terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Denise Emmer


Denise Emmer Dias Gomes Gerhardt (Rio de Janeiro,mais conhecida como Denise Emmer, é uma poeta, compositora, cantora, violoncelista e escritora brasileira.

Filha dos escritores Janete Clair e Dias Gomes, tornou-se primeiramente conhecida por temas musicais compostos para personagens das telenovelas,tais como "Pelas muralhas da adolescência", Bandeira 2, e "Alouette", Pai Herói, "Companheiros",Sinhá Moça,entre outros, alcançando depois, reconhecimento pela sua vasta e premiada produção poética.

É violoncelista da Orquestra Rio Camerata.

Biografia

Denise começou a compor aos 10 anos, e ainda no colégio fazia composições em português arcaico, como Galvan el gran cavalero e Aquestas mañanas frias.

Estudou piano clássico e formou-se em física. É pós graduada em filosofia ( especialização-lato-sensu) pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Graduou-se também em violoncelo pelo Conservatório Brasileiro de Música(bacharelado), sob a orientação do violoncelista Paulo Santoro.

Carreira musical

Na década de 1970, compôs vários temas para telenovelas da Rede Globo, como "Pelas muralhas da adolescência" (para Bandeira 2); "Tema verde" (para Assim na Terra como no Céu); "O amor contra o tempo" e "Montanhês" (para Bravo!); "Pedra de ouro" (para O Pulo do Gato) e "Alouette" (para Pai Herói).

O compacto simples "Alouette", lançado em 1980 (um ano depois da novela), vendeu mais de 300 mil cópias, o que rendeu a Denise o Disco de Ouro e o reconhecimento público, participando de vários programas de televisão, como o Fantástico. Essa canção seria incluída posteriormente na coletânea Belle France, da Globodisc, além de uma versão instrumental no compacto duplo que incluía "Chocolat", "Jardineiro" e "Sândalus", todas de Denise e com solo de flauta doce da própria compositora.

Na década de 1980, foi assistente de Waltel Blanco na produção de trilhas sonoras de novelas e seriados, como O Bem-Amado e Quarta nobre.

O primeiro long playing veio em 1980, Pelos Caminhos da América, que continha composições suas ("Lavadeiras", "Boiadeiros do céu", "Garganta", etc.), de Milton Nascimento ("Minha cidade suja", sobre poema de Ferreira Gullar) e outras. O disco tinha arranjos do Grupo Água, com quem Denise se apresentou em show no Parque Laje, no Rio de Janeiro.

Em 1981 veio o LP Toda Cidade É um Pássaro, em que atuou como cantora e instrumentista. As canções eram todas suas. Em 1983 gravou o LP Canto Lunar, também só com canções suas. A canção-título seria, anos depois, gravada pelo grupo Tarancón.

Ainda na década de 1980, participou da trilha sonora de outras telenovelas da Globo: "Lavadeiras" foi para Coração Alado, de Janete Clair; "Cavaleiro do Rio Seco" foi para Voltei pra Você, de Benedito Ruy Barbosa; e "Companheiro" foi para Sinhá Moça, também de Benedito.

O LP Cantiga do Verso Avesso veio em 1992 e também era todo de canções próprias, algumas sobre poemas conhecidos, como "Soneto do amor nascendo" (Pedro Lyra), "Canção" (Ivan Junqueira), "Poema do cego, da noite e do mar" (Moacyr Félix). A canção "Cavaleiro do Rio Seco" foi homenagem ao compositor Elomar. O disco teve participação de Jacques Morelenbaum.

Em 1994, criou o grupo Trovarte, em que cantava acompanhada pelo violão de Beto Resende, a viola de Ivan Sérgio Niremberg e o violino de Ludmila Plitek. O grupo se apresentou na Academia Brasileira de Letras e na Casa de Cultura Estácio de Sá, entre outros palcos.

O CD Cinco Movimentos e um Soneto (1995) foi todo com poemas de Ivan Junqueira musicados por Denise, também com participação de Jacques Morelembaum em algumas faixas.

Ainda musicando poemas consagrados, Denise gravou, em 2004, o CD Mapa das Horas, no qual cantou e tocou violoncelo. O repertório inclui poemas de João Ruiz de Castelo-Blanco ("Partindo-se"), do século 15, Diogo Brandão ("Pois tanto Gosto Levais"), do século 16, e de autor desconhecido do século 15 ("Cantiga da Ribeirinha"). Os arranjos, de estilo medieval, tinham instrumentos como viola de gamba, alaúde, oboé, organeto medieval, etc. O disco foi lançado em show na Academia Brasileira de Letras.

Desde 2001 faz parte da Orquestra Rio Camerata, como violoncelista.

Carreira Literária

O primeiro livro de poesia "Geração Estrela" publicou precocemente, na adolescência, pela Ed. Paz e Terra,(1975). Coletânea essa organizada pelo poeta Moacyr Félix. Mas, foi nos anos oitenta que sua produção se destacou, e seguiram-se as demais coletâneas de poesia : "Flor do Milênio "Ed.Civilização Brasileira, "Canções de Acender a Noite", Ed Civilização Brasileira, "Equação da Noite" Ed Philobliblion, "Ponto Zero" Ed Globo, "O Inventor de Enigmas" Ed. José Olympio.

As excelentes críticas recebidas, tais como a do poeta, tradutor e acadêmico Ivan Junqueira (Folha de São Paulo) na qual afirma ser Denise "um dos maiores poetas de sua geração" e da romancista Rachel de Queiróz em prefácio de "Teatro dos Elementos"(1993), onde diz que "Ela pega das palavras seus elementos poéticos e faz deles um uso extremamente pessoal, inventa, recria, redistribui, suscita imagens absurdamente inesperadas e mágicas"...] e, sobretudo os prêmios recebidos de "Melhor Poeta Jovem" da UBE, e "José Marti"(Casa Cuba Brasil), deram a poeta incentivo para prosseguir sua fertil produção.

Na década de noventa publicou " Invenção para uma Velha Musa" Ed. José Olympio ( Prêmio APCA e Prêmio Olavo Bilac da ABL), "Teatro dos Elementos & Outros Poemas" e "Cantares de Amor e Abismo" Ed 7letras. As críticas e prefácios de nomes de relevância intelectual como Olga Savary, Nelson Werneck Sodré, Pedro Lyra, Alexei Bueno, entre outros, foram de grande importância para a sua carreira, e Denise voltou-se então para o romance publicando então dois títulos : "O Insólito Festim" Ed. Nova Fronteira(Prêmio Nacional de Literatura do PEN Club do Brasil), e " O Violoncelo Verde" Ed. Civilização Brasileira.

Após um hiato de mais de dez anos, quando dedicou-se ao estudo do violoncelo, publicou "Poesia Reunida" Ediouro,2002, "Memórias da Montanha", Ediouro,2006 e recentemente "Lampadário", Ed7Letras,2008, que recebeu o "Prêmio Cecília Meireles de Poesia" (da União Brasileira de Escritores). Além de participar de antologias poéticas como "41 Poetas do Rio",(Ministério da Cultura - organização Moacyr Félix-1998),"Antologia da Nova Poesia Brasileira" (Ed.Hipocampo/Fundação Rio Arte/Prefeitura do Rio de Janeiro-1992) "POESIA SEMPRE" (-ano -I- NÚMERO 2 -Fundação Biblioteca Nacional - 1993) e periódicos tais como : "Jornal de Letras", entre outros, teve recentemente seus poemas publicados na "Revista Brasileira" da Academia Brasileira de Letras n.56, em setembro de 2008.

Seu mais recente livro Lampadário acaba de obter o Prêmio ABL de Poesia 2009.

Prêmios

**Prêmio Guararapes de Poesia, UBE,1987.
**Prêmio União Brasileira de Escritores - melhor autor jovem - 1988
**Prêmio Nacional de Literatura do PEN CLUB do Brasil, poesia, (Prêmio Luiza Claudio de Souza) Poesia, 1990
**Prêmio APCA , poesia (Associação dos Críticos de Arte), 1990
**Prêmio Olavo Bilac, poesia( Academia Brasileiras de Letras), 1991
**Prêmio José Marti de Literatuira - Conjunto de Obra - Casa Cuba Brasil, 1995
**Prêmio Nacional de Literatura do PEN CLUB do Brasil, romance,(Prêmio Luiza Claudio de Souza), 1995
**Prêmio Alejandro José Cabassa (UBE) romance, 1995
**Prêmio Yeda Schmaltz (UBE) , poesia, 2002
**Prêmio José Picanço Siqueira(UBE) Memória Romanceada, 2007
**Prêmio Cecília Meireles de Poesia (UBE) , 2008
**Prêmio ABL de Poesia 2009 (Academia Brasileira de Letras)

BIBLIOGRAFIA

POESIA

*Geração Estrela- Rio de Janeiro, Ed Paz e Terra 1975 (orelha Moacyr Félix)
*Flor do Milênio – Rio de Janeiro, Ed Civilização Brasileira, 1981. (prefácio Moacyr Félix)
*Canções de Acender a Noite – Rio de Janeiro, Ed Civilização Brasileira, 1982. (Prefácio Paes Loureiro)
*A Equação da Noite – Rio de Janeiro, Ed Philobiblion, 1985. (Prefácio Pedro Lyra)
*Ponto Zero – Rio de Janeiro, Ed Globo, 1987. (Prefácio Antônio Houaiss e posfácio Olga Savary)
*O Inventor de Enigmas – Rio de Janeiro, Ed José Olympio, 1989. (Prefácio Ivan Junqueira)
*Invenção para uma Velha Musa – Rio de Janeiro, Ed José Olympio, 1990. (Prefácio Nelson Werneck Sodré)
*Teatro dos Elementos & Outros Poemas – Rio de Janeiro, Ed 7Letras, 1993. ( Prefácio Rachel de Queiroz) –
*Cantares de Amor e Abismo Rio de Janeiro, Ed 7Letras, 1995. (Prefácio Carlos Emílio Corrêa Lima)
*Poesia Reunida – Rio de Janeiro, Ediouro, 2002. (Organização Sérgio Fonta)
*Lampadário – Rio de Janeiro, Ed. 7Letras, 2008 (Prefácio Alexei Bueno)

ROMANCE

*O Insólito Festim – Rio de Janeiro, Ed Nova Fronteira, 1994. (Prefácio Rachel de Queiroz)
*O Violoncelo Verde – Rio de Janeiro, Ed Civilização Brasileira, 1997. (Prefácio Sérgio Viotti)
*Memórias da Montanha – Rio de Janeiro, Ediouro, 2006.

