantes; mas a esquecia logo, porque não me interessavam. O que me preocupava era a maneira por que o Sr. Mannering guardava suas riquezas. Os títulos de propriedade e de renda são simples papéis, e tirá-los é mais perigoso que lucrativo. Mas o ouro e as jóias valem bem o perigo. E então, como que respondendo a meus pensamentos, o taverneiro pôs-se a falar da grande coleção de medalhas de ouro, reunida pelo Sr. Mannering. Era a mais preciosa do mundo; e a prova disso era que, se se pusessem todas as medalhas num saco, o homem mais forte não conseguiria carregá-lo. Então a mulher do taverneiro chamou-o e fomos nos deitar. Isto não é uma historia cuidadosamente preparada para as necessidades da minha causa. Mas, eu vos peço, senhor, prestai atenção: interrogai vossa consciência e dizei se poderia haver tentação mais cruel?

Aquela noite estava eu naquele leito, sem recursos, sem esperança, sem trabalho, com o ultimo "shilling" no bolso. Havia experimentado ser honesto e as pessoas honestas haviam me virado as costas. Chamavam-me ladrão e impeliam-me ao roubo. Arrebatado por essa corrente, não havia para mim meio de salvação. E eis que me aparecia essa pechincha: A grande casa rodeada de janelas, e as medalhas de ouro tão fáceis de fundir! Era como se alguém tivesse estendido uma côdea de pão a um faminto, crendo que ele não a comeria! Lutei um momento; mas basta! Acabei sentando-me na cama, e jurando que naquela noite me tornaria rico e depois renunciaria ao crime, ou conheceria ainda o peso das algemas. Vesti-me às pressas, pus um "shilling" sobre a mesa para o taverneiro e pela janela pulei para o jardim. Um muro alto servia de tapume. Saltei-o com facilidade. Do outro lado, o campo era livre. Não encontrei ninguém na estrada. A porta da entrada estava aberta. No pavilhão do porteiro, ninguém se mexia. O luar estava claro e eu avistava o palácio, muito branco, sob a abóbada das arvores. Andei cerca de um quarto de milha e cheguei a um vasto terreno arenoso diante da porta principal. Permaneci ali um instante acocorado procurando o meio mais fácil para subir. A janela do canto de um dos lados parecia a menos visível dos andares; ocultava-a uma espessa cortina de hera: tinha lá as melhores probabilidades de êxito. Protegido pelas árvores, deslizei por trás da casa. Um cão ladrou e ouviu-se o ruído de sua corrente. Esperei que sossegasse, depois continuei a marcha furtiva até à janela escolhida.

É extraordinário que a gente da aldeia não se ponha em guarda contra os ladrões e que a idéia destes não entre nunca em sua mente. A ocasião faz o ladrão, quando ao passar por uma porta sem pensar no mal, este a vê abrir-se diante de si. Não foi este verdadeiramente o meu caso. Mas um simples gancho fechava a janela; soltei-o com a ponta do meu canivete, levantei a vidraça, introduzi a lamina no intervalo das persianas e abri. Eram persianas de dobradiças e bastou-me empurrá-las para penetrar no quarto.

- Boa noite, senhor! Seja bem-vindo! - disse uma voz.

Sofri muitas emoções em minha vida, mas nenhuma mais violenta do que aquela. Perto da janela, ao alcance do meu braço, estava uma mulher, que tinha na mão uma vela. Alta, delgada, tinha um belo rosto pálido, que parecia ser talhado no mármore, e seus olhos e seus cabelos eram negros como a noite. Uma espécie de "peignoir" descia-lhe até aos pés. E com essa roupa e com esse rosto parecia um fantasma imóvel. Minhas pernas tremiam e tive que apoiar-me a uma janela. Teria girado sobre os calcanhares e fugido, se tivesse tido forças para isso. Mas mal me sustinha em pé, e fiquei a contemplá-la. Depressa ela me reanimou.

- Não tenha medo! - disse ela, - e de uma dona de casa a um ladrão eram estranhas essas palavras.

- Vi-o da janela de meu quarto, quando se ocultava sob as árvores; então desci e o ouvi à janela. Tê-la-ia aberto se me desse tempo. Mas o senhor precedeu-me. - Pegou-me na mão e puxou-me para o quarto.

- Que significa isso, senhora? Nada de gracejos! - disse com uma voz rude, e sei torná-la rude quando quero.

- Não estou disposto a deixá-la zombar de mim, acrescentei, mostrando-lhe o canivete aberto com que forçara a janela.

- Não penso em zombar de si, respondeu ela. Pelo contrário, sou sua amiga e desejo auxiliá-lo.

- A senhora se desculpa, o que é difícil de acreditar. Por que deseja auxiliar-me?

- Tenho minhas razões.

E de repente, seus negros olhos brilharam de cólera, em seu rosto pálido.

Porque o odeio, odeio, odeio! Compreende?

Lembrei-me do que me havia dito o taverneiro, e compreendi. Olhei-a de frente e conheci que podia confiar nela. Ela queria vingar-se de seu marido. Ela queria feri-lo no ponto sensível, na bolsa. Ela o odiava a ponto de perder o orgulho e confiar num individuo como eu, contanto que se vingasse. Detestei algumas pessoas em minha vida; mas creio que não havia compreendido o ódio, até ao momento em que vi aquele rosto de mulher, à luz da vela.

- Agora, confia em mim? - perguntou-me; e outra vez puxou-me levemente pela manga do paletó.

- Sim, senhora.

- Então conhece-me?

- Suponho quem seja.

- Minhas queixas são o assunto obrigatório da gente desta terra. Mas que importa isto a esse homem? Ele só ama uma coisa na terra, e essa coisa está à sua disposição. Tem um saco?

- Não, senhora.

- Feche as persianas. Assim, ninguém verá a luz. Não tema nada. Os criados dormem do outro lado. Vou mostrar-lhes os objetos preciosos. O senhor não pode levá-los todos; escolherá os melhores.

Achava-me numa sala comprida e baixa. Tapetes e peles cobriam o soalho polido. Pequenas vitrines erguiam-se aqui e ali. As paredes eram cobertas de lanças, espadas, remos e outros objetos semelhantes que se encontram nos museus. Havia ali também estofos bizarros, trazidos de paises selvagens. A mulher tirou do meio de tudo isso um grande saco de couro.

- Este servirá. Venha; vou mostrar-lhe onde estão as medalhas.

Pensava sonhar com a idéia dessa mulher pálida que, sendo a dona da casa, me ajudava a roubar sua própria residência. Ter-me-ia rido, talvez, se, na palidez do seu rosto, não houvesse uma coisa que me impressionava e me amedrontava. Ela deslizou diante de mim como um fantasma, levando o rolo verde de seu pavio de cera, e a segui com meu saco, até uma porta na extremidade da sala. A chave estava na fechadura. Penetrei no quarto do lado, atrás da minha guia. Era uma sala vasta, com tapeçarias pendentes que, bem me recordo, representavam uma caça ao veado. E, à luz trêmula da vela, jurar-se-ia ver os cães e os cavalos saltarem ao longo das muralhas. Não havia outros móveis além de grandes armários de nogueira, ordenados de cobre e munidos, no alto, de vidraças, sob as quais eu via alinharem-se as medalhas de ouro, algumas grandes como pratos, de meia polegada de espessura, colocadas todas sobre veludo escarlate e brilhando na obscuridade. Os dedos abriam-se para apanhá-las e já me preparava para fazer saltar uma das fechaduras com meu canivete. Mas a mulher deteve-me o braço.

- Um momento, disse ela. O senhor tem um negócio melhor. Moedas de ouro não valem mais do que estas medalhas?

- Certamente, disse. É o que há de melhor.

- Bem, replicou ela. Meu marido dorme lá em cima, justamente sobre nossas cabeças. Uma simples escadinha nos separa dele. Há, sob seu leito, uma caixa de folha-de-flandres e nessa caixa há bastante dinheiro para encher esse saco.

- Mas como hei de tirá-lo, sem que o homem acorde?

- Que lhe importa que ele acorde? E acrescentou, olhando-me fixamente: - O senhor pode impedi-lo de gritar.

- Não, senhora, isso não.

- Como for do seu agrado, concluiu ela. Julgava-o um homem corajoso; vejo que me enganei! Desde que um velho o intimida, é lógico que não pode tirar o dinheiro de sob seu leito. O senhor é o único juiz de seus atos. Mas esperava mais de si. E creio que deveria escolher outro oficio.

- Não quero ter um assassinato na consciência.

- Pode tirá-lo sem fazer-lhe mal algum. Quem lhe fala de assassinato? O dinheiro está sob sua cama. Fiquei aí se lhe falece o ânimo.

Assim ela me excitava pelo sarcasmo; tentava-me com esse dinheiro que fazia luzir ante meus olhos. E, sem duvida, teria acabado por ceder, e ter-me-ia arriscado, se, percebendo com que olhos maliciosos e pérfidos ela me via lutar, não tivesse compreendido que ela queria fazer de mim um instrumento de sua vingança, e que me deixava na alternativa de matar o velho ou deixar-me prender. Achou que ia muito longe, pois de repente transfigurou-se e sorriu-me. Era tarde: sabia o que devia pensar.

- Não irei lá em cima, declarei. Tenho aqui o que desejo.

Ela olhou-me desdenhosamente, como nunca se olhou para um homem.

- Seja! Roube essas medalhas. Preferia que começasse por este lado. Suponho que uma vez fundidas terão todas o mesmo valor; estas aqui são as mais raras e por conseqüência têm para ele maior preço. É inútil forçar as fechaduras; basta apertar este botão de cobre; há uma mola secreta. Aqui! Em primeiro lugar este grande. Ele guarda-o como a menina-dos-olhos. - Ela havia aberto um dos móveis, e todas aquelas preciosidades se me ofereciam. Ia apanhar as medalhas que ela me indicava, quando a vi mudar de cara e levantar o dedo como para me advertir.

- Silencio! - murmurou. - Que será isso?

Ao longe, no silêncio da casa, ouvimos um rumor surdo e fraco, um rumor de passos. Ela fechou imediatamente o móvel.

- Meu marido! - murmurou. - Mas não se inquiete, arranjarei tudo.

Escondeu-me com o saco atrás da tapeçaria e, iluminando com a vela, voltou rapidamente para o quarto de onde havíamos saído. Apesar de escondido, continuava a vê-la pela porta entreaberta.

- És tu, Roberto? - perguntou ela.

A luz de uma vela iluminou a soleira da porta do museu; os passos aproximaram-se; e vi aparecer um rosto, um rosto grande e severo, magro, e enrugado, com um enorme nariz adunco e lunetas de ouro. A cabeça inclinava-se para trás, por causa das lunetas, e o nariz era saliente como o bico de um pássaro. Os cabelos anelavam-se em torno de sua cabeça. Não tinha barba. Sua delicada boca, pequena e afetada, dissimulava-se profundamente sob o nariz imperioso. Ele estava lá, com a vela à sua frente, e olhava sua mulher com um ar estranhamente hostil. Vendo-o, adivinhei que era igual a afeição que tinham um pelo outro.

- Oh! - perguntou - então que é isso? Ainda um acesso de gênio? Que tens para rodar assim pela casa? Por que não te vais deitar?

- Não tenho sono.

Ela falava pronunciando as palavras com languidez. Se aquela mulher algum dia tivesse sido atriz não esquecia sua profissão.

- Hás de permitir que eu creia - disse ele com uma voz rude - que uma consciência tranqüila é uma boa auxiliar de sono?

- Enganas-te - replicou a mulher- pois dormes admiravelmente.

- Em minha vida - trovejou ele, e com os cabelos eriçados pela cólera parecia um velho papagaio de topete, - só há uma coisa de que me envergonho. Sabes qual? Foi um erro da minha parte que trouxe a punição consigo.

- Tanto para mim como para ti, lembra-te disso!

- Não tens de que te queixar. Eu desci e tu subiste.

- Subi?

- Sim, subiste. Não negarás que se sobe quando se passa do "music-hall" para o Mannering-Hall!! Fui um imbecil arrancando-te do teu meio!

- Se pensas assim, por que me prendes?

- Porque um tormento oculto vale mais do que uma vergonha pública. Porque é mais fácil sofrer as conseqüências de uma loucura do que reconhecê-la. E também porque quero continuar a conservar-te sob meus olhos e a saber que não podes voltar para a companhia do outro.

- Miserável! Miserável covarde!

- Sim, sim, conheço tua ambição secreta. Mas não a realizarás enquanto eu viver. E se voltares para a companhia daquele homem, depois da minha morte, saberei fazer com que voltes ao estado de mendiga. Tu e teu caro Eduardo jamais terão a satisfação de esbanjar minhas economias. Decide-te. Como me explicas estarem abertas esta janela e estas persianas?

- A noite estava muito quente.

- Cometeste uma imprudência. Sabes que pode haver vagabundos lá fora e que minha coleção de medalhas é incomparável? Tinha igualmente deixado aberta a porta. É este o meio de impedir que roubem minhas vitrines?

- Eu estava lá.

- Sem duvida. Ouvi mexeres no quarto das medalhas e foi por isso que desci. Que estavas fazendo?

- Que poderia fazer? Admirava as medalhas.

Curiosidade nova da tua parte.

Olhou-a desconfiado e dirigiu-se para a outra sala. Ela seguiu-o. Constatei então uma coisa que me fez estremecer. Havia deixado meu canivete aberto sobre uma das vitrines. Ele estava ali completamente à vista. A mulher viu-o primeiro. Com uma astúcia bem feminina, colocou sua vela de maneira a interpor a luz entre os olhos do Sr. Mannering e o canivete; depois tomou-o na mão esquerda e ocultou-o na roupa. Entretanto o velho examinava, canto por canto, toda a vitrine; houve um momento em que se aproximou de mim até ao alcance da mão. Nada indicando que se tivesse mexido nas medalhas, ele examinou, murmurando e praguejando, a primeira peça. Apenas passada a revista na primeira colocou a sua vela num canto de uma das mesas e sentou-se fora do alcance de minha vista. Ela ia e vinha atrás dele, segundo indicava a sombra projetada sobre o soalho pela luz da vela. Então ele pôs-se a falar do homem a quem chamava Eduardo, e cada palavra que proferia caia como uma gota de vitríolo. Falava baixo, de sorte que nem tudo eu podia ouvir; mas, pelo que ouvia, acreditei que ele não a teria martirizado mais, açoitando-a com um chicote. A princípio ela murmurou algumas palavras; depois emudeceu, enquanto ele, com sua voz glacial e irônica, continuava insultando, remexendo o passado, torturando, a tal ponto, que me admirava que ela sofresse em silêncio. E, de repente, ouvi o velho gritar: "Sai de trás de mim! Deixa-me! O quê! Ousarias ferir-me!" Ouvi então um ruído característico, uma espécie de choque mole. O velho gritou: "Meu Deus! Sangue!" E arrastou os pés, como se levantasse. Ouvi um segundo golpe. O velho gritou ainda: "Desgraçada!" Depois, só veio interromper o silêncio da casa o ruído de um líquido caindo no chão. Saí então do meu esconderijo e, trêmulo de terror, corri para o primeiro quarto. O velho tinha escorregado da cadeira e seu robe, repuxado, fazia-lhe uma corcova monstruosa nas costas. A cabeça, ainda com as lunetas em seu lugar, inclinava-se para o lado, e a boca pequenina estava aberta como a de um peixe morto. Não via de onde vinha o sangue, mas ouvia-o cair no chão. Ela, de pé, atrás dele, recebia em cheio a luz da vela. Seus lábios fechavam-se, seus olhos brilhavam, um leve rubor subira-lhe ao rosto; não me lembro de ter visto nunca mulher mais bela.

- A senhora fez isso?

- Fiz - respondeu tranqüilamente.

- E agora, o que vai fazer? Vão prende-la por crime de morte.

- Não se inquiete por minha causa. Nada me prende à vida; isso não tem importância. Ajude-me a endireitá-lo na cadeira. É horrível vê-lo assim.

Obedeci, não obstante gelar-me o tocar num cadaver. Um pouco de sangue caiu-me na mão.

- Agora pode tirar as medalhas - disse ela. Tanto faz o senhor, como um outro. Tire-as e vá-se embora.

- Não as quero mais. Quero partir, nunca estive metido em negócio semelhante.

- Que loucura! - disse ela. O senhor veio por causa das medalhas, elas estão à sua disposição. Por que não levá-las? Ninguém lho impede.

Conservava ainda o saco comigo. Ela abriu o móvel e despejamos uma centena de medalhas no saco. Mas não tive forças para ficar por mais tempo. Aproximei-me da janela, pois o ar da casa parecia envenenado pelo que acabava de testemunhar. Voltando-me, a vi ainda de pé, alta e graciosa, com a vela na mão, tal como me havia aparecido. Fez-me um gesto de despedida, ao qual correspondi, e internei-me rapidamente no parque. Graças a Deus, tenho o direito de jurar, com a mão sobre o coração, que não cometi o crime. Talvez fosse diferente, se tivesse podido ler no espírito daquela mulher; e sem duvida ficariam dois cadáveres em vez de um, naquele quarto, se tivesse podido presumir o que ocultava aquele ultimo sorriso. Preocupado unicamente com a minha segurança, não refleti nem um minuto sequer na maneira pela qual ela me havia armado o laço. Mas, havia dado apenas cinco passos no jardim, caminhando na sombra das arvores, da mesma maneira como tinha chegado, quando ouvi um grito, um grito capaz de despertar toda a paróquia, depois outro e mais outro.

- Assassino! Assassino! Assassino! Socorro!