Participou de diversas antologias. Colaborações e colunas no Jornal de Letras ; Jornal O Dia ; Revista Itaú Personnalité ; Caderno Prosa &Verso ( O Globo) ; Revista Colóquio ( Portugal ) ; Revista RioArte ( Funarte)

Fontes:
Rede Brasileira de Escritoras (REBRA)
http://www.antoniomiranda.com.br/
http://pt.wikipedia.org/

Gizelda Morais (Baú de Textos)



POEMETO N°1
(verso / 1958)

Neste minuto agora
solitário
olho o começo de uma estrada
indecisa.
Mais indecisa fico
e o tempo passando
me arrasta com ele
por essa estrada assim
sem meta nem reta.

(reverso/ 2002)

houve sempre retas que não vi
metas que não cumpri
o tempo nunca passou
senão por mim
já não conto as horas
dos relógios
perdidos e quebrados
não restou nem um
do meu vocabulário
risquei rimas
sinas
risquei
do começo ao fim do meu caminho
um grande signo
a interrogação.

POEMETO N°2

(verso/ 1958)

Mais uma hora que passa.
Mais uma hora contada
no passado que o tempo já levou.
Mais uma hora vivida
em cada vida
mais uma hora de angústia
de dores
de risos
de sonhos.

(reverso/ 2002)

um diâmetro
uma corda
uma circunferência
geômetras do nada
reinventando o átomo
delimitando pontos
apreendendo a matéria
aprisionando o círculo
reformulando o quadrado
plasmando o paralelepípedo.

POEMETO N°3

(verso / 1958)

Petrificou-se o tempo
silenciaram-se os ares
silêncio de pedra
nas pedras
no vento
nas portas
nos corpos
e nos olhares.
Silêncio de ferro
nos lábios mudos
nas mãos sem gestos
nos pés sem passos.

(reverso/ 2002)

estas estátuas falam
com seus lábios mudos
suas mãos sem gestos
seus olhos cavos
estas estátuas andam
com seus pés sem passos
seus corpos de ferro
suas mãos de pedra
estas estátuas escutam
com seus ouvidos ocos
puxam os seres humanos
do passado
rondam este presente

POEMETO N°4

(verso/ 1958)

Escoam-se os minutos
e a agonia marcada nos ponteiros
aponta nos semblantes
uma expressão de angústia.
Mais um segundo.
E continua a marcha
dos minutos
olhados pelos olhos ansiosos
da humanidade inteira
que passa
que passou
que passará.

(reverso/ 2002)

partimos a existência
em milésimos de segundo
inventamos os ponteiros
criamos a paciência
para enfrentar o quê?
– a morte ou a resistência?

POEMETO N°5
(verso/ 1958)

Pensamentos de asas de vidro
vagando
e horas à frente
gemendo
as faces caídas
poemas repetidos
idéias repetidas
e vidas únicas
sós
irrepetidas.

(reverso/ 2002)

único é o fio da navalha
cortando o que não vemos
somos sínteses
amálgamas de eras
heras nas paredes
invisíveis
asas de vidro
vencendo
ventos

CARROSSEL
(verso/ 1958)

Carrossel foi fincado
na praça de Aracaju
cavalo colado
cadeira pregada
carrossel rodou cheio de crianças
carrossel girou, girou
foi pra dentro da gente
fez da gente pião
e lá fomos rodando
pelo mundo afora.
Carrossel fincado dentro da gente
carrossel fincado na praça de Aracaju.

(reverso/ 2002)

carrossel retirado
da praça de Aracaju
cavalo queimado
cadeira quebrada
carrossel despregado
do peito da criança
pinhão solto no mundo
atravessado
entalado na garganta
regurgitado
no sono
dos sobreviventes

BALADAS DO INÚTIL SILÊNCIO

I

se há por quês
é porque não se cansam
as andorinhas de voar
nem os mágicos
de tirarem coelhos da cartola
e o tempo é o gesto
e o espaço um pedaço de pão.
––––––––––––––––––-
PREPAREM OS AGOGÔS
( transcrição, início do primeiro capítulo).

SOAM GUIZOS
Volto ao hotel. Difícil adormecer. Sobe a temperatura. Febre, talvez uma gripe. Tomo uma aspirina, ligo a televisão. Os olhos esbugalhados de Vicent Price andando pelos corredores de um castelo mal assombrado. Um livro se desfazendo em suas mãos, comido pelas traças.

Espirros, pó, cal, poeira. – Quem disse, dr. Tomás, ser Gonzaga teu sobrenome? Por acaso atrás de tua pele branca não há um pouco mais de negritude?

O jantar na casa de meus anfitriões em Lagos se transformara num filme de horror. Histórias de séculos passados – na África a ganância, a escravidão, as lutas fratricidas. No Atlântico a travessia, os porões das galeras, bergantins, sumacas, faluchos, chalupas, brigues. No Brasil, as senzalas, os currais, os troncos, festas e quilombos. O retorno, o refluxo depois da abolição. A Nigéria dos ingleses.

Os fulas batendo os agogôs no ritmo dos pés, embaixo de grandes baobás. A boca abobalhada de Vicente Price na tela à luz de uma vela iluminando o longo corredor. Os hemisférios norte e sul se misturando num doido mapa astral. Música sacra, oitocentista, o Scala de Milão, vozes de Djavan, Milton Nascimento, Gilberto Gil. – Doutor, não te anunciaram o sucesso dos negros tanto quanto o dos brancos?

Eu, admirando minha pele clara se tornando intensamente negra, igual à das crianças sentadas em torno de um grande prato. Entôo, paparaô, papá oô, pápa oô oô, e avanço meu braço pra pegar um bocado. Recebo uma palmada. Uma menina recolhe o alimento e oferece. A mãe come diretamente nessa mão supina. A filha inclina a cabeça e recebe a sua parte. Todos podem comer, menos eu, um rejeitado. Meu braço continua suspenso. Com os olhos comprimidos observo, e choro. Então a mãe me oferece o peito e me vejo paparicando no seio dessa negra que se fartara na mão da filha adolescente.

O sono treme nas pálpebras de Vicent Price, tremem minhas pálpebras, as mãos deixam cair o castiçal, o lápis, a pena. Ça suffit! Ça suffit! Ah, ah, ah. O grito ecoando nas paredes do castelo, nas paredes do quarto do hotel.

Abro bem os olhos. Benzo-me três vezes. Medo? Do fundo da infância e da adolescência surge o gesto automático. O sinal da cruz, começando da testa até o tórax e de um ombro ao outro. Tento exorcizar os sonhos maus, afastar gnomos escondidos por detrás das portas, almas penadas, fantasmas reivindicando seus desejos.

De novo a sensação de desequilíbrio, a necessidade de apoio e segurança, intensamente ressentida em várias ocasiões, como no término do casamento.

Pego o telefone. Falar urgentemente com Marli. A chamada não se completa. Desço às pressas. O vigia dorme na portaria, ronca numa cadeira estreita, suas nádegas sobrando pelos lados livres das bordas. Sonha, na certa, e segura as chaves no bolso da calça. O aparelho na recepção, trancado com um cadeado, não envia mensagens.

Fontes:
Prof. Wagner Lemos
Rede de Escritoras Brasileiras

Gizelda Morais (1939)



Nascimento em 30 de maio de 1939 na cidade de Campo do Brito - Sergipe.

Em razão de deslocamento de seus pais para Riachão do Dantas - SE, esse foi oficialmente anotado como seu local de nascimento.

Estudos primários no Grupo Escolar Tobias Barreto da cidade de Tobias Barreto (Sergipe) onde passou a infância e leu os primeiros livros na Biblioteca pública do mesmo nome.

Estudos ginasiais e secundários no Colégio N.S. de Lourdes e Ateneu Sergipense em Aracaju.

Desde adolescente declamava suas poesias em solenidades estudantis. Teve sua apresentação na imprensa feita por Epifânio Dória (13/01/ 1955 no Sergipe Jornal)e daí em diante publicou poemas, artigos e crônicas em diversos jornais de Sergipe.

Nos anos 50 e 60 participou de programas culturais de emissoras de rádio.

Membro da Arcádia Estudantil do Colégio Estadual de Sergipe (Atheneu), participou da fundação do Clube Sergipano de Poesia.

Seu primeiro livro de poesias, Rosa do Tempo), foi publicado em 1958, em Aracaju, pelo Movimento Cultural de Sergipe. No ano seguinte, iniciando seus estudos universitários em Belo Horizonte, ganhou ali o 1° prêmio no Concurso Universitário de Poesia, e em 1960 um prêmio com o ensaio, João Ribeiro e a História do Brasil, em concurso promovido pela Secretaria de Educação e Cultura de Sergipe. Transferindo-se para Salvador para continuar seus estudos, colaborou ali em revistas universitárias.

Graduada em Filosofia e em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia, recebeu o grau de Doutora, em Psicologia, pela Universidade de Lyon (França), realizando, mais tarde, estágio pós-doutoral na Universidade de Paris XIII.

Na Universidade Federal da Bahia trabalhou no Departamento de Psicologia (do qual foi também chefe), e no Mestrado em Educação do qual foi Coordenadora e uma das fundadoras da ANPED.

Na Universidade Federal de Sergipe foi professora do Departamento de Psicologia e Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação. Professora visitante na Universidade de Nice (França). Prestou serviços a outras Universidades brasileiras e a instituições públicas nacionais como CFE, CNPq, CAPES e outras.

Foi a primeira Secretária Regional da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) em Sergipe (1981-86) e membro do Conselho Nacional dessa entidade científica (1986 a 91).

Além de sua tese de doutorado, L'Ecriture et la Lecture - (1969), defendida em 13 de janeiro de 1970, publicou trabalhos científicos em livros, revistas, anais, e Pesquisa e Realidade no Ensino de 1° Grau, org. (Cortez Editora, São Paulo, 1980). Entre os ensaios, Esboço para uma análise do significado da obra poética de Santo Souza (Aracaju, 1996).

Mais recentemente vem se dedicando ao romance e já publicou:

. Jane Brasil, 1986.
. Ibiradiô - as várias faces da moeda, 1990.
. Preparem os agogôs, (Menção Honrosa no Concurso Nacional de Romance, promovido pela SEC do Estado do Paraná - 1994). 1996.
. Absolvo e Condeno, 2000 (Menção Especial do Prêmio A.J.Cabassa, UBE, 2002)
– Feliz Aventureiro, 2001. (Prêmio A.J.Cabassa, Especial do Júri, UBE, 2002).