E esses gritos de mulher no silêncio da noite, repercutiram pelos campos. Perturbaram-me o espírito. Num instante, luzes começaram a agitar-se, janelas a abrir-se, não só atrás, no palácio, mas no pavilhão do guarda e nas cavalariças, na frente. Como uma lebre espantada, corri pela alameda, mas ouvi fecharem o portão, antes que pudesse alcançá-lo. Então, escondi o saco num montão de lenha e procurei salvar-me através do parque. Alguém me viu à luz da lanterna e fui imediatamente perseguido por uma dúzia de pessoas, auxiliadas por cachorros. Acocorei-me entre os arbustos, mas os cães eram muito numerosos, e só respirei quando chegaram os homens para impedir que me estraçalhassem. Agarraram-me e levaram-me para o palácio de onde eu saíra.

- Foi este homem, senhora? - perguntou o mais velho do grupo, que mais tarde soube ser o mordomo.

Inclinada sobre o corpo, ela ocultava os olhos com um lenço. Bruscamente, lançou-me um olhar de fúria. Ah! aquela mulher é uma perfeita comediante!

- Sim, sim, foi esse mesmo - gritou ela. Ah! Canalha! Canalha! Fazer isso com um velho! - Estava lá um individuo que parecia um oficial de justiça da aldeia. Pôs-me a mão no ombro e perguntou-me:

- Que responde a isto?

- Que foi ela quem o assassinou - disse, designando a mulher, que nem pestanejou diante de mim.

- Vamos, vamos! Não me engana! - disse ele - E um dos criados deu-me um murro. - Digo que vi, protestei. Vi-a dar duas facadas nesse homem. Ela matou-o, depois de me ter ajudado a roubá-lo.

O criado quis bater-me ainda; ela, porém, estendeu a mão.

- Nada de violências, disse; a justiça castigá-lo-á.

- Queira Vossa Senhoria dizer-me, Vossa Senhoria presenciou o crime?

- Com meus próprios olhos. Foi horrível. Ouvimos barulho e descemos. Meu marido vinha na frente. O homem havia aberto uma das vitrines e enchia o saco de couro preto que tinha na mão. Saltou diante de nós para fugir. Meu marido deteve-o. Na luta o Sr. Mannering recebeu duas facadas. Se não me engano a arma ainda está na ferida. E veja o sangue nas mãos do assassino!

- Vejo-o nas mãos dela - respondi.

- Ela pegou na cabeça de Sua Senhoria, patife desavergonhado! - disse o mordomo.

Nesse momento entrou um criado trazendo o saco que eu escondera na minha fuga.

- Eis - disse o oficial - o saco e as medalhas de que falou Vossa Senhoria. Isto basta. Esta noite conservaremos aqui o homem e amanhã o inspetor e eu o levaremos para Salisbury.

- Pobre diabo! - disse a mulher. - Por minha parte, perdôo-lhe o mal que me fez. Quem sabe que tentação o terá impelido ao crime? Sua consciência e a lei irão assegurar-lhe uma punição que não quero tornar mais cruel com minhas censuras.

Não achava resposta. Não, senhor, não achava resposta, a tal ponto me assombrava essa mulher com sua segurança; e, num silêncio que parecia dar-lhe razão, deixei-me arrastar pelo oficial e pelo mordomo para o celeiro, onde me fecharam por aquela noite. Já vos contei toda a série de acontecimentos que terminaram pelo assassinato do Sr. Mannering por sua mulher, na noite de 14 de setembro de 1894. Talvez, como o oficial de justiça de Mannering-Towers e o juiz, não leveis em conta minhas alegações. Talvez reconheçais nelas o acento da verdade; e, escutando-me, sereis talvez um homem que não se embaraça com considerações pessoais, quando se trata de justiça. Só espero em vós, senhor. Se me relevardes dessa falsa acusação, abençoar-vos-eis como nunca homem algum abençoou a outro. Mas, se pelo contrário me abandonardes, dou-vos minha palavra que daqui a algumas semanas estarei enforcado nas barras do meu cubículo e, daí em diante, por pouco que isto tenha sido permitido a alguém, aparecerei em todos os vossos sonhos. O que peço é muito simples. Informai-vos sobre essa mulher, vigiai-a, revolvei seu passado, verificai o emprego do dinheiro de que se tornou dona, verificai a existência desse Eduardo, que creio estar ligado à sua vida. E se, por acaso, souberdes de alguma coisa que vos mostre a verdadeira natureza da pessoa, ou que vos pareça corroborar a história que vos contei, sei que posso contar com o vosso coração para alcançar piedade para um inocente.


Fonte:
DOYLE, Sir Arthur Conan. Nosso visitante da meia-noite e outros contos sensacionais. Ediouro.
http://www.gargantadaserpente.com/

Artur de Azevedo (Conto: O Espírito)

O caso que vou contar passou-se há um bom par de anos, quando no Rio de Janeiro o espiritismo não tinha ainda o caráter de seriedade nem os ilustres prosélitos que hoje tem, mas começava a ocupar a atenção e a roubar o tempo a algumas pessoas de boa fé.

Entre essas figurava o Garcia, bom homem, cujo único defeito era ser fraco de inteligência, defeito que todos lhe perdoavam por não ser culpa dele.

O nosso herói não se empregava absolutamente noutra coisa que não fosse comer, beber, dormir e trocar as pernas pela cidade. Tinha herdado dos pais o suficiente para levar essa vida folgada e milagrosa, e só gastava o rendimento do seu patrimônio.

Casara-se com d. Laura que, não sendo formosa que o inquietasse, nem feia que lhe repugnasse, era mais inteligente e instruída que ele. Esta superioridade dava-lhe certo ascendente, de que ela usava e abusava no lar doméstico, onde só a sua vontade e a sua opinião prevaleciam sempre.

O Garcia não se revoltava contra a passividade a que era submetido pela mulher: reconhecia que d. Laura tinha sobre ele grandes vantagens intelectuais e, se era honesta e fiel aos seus deveres conjugais, que lhe importava a ele o resto?

Sim, que d. Laura já não lembrava do Frederico...

Quem era esse Frederico? Um elegante guarda-livros, que a namorava quando o Garcia apareceu iluminado pela sua auréola de capitalista, pondo-o imediatamente fora de combate.

Ou fosse para melhorar de situação ou porque realmente o magoasse a vitória fácil do dinheiroso rival, o guarda-livros, ainda d. Laura não se tinha casado, mudara-se para São Paulo, e nunca mais souberam dele, nem ela, nem o Garcia.

Num dia em que este, ano e meio depois de casado, perguntou, a gracejar, pelo primeiro namorado de sua mulher, d. Laura, no generoso intuito de o tranqüilizar, respondeu, simulando
indiferença:

- Não sei... Parece que morreu...

- Morreu?...

- Pelo menos disseram-me que sim... em São Paulo... Não sei ao certo, nem isso me interessa.

Por esse tempo já o Garcia tinha sido iniciado, por algum amigo, nos mistérios do espiritismo, e fazia parte de um grupo, um dos primeiros que organizaram nesta cidade, para estudar os fenômenos revelados nos livros de Allan-Kardec.

Os associados reuniam-se todos os sábados para consultar a mesa giratória, evocar espíritos e conversar com defuntos célebres. Produziam-se, realmente, alguns fenômenos, que impressionaram profundamente o espírito débil de Garcia, a ponto de fazer com que ele não pensasse mais noutra coisa a não ser em almas de outro mundo.

Tinha o nosso espírita grande curiosidade de evocar por meio de tal mesa giratória o espírito de Frederico, apenas para verificar se estava morto o seu antigo rival; abstinha-se, porém, de o fazer pelo receio de que os colegas do grupo, sabendo do namoro da sua mulher, o tomassem por ciumento e ridículo.

Mas uma noite, em que a sessão ainda não começara, e estavam presentes apenas dois companheiros, que mal o conheciam, o Garcia pediu-lhes que o ajudassem a evocar o espírito de um amigo.

Os outros aquiesceram. Sentaram-se os três e espalmaram as mãos sobre uma pequena mesa de três pés, que em poucos minutos começou a mexer-se como um ser animado.

- Está presente o espírito que evoquei? - perguntou o Garcia em voz sinistra e cavernosa. - Se está presente, dê duas pancadas!

A mesa inclinou-se duas vezes, e obedeceu.

- Faça o favor de dizer o seu nome por letras do alfabeto! -continuou o Garcia no mesmo tom.

A mesa deu seis pancadas.

- F - disseram os dois companheiros.

- Adiante!

A mesa deu dezoito pancadas.

- R - repetiram os espíritas.

- Adiante!

A mesa deu cinco pancadas.

- E - explicou um dos três.

- F, R, E - disse o outro.

E em tom de comando, acrescentou:

- Se é Frederico, dê uma pancada forte!

A mesa deu uma pancada tão violenta, que partiu a perna.

O Garcia ergueu-se lívido e assombrado, gaguejando:

- Estou satisfeito.

- Mesmo porque é preciso consertar a mesa - concluiu um dos companheiros.

- Com duas pernas é impossível fazê-la trabalhar.

O que preocupava o grupo já não eram os espíritos invisíveis nem os fenômenos da mesa, que se poderiam atribuir a simples efeitos do magnetismo animal; o que todos ali desejavam era ver um espírito materializado, e para isso tinham empregado grandes esforços, mas sempre vãos.

Nessa ocasião estavam presentes no Rio de Janeiro não só o espírito como o corpo, em carne e osso, do Frederico, vindo de São Paulo para tratar de um negócio urgente, de três a quatro dias.

Apesar da pressa que trazia, o guarda-livros achou um momento disponível para passar pela casa do Garcia, na esperança de ver - apenas ver - d. Laura. Poupem-me os leitores explicar-lhes como não só a viu, como lhe falou; e até entrou para a sala..

O caso ê que, naquela noite, a mesma da evocação, voltando o Garcia para os seus penates mais cedo que de costume, pois que a sessão não se realizara por falta de número, encontrou o Frederico no corredor, saindo para a rua, e ficou tão estupefato que o deixou sair sem lhe dirigir a palavra.

O pobre-diabo foi direto ao quarto de sua mulher, que, ouvindo-lhe os passos apressados, se sentara mais que depressa numa cadeira de balanço, a ler um livro, fingindo a maior tranqüilidade.

- Que quer isto dizer?

- Isto quê?

- Esse homem que acaba de sair daqui?

- Um homem?! Daqui?! Tu estas doido!...

- Oh, senhora! Pois não esteve aqui um homem?

- Estás doido, repito.

- Eu vi-o!

- Não podias ter visto.

- Vi-o, e era o Frederico!

D. Laura soltou uma risada.

- Ora o Frederico! Um morto! Olha, sabes que mais? O tal espiritismo transtorna-te o miolo! O melhor é deixares-te disso!

O Garcia pensou:

- Um morto... Sim, ele está' morto... e ele então materializou-se para aparecer-me... Não foi outra coisa!

No sábado seguinte, o Garcia apareceu radiante ao grupo:

- Meus amigos, tenho que lhes fazer uma comunicação muito importante: sou médium vidente!

- Deveras? - exclamaram todos em coro.

- É o que lhes digo! Sábado passado, ao entrar em casa, encontrei no corredor uma pessoa que morreu em são Paulo.

- Conte-nos isso - ordenou o presidente do grupo - Você não teve medo?

- Eu? Nenhum! O espírito, sim, o espírito é que, pelos modos, teve medo de mim, porque assim que me viu deitou a fugir...

Fonte:
AZEVEDO, Artur de. Contos. Ed. Escala. Col. Grandes Obras.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Pessoas em Fernando Pessoa

Mário de Andrade (Resuno e Análise: Contos Novos)

Retratando as vivências da classe média

Datado de 1947, o volume apresenta nove contos, sendo quatro ("Peru de Natal", "Vestida de Preto", "Frederico Paciência" e "No Tempo da Camisolinha") escritos em 1ª pessoa e cinco ("O Ladrão", "Primeiro de Maio", "Atrás da Catedral de Ruão", "O Poço" e Nélson") escritos em 3ª pessoa.

Predomina nos contos a análise psicológica, chegando a estruturas refinadas e perfeitas dentro da modernidade a que se propõe, como é o caso de "Peru de Natal".

Mário de Andrade, nos contos em 1ª pessoa, apresenta caráter autobiográfico. No período, influenciado pelas doutrinas psicanalíticas de Freud, deixa-se levar por certo complexo edipiano, de maneira a exaltar a figura da mãe-mártir perfeita e abominar a formação patriarcal da família. Ainda é lembrada ("Frederico Paciência") certa tendência ao homossexualismo. Por trás da análise psicológica, o escritor mostra a vivência urbana, retirando seus personagens das camadas médias da sociedade paulistana.

Gênero literário

Contos de estrutura moderna, que acolhem as principais correntes ficcionistas que marcaram a Literatura Brasileira das décadas de 30 e 40. Mais do que os fatos exteriores, os relatos procuram registrar o fluxo de pensamento das personagens.

Contexto histórico-cultural

São Paulo, capital e interior, décadas de 20 a 40; processo de urbanização e industrialização (cidade); patriarcalismo X progressismo (ambiente rural).

Enredos:

1. "Vestida de preto": Juca, em flash-back, recupera as primeiras experiências amorosas com sua prima Maria, bruscamente interrompidas por uma Tia Velha. A repressão associa-se à rejeição da prima, que o esnoba na adolescência. A prima se casa, descasa, e o convida para visitá-la. "Fantasticamente mulher", sua aparição deixa Juca assustado.

2. "O ladrão": Numa madrugada paulistana, um bairro operário é acordado por gritos de pega-ladrão. Num primeiro momento, marcado pela agitação, os moradores reagem com atitudes que vão do medo ao pânico e à histeria, anulados pela solidariedade com que se unem na perseguição ao ladrão. Num segundo momento, caracterizado pela serenidade e enleio poético, um pequeno grupo de moradores experimenta momentos de êxtase existencial. Os comportamentos se sucedem, numa linha que vai do instinto gregário ao esvaziamento trazido pela rotina.

3. "Primeiro de Maio": Conflito de um jovem operário, identificado como "chapinha 35", com o momento histórico do Estado Novo. 35 vê passar o Dia do Trabalho, experimentando reflexões e emoções que vão da felicidade matinal à amargura e desencanto vespertinos. Mesmo assim, acalenta a esperança de que, no futuro, haja liberdade democrática para que "sua" data seja comemorada sem repressão.

4. "Atrás da catedral de Ruão": Relato dos obsessivos anseios sexuais de uma professora de francês, quarentona invicta, que procura hipocritamente dissimular seus impulsos carnais. Aplicação ficcional da psicanálise: decifração freudiana.

5. "O poço": Joaquim Prestes, fazendeiro dividido entre o autoritarismo e o progressismo, é desafiado por um grupo de peões que se insubordinam, desrespeitando o mandonismo absurdo do patrão.

6. "Peru de Natal": Juca exorciza a figura do pai, "o puro-sangue dos desmancha-prazeres", proporcionando à família o que o velho, "acolchoado no medíocre", sempre negara.

7. "Frederico Paciência": Dois adolescentes envolvidos por uma amizade dúbia, de conotação homossexual, procuram encontrar justificativas para esse controvertido vínculo e se rebelam contra as convenções impostas pela sociedade.

8. "Nélson": Registro do comportamento insólito de um homem sem nome. Num bar, um grupo de rapazes exercita seu "voyeurismo" pela curiosidade despertada pelo estranho sujeito: quatro relatos se acumulam, na tentativa de decifrar a identidade e a história de vida de uma pessoa que vive ilhada da sociedade, ruminando sua misantropia.

9. "Tempo de camisolinha": Juca, posicionando-se novamente como personagem-narrador, evoca reminiscências da infância, especialmente do trauma que lhe causou o corte de seus longos cabelos cacheados. Reconcilia-se com a vida ao presentear um operário português com três estrelas-do-mar.

Foco narrativo de 1a pessoa

Centra-se no eixo de individualidade de Juca, protagonista-narrador. Por meio de evocação memorialista, em profunda introspecção, ele relembra a infância, a adolescência e o início de vida adulta.

Foco narrativo de 3a pessoa

Centra-se num eixo de referência social, de inspiração neo-realista. A denúncia de problemas sociais se alia à análise da problemática existencial das personagens.

Espaço

Integra-se de forma dinâmica nos conflitos das personagens. Por exemplo, em "O poço", o frio cortante do vento de julho, no interior paulista, amplifica o tratamento desumano que o fazendeiro Joaquim Prestes dá a seus empregados.

Personagens

Nas nove narrativas, evidencia-se um profundo mergulho na realidade social e psíquica do homem brasileiro. Os quatro contos de cunho biográfico e memorialista, centrados em Juca, promovem uma "interiorização" de temas sociais e familiares. Já os com enunciação em terceira pessoa apresentam personagens cuja densidade psicológica procura expressar a relação conflituosa do homem com o mundo. Em contos como "Primeiro de Maio", "Atrás da catedral de Ruão" e "Nélson", os protagonistas não têm nome: isso é índice da reificação e da alienação que fragmentam a existência humana na sociedade contemporânea.
Fonte:
Digerati CEC 0004. CD Rom

Camilo Castelo Branco (Resumo: Amor de Salvação)

Amor de Salvação é uma novela passional, considerada pela crítica uma das obras mais bem acabada do autor. A história relata lembranças que são contadas ao narrador pelo protagonista, em uma noite de Natal, após um reencontro entre os dois que não se viam há quase doze anos.

Afonso e Teodora foram prometidos um ao outro, por suas mães que eram amigas desde os tempos em que estudavam num convento. Após a morte da mãe, Teodora vai para um convento e tem como tutor seu tio, pai de Eleutério Romão. Teodora e Afonso estão sempre em contato aguardando o tempo certo para casarem. Afonso resolve estudar fora por dois anos. Teodora influenciada pela amiga Libana quer casar-se o mais rápido possível. A mãe de Afonso, D. Eulália, pede-lhe para aguardar. Mas com a saída de Libana do convento Teodora se desespera e resolve casar-se com seu primo, Eleutério, para libertar-se das grades do convento.