Poesia:
– Rosa do Tempo, Movimento Cultural de Sergipe, 1958.
– Baladas do inútil silêncio (com Núbia Marques e Carmelita Fontes), 1965.
– Acaso, 1975.
– Verdeoutono (com Núbia Marques e Carmelita Fontes), 1982.
– Cantos ao Parapitinga ou Louvações ao São Francisco,1992.

Participação em diversas coletâneas (também em jornais e revistas), entre as quais:
– Aperitivo Poético, Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Aracaju, SE. Edições de 1986/ 87/ 88/ 89.
– Palavra de Mulher, Maria de Lourdes HORTAS (org.), 1979.
– Nordestinos, Pedro Américo de FARIAS (org.), Portugal, 1994.

Prêmio: 1º lugar no Concurso Universitário de Poesia, Belo Horizonte, 1959.

Inéditos: Poemas de Amar (divulgação artesanal)

Sonatas da Quarta Dimensão

Crônicas e contos:
– Retalhos da Vida - coluna mantida na Gazeta de Sergipe -1960/61.

Participação em: Contos e Contistas Sergipanos, SEC, Aracaju, 1979.

Ensaios:
- João Ribeiro e a História do Brasil (prêmio em Concurso de Monografias sobre J. Ribeiro), em: Caderno de Cultura , nº 1, Edição da SEC. de Sergipe, 1960.
– Esboço para uma análise do significado da obra poética de Santo Souza, Gráfica J. Andrade, Aracaju, 1996.
– A Trajetória poética de Núbia Marques, em Caminhos e Atalhos, N. N. Marques, Segrase, Aracaju, 1997.

Fonte:
Prof. Wagner Lemos.

Antonio Brás Constante (Viagem que se Faz Dentro da Viagem)



As viagens tendem a começar bem, pois se iniciam em nossa mente. Você ao pensar em férias de verdade já se imagina em alguma praia espetacular, ou em alguma ilha paradisíaca, dirigindo um belo conversível vermelho, cheio de dinheiro e de belas mulheres, loucamente apaixonadas por você.

Hospedagem nos melhores hotéis, banhos de piscina, baladas, refeições que custam mais do que um salário mínimo. Que delícia de férias. Tudo vai indo muito bem, até que você escuta os resmungos de sua esposa, mandando-o parar de sonhar acordado, sair do sofá, e ir colocando todas as sacolas de roupa e comida no carro.

Ao levantar-se do sofá, você ainda consegue sentir os últimos restos de nostalgia se esvaindo de suas lembranças, percebendo em uma última fagulha de pensamento, aquela loira que estava sentada ao seu lado no conversível, dando-lhe uma piscadela de olho. Mas antes que você tenha tempo de pedir o telefone dela, a imagem some por completo.

Passa então a assumir seu papel de burro de carga da família. Junta todas as sacolas e mochilas, levando-as até o seu possante, modelo 1983 (chamado de possante, pois em todo lugar que para, deixa uma poça de óleo).

Começa a partir daí o longo caminho para se chegar ao calvário... Digo a praia, que não é espetacular, mas é a mais próxima da sua cidade. Repleta de pedágios, acidentes, pedágios, engarrafamentos, pedágios, buracos, pedágios, pardais e mais pedágios.

As viagens (com ênfase no litoral) são divididas em três etapas de gastos. Na primeira, se gasta na compra de roupas para usar na praia, bronzeadores e se gasta também com a manutenção do carro.

Na segunda etapa, os gastos são com o pedágio, gasolina, outro pedágio, compra de lembrancinhas na estrada, mais pedágios (espero não ter me esquecido de nenhum pedágio).

Até este momento, todas as despesas foram cobertas graças as suas reservas financeiras, guardadas para custear as férias, porém, insuficientes. Tudo que é pago a partir da terceira e última etapa, são frutos de cheques pré-datados, empréstimos e do limite de seu cheque especial. As férias parecem verdadeiras ilhas, cercadas de dívidas por todos os lados.

Os valores do dispêndio da terceira etapa equivalem a mais de 50% de tudo que vai ser gasto durante a viagem. Neles está incluída a compra de picolés, milho cozido, carne, aluguel, multas, etc (você não achou que iria para praia com seu possante em estado crítico e não levaria multa, achou?).

Mas não desanime, tenha por consolo que o bom nas viagens é que enquanto toda família dorme nos bancos de carona, você pode voltar a sonhar acordado enquanto dirige. Com sorte ainda consegue achar a tal loira do conversível vermelho em suas lembranças, e curtir os prazeres de férias inesquecíveis... Em seus sonhos.

Fontes:
Colaboração do escritor.
Imagem = http://www.mulherdigital.com

Rebra (Rede de Escritoras Brasileiras)

O que é a Rebra

Rede de Escritoras Brasileiras — REBRA — é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, que pretende reunir em associação o maior número de escritoras de nosso país que tenham compromisso público com a literatura, a cultura e a justiça social, entendendo que as idéias exprimidas pela palavra escrita tem a força de modificar a sociedade humana. E é justamente esse o principal objetivo e a missão da REBRA: o aprimoramento da sociedade brasileira em particular e da humanidade em geral, por meio da divulgação da palavra da mulher.

Foi fundada em 8 de março de 1999, para tentar corrigir a grande injustiça que as mulheres escritoras brasileiras, em particular, e as mulheres brasileiras, em geral, sofreram e continuam sofrendo ao serem permanentemente excluídas dos registros históricos de nossa sociedade.

Trabalham em conjunto com a organização mundial Women's WORLD - Women's World Organization for Rights, Literature and Development, com sede nos Estados Unidos da América.

No âmbito Latino-Americano, funciona também em parceria com a RELAT — Red De Escritoras Latinoamericanas, sediada no Peru e atuante nos países da América do Sul e México.

FINALIDADES

1. Proporcionar mútuo conhecimento e rápida troca de informações entre as escritoras mulheres do Brasil.

2. Divulgar as obras de suas associadas - nacional e internacionalmente - por meios eletrônicos e convencionais.

3. Manter viva, na memória cultural brasileira, as obras de nossas escritoras já falecidas, divulgando a história da literatura feminina do Brasil.

4. Desenvolver projetos literários, tais como: cursos, encontros, simpósios, concursos e congressos, assim como promover publicações visando as finalidades acima descritas.

5. Criar, em parceria com a iniciativa privada ou com órgãos governamentais, no âmbito nacional ou internacional, mecanismos que estimulem o mercado da literatura feminina, em particular, e da literatura em geral.

6. Expor a literatura brasileira feita por mulheres para o mundo inteiro, com o objetivo de modernizar e globalizar sua divulgação para o mercado literário.

7. Fazer valer os direitos da mulher escritora a um tratamento justo e igual ao dos homens escritores.

8. Manifestar-se publicamente todas as vezes que seus princípios sejam feridos.

9. Manter e ampliar laços de solidariedade e amizade entre mulheres que se ocupam do mesmo ofício e alimentam os mesmo ideais.

PRINCÍPIOS

1. Defender permanentemente os direitos universais da mulher.

2. Defender permanentemente os direitos do ser humano à liberdade de expressão.

3. Propiciar o exercício da solidariedade e da fraternidade sem qualquer restrição.

4. Promover o respeito e a preservação do patrimônio cultural da humanidade e do Brasil.

5. Promover o respeito à preservação do planeta e do meio ambiente.

6. Repudiar qualquer forma de violência à vida humana.

7. Repudiar publicamente qualquer forma de preconceito, velada ou explícita, ao gênero feminino.

8. Repudiar qualquer forma de preconceito de cor, raça, credo e gênero.

9. Lutar por justiça e igualdade, visando o bem estar do ser humano.

SERVIÇOS DISPONÍVEIS

01. HOMEPAGE, A GRANDE VITRINE MUNDIAL:

Todas as associadas da REBRA ganham um site trilíngüe (português - inglês - espanhol) na Internet, contendo foto, biografia, bibliografia e um pequeno texto de sua autoria, no qual a escritora poderá alterar seus dados e o conteúdo de sua própria página, através da "Área da Escritora". Esse site será conectado ao site geral da associação e exposto ao mundo inteiro. Servirá como referência para agentes literários, editores, professores, leitores, interessados em lusofonia em geral. Dessa forma, a literatura feminina do Brasil será universalizada.

02. APRESENTAÇÃO VIRTUAL:

Uma vez construída a homepage de cada associada, será apresentada virtualmente a todas colegas escritoras por esse Brasil afora, para que, assim, possamos nos conhecer e interagir umas com as outras. Da mesma forma, será apresentada também para uma lista de 30.000 e-mails, pertencentes a profissionais da área literária do país e do exterior. Além disso, a página pessoal de cada sócia aparecerá randomicamente, em destaque na nossa página frontal: www.rebra.org.

03. INFORMAÇÃO:

Todas as associadas receberão, por correio eletrônico, notícias interessantes da área literária, como por exemplo: notícias de concursos, seminários, congressos, encontros, agentes literários, editores, etc.,

SONHOS E PROJETOS

01. ASSESSORIA JURÍDICA:

A REBRA planeja oferecer orientação jurídica, indicando às suas associadas, escritórios de advocacia de alto nível, especializados em direitos autorais.

02. NÚCLEOS ESTADUAIS:

Dentro de suas metas principais, a REBRA pretende organizar núcleos de escritoras associadas em todos os estados do Brasil. Logicamente, isso não poderá ser feito do dia para a noite. No entanto, já temos em andamento os núcleos estaduais do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro e do Paraná.

03. PATROCÍNIO:

Conseguir patrocínio para promover bolsas de trabalho e concursos literários para as associadas, junto ao governo e iniciativa privada usando as diversas leis de benefícios fiscais.

04. RESGATE HISTÓRIA DA LITERATURA FEMININA NO BRASIL:

Expor - pela Internet - biografias e obras das mais importantes escritoras brasileiras que já se foram, cujas presenças estão sendo esquecidas por falta de dedicação da própria sociedade ao nosso patrimônio imaterial.

05. FEIRA DE LIVROS FEMININOS - São Paulo

06. CONGRESSO LATINOAMERICANO DE ESCRITORAS.

DIRETORIA EXECUTIVA

Presidente e Fundadora : Joyce Cavalccante
Romancista. Contista. Jornalista.