Eleutério era o oposto a beleza de Teodora, era rude e vestia-se de forma hilariante. Apesar da grande tentativa de seu tio, o padre Hilário, em ensinar-lhe a ler, nada conseguiu. Vencido pela incapacidade de seu sobrinho, Padre Hilário desistiu afirmando que somente através de uma fresta no cérebro, aberta a machado, seria possível tal façanha. Teodora viveu em pompas, trajes de sedas, cavalos, bailes, etc., mas nunca esquecera Afonso, enviava-lhe cartas de amor mas nunca obtivera resposta.

Afonso sofreu muito com a notícia do casamento de Teodora, pediu a mãe permissão para se ausentar de Portugal. Contava sempre com o apoio e o consolo das cartas de sua mãe e sua prima Mafalda, que o amava pacientemente. Após anos de amargura, sofrimento e luta contendo-se diante das cartas de Teodora, para não fugir aos ensinamentos religiosos aos quais sua mãe o educou, foi fulminado pela influencia do amigo José de Noronha que o incentivou a escrever à Teodora. Relutou mas não conseguiu. A tal carta foi cair nas mãos de Eleutério, leu mas nada entendeu. Pediu então a um amigo ajuda para interpretá-la. A carta acabou sendo rasgada por Fernão de Teive, dando a desculpa de serem grandes sandices, após junto com sua filha Mafalda, reconhecer as intenções do remetente, seu sobrinho Afonso de Teive. Não conformado Afonso parte ao encontro de Teodora. Eleutério quando os encontra juntos, pede-lhes explicações. Teodora responde-lhe que é uma mulher livre a partir daquele momento, e vai viver com Afonso. Passam momentos, ilusoriamente, felizes. Afonso abandona até a sua própria mãe para viver ardentemente esta paixão que sempre o consumiu. Sua mãe sempre afetuosa, apesar da grande tristeza, sustenta a vida luxuosa que Afonso tem ao lado de Teodora .

Afonso quando fica sabendo da morte de sua mãe, através de carta escrita por Mafalda, se desespera. Teodora tenta consolá-lo, mas ele sente em suas palavras ironia e sente nojo de tamanho fingimento. Procura isolar-se de Teodora e dos amigos. Durante este período, Tranqueira, velho criado da família, alerta-o sobre as intenções do amigo José de Noronha por Teodora. No início se revolta contra o criado, mas acaba escutando-o e passa a observá-los. Encontra umas cartas que confirmam as suspeitas. Certo dia os pega juntinhos com gestos de muita familiaridade. Aborrece-se pede para que Noronha saia de sua casa. Teodora dissimulada como sempre, tenta enganá-lo, mas ele atira-lhe as cartas. Teodora desmaia enquanto Tranqueira derruba Noronha na cisterna para vingar seu patrão.

Afonso passa alguns dias fora de casa, quando retorna encontra uma carta de Toedora informando os pertences que havia levado consigo. Apesar de traído sente saudade da encantadora Teodora. Vende tudo e parte para Paris atrás de um amor que o salve. Gasta tudo o que tem. Por fim, pede ao seu tio Fernão para comprar-lhe a casa onde viveram seus pais e avós, pois não queria ofender a memória de sua mãe que o havia pedido, em carta antes morrer que não a vendesse. Mafalda com seu coração generoso e cheio de amor pelo primo, pede a seu pai que o atenda, e este assim o faz mas, com a condição de que a casa continuaria sendo de Afonso. Afonso afunda-se cada vez mais em seus vícios e extravagâncias a ponto de querer suicidar-se. Tranqueira, que nunca o abandonou, percebeu sua intenção e disse-lhe severas palavras que o livraram de tamanha loucura. Mudou de vida, passou a trabalhar e a estudar com apoio de seu criado.

Fernão de Teive adoece, e prestes a morrer pede ao padre Joaquim que vá a Paris entregar a Afonso, os documentos de propriedade da casa a qual comprara, apenas com intuito de ajudar o sobrinho. Após a morte de Fernão, Mafalda sentindo-se sozinha, resolve viajar com o padre Joaquim para Paris com a objetivo de juntar-se as irmãs de caridade. Quando o padre Joaquim encontra Afonso e conta-lhe da morte do tio, este chora e corre ao encontro da prima que ficara em uma hospedaria.

Mafalda conta ao primo sua decisão, mas padre Joaquim pede-lhes, pelo amor de Deus, que ao invés disso, casem-se. Afonso aceitou de imediato e agradeceu à Deus por ter ouvido os pedidos de suas mães. Afonso e Mafalda voltaram para sua cidade, casaram-se, tiveram oito filhos e foram muito felizes. Apesar do título “Amor de Salvação” a novela relata em quase toda sua extensão, um “amor de perdição” entre Afonso de Teive e Teodora Palmira. Ao “amor de salvação”, Mafalda, são dedicadas somente as ultimas páginas do romance.

Fonte:
Sueli Rodrigues in Digerati. CEC 0004. CD Rom.

Bernardo Guimarães (Resumo: A Escrava Isaura)

"O coração é livre; ninguém pode escravizá-lo, nem o próprio dono."

Em uma magnífica fazenda, no município de Campos de Goitacases (RJ), morava Isaura, uma linda escrava de cor de marfim. Isaura era filha de uma bonita escrava que por não se sujeitar aos sórdidos desejos do senhor comendador Almeida (dono da casa) sofreu as mais terríveis privações. Esta escrava teve um caso com o feitor Miguel, que era um bom homem e não aceitou castigá-la como mandou o seu senhor, sendo Isaura fruto desse relacionamento. Isaura foi educada pela mulher do comendador, e era dotada de natural bondade e candura do coração além de saber ler, escrever, italiano, francês e piano. A mulher do comendador tinha desejo de libertar Isaura, porém não o fazia para conservá-la perto e assim ter companhia.

O Sr Almeida se aposenta, retirando-se para a corte e entrega a fazenda a seu filho Leôncio. Este era digno herdeiro de todos os maus instintos e devassidão do comendador. Casou-se por especulação. Nutre por Isaura o mais cego e violento amor. Ele chega à fazenda com sua mulher - Malvina - e seu cunhado - Henrique. Malvina era mulher dócil e tratava Isaura muito bem. Henrique era um filho rico, estudante de medicina, e também ficou tocado pela beleza de Isaura. Morre a mãe de Leôncio sem deixar testamento que libertasse Isaura.

Henrique rapidamente percebe as intenções de Leôncio para com Isaura. Temendo que ele traia sua irmã, adverte-o que não tolerará tal ato. Henrique se oferece como amante para Isaura e daria em troca sua liberdade. O jardineiro da fazenda, um ser disforme e abjetável, também se oferece como amante. Isaura não dá atenção a essas propostas, e diz nunca casar sem amor. Leôncio é avistado por Henrique e Malvina quando fazia semelhante proposta à Isaura. Malvina setencia: ou ela (Isaura) ou eu. No mesmo momento da calorosa discussão, aparece o pai de Isaura com o dinheiro suficiente, uma enorme quantia de 10 contos de réis, para comprar a liberdade dela conforme havia prometido o comendador Almeida. Leôncio não aceita o dinheiro e dá desculpas vazias.

Morre o pai de Leôncio e ele finge imensa tristeza por dias, o que o alija temporariamente de brigar com a mulher. Passado certo tempo, Malvina continua a pressão para que se libertá-se Isaura. Com as desculpas e adiamentos de Leôncio, ela decide voltar à casa do seu pai. A sua saída era caminho livre para os intentos indecentes de Leôncio. Como Isaura continuava a resistir, Leôncio ameaça com torturas. Miguel, sabendo do acontecido, decide fugir com Isaura para o Norte.

Chegando em Recife, a linda Veneza Americana, Isaura muda seu nome para Elvira e Miguel para Anselmo passando a morarem numa chácara no bairro de Santo Antônio. Álvaro era um moço rico, filho de uma distinta e opulente família, liberal, republicano e abolicionista extremado. Ele avista Isaura ao passear perto da sua chácara e a conhece, passando a visitá-la constantemente. Álvaro se utiliza de todos os meios para convencer Isaura a ir a um baile com ele. Isaura não queria ir para não enganar a sociedade e iludir o seu amante. Ela por diversas vezes tentou contar a Álvaro que se tratava de uma escrava fugida, mas não tinha coragem. Ela só aceita ir diante do argumento de que tanta reclusão estaria despertando a atenção da polícia. Isaura sente um mau presságio desse baile.

No baile, Isaura se destaca no meio de todas as mulheres devido a sua beleza e por tocar muito bem piano. Contudo, é reconhecida por Martinho - um estudante de sórdida ganância e espírito de cobiça - que havia guardado um anúncio de escravo fugido. Ele provoca um escândalo durante o baile e Isaura confessa diante de toda a sociedade se tratar de uma escrava. Álvaro, não obstante, defende-a e devido a sua influência a toma por fiador, sem deixar que ela caísse nas mãos imundas de Martinho. Este, sem conseguir levá-la, escreve para Leôncio informando que havia achado sua escrava.

Graças a valiosa intervenção de Álvaro, Miguel e Isaura continuam na sua chácara em Santo Antônio na espera das ações que ele havia prometido tomar. Isaura conta que fugiu para escapar do amor de um senhor libidinoso e cruel. Enquanto Álvaro se encontrava na chácara, Leôncio aparece para sua surpresa e exige levar Isaura. Leôncio encontrava-se munido de um mandado de prisão contra Miguel e guardas para levar sua escrava. A aparição é seguida de forte discussão e Álvaro avança contra Leôncio. A briga é cessada com a aparição de Isaura que se entrega ao seu senhor.

Isaura volta a fazenda onde fica na mais completa reclusão. Leôncio se reconciliara com Malvina, pois iria precisar do seu dinheiro. Miguel é ludibriado na cadeia e convencido
a tentar persuadir Isaura a se casar com Belchior, o jardineiro da fazenda, em troca da liberdade sua e da filha.

Isaura aceita o sacrifício pois estava sem forças e sem esperança. Leôncio já havia tomado todas as providências para o casamento, quando é informado que alguns cavalheiros chegaram. Pensando se tratar do vigário e do tabelião, mando-os entrar. É tomado de surpresa ao avistar Álvaro. Este tinha ido ao Rio de Janeiro e descobre com alguns comerciantes que Leôncio estava falido. Compra os seus créditos e fica dono de toda a dívida de Leôncio.

Álvaro afirma a Leôncio que nada mais o pertence, que toda a sua fazenda incluindo os escravos passavam a ser dele com a execução dos débitos. Isaura abraça Álvaro. Leôncio jura que nunca irá implorar a sua generosidade para abrandar a dívida. Ele ausenta-se da sala e se suicida.

Fonte:
Renato Lima
Digerati CEC 0004. (CDROM).

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Os Estatutos do Homem (Thiago de Melo)

Os estatutos do homem
(ato Institucional Permanente)

Artigo I - Fica decretado que agora vale a verdade,
que agora vale a vida,
e que de mãos dadas,
trabalharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II - Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III - Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abri-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV - Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único: O homem confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V - Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com o seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI - Fica estabelecida, durante séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII - Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII - Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX - Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha sempre
o quente sabor da ternura.

Artigo X - Fica permitido a qualquer pessoa,
a qualquer hora da vida,
o uso do traje branco.

Artigo XI - Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã

Artigo XII – Decreta-se que nada será obrigado nem proibido.
Tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único: Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII - Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso o grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final: Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.

Santiago do Chile, abril de 1964
Melo, Thiago de. Faz escuro mas eu canto

Fonte:
SANTOS, Eberth. MOURA, Josana de. Literatura e Filosofia (Palavra em Ação). 2.ed. Uberlândia: Ed. Claranto, 2004.

Concursos de Trovas em Andamento

XVIII CONCURSO NACIONAL E INT. DE TROVAS DE PINDAMONHANGABA
Biblioteca Pública Municipal “Ver. Rômulo Campos D’Arace”
Ladeira Barão de Pindamonhangaba, s/n – Bosque da Princesa
CEP: 12401-320 – Pindamonhangaba-SP
Temas:
Nível Regional: para trovadores domiciliados na cidade de Pindamonhangaba, demais cidades do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Região Serrana (Mantiqueira, no Estado de São Paulo) – SEDUÇÃO.
Nível Nacional/Internacional: para os trovadores domiciliados nas demais cidades do Brasil e Exterior – APATIA.
XII Juventrova (para estudantes) – FICAR
Para todos os temas valem palavras cognatas.
Premiação = Dia: 05 de Julho de 2008.
Máximo de 3 trovas (líricas/filosóficas) por concorrente, datilografando acima da trova, o tema a que concorre.
Serão consideradas as trovas recebidas até 29 de fevereiro de 2008.
Sistema de envelopes.
________________________________________
XLVIII JOGOS FLORAIS DE NOVA FRIBURGO
Temas de âmbito nacional:
"Escolha" (lírico/filosófica) "Feira" (humorística)
A/C Nádia Huguenin, Rua Emilia Barroso, 128-Cônego
Cep 28.621-290 - Nova Friburgo/RJ
Âmbito Municipal (apenas para Nova Friburgo) = Temas:
"Feitiço" (lírico/filosóficas) e "Cabelo" (humorísticas)
A/C João Freire Filho, Rua Parintins, 200, c/8, Cep 21.321-190 = RJ
ATENÇÃO: haverá ainda um concurso paralelo, tema: "Vinda de D.João VI e suas realizações no Brasil". Enviar para o mesmo endereço dos concursos nacionais. Todos os concursos são pelo "Sistema de envelopes", máximo de 03 trovas por tema. Prazo de chegada: até 29/02.2008.
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XIV JOGOS FLORAIS DE CURITIBA - PR
Temas: Âmbito Nacional = MISTÉRIO (lírico/filosófica), PIPOCA (humor)
Enviar para Rua Itupava, 791-Alto da Rua XV, Cep 80.040-000, Curitiba.
Âmbito Estadual = ABRAÇO(lírico/filosófica), BATIDA (humor)
Enviar para Rua Graúna, 410-apto. 41, Cep 04513-002, São Paulo-SP
Máximo de 03 trovas por tema. Prazo de recebimento: até 29/02/2008
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III JOGOS FLORAIS DO BALNEÁRIO CAMBORIÚ
A /C de Gislaine Canales
Rua: 2700 – Nº 71 Ap. 302-Edifício Acácias – Bloco B – Centro
Cep 88.330-374 - Balneário Camboriú – SC
Tema nacional: LÁGRIMA
Tema estadual (SC): SORRISO
Países de língua espanhola: SONRISA
Máximo 3 (Lírico/Filosóficas)
Valerão trovas recebidas até 31-05-2008
Outras informações: gislainecanales@uol.com.br
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XXXVIII JOGOS FLORAIS DE NITERÓI 2008
Caixa Postal 100.518, CEP 24001-970 - Niterói - RJ
Temas: Estadual (só trovadores RJ) = CORTINA
Nacional/Internacional = VARANDA
Valem palavras derivadas.
Máximo de 03 trovas (líricas/filosóficas)
Período para remessa: 01/02/08 a 31/05/08
Endereço para remessa:
Festa de premiação marcada para 29 e 30 de novembro 2008.
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III JOGOS FLORAIS DE CAMBUCI
A/C Almir Pinto de Azevedo
Praça da Bandeira, 79, Cambuci-RJ, Cep 28.430-000
Âmbito nacional/internacional: TEMA LIVRE = apenas uma trova.
Sistema de envelopes. Valem as trovas chegadas até 31.05.2008
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III JOGOS FLORAIS DE CANTAGALO
A/C Ruth Farah Nacif Lutterback
Rua Dr. Nagib Jorge Farah, 204, Cantagalo-RJ, Cep 28.500-000
Temas: âmbito nacional=INVERNO ; âmbito estadual (RJ)=VERÃO
Máximo de duas trovas por autor, trovas lírico/filosóficas.
Valem trovas chegadas até 31.05.2008 = Sistema de envelopes.
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XXVI CONCURSO DE TROVAS DE TAUBATÉ
A/C Angélica Villela Santos
Rua Francisco Xavier de Assis, 36, Taubaté-SP, Cep 12.060-460
Temas= Nacional/Intern.=BRASIL; Para o Vale do Paraíba, Região Mantiqueira e Litoral Norte=TROPEIRO.
Máximo: duas trovas por autor. Prazo para recebimento: até 30.06.2008.
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II CONCURSO NACIONAL DE TROVAS DE SAQUAREMA
A/C de João Costa
Rua Pereira, 331 - Bacaxá, Cep 28.993-000 - Saquarema – RJ
Tema único: Gaivota (s) = Duas (2) trovas por concorrente
Sistema de envelope = Prazo: Até 30 de abril de 2008
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I CONCURSO ESTADUAL / NACIONAL DE TROVAS DO SITE TROVA UNE VERSOS
REGULAMENTO
1. Para o concurso TROVA é a forma poética composta de quatro versos de sete sílabas métricas cada um deles, com ocorrência de rimas do 1º verso com o 3º e do 2º com o 4º, tendo o conjunto sentido completo;
2. As TROVAS, em nº de 02(duas), LÍRICAS OU FILOSÓFICAS, serão enviadas entre 01.12.07 a 29.02.08, EXCLUSIVAMENTE PELA INTERNET para trovauneversos@gmail.com; devendo ser inéditas e de autoria do poeta ou poetisa concorrente;
3. Serão acolhidas TROVAS somente em língua portuguesa, o que não exclui os trovadores de outros países, desde que se sirvam dessa língua;
4. Do e-mail deverão constar obrigatoriamente:
- Nome do autor (completo); - Endereço postal (completo);
- Nº do telefone (se houver); - E-mail;
- TROVAS (duas).
5. As TROVAS terão por temas: LENDA(S) – concorrentes domiciliados no estado do Rio Grande do Norte; SONHO(S) – à exceção do Rio Grande do Norte, para os demais estados do Brasil
e outros países;
6. A Comissão Julgadora escolherá em cada segmento 10 (dez) trovas, assim distribuídas:
- 1º, 2º e 3º lugares – Trovas Campeãs (Ouro / Prata / Bronze);
- 4º, 5º e 6º lugares – (Menções Honrosas);
- 7º, 8º, 9º e 10º lugares – (Menções Especiais).
7. Aos vencedores serão concedidos DIPLOMAS de acordo com a classificação;
8. O site TROVA UNE VERSOS anunciará o resultado em 20.04.08;
9. Trovas que estiverem em desacordo com os Artigos deste Regulamento serão excluídas automaticamente do Concurso e a remessa de mais de 02(duas) trovas resultará na desclassificação do(a) participante;
10) Pela simples remessa das TROVAS o(a) concorrente aceita as normas do presente regulamento;
11) Outros informes serão obtidos pelo site: www.trovauneversos.hpgvip.com.br (na seção Informativo); dúvidas pelo e-mail: trovauneversos@gmail.com .