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Se você satisfaz essas condições e gostaria de se inscrever como associada e colaboradora da REBRA, assim como gozar dos benefícios de seus serviços e participar de seus eventos, preencha online todas as linhas do formulário de inscrição e o envie para nossa apreciação, clicando no botão que está no inferior desta página.

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Antes da anuidade de cada associada vencer, ela receberá um lembrete com orientações para proceder ao próximo pagamento.

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O valor da contribuição anual foi obtido em 25 de janeiro de 2010. Qualquer reajuste confirmar em contatos: http://rebra.org/index.php?pg=rebramail.php

Fonte:
http://rebra.org/

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

José de Alencar (Ao Correr da Pena I)


A primavera – Eclipse de uma estrela – Espetáculo de graça – As três graças dos gregos e as des-graças de um diletante – Importe de um espetáculo gratuito – o baile do Cassino – A valsa – Nova pomba da arca.

17 de setembro

Estamos na primavera, dizem os folhetins dos jornais, e a folhinha de Laemmert, que é autoridade nesta matéria. Não se pode por conseguinte admitir a menor dúvida a respeito. A poeira, o calor, as trovoadas, os casamentos e as moléstias, tudo anuncia que entramos na quadra feiticeira dos brincos e dos amores.

Que importa que o sol esteja de icterícia, que a Charton enrouqueça, que as noites sejam frias e úmidas, que todo o mundo ande de pigarro? Isto não quer dizer nada. Estamos na primavera. Os deputados, aves de arribação do tempo do inverno, bateram a linda plumagem; a Sibéria fechou-se por este ano, os buquês de baile vão tomando proporções gigantescas, as grinaldas das moças do tom são perfeitas jardineiras, a Casaloni recebe uma dúzia de ramalhetes por noite, e finalmente os anúncios de salsaparrilha de Sands e de Bristol começam a reproduzir-se com um crescendo animador.

Come, gentil spring! Vem, gentil quadra dos prazeres! Vem encher-nos os olhos de pó! Vem amarrotar-nos os colarinhos da camisa, e reduzir-nos à agradável condição de um vaso de filtrar água. Tu és a estação das flores, o mimo da natureza! Vem perfumar-nos com as exalações tépidas e fragrantes da Rua do Rosário, da Praia de Santa Luzia, e de todas as praias em geral!

Doce alívio dos velhos reumáticos, esperança consoladora dos médicos e dos boticários, sonho dourado dos proprietários das casinhas dos arrabaldes! Os sorveteiros, os vendedores de limonadas e ventarolas, os donos dos hotéis de Petrópolis, os banhos, os ônibus, as gôndolas e as barracas, te esperam com a ansiedade, e de suspirar por ti quase estão ficando tísicos (da bolsa).

Esta semana já começamos a sentir os salutares efeitos de tua benéfica influência! Vimos uma estrela do belo céu da Itália eclipsada por uma moeda de dois vinténs, e tivemos a agradável surpresa de ouvir o 1º ato do Trovatore e um epeech da polícia, tudo de graça.

Alguns mal intencionados pretendem que a noite não foi tão gratuita como se diz; mas deixai-os falar; eu, que lá estive, posso afiançar-vos que o espetáculo foi todo de graça, como ides ver.

A autoridade policial depois de participar que ficava suspensa a representação e que os bilhetes estavam garantidos, sendo por conseguinte aquela noite de graça, como esta notícia excitasse algum rumor, declarou formalmente, e com toda a razão, que se acomodassem, porque a polícia, quando tratava de cumprir o seu dever, não era para graças.

Os namorados que tiveram duas noites de namoro pelo custo de uma, os donos de cocheira que ganharam o aluguel por metade do serviço, o boleeiro que empolgou a sua gorjeta sem contar as estrelas até a madrugada, aqueles que lá não foram, não só riram-se de graça, como acharam nisto uma graça extraordinária.


Muito olhar suplicante vi eu nos últimos momentos, humilhando-se diante de um rostozinho orgulhoso e ofendido, clamar com toda a eloqüência do silêncio: grazia! grazia! É preciso advertir que o olhar estava no Teatro Provisório, e por isso não se deve admirar que falasse italiano; além de que, o olhar é poliglota e sabe todas as línguas melhor do que qualquer diplomata.

Finalmente, para completar a graça deste divertimento, as graças com os seus alvos vestidinhos brancos se reclinavam sobre a balaustrada dos camarotes, cheias de curiosidade, para verem o desfecho da comédia. E a este respeito lembra-me uma reflexão que fiz a tempos, e da qual não vos quero privar, porque é curiosa.

Os gregos, como gente prudente e cautelosa, inventaram unicamente três graças, e consta que viveram sempre muito bem com elas. Nós, de mal avisados que somos, queremos ter em todos os divertimentos, nos bailes, nos teatros e nos passeios uma porção delas, sem refletir que, logo que se ajuntarem muitas, podem formar necessariamente um grupo de dez graças.

Maldito calembur! Não vão já pensar que pretendo que as graças tenham sido a causa de tudo isto, nem também que todo aquele desapontamento fosse produzido por alguma graça da Charton. A primadona estava realmente doente, e, aqui para nós, suspeito muito os meus colegas folhetinistas de serem a causa daquela súbita indisposição com o formidável terceto de elogios que entoaram domingo passado. Lembrem-se que os elogios e os aplausos comovem extraordinariamente um artista. Ainda ontem vi como ficaram fora de si as tímidas coristas, unicamente porque lhe deram duas ou três palmas!

Em toda esta noite, porém, o que houve de mais interessante foi o fato que vou contar-vos. Um velho dilettante do meu conhecimento, ainda do tempo do magister dixit, e para quem a palavra da autoridade é um evangelho, teve a infeliz lembrança de justamente nesta noite encomendar um magnífico buquê para oferecer à Charton no fim da representação. Apenas se declarou o relâche par indisposition, o homem perdeu a cabeça, e, o que foi pior, com os apertos da saída perdeu igualmente a bengala, que lá deixou ficar com os ares de novo um chapéu comprado pela Páscoa.

No outro dia, o homem, que tinha seus hábitos antigos de comércio, viu-se em sérias dificuldades. Não podia deixar de acreditar, à vista da declaração da polícia, que o espetáculo da noite antecedente fora de graça; mas, ao mesmo tempo, tinha de dar saída no livro de despesas ao dinheiro que gastara com o aluguel do carro, com a gorjeta do boleeiro, com o par de luvas, com o buquê da Charton, o custo da bengala e o estrago do chapéu. Coçou a cabeça, tomou a sua pitada, e afinal escreveu o seguinte assento: Importe de um espetáculo gratuito no Teatro Provisório – 26$000!

O meu dilettanti ainda não sabia que a palavra grátis é um anacronismo no século XIX, e, quando se fala em qualquer coisa de graça, é apenas uma graça, que muitas vezes torna-se bem pesada, como lhe sucedeu. Provavelmente, depois deste dia, o velho lhe aditou ao seu testamento um codicilo proibindo terminantemente ao seu herdeiro os espetáculos gratuitos.

Assim a crônica futura desta heróica cidade consignará nas suas páginas que, pelo começo da primavera do ano de 1854, tivemos um divertimento de graça. Os nossos bisnetos, não falo dos militares de boca aberta , hão de pasmar quando lerem um acontecimento tão extraordinário, e, se nesse tempo ainda estiver em uso o latim, clamarão com toda a força dos pulmões: Miserabile dictu!

Depois de uma semelhante noite, era natural que os dias da semana corressem, como correram, monótonos e insípidos, e que o baile do Cassino estivesse tão frio e pouco animado. Entretanto aproveitei muito em ir, pois consegui perder as minhas antipatias pela valsa, a dança da moda. É
verdade que não era uma mulher que valsava, mas um anjo. Um pezinho de Cendrillon, um corpinho de fada, uma boquinha de rosa, é sempre coisa de ver-se, ainda mesmo em corrupios.

Fiz a amende honorable de minhas opiniões antigas, e, vendo nos rápidos volteios da dança voluptuosa passar-me por momentos diante dos olhos aquele rostinho iluminado por um sorriso tão ingênuo, não pude deixar de fazer uma comparação meio sentimental e meio cosmogônica, que talvez classifiqueis de original, mas que em todo o caso é verdadeira. Quando o mar, que Shakespeare disse ser a imagem da inconstância, revolveu o globo num cataclisma e cobriu a terra com as águas do dilúvio, foi uma pomba o emblema da inocência, que anunciou aos homens a bonança, trazendo no bico um raminho de oliveira. Se algum dia uma paixão de loureira vos revolver a alma, e deixar-vos o desgosto e a desilusão, há de ser um anjinho inocente como aquele quem vos anunciará a paz do coração, trazendo nos lábios o sorriso do amor o mais casto e mais puro.

Fonte:
ALENCAR, José de. Ao correr da pena. SP: Martins Fontes, 2004.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Hermes Fontes (Caderno de Poesias)


ROSA

Rosa do meu Jardim, que ardes na minha Jarra,
filha do meu afã, mártir do meu amor!
Minha grande paixão egoísta te desgarra
as pétalas, te aspira o segredo interior.

Pois que estamos a sós — eu volúvel cigarra,
tu, borboleta rubra estacionada em flor —
deveras ter comigo uma folha de parra,
a fim de preservar-te a beleza e o pudor...

Pois que! tão nua assim, tão fresca e tão punícea,
rosa da Tentação, rosa da Impudicícia,
és o próprio Pecado: e há virtude em pecar...

— Pecar morrendo em ti, sangrando em teus espinhos,
remindo num Desejo os desejos mesquinhos,
gozando pelo Olfato e amando pelo Olhar...

JOGOS DE SOMBRAS

Sempre que me procuro e não me encontro em mim,
pois há pedaços do meu ser que andam dispersos
nas sombras do jardim,
nos silêncios da noite,
nas músicas do mar,
e sinto os olhos, sob as pálpebras, imersos
nesta serena unção crepuscular
que lhes prolonga o trágico tresnoite
da vigília sem fim,
abro meu coração, como um jardim,
e desfolho a corola dos meus versos,
faz-me lembrar a alma que esteve em mim,
e que, um dia, perdi e vivo a procurar
nos silêncios da noite,
nas sombras do jardim,
na música do mar…

MESSIANEIDA

São Francisco de Assis pregou aos pássaros,
e Santo Antônio aos peixes.
Mais corajoso do que São Francisco
e do que Santo Antônio,
Jesus pregou aos homens e às mulheres...

Perderam, todos eles, o seu tempo
e o seu sermão:
O mais sábio por certo,
o mais sábio de todos foi São João,
que pregou no deserto...

POUCO ACIMA DAQUELA ALVÍSSIMA COLUNA

Pouco acima daquela alvíssima coluna
que é o seu pescoço, a boca é-lhe uma taça tal
que, vendo-a, ou, vendo-a, sem, na realidade, a ver,
de espaço a espaço, o céu da boca se me enfuna
de beijos — uns, sutis, em diáfano cristal
lapidados na oficina do meu Ser;
outros — hóstias ideais dos meus anseios,
e t o d o s cheios, t o d o s cheios
do meu infinito amor . . .
Taça
que encerra
por
suma graça
tudo que a terra
de bom
produz!
Boca!
o dom
possuis
de pores
louca
a minha boca
Taça
de astros e flores,
na qual
esvoaça
meu ideal!
Taça cuja embriaguez
na via-láctea do Sonho ao céu conduz!
Que me enlouqueças mais... e, a mais e mais, me dês
o teu delírio... a tua chama... a tua luz...

A CIGARRA

Não, orgulhosa! não, alma nobre e vadia,
nunca foste pedir migalha ao formigueiro!
Dessedenta-te o sol e te nutre a alegria
De viver e morrer cantando, o dia inteiro...

Que infâmia ires ao vizinho celeiro
tu, que tens o celeiro universal do Dia,
e preferes morrer queimada em teu braseiro
íntimo a renunciar a tua fantasia!

Não! tu és superior ao código e ao compêndio,
à Economia, ou à Moral. — Aristocrata,
crês que prever miséria é já um vilipêndio.

Primadona pagã do Jardim e da Mata,
trazes dentro em ti mesma, em teu constante incêndio,
a luz, que te alimenta e o fogo, que te mata…

TODOS TÊM SUA GLÓRIA...

Ó glória, glória triste, excelsa glória,
irmã do amor e da felicidade!
Visão miraginal da trajectória
curta de nossa curta Mocidade!

Só se logra alcançar-te, à merencória
luz, quando a alma de ti se dissuade
e não és mais o que és, pois a memória
do que foste, é que é gloria, de verdade.

O glória que eu julgava inatingível,
se és apenas a fama, e o amor é apenas
a posse corporal de urna mulher...

Que vos valeu penar as grandes penas
de sonhar que eras quase um impossível,
se és um sonho ao alcance de qualquer?!

PERFEIÇÃO

Tanto esforço perdido em ser perfeito!
Em ser superno, tanto esforço vão!
Sonho efêmero; acordo e, junto ao leito,
a mesma inércia, a mesma escuridão.

Vejo, através das sombras, um defeito
em cada cousa, e as cousas todas são,
para os meus olhos rútilos de eleito,
prodígios de impureza e imperfeição!

Fico-me, noite a dentro, insone e mudo,
pensando em ti, que dormes, esquecida
do teu amargurado sonhador...

Ali, Mas, se ao menos, imperfeito é tudo
salve-se, as mil imperfeições da vida,
a humilde perfeição do meu amor!

SUAVE AMARGOR

Sofrer é o menos, minha suave Amiga;
todos têm sua cruz ou seu cajado
— cruz de dor, ou cajado de dever...

Este é sereno; aquele se afadiga:
um, só pelo desejo contrariado,
outro, por esperar, sem nunca obter.

Tudo muda, dirás... Mas, certamente,
não muda a luz: — vem sempre do Nascente
para o mesmo calvário de Sol-Pôr!

Sofrer é o menos... A dificuldade
é sofrer sem protesto e sem rancor;
é morrer sem tristeza e sem saudade:

Morrer, de olhos em Deus, devagarzinho,
ciciando uma palavra de carinho
aos que vivem sem fé e sem amor...

––––––––––––––––––-

Fontes:
LEMOS. Wagner (seleção). Antologia Poética da Literatura Brasileira.
MIRANDA, Antonio. Poesia dos Brasis: Sergipe.

Hermes Fontes (1888 – 1930)



Hermes Floro Bartolomeu Martins de Araújo Fontes (Buquim, Sergipe, 28 de agosto de 1888 – Rio de Janeiro, a 25 de dezembro de 1930) foi um compositor e poeta brasileiro.

Filho de Francisco Martins Fontes e de Maria José de Araújo Fontes, foi para o Rio de Janeiro em 1898 e bacharelou-se em Direito, em 1911, pela então Faculdade de Direito do Rio de Janeiro.
Fundou o jornal Estréia, com Júlio Surkhow e Armando Mota, em 1904, no Rio de Janeiro. Formou-se bacharel em direito, mas não exerceu a profissão. De 1903 ao final da década de 1930 colaborou em periódicos como os jornais Fluminense, Rua do Ouvidor, Imparcial, Folha do Dia, Correio Paulistano, Diário de Notícias e as revistas Careta, Fon-Fon!, Tribuna, Tagarela, Atlântida, entre outras. Foi também caricaturista do jornal O Bibliógrafo. No período, trabalhou como funcionário dos Correios e oficial de gabinete do ministro da Viação. Em 1913 publicou seu primeiro livro de poesia, Gênese. Seguiram-se Ciclo da Perfeição (1914), Miragem do Deserto (1917), Microcosmo (1919), A Lâmpada Velada (1922) e A Fonte da Mata... (1930), entre outros. A poesia de Hermes Fontes é de estética simbolista.

O êxito como escritor, alcançado muito cedo, não trouxe benefício pessoal ao poeta. "Cantou, constantemente em suas obras, o sentimento idealizado do amor, mas suas relações amorosas eram inconstantes e traziam-lhe sempre, como saldo, uma amarga sensação de enjeitado", escreve Costa Almeida. Hermes Fontes tampouco conseguiu realizar o sonho de entrar para a Academia Brasileira de Letras. Ele tentou cinco vezes. "De acordo com alguns imortais, seu físico era impróprio para um acadêmico: pequeno, 1,54m, cabeça grande demais, meio surdo e gago, além de extremamente feio". O poeta conseguiu, contudo, entrar para a Academia Sergipana de Letras.

Poética

Hermes Fontes estreou com o livro Apoteoses. Tinha 19 anos e obteve amplo reconhecimento do seu talento. Dele disse o poeta Olavo Bilac: "É Hermes Fontes um moço, quase um menino cujo livro Apoteoses é uma revelação de força lírica". O livro influenciará a poesia brasileira no começo do século 20.

O poeta teve sua obra marcada por uma temática obsessiva, a equivalência entre a vida e a morte. "E o voluntário exílio me afigurara/Que ando seguindo o próprio enterramento/E abrindo, em vida, a própria sepultura...", escreveu de forma premonitória.

"A vida definida por Hermes Fontes", escreve Almeida Costa, "é o espaço de desagregação do ser; tem o sabor da existência em que os pesares apenas se alteram".

Ao longo da sua obra, o poeta se dedicou a temas universais, inclusive política, revelando-se, em algum momento, seguidor de idéias anarquistas. "Mas Hermes Fontes se mostra melhor poeta quando trata de assuntos interiores, quando fala de amor e de desilusões pessoais".

Suicidou-se no Rio de Janeiro, em 1930, aos 42 anos.

Fontes:
Wikipedia
http://www.webartigos.com/articles
http://www.sergipe.com.br/

Lygia Fagundes Telles (A Caçada)

Tapeçaria (Companheiros de Caçada)
A Loja de antigüidades tinha o cheiro de uma arca de sacristia com seus panos embolorados e livros comidos de traça. Com as pontas dos dedos, o homem tocou numa pilha de quadros. Uma mariposa levantou vôo e foi chocar-se contra uma imagem de mãos decepadas.

- Bonita imagem- disse ele.

A velha tirou um grampo do coque e limpou a unha do polegar.

- É um São Francisco.

Ele então voltou-se lentamente para a tapeçaria que tomava toda a parede no fundo da loja. Aproximou-se mais. A velha aproximou-se também.

- Já vi que o senhor se interessa mesmo é por isso...Pena que esteja nesse estado.

O homem estendeu a mão até a tapeçaria, mas não chegou a tocá-la.

- Parece que hoje está mais nítida...

- Nítida?- Repetiu a velha, pondo os óculos. Deslizou a mão pela superfície puída- Nítida, como?

- As cores estão mais vivas. A senhora passou alguma coisa nela?

A velha encarou-o. E baixou o olhar para a imagem de mãos decepadas.O homem estava tão pálido e perplexo quanto a imagem.

- Não passei nada, imagine...Por que o senhor pergunta?

- Notei uma diferença.

- Não, não passei nada, essa tapeçaria não aguenta a mais leve escova, o senhor não vê? Acho que é a poeira que está sustentando o tecido - acrescentou, tirando novamente o grampo da cabeça. Rodou-se entre os dedos com ar pensativo. Teve um muxoxo: - Foi um desconhecido que trouxe, precisava muito de dinheiro. Eu disse que o pano estava por demais estragado, que era difícil encontrar um comprador, mas ele insistiu tanto...Preguei aí na parede e aí ficou. Mas já faz anos isso. E o tal moço nunca mais me apareceu.

- Extraordinário...

A velha não sabia agora se o homem se referia à tapeçaria ou ao caso que acabara de lhe contar. Encolheu os ombros. Voltou a limpar as unhas com o grampo.

- Eu poderia vendê-la, mas quero ser franca, acho que não vale à pena. Na hora que se despregar, é capaz de cair em pedaços.

O homem acendeu um cigarro. Sua mão tremia. Em que tempo, meu Deus! Em que tempo teria assistido a essa mesma cena. E onde?...

Era uma caçada. No primeiro plano, estava o caçador de arco retesado, apontado para uma touceira espessa. Num plano mais profundo, o segundo caçador espreitava por entre as árvores do bosque, mas esta era apenas uma vaga silhueta, cujo rosto se reduzira a um esmaecido contorno. Poderoso, absoluto era o primeiro caçador, a barba violenta como um bolo de serpentes, os músculos tensos, à espera de que a caça levantasse para desferir-lhe a seta.

O homem respirava com esforço. Vagou o olhar pela tapeçaria que tinha a cor esverdeada de um céu de tempestade. Envenenando o tom verde-musgo do tecido, destacavam-se manchas de um negro-violáceo e que pareciam escorrer da folhagem, deslizar pelas botas do caçador e espalhar-se pelo chão como um líquido maligno. A touceira na qual a caça estava escondida também tinha as mesmas manchas e que tanto podiam fazer parte do desenho como ser simples efeito do tempo devorando o pano.