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Fonte:
http://www.falandodetrova.com.br/v5/andamento

Concurso de Trovas (Sistema de Envelopes)

No Brasil o sistema adotado desde muito tempo é o chamado "sistema de envelopes", que consiste em:

- datilografar/digitar a Trova na face externa de um pequeno envelope de aproximadamente 7/11 cm, tendo, acima da Trova, o Tema a que concorre.

- colocar dentro deste envelope um papel com: nome e endereço completos, mais a assinatura. E outros dados de identificação que achar necessários.

- fechar esse envelope (colar) para remessa.

- colocar o(s) envelope(s) com as Trovas em outro, maior, para a remessa, endereçado ao Concurso. Esse envelope não deve ter nenhuma identificação do remetente. Se não houver instruções específicas, usar como remetente "Luiz Otávio" e repetir o endereço do próprio Concurso.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Alberto da Cunha Melo (1942 - 2007)


por Marcelo Pereira do Caderno C / JC

Uma das principais vozes poéticas da literatura brasileira contemporânea, o poeta Alberto da Cunha Melo faleceu no sábado (13/10), às 19h35, aos 65 anos, na UTI do Hospital Jayme da Fonte, de falência múltipla dos órgãos em decorrência de complicações pós-operatórias do transplante de fígado ao qual foi submetido no dia 24 de agosto passado. Seu corpo está sendo velado na Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), em Santo Amaro. Alberto deixa quatro filhos, sendo dois do primeiro casamento e dois da viúva Cláudia Cordeiro.

Expoente da chamada Geração 65, em julho passado, Alberto da Cunha Melo foi agraciado com o Prêmio Poesia 2007, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro O cão dos olhos amarelos & Outros poemas inéditos ( A Girafa Editora). Não chegou a ir receber a láurea em virtude do seu estado de saúde. O escritor vinha lutando contra um câncer no fígado, antes de se submeter ao transplante.

"Alberto é Pernambuco, um grande nome pernambucano da poesia nacional, filho ilustre, amigo leal e que lutou para a derrubada do muro que separa os homens e restitui a justiça e a cidadania", disse o imortal da Academia Pernambucana de Letras e presidente da Cepe, poeta Flávio Chaves, de quem Alberto era assessor especial.

José Alberto Tavares da Cunha Melo nasceu em Jaboatão, em 1942 e tinha orgulho de se dizer neto e filho de poetas. Era sociólogo e jornalista, tendo sido o editor da página Suplemento Cultural do Jornal do Commercio, nos anos 80, abrindo espaços para jovens poetas, principalmente do movimento de escritores independentes, e críticos. Ultimamente, assinava a coluna Marco Zero, na revista Continente Multicultural (editada pela Cepe). Seu primeiro livro - Circulo cósmico - foi publicado em 1966, ano em que o historiador Tadeu Rocha rotulava de Geração de 65 o grupo de poetas surgidos das páginas do Diário de Pernambuco. Portanto, completa, neste ano de 2006, 40 anos de trabalho poético ininterruptos.

Alberto da Cunha Melo deixa uma obra vasta e consistente. São 16 livros, 13 de poesia, e participou de 26 antologias, duas delas internacionais. Suas obras, por ordem de edição são as seguintes: Círculo Cósmico ( Recife: UFPE, separata da revista Estudos Universitários, 1966.); Oração pelo Poema. Recife: UFPE, separata da revista Estudos Universitários, 1969.; a Publicação do Corpo (Quíntuplo, Aquário/UM, 1974.), A Noite da Longa Aprendizagem. Notas a Margem do Trabalho Poético. Recife, 1978-2000, v. I, II, III, IV, V; inédito, . Dez Poemas Políticos (Recife, Pirata, 1979), Noticiário ( Recife: Edições Pirata, 1979), Poemas a Mão Livre (Edições Pirata, 1981), Soma dos Sumos (Rio de Janeiro: José Olympio, 1983), Poemas Anteriores (Recife: Bagaço, 1989), Clau (Recife: Imprensa Universitária da UFRPE, 1992), Carne de Terceira com Poemas à Mão Livre (Recife: Bagaço, 1996.), Yacala (Recife: Gráfica Olinda, 1999), Meditação sob os Lajedos (Natal/Recife: EDUFRN, 2002), Dois caminhos e uma oração (São Paulo: A Girafa, 2003) e O cão de olhos amarelos & Outros poemas inéditos (São Paulo: A Girafa, 2006).

Entre as principais participações em antologia, participou de Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século, (Geração Editorial - SP), organizada por José Nêumanne Pinto, e 100 Anos de Poesia. Um panorama da poesia brasileira no século XX, (O Verso/ MinC), organizada por Claufe Rodrigues e Alexandra Maia, e de Pernambuco, Terra da Poesia (IMC/Escrituras), organizada por Antônio Campos e Cláudia Cordeiro.

Na década de 1990 seus poemas saem das fronteiras de Pernambuco e ganham o Brasil e o exterior com o livro Yacala, lançado na Universidade de Évora, em Portugal, com prefácio do crítico literário e professor da Universidade de São Paulo Alfredo Bosi. Em 2003, em entrevista ao Jornal da USP, Bosi ratifica seu entusiasmo pela poesia de Cunha Melo e o considera o principal nome que vem despontando no cenário poético nacional.

O livro Meditação sob os Lajedos, em Dois Caminhos e uma Oração, foi considerado um dos dez melhores livros publicados no Brasil em 2002, por um júri de 400 especialistas do Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira, em sua primeira versão 2003.


Fonte:

União Brasileira dos Escritores

Monteiro Lobato (1882 - 1948)

1882 - 1904
Primeiras letras: Lobato estudante

José Bento Monteiro Lobato estreou no mundo das letras com pequenos contos para os jornais estudantis dos colégios Kennedy e Paulista, que freqüentou em Taubaté, cidade do Vale do Paraíba onde nasceu, em 18 de abril de 1882.

No curso de Direito da Faculdade do Largo São Francisco, em São Paulo, dividiu-se entre suas principais paixões: escrever e desenhar. Colaborou em publicações dos alunos, vencendo um concurso literário promovido em 1904 pelo Centro Acadêmico XI de Agosto. Morou na república estudantil do Minarete, liderou o grupo de colegas que formou o Cenáculo e mandou artigos para um jornalzinho de Pindamonhangaba, que tinha como título o mesmo nome daquela moradia de estudantes. Nessa fase de sua formação, Lobato realizou as leituras básicas e entrou em contato com a obra do filósofo alemão Nietzsche, cujo pensamento o guiaria vida afora.

1905 - 1910
Lobato volta ao Vale do Paraíba


Diploma nas mãos, Lobato voltou a Taubaté. E de lá prosseguiu enviando artigos para um jornal de Caçapava, O Combatente. Nomeado promotor público, mudou-se para Areias, casou-se com Purezinha e começou a traduzir artigos do Weekly Times para O Estado de S. Paulo. Fez ilustrações e caricaturas para a revista carioca Fon-Fon! e colaborou no jornal Gazeta de Notícias, também do Rio de Janeiro, assim como na Tribuna de Santos.

1911 - 1917
Lobato fazendeiro e jornalista


A morte súbita do avô determinou uma reviravolta na vida de Monteiro Lobato, que herdou a Fazenda do Buquira, para a qual se transferiu com a família. Localizada na Serra da Mantiqueira, já estava com as terras esgotadas pela lavoura do café. Assim mesmo, ele tentou transformá-la num negócio rendoso, investindo em projetos agrícolas audaciosos.

Mas não se afastou da literatura. Observando com interesse o mundo da roça, logo escreveu artigo, para O Estado de S. Paulo, denunciando as queimadas no Vale do Paraíba. Intitulado “Uma velha praga”, teve grande repercussão quando saiu, em novembro de 1914. Um mês depois, redigiu Urupês, no mesmo jornal, criando o Jeca Tatu, seu personagem-símbolo. Preguiçoso e adepto da "lei do menor esforço", Jeca era completamente diferente dos caipiras e indígenas idealizados pelos romancistas como, por exemplo, José de Alencar. Esses dois artigos seriam reproduzidos em diversos jornais, gerando polêmica de norte a sul do país. Não demorou muito e Lobato, cansado da monotonia do campo, acabou vendendo a fazenda e instalando-se na capital paulista.