- Parece que hoje tudo está mais próximo- disse o homem em voz baixa.- É como se... Mas não está diferente? A velha firmou mais o olhar. Tirou os óculos e voltou a pô-los.

- Não vejo diferença nenhuma. - Ontem não se podia ver se ele tinha ou não disparado a seta...

- Que seta? O senhor está vendo alguma seta?

- Aquele pontinho ali no arco...

A velha suspirou.

- Mas esse não é um buraco de traça? Olha aí, a parede já está aparecendo, essas traças dão cabo de tudo- lamentou disfarçando um bocejo. Afastou-se sem ruído, com suas chinelas de lã. Esboçou um gesto distraído: - Fique aí à vontade, vou fazer o meu chá.

O homem deixou cair o cigarro. Amassou-o devagarinho na sola do sapato. Apertou os maxilares numa contração dolorosa. Conhecia esse bosque, esse caçador, esse céu- conhecia tudo tão bem, mas tão bem! Quase sentia nas narinas o perfume dos eucaliptos, quase sentia morder-lhe a pele o frio úmido da madrugada, ah, essa madrugada! Quando? Percorrera aquela mesma vereda, aspirara aquele mesmo vapor que baixava denso do céu verde...Ou subia do chão? O caçador de barba encaracolada parecia sorrir perversamente embuçado. Teria sido esse caçador? Ou o companheiro lá adiante, o homem sem cara espiando entre as árvores? Uma personagem de tapeçaria. Mas qual? Fixou a touceira onde a caça estava escondida. Só folhas, só silêncio e folhas empastadas na sombra. Mas, detrás das folhas, através das manchas pressentia o vulto arquejante da caça. Compadeceu-se daquele ser em pânico, à espera de uma oportunidade para prosseguir fugindo. Tão próxima a morte! O mais leve movimento que fizesse, e a seta... A velha não a distinguira, ninguém poderia percebê-la, reduzida como estava a um pontinho carcomido, mais pálido do que um grão de pó em suspensão no arco.

Enxugando o suor das mãos, o homem recuou alguns passos. Vinha-lhe agora uma certa paz, agora que sabia Ter feito parte da caçada. Mas essa era uma paz sem vida, impregnada dos mesmos coágulos traoçoeiros da folhagem. Cerrou os olhos. E se tivesse sido o pintor que fez o quadro? Quase todas as antigas tapeçarias eram reproduções de quadros, pois não eram? Pintara o quadro original e por isso podia reproduzir, de olhos fechados, toda a cena nas suas minúcias: o contorno das árvores, o céu sombrio, o caçador de barba esgrouvinhada, só músculos e nervos apontando para a touceira..."Mas se detesto caçadas! Por que tenho que estar aí dentro?"

Apertou o lenço contra a boca. A náusea. Ah, se pudesse explicar toda essa familiaridade medonha, se pudesse ao menos...E se fosse um simples espectador casual, desses que olham e passam? Não era uma hipótese? Podia ainda Ter visto o quadro no original, a caçada não passava de uma ficção. "Antes do aproveitamento da tapeçaria..."- murmurou, enxugando os vãos dos dedos no lenço.

Atirou a cabeça para trás como se o puxassem pelos cabelos, não, não ficara do lado de fora, mas lá dentro, encravado no cenário! E por que tudo parecia mais nítido do que na véspera, por que as cores estavam mais fortes apesar da penumbra? Por que o fascínio que se desprendia da paisagem vinha agora assim vigoroso, rejuvenescido?...

Saiu de cabeça baixa, as mãos cerradas no fundo dos bolsos. Parou meio ofegante na esquina. Sentiu o corpo moído, as pálpebras pesadas. E se fosse dormir? Mas sabia que não poderia dormir, desde já sentia a insônia a segui-lo na mesma marcação da sua sombra. Levantou a gola do paletó. Era real esse frio? Ou a lembrança do frio da tapeçaria? "Que loucura!... E não estou louco", concluiu num sorriso desamparado. Seria uma solução fácil. "Mas não estou louco."

Vagou pelas ruas, entrou num cinema, saiu em seguida e, quando deu acordo de si, estava diante da loja de antigüidades, o nariz achatado na vitrina, tentando vislumbrar a tapeçaria lá no fundo. Quando chegou em casa, atirou-se de bruços na cama e ficou de olhos escancarados, fundidos na escuridão. A voz tremida da velha parecia vir de dentro do travesseiro, uma voz sem corpo, metida em chinelas de lã: "Que seta? Não estou vendo nenhuma seta..."Misturando-se à voz, veio vindo o murmurejo das traças em meio das risadinhas. O algodão abafava as risadas que se entrelaçavam numa rede esverdinhada, compacta, apertando-se num tecido com manchas que escorreram até o limite da tarja. Viu-se enredado nos fios e quis fugir, mas a tarja o aprisionou nos seus braços. No fundo, lá no fundo do fosso podia distinguir as serpentes enleadas num nó verde-negro. Apalpou o queixo. "Sou o caçador?" Mas ao invés da barba encontrou a viscossidade do sangue.

Acordou com o próprio grito que se estendeu dentro da madrugada. Enxugou o rosto molhado de suor. Ah, aquele calor e aquele frio! Enrolou-se nos lençóis. E se fosse o artesão que trabalhou na tapeçaria? Podia revê-la, tão nítida, Tão próxima que, se estendesse a mão, despertaria a folhagem. Fechou os punhos. Haveria de destruí-la, não era verdade que além daquele trapo detestável havia alguma coisa mais, tudo não passava de um retângulo de pano sustentado pela poeira. Bastava soprá-la, soprá-la!

Encontrou a velha na porta da loja. Sorriu irônica:

- Hoje o senhor madrugou.

- A senhora deve estar estranhando, mas...

- Já não estranho mais nada, moço. Pode entrar, o senhor conhece o caminho...

"Conheço o caminho"- murmurou, seguindo lívido por entre os móveis. Parou. Dilatou as narinas. E aquele cheiro de folhagem e terra, de onde vinha aquele cheiro? E porque a loja foi ficando embaraçada, lá longe? Imensa, real só a tapeçaria a se alastrar sorrateiramente pelo chão, pelo teto, engolindo tudo com suas manchas esverdinhadas. Quis retroceder, agarrou-se a um armário, cambaleou resistindo ainda e estendeu os braços até a coluna. Seus dedos afundaram por entre galhos e resvalaram pelo tronco de uma árvore, não era uma coluna, era uma árvore! Lançou em volta um olhar esgazeado: penetrara na tapeçaria, estava dentro do bosque, os pés pesados de lama, os cabelos empastados de carvalho. Em redor, tudo parado.Estático. No silêncio da madrugada, nem o piar de um pássaro, nem o farfalhar de uma folha. Inclinou-se arquejante. Era o caçador? Ou a caça? Não importava, não importava, sabia apenas que tinha que prosseguir correndo sem parar por entre as árvores, caçando ou sendo caçado. Ou sendo caçado?...Comprimiu as palmas das mãos contra cara esbraseada, enxugou no punho da camisa o suor que lhe escorria pelo pescoço. Vertia sangue o lábio gretado.

Abriu a boca. E lembrou-se. Gritou e mergulhou numa touceira. Ouviu o assobio da seta varando a folhagem, a dor!

"Não..."- gemeu, de joelhos. Tentou ainda agarrar-se à tapeçaria. E rolou encolhido, as mãos apertando o coração.

Fontes:
TELLES, Lygia Fagundes. Antes do Baile Verde.
Imagem = http:// www.dogtimes.com.br/idademedia.htm

Antonio Brás Constante (Meu Vizinho Extraterrestre)



...A probabilidade de não estarmos sozinhos ganha força a cada dia, tanto que até o vaticano já anda admitindo esta possibilidade. Caso isto realmente venha a se comprovar, muitas coisas vão acabar mudando por aqui. A começar pela tecnologia, pois finalmente poderemos viajar pelo universo graças aos avanços tecnológicos recebidos de seres extraterrestres, ou pelo menos porque eles vão acabar concordando em colocar um ponto de ônibus ou de táxi espacial aqui no nosso orbe azul.

Nessas viagens interestelares, é sempre bom conferir se você terá como pagar pela corrida, pois em caso de calote o taxista poderá acabar comendo você (literalmente). Poderemos pressupor que o turismo será bem diversificado. Para os naturalistas, ao invés de se ir a uma praia de nudismo, haverá planetas de nudismo, com preços que deixarão qualquer vivente peladinho. Os aventureiros poderão ir fazer um safári em um sistema solar selvagem, onde primeiro se disputa no cara-e-coroa quem vai ser a caça e o caçador.

Vivemos em um cantinho isolado e pacato da galáxia, quase como se estivessemos em um ranchinho bem afastado das grandes metrópoles, e como possivelmente ainda não dispomos de algo que realmente desperte o interesse de qualquer civilização estelar a ponto de eles quererem puxar conversa conosco, o jeito é esperar. Ao menos até avançarmos o suficiente no ramo da genética para conseguir clonar a Gisele Bündchen, dispondo assim de uma inigualável moeda de troca com outros seres inteligentes (que mesmo se não for à moeda de maior valor no universo, ainda assim tenderá a ser a mais bonita).

Para as religiões, de um modo geral, um contato com novas civilizações será uma ótima chance de aumentar o número de fiéis. Por outro lado às inúmeras crenças que já não se entendem aqui terão de aprender a conviver com infinitas outras crenças de origem interplanetária. Em todo caso, é sempre bom e saudável pregar que é extremamente pecaminoso a qualquer raça alienígena o consumo de carne humana.

O sistema político também mudará, pois necessitaremos de um governante mundial para tratar dos assuntos em terras além-vácuo. Se os alienígenas forem realmente inteligentes, vão influenciar neste tipo de decisão, evitando que o eleito seja aquele que possuir a maior coleção de bombas, optando por alguém que se mostre disposto a pensar no bem-estar de todos.

Enfim, a confirmação de vida alienígena inteligente e avançada, com certeza trará muitas mudanças em nosso modo de agir, pensar e viver. Porém, na eventualidade de se ocorrer este contato, o mais importante agora é ficarmos na torcida para que ele aconteça de um jeito totalmente diferente daquele que ocorreu na própria história da humanidade, quando o homem então no papel de desbravador, trouxe junto com o descobrimento de novas terras, as doenças, a miséria, as guerras, e tantas outras desgraças para os povos nativos que tiveram a infelicidade de se deparar com eles. Pois tudo isto, infelizmente, nós já temos.

Fonte:
http://recantodasletras.uol.com.br/autores/abrasc

Antonio Brás Constante (O Homem atrás do escritor. O escritor atrás do homem)

Em sua terceira entrevista da série O homem atrás do escritor, o escritor atrás do homem. A mulher atrás da escritora, a escritora atrás da mulher, o Singrando Horizontes entrevistou o escritor Antonio Brás Constante, natural de Porto Alegre. Residente em Canoas/RS. Bacharel em computação, bancário e cronista de coração, escreve com naturalidade, descontraída e espontaneamente, sobre suas idéias, seus pontos-de-vista, sobre o panorama que se descortina diferente a cada instante, a nossa frente: a vida. Membro da ACE (Associação Canoense de Escritores).

A.B. Constante: Antes de iniciar, gostaria de frisar aos que forem continuar lendo esta singela entrevista, que sou um escritor meio fora dos padrões convencionais ao termo (por isso mesmo definido como eterno aprendiz de escritor), por isso lhes peço, não me desejem mal...

INFANCIA E PRIMEIROS LIVROS

Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou.

Parafraseando o Analista de Bagé, posso dizer que minha infância foi normal, o que não aprendi no galpão, aprendi atrás do galpão. Nasci em Porto Alegre e me perdi por Canoas, onde cresci. Me formei em Ciência da Computação, mas daí me apaixonei perdidamente pela escrita, e passei a ser seu escravo, transcrevendo os delirios que esta Diva sussura em minha mente.

Como era a formação de um jovem naquele tempo? E a disciplina, como era?

Não existiam computadores, algo que pode parecer meio pré-histórico para essa gurizada hi-tech, mas não vejo tanta diferença para os dias de hoje (também não sou tão velho assim), no fim tudo se resume a querer aprender, pois no nosso mundo ou você aprende enquanto é novo ou alguém te prende depois.

Recebeu estímulo na casa da sua infância?

Sim, meu maior estímulo foi ser péssimo em futebol, algo que me deu bastante tempo livre para me dedicar aos livros.

Quais livros foram marcantes antes de começar a escrever.

Foram muitos, mas a série “para gostar de ler” foi bem importante para mim nessa época.

Antonio Bras Constante, Escritor

Fale um pouco sobre sua trajetória literária. Como começou a vida de escritor?

Minha vida literária se dividiu em duas partes. Na primeira etapa (fase adolescente) escrevi alguns textos na época do segundo grau (era assim chamado naqueles tempos), buscando melhorar minhas notas nas aulas de português, acabei gostando muito de escrever, mas tão logo concluí os estudos parei, adormecendo o escritor que dentro de mim existia. Somente ao final da faculdade voltei a escrever (quase quinze anos depois), graças ao empurrão de um grande amigo chamado Zé Gadis, que era chargista. A coisa começou como uma brincadeira, ele desenhava caricaturas dos colegas de empresa e eu fazia as mensagens para os cartões de aniversário. Aos poucos fui me viciando no ato de escrever, e não parei mais.

Como foi dar esse salto de leitor pra escritor?

Foi estranho, tanto que até hoje me defino como um eterno aprendiz de escritor. Não me intitulo como escritor profissional, porque acho que isso acarreta uma responsabilidade muito grande, e não gosto de sentir este tipo de obrigação nas costas, como um fardo. Por isso prefiro ser um aprendiz, poder ousar, errar, viajar, tratando a arte de escrever como uma deliciosa brincadeira.

Teve a influência de alguém para começar a escrever?

Além do meu amigo Gadis, do qual já citei antes, também tive as influências literárias de escritores como: L. V. Verissímo, Barão de Itararé e Douglas Adams.

Tem Home Page própria (não são consideradas outras que simplesmente tenham trabalhos seus)?

Sim, todos os meus textos publicados estão disponíveis no site: http://recantodasletras.uol.com.br/autores/abrasc

Você encontra muitas dificuldades em viver de literatura em um país que está bem longe de ser um apreciador de livros?

Viver de literatura?? Rsrsrs... isso existe?? Rsrss. Falando sério, na verdade eu tento dar vida a literatura, mas não sobrevivo dela. Algo que me chama a atenção neste País é que muitos leitores tem preconceito com a literatura nacional. São pessoas que consomem tudo que vem de fora, mas torcem o nariz para o que é produzido aqui.

Como foi que você chegou à poesia?

Para mim a poesia é como um arrepio de frio, um bocejo, um tropeção em uma pedra, chega sem aviso e se vai sem explicação. Para não perder a viagem acabo escrevendo o que senti naquele momento, mas não sou exatamente um poeta.

SEUS LIVROS E PREMIOS

Como começou a tomar gosto pela escrita?

Quando comecei a rir do que escrevia, acho que o primeiro ponto para alguém se tornar escritor é gostar daquilo que escreve.

Em que você se inspirou em seus livros?

No cotidiano, temperando situações do dia-a-dia com pitadas de humor.

Como definiria seu estilo literário?

Posso dizer que meu estilo literário ainda encontra-se em construção...

Dentre os livros escritos por você, qual te chamou mais atenção? E por quê?

Foi o livro “Hoje é seu aniversário – PREPARE-SE” que por ter sido o único até o momento, me chamou a atenção por total falta de opções.

Que acha de sua obra?

Fiz um livro que eu gostaria de ler se fosse outra pessoa, e olhando a obra desta forma posso dizer que considero este livro, como um filho textual. É um livro que apesar de não seguir o mesmo estilo literário dos livros da Bruna Surfistinha, também é cheio de gozação.

Qual a sua opinião a respeito da Internet? A seu ver, ela tem contribuído para a difusão do seu trabalho?

Posso dizer sem sombra de dúvidas, que se não fosse a internet, meu trabalho como escritor praticamente não existiria.

Tem prêmios literários?

Sim, fui vencedor do oitavo concurso de poesias, contos e crônicas, na categoria crônicas. Prêmio oferecido pela fundação cultural de Canoas. Também ganhei uma mochila cheia de chocolates BIS em uma promoção de frases da Nestlé.

CRIAÇÃO LITERÁRIA

Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um "clic" e a musa pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamente, precisa de algum ambiente especial ?

Na realidade, para me inspirar a situação ideal seria poder relaxar em uma sauna com aproximadamente umas cinco beldades seminuas ao meu redor, mas como minha esposa desencoraja este tipo de “ambiente” para mim, argumentando silenciosamente com seu rolo de macarrão em punho, venho me contentando com um tempinho livre em qualquer lugar mesmo, onde possa rabiscar ideias para depois colocá-las no micro.

Você projeta os seus livros? Ou seja, você projeta a ação, você projeta o esquema narrativo antes? Como é que você concebe os livros?

Não escrevo romances, mas as ideias sobre novos textos vem em golfadas dentro da minha cabeça, depois coloco tudo no papel (entenda-se “papel” o editor de texto) e vou aprimorando o texto até ficar de um jeito que acho interessante.

Você acredita que para ser escritor basta somente exercitar a escrita ou vocação é essencial?

Acho que sem vocação, não haveria prazer em escrever e consequentemente a pessoa não seguiria por este caminho, ou se seguisse, não seria por muito tempo.

Como surge o momento de escrever um livro?

O momento certo para se escrever um livro é quando uma editora cai do céu e se propõe a publica-lo. Se isto não acontecer, tente conseguir alguma verba para pagar a editora, e o resultado será o mesmo.

Quanto tempo você leva escrevendo um livro?

Deixe-me ver... Escrevo um novo texto a cada semana, meus livros tem em média 28 textos, ou seja, levo em torno de sete meses para ter material suficiente para um novo livro.

Como foi o processo de pesquisa para a escrita de seus livros?

Alguns textos realmente precisam de pesquisa, algo que poderia ser feito em várias bibliotecas ou utilizando o Google. Considero a pesquisa essencial para dar profundidade ao texto e para não escrever minhas “pérolas textuais” de forma equivocada.

No processo de formação do escritor é preciso que ele leia porcaria?

Tudo depende do que a pessoa vai querer escrever. Eu, por exemplo, adoro ler gibis (considerados por muitos como porcarias), sou fã de tirinhas de jornal, e sempre que tenho tempo dou uma olhadinha no Big Brother Brasil.

O ESCRITOR E A LITERATURA

Mas existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós, a quem chega apenas o que a mídia divulga, que autores são importantes descobrir?

Sou um curioso nato, gosto de sempre que possível experimentar coisas novas, comidas diferentes, autores diferentes, lugares diferentes. Vou aproveitar este espaço para divulgar o trabalho de um mestre-poeta que conheci ao acaso no mundo virtual, o Dário Banas (http://estranhamobilia.blogspot.com/ ). Suas poesias são fantásticas.

Na sua opinião, o livro ou livros da literatura da língua portuguesa deveriam ser leitura obrigatória?

É dificil opinar sobre o que seriam livros “obrigatórios”, já que sou adepto da leitura espontanea. Acho que se um autor consegue cativar um leitor, sua leitura já deveria ser desejada e incentivada, pois teria o seu mérito.

Qual o papel do escritor na sociedade?

Com certeza seria um papel escrito. Rsrsrs. O escritor é aquele sujeito que cutuca o outro, chamando sua atenção para uma outra realidade. É função do escritor abrir as janelas da imaginação para que as pessoas possam olhar o mundo e viajar por ele.

Há lugar para a poesia em nossos tempos?

Claro que há, sempre tem alguma gaveta vazia em algum lugar. Mas o melhor lugar para se guardar a boa poesia é dentro dos compartimentos de nossas mentes. A poesia não é um almoço que se come religiosamente todo santo dia, mas uma fruta suculenta que é sorvida, e escorre seu néctar pela boca, deliciosamente, saciando nossa fome poética.

A PESSOA POR TRÁS DO ESCRITOR

O que o choca hoje em dia?

Quando percebo que a insensibilidade anda tomando conta do mundo, de tal forma que nada mais parece chocar, confesso que fico chocado.

O que lê hoje?

Além das tradicionais bulas de remédio, cuja leitura é indispensável para uma vida saudável, leio o que me cai nas mãos, terminei há pouco de ler o livro “Ensaio sobre a cegueira” do Saramago. Por enquanto estou apenas na companhia das revistas e suas reportagens criativas.

Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?

Atualmente ando respondendo um questionário sobre literatura da melhor forma possível, e confesso que estou adorando. Fico na torcida para que meu amigo virtual, José Feldman, publique estas minhas respostas espontâneas em seu portal. Não possuo outros projetos.

De que forma você vê a cultura popular nos tempos atuais de globalização?

Toda raiz cultural começou através de uma veia popular, a cultura nasce no seio da população, enriquece e muitas vezes acaba elitista. Acho que a globalização é um bom instrumento de fomentar e divulgar a cultura, de termos contato com outras culturas.

CONSELHOS PARA OS ESCRITORES

Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever ?

Querer se consagrar como escritor é o mesmo que se lançar ao oceano buscando chegar a uma ilha repleta de tesouros, voce nada, nada e muitas vezes não acontece nada. Se desistir, ou se afoga, ou a maré te leva de volta para o anonimato de onde saiu. Por isso quero dizer para quem quiser começar a escrever, que escreva por prazer, sem querer visualizar um horizonte. Escreva pelo mesmo motivo que respira, para viver. A melhor recompensa para quem escreve é gravar para eternidade seus pensamentos, suas ideias, suas loucuras. O resto é pura consequencia.

O que é preciso para ser um bom poeta?

Entendo que a poesia é uma forma de dança onde as frases ocupam o lugar dos movimentos. Não se escreve uma poesia para que ela seja “bonitinha”, a poesia é a essência dos sentimentos, derramados no papel de um jeito ritmado.

Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Outros trabalhos culturais, opiniões, crítica, etc.

Estou distribuindo meu livro em PDF gratuitamente para quem quiser conhecer a obra, basta me enviar um e-mail para : abrasc@terra.com.br e pedir uma cópia.

E para encerrar a entrevista

Quero agradecer a iniciativa do Feldman em ceder este espaço para que os escritores possam falar um pouco sobre suas obras e divulgá-las. Deixo aqui registrado meu muito obrigado.

Se Deus parasse na tua frente e lhe concedesse três desejos, quais seriam?

PRIMEIRO pediria que ele aumentasse a dose de humanidade nos seres que se definem como humanos.

SEGUNDO Pediria a ele que largasse este bico de gênio realizador de desejos e voltasse a trabalhar em prol do mundo, já que depois do sexto dia (ele parou para descansar no sétimo) as coisas andaram piorando bastante por aqui.

TERCEIRO pediria para ele sair um pouco para o lado (já que ele estaria parado na minha frente) para que eu pudesse terminar de ver na televisão a sua maior obra, o seriado de “Os Simpsons”.

Fonte:
Entrevista Virtual realizada por José Feldman para o Singrando Horizontes.

Universidade de Passo Fundo/RS (Projeto Livro do Mês - 2010)


Realizado desde 2006, o Projeto Livro do Mês, em parceria com a Prefeitura Municipal de Passo Fundo, Editoras dos autores presentes, SESC Passo Fundo e escolas públicas e particulares de Passo Fundo e região

Agendamento da participação de alunos e professores nos seminários, favor entrar em contato pelo telefone (54) 3316-8148 (Mundo da Leitura).

SEMINÁRIOS

Março
24, 25 e 26/03

O barbeiro e o judeu da prestação contra o sargento da motocicleta
Joel Rufino dos Santos
Editora Moderna

24/03 – Letras
25/03 – SME – SESC
26/03 – SESC (escolas públicas e particulares)

Abril
27, 28 e 29/04

Um livro de horas
Emily Dickinson (Ângela Lago)
Editora Scipione

27/04 – Letras
28/04 – SME - SESC
29/04 – SESC (escolas públicas e particulares)

Maio
26, 27 e 28/05
Kina, a surfista
Toni Brandão
Editora Melhoramentos

26/05 – Letras
27/05 – SME – SESC
28/05 – SESC (escolas públicas e particulares)

Junho
21, 22 e 23/06

De carona, com Nitro
Luis Dill
Editora Artes e Ofícios

21/06- Letras
22/06 - SME – SESC
23/06 - SESC (escolas públicas e particulares)

Agosto
30, 31 e 01/09

Cidades dos deitados
Heloísa Prieto
Edições Sesc SP / Editora Cosac Naify

30/08 – Letras
31/08 - SME – SESC
01/09 - SESC (escolas públicas e particulares)

Setembro
22, 23 e 24/09

Enigmas de Huasao: uma história peruana
Luciana Savaget
Editora Global

22/09 – Letras
23/09 - SME – SESC
24/09 - (escolas públicas e particulares)

Outubro
27, 28 e 29/10

Alma de fogo: um epsódio imaginado de Álvares de Azevedo
Mario Teixeira
Editora Ática

27/10 – Letras
28/10 - SME – SESC
29/10 - (escolas públicas e particulares)

Novembro
18 e 19/11

Dá pra acreditar?
Luís Pescetti SM

18/11 – Letras
19/11 - SME – SESC

Fonte:
Colaboração da Universidade de Passo Fundo

Associação Canoense de Escritores (Atividades)

OFICINA DE CRÔNICAS

Dia: 26 de janeiro de 2010
Hora: 14 horas
Local: Parque Eduardo Gomes (galpão 5)
Proponente: Associação Canoense de Escritores
Oficineiros: ETEVALDO SILVEIRA e NEIDA ROCHA
capacidade: 30 lugares

OFICINA DE POEMAS

Dia: 26 de janeiro de 2010
Hora: 17 horas
Local: Parque Eduardo Gomes (galpão 5)
Proponente: Casa do Poeta de Canoas
Oficineiros: ANCILA DANI MARTINS e MARI REGINA RIGO
capacidade: 30 lugares
-----------------
Fontes:
Colaboração de Neida Rocha
Fotomontagem = José Feldman

sábado, 23 de janeiro de 2010

Walcyr Carrasco (Pinga-pinga de pinguço)


Um passeio nas vans que circulam de bar em bar

Bares do Itaim, Jardins e Pinheiros andam oferecendo um serviço exclusivo para bebuns. É uma van que os leva até em casa. Trata-se, com o perdão de um trocadilho, de um pinga-pinga de pinguços. As vans circulam de bar em bar. arrebanhando os etílicos, durante a madrugada.

Desde que o novo Código de Trânsito entrou em vigor, a polícia anda rondando perto dos bares, bafômetro a postos, em busca de motoristas infratores. Com as vans, os bares garantem faturamento. Os clientes podem mergulhar nos copos, sem depois arriscar a pele no asfalto. Serviços semelhantes já existem na Europa, nos Estados Unidos e no Japão. Raramente tomo umas e outras. Soube, entretanto. que o clima nas vans é animadérrimo. Imaginem seis bêbados indo para casa. A van estaciona para pegar o sétimo, em novo bar. Descem os seis primeiros.

E aí, que tal a saideira?

Dá-lhe! O inocente que saiu para tomar um ou dois uísques entra na animação. Acorda embaixo do balcão de uma padaria. Também são freqüentes os tipos belicosos e as discussões capazes de resolver o problema do futebol brasileiro.

Eu já disse que o Ronaldinho...

Ah, nego vem falar do Ronaldinho! Não vem! Nãããão veeeeem!

O Ronaldinho? O Ronaldínho?

Sóbrio por necessidade profissional. o motorista tenta aplacar os animos.

-Ô, pessoal, o Ronaldinho joga um bolão.

Os seis se unem.

- Cala a boca!

O coitado silencia. Abre a janela. É obrigado a dirigir a madrugada toda de vidro abaixado. Até o ar está impregnado. Se respirar mais fundo, fica de fogo.

Mais uma parada, entra um rapaz. Tomou só um ou dois goles.

- Eu sozinho. Lembrei da van. Que negócio é esse de ir para casa tão cedo?

Novo tropel. No veículo. fica só um, desmaiado, lá no fundo. Os outros descem, atrás de nova rodada. A van é ideal para fazer amizades. Há quem chegue até mais longe.

A senhora não está bêbada! - desconfia o motorista.

Ela afina a voz, bambeia as pernas.

- Estou bebinha, sim!

Consegue entrar. Aperta-se entre todos. Examina um por um, com o olhar esperto. Um está bêbado demais. Outro, passado da idade. O terceiro, sim, serve! Tem perfil de executivo. Ela afia as garras. Ele nem desconfia., quando descem no mesmo prédio. Sobem juntos no elevador, aterrissam no mesmo andar. Começa a ficar cabreiro quando, após várias tentativas, consegue botar a chave na porta e percebe que ela o espera. Não há tempo para perguntas. Ela entra depressa, vai até o bar e prepara dois uísques. Ele cai duro no sofá. Consegue erguer uma das pestanas meia hora depois.

Quem é você? - pergunta, trêmulo.

Você me convidou para um uísque! - ela retruca, revoltada.

O executivo vasculha o cérebro. Não consegue lembrar. Mas deve ter convidado. Senão, por que ela estaria em sua sala? Bebe mais uma dose para acordar e desmaia. Na semana seguinte, ela já está falando em casamento. Ele continua não se lembrando de nada.

Também existem alpinistas sociais. Como o sujeito que mora na periferia. Quer chegar em casa de carro. A maior parte dos bares adota limites mínimos de consumo, para dar direito a carona. Ele bebe o mínimo. Depois, exige que o levem para a casa. O motorista quase cai nas barrancas do Tietê para chegar até lá. O falso bebum desce alegremente. Os amigos, admirados.

-Tu tá por cima. hein, malandro? Chegando em casa de chofer!

Sorri, vitorioso. Sai mais barato do que táxi. O bêbado desmemoriado é uma tragédia.

O senhor não se lembra do endereço?

Eu aaaaaaaaaacho que é virando aquela rua...

Toca a vasculhar quarteirões.

Certo tipo de bebum não vai de van. É o imprevidente, que saiu de casa em seu próprio carro. O bar oferece o motorista. que dirige para o cliente. Mas bêbado detesta terminar a noite sozinho.
Soooobe aí. Veeeem tomar uma comigo.

Sinto muito. A van do bar vem me pegar em meia hora, esquiva-se o motorista.

Soooobe só meia hooora.

O chofer acaba mais bêbado do que o cliente. Quando a van chega, está cantando na sarjeta. Há quem possa se espantar com a idéia. É uma medida civilizada. Com este calor, poucos resistem a um chope, ou a dois, a três, quatro... Ficam a salvo pedestres e postes!


Fonte:
Revista VEJA. São Paulo. 11 de março 1998.