1918 - 1925
Lobato editor e autor infantil


Com o dinheiro da venda da fazenda, Lobato virou definitivamente um escritor-jornalista. Colaborou, nesse período, em publicações como Vida Moderna, O Queixoso, Parafuso, A Cigarra, O Pirralho e continuou em O Estado de S. Paulo. Mas foi a linha nacionalista da Revista do Brasil, lançada em janeiro de 1916, que o empolgou. Não teve dúvida: comprou-a em junho de 1918 com o que recebera pela Buquira. E deu vez e voz para novos talentos, que apareciam em suas páginas ao lado de gente famosa.

O editor
A revista prosperou e ele formou uma empresa editorial que continuou aberta aos novatos. Lançou, inclusive, obras de artistas modernistas, como O homem e a morte, de Menotti del Picchia, e Os Condenados, de Oswald de Andrade. Os dois com capa de Anita Malfatti, que seria pivô de uma séria polêmica entre Lobato e o grupo da Semana de 22: Lobato criticou a exposição da pintora no artigo “Paranóia ou mistificação?”, de 1917. “Livro é sobremesa: tem que ser posto debaixo do nariz do freguês", dizia Lobato, que, para provocar a gulodice do leitor, tratava o livro como um produto de consumo como outro qualquer, cuidando de sua qualidade gráfica e adotando capas coloridas e atraentes. O empreendimento cresceu e foi seguidamente reestruturado para acompanhar a velocidade dos negócios, impulsionada ainda mais por uma agressiva política de distribuição que contava com vendedores autônomos e com vasta rede de distribuidores espalhados pelo país. Novidade e tanto para a época, e que resultou em altas tiragens. Lobato acabaria entregando a direção da Revista do Brasil a Paulo Prado e Sérgio Milliet, para dedicar-se à editora em tempo integral. E, para poder atender às crescentes demandas, importou mais máquinas dos Estados Unidos e da Europa, que iriam incrementar seu parque gráfico. Mergulhado em livros e mais livros, Lobato não conseguia parar.

O autor infantil
Escreveu, nesse período, sua primeira história infantil, A menina do narizinho arrebitado. Com capa e desenhos de Voltolino, famoso ilustrador da época, o livrinho, lançado no Natal de 1920, fez o maior sucesso. Dali nasceram outros episódios, tendo sempre como personagens Dona Benta, Pedrinho, Narizinho, Tia Nastácia e, é claro, Emília, a boneca mais esperta do planeta. Insatisfeito com as traduções de livros europeus para crianças, ele criou aventuras com figuras bem brasileiras, recuperando costumes da roça e lendas do folclore nacional. E fez mais: misturou todos eles com elementos da literatura universal, da mitologia grega, dos quadrinhos e do cinema. No Sítio do Picapau Amarelo, Peter Pan brinca com o Gato Félix, enquanto o saci ensina truques a Chapeuzinho Vermelho no país das maravilhas de Alice. Mas Monteiro Lobato também fez questão de transmitir conhecimento e idéias em livros que falam de história, geografia e matemática, tornando-se pioneiro na literatura paradidática - aquela em que se aprende brincando.

Crise e falência
Trabalhando a todo vapor, Lobato teve que enfrentar uma série de obstáculos. Primeiro, foi a Revolução dos Tenentes que, em julho de 1924, paralisou as atividades da sua empresa durante dois meses, causando grande prejuízo. Seguiu-se uma inesperada seca, que decorreu em um corte no fornecimento de energia. O maquinário gráfico só podia funcionar dois dias por semana. E numa brusca mudança na política econômica, Arthur Bernardes desvalorizou a moeda e suspendeu o redesconto de títulos pelo Banco do Brasil. A conseqüência foi um enorme rombo financeiro e muitas dívidas. Só restou uma alternativa a Lobato: pedir a autofalência, apresentada em julho de 1925. O que não significou o fim de seu ambicioso projeto editorial, pois ele já se preparava para criar outra empresa. Assim surgiu a Companhia Editora Nacional. Sua produção incluía livros de todos os gêneros, entre eles traduções de Hans Staden e Jean de Léry, viajantes europeus que andaram pelo Brasil no século XVI. Lobato recobrou o antigo prestígio, reimprimindo nela sua marca inconfundível: fazer livros bem impressos, com projetos gráficos apurados e enorme sucesso de público.

1925 - 1927
Lobato no Rio de Janeiro

Decretada a falência da Companhia Gráfico-Editora Monteiro Lobato, o escritor mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde permaneceu por dois anos, até 1927. Já um fã declarado de Henry Ford, publicou sobre ele uma série de matérias entusiasmadas em O Jornal. Depois passou para A Manhã, de Mario Rodrigues. Além de escrever sobre variados assuntos, em A Manhã lançou O Choque das Raças, folhetim que causou furor na imprensa carioca, logo depois transformado em livro. Do Rio Lobato colaborou também com jornais de outros estados, como o Diário de São Paulo, para o qual em 20 de março de 1926 enviou "O nosso dualismo", analisando com distanciamento crítico o movimento modernista inaugurado com a Semana de 22. O artigo foi refutado por Mário de Andrade com o texto "Post-Scriptum Pachola", no qual anunciava sua morte.

1927 - 1931
Lobato em Nova Iorque

Em 1927, Lobato assumiu o posto de adido comercial em Nova Iorque e partiu para os Estados Unidos, deixando a Companhia Editora Nacional sob o comando de seu sócio, Octalles Marcondes Ferreira. Durante quatro anos, acompanhou de perto as inovações tecnológicas da nação mais desenvolvida do planeta e fez de tudo para, de lá, tentar alavancar o progresso da sua terra. Trabalhou para o estreitamento das relações comerciais entre as duas economias. Expediu longos e detalhados relatórios que apontavam caminhos e apresentavam soluções para nossos problemas crônicos. Falou sobre borracha, chiclete e ecologia. Não mediu esforços para transformar o Brasil num país tão moderno e próspero como a América em que vivia.

1931 - 1939
A luta de Lobato por ferro e petróleo

Personalidade de múltiplos interesses, Lobato esteve presente nos momentos marcantes da história do Brasil. Empenhou seu prestígio e participou de campanhas para colocar o país nos trilhos da modernidade. Por causa da Revolução de 30, que exonerou funcionários do governo Washington Luís, ele estava de volta a São Paulo com grandes projetos na cabeça. O que faltava para o Brasil dar o salto para o futuro? Ferro, petróleo e estradas para escoar os produtos. Esse era, para ele, o tripé do progresso.

1940 - 1944
Lobato na mira da ditadura


Mas as idéias e os empreendimentos de Lobato acabaram por ferir altos interesses, especialmente de empresas estrangeiras. Como ele não tinha medo de enfrentar adversários poderosos, acabaria na cadeia. Sua prisão foi decretada em março de 1941, pelo Tribunal de Segurança Nacional (TSN). Mas nem assim Lobato se emendou. Prosseguiu a cruzada pelo petróleo e ainda denunciou as torturas e maus-tratos praticados pela polícia do Estado Novo. Do lado de fora, uma campanha de intelectuais e amigos conseguiu que Getúlio Vargas o libertasse, por indulto, após três meses em cárcere. A perseguição no entanto continuou. Se não podiam deixá-lo na cadeia, cerceariam suas idéias. Em junho de 1941, um ofício do TSN pediu ao chefe de polícia de São Paulo a imediata apreensão e destruição de todos os exemplares de Peter Pan, adptado por Lobato, à venda no Estado. Centenas de volumes foram recolhidos em diversas livrarias, e muitos deles chegaram a ser queimados.

1945 - 1948
Os últimos tempos de Lobat
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Lobato estava em liberdade, mas enfrentava uma das fases mais difíceis de sua vida. Perdeu Edgar, o filho mais velho, presenciou o processo de liquidação das companhias que fundou e, o que foi pior, sofreu com a censura e atmosfera asfixiante da ditadura de Getúlio Vargas. Aproximou-se dos comunistas e saudou seu líder, Luís Carlos Prestes, em grande comício realizado no Estádio do Pacaembu em julho de 1945. Partiu para a Argentina, após associar-se à editora Brasiliense e lançar suas Obras Completas, com mais de 10 mil páginas em trinta volumes das séries adulta e infantil. Regressou de Buenos Aires em maio de 1947, para encontrar o país às voltas com os desmandos do governo Dutra. Indignado, escreveu Zé Brasil. Nele, o velho Jeca Tatu, preguiçoso incorrigível, que Lobato depois descobriu vítima da miséria, vira um trabalhador rural sem terra. Se antes o caipira lobatiano lutava contra doenças endêmicas, agora tinha no latifúndio e na distribuição injusta da propriedade rural seu pior inimigo. Os personagens prosseguiam na luta, mas seu criador já estava cansado de tantas batalhas. Monteiro Lobato sofreu dois espasmos cerebrais e, no dia 4 de julho de 1948, virou “gás inteligente” - o modo como costumava definir a morte. Foi-se aos 66 anos de idade, deixando imensa obra para crianças, jovens e adultos, e o exemplo de quem passou a existência sob a marca do inconformismo.

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