domingo, 1 de maio de 2011

A. A. de Assis (Trovia n.137 – maio de 2011)


INESQUECÍVEIS

Ao lembrar que o teu brinquedo
é decifrar-me, sorrio...
De nada vale o segredo
de um velho cofre vazio.
Alonso Rocha

Riquezas tenhas tão grandes,
e tal bondade também,
que ao redor donde tu andes
não fique pobre ninguém.
Augusto Gil

A vida o tempo devora;
o próprio tempo não dura.
Colhe a alegria de agora,
para a saudade futura!
Helena Kolody

Com pose de rica e nobre,
e o orgulho que agora tens,
és de espírito tão pobre
quanto eu sou pobre de bens.
Jacy Pacheco

O mistério dos destinos
decifrar... ah, não te iludas!
Eram iguais dois meninos...
e um foi Cristo, outro foi Judas...
Lery Guimarães

Para ajustar meu vestido,
não quero fitas nem laços,
mas um cinto, meu querido,
formado pelos teus braços!
Lola de Oliveira

Espalhem que sou tristonho...
Não ligo ao que o mundo diz...
– Quem na vida tem um sonho,
mesmo se é triste, é feliz...
Luiz Otávio

Se a vida é sempre formosa,
torna pequeno o queixume:
– Que importa o preço da rosa,
se vem de graça o perfume?...
Milton Nunes Loureiro

Sobre mulher não discutam;
seus impulsos não se medem:
– As mais fracas também lutam,
as mais fortes também cedem...
Nydia Iaggi Martins – RJ

As suas cartas, senhora,
releio-as de quando em vez,
mas nelas só vejo agora
os erros de português...
Paulo Emílio Pinto

De livros encham-se as casas,
eis um conselho excelente,
pois o livro, aberto em asas,
põe asas n’alma da gente.
Orlando Brito

De gota em gota, pingando,
sem ver que a chuva parou,
goteira é a casa chorando
porque você não voltou.
Rubens de Castro

Saudade!... Raio de lua,
suprindo o sol que brilhou...
Tábua solta que flutua
depois que o amor naufragou!
Waldir Neves

Vou sorrindo com cuidado,
sondando bem a pessoa,
pois ser feliz é um pecado
que pouca gente perdoa.
Zálkind Piatigórsky

Trova é um poema pequenininho onde o autor coloca uma grande mensagem

BRINCANTES

Tem visita que aconchega,
tem outra que não me atrai;
não empolga quando chega...
mas alegra quando sai!
Ademar Macedo – RN

Diz-se um machão da pesada,
valentão que dá no couro,
mas não passa sob escada,
com medo de mau agouro.
Amilton Monteiro – SP

Minha amada é uma fofucha,
que a uma fada se assemelha...
até mesmo quando puxa
meus cabelinhos da orelha!
Archimedes de Maria – RJ

Cabelo é um negócio louco...
há divergências fatais:
– Na cabeça, um fio é pouco;
mas... na sopa... ele é demais!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

Todo homem que arrasta asa
à mulher deste ou daquele
merece, perto de casa,
outro homem igual a ele.
(Folclore português)

Se julgas coisa bonita
andar na frente, eu destaco:
quem vai atrás sempre evita
cair no mesmo buraco!
José Fabiano – MG

De arruaça em arruaça,
de pinga a cabeça cheia,
surrou a mulher na praça
e foi “mulher” na cadeia.
Olga Agulhon – PR

Devido à idade avançada
e à minha pança roliça,
garante-me a pátria amada
o meu direito à preguiça...
Osvaldo Reis – PR

LIRICAS E FILOSOFICAS

Na varanda, um quadro lindo:
a jovem mãe e a criança.
– Era a ternura sorrindo,
amamentando a esperança!
A. A. de Assis – PR

Nesta vida meus amores
são flores do alvorecer.
Mas, se murcharem as flores,
de solidão vou morrer.
Ari Santos de Campos – SC

O invejoso não entende
que não faz mal a ninguém
e que a inveja só pretende
machucar a quem a tem.
Arlene Lima – PR

É tanta saudade, tanta,
que povoa minha vida,
que até o bacalhau da janta
lembra-me a tua partida.
Benedita Azevedo – RJ

Quem não sabe, quem não sente
que às vezes nos custa caro
essa audácia de ser gente,
quando ser gente é tão raro?!
Carolina Ramos – SP

Ter sempre a palavra certa
e a mão em paz estender,
ter a mente sempre aberta
– isso se chama viver.
Conceição de Assis – MG

Solo un beso es cual armiño
del más divino querer,
que la madre da a su niño
¡cuando acaba de nacer!
Cristina Oliveira Chávez – USA

Diz que o asilo é um paraíso
e, ao tom de voz convincente,
o filho, ao ver seu sorriso,
nem supõe que a mãe lhe mente...
Darly O. Barros – SP

Meus dias, antes tristonhos,
mudaram, hoje, confesso,
pois com pedaços de sonhos,
arquitetei teu regresso!
Delcy Canalles – RS

Sofrem tantos na agonia
do delírio, dito "amor";
isso tudo acaba um dia,
faz frio após o calor...
Diamantino Ferreira – RJ

Chego ao fim, e em realidade,
não sei que rumo tomar:
seguir, matando a saudade...
ou deixando-a me matar.
Dorothy J. Moretti – SP

Nas ilusões delirantes
do amor que vem sem alarde,
o dia amanhece antes,
e a noite dorme mais tarde!
Eduardo A. O. Toledo – MG

Para a alma aliviar
na dor, conflito, paixão,
a lágrima acalma o olhar;
um poema, o coração!
Eliana Palma – PR

Um segredo bem guardado,
para assim permanecer,
não deve ser partilhado,
para nunca se perder.
Eliana Ruiz Jimenez – SC

Na loucura dos meus versos,
e em quase todos seus traços,
há pedacinhos dispersos
do amor que tive em teus braços.
Francisco Garcia – RN

A minha mãe, vinte e um filhos,
ao lembrá-la me enterneço!
Venceu grandes empecilhos:
eu, vigésimo, agradeço.
Francisco Macedo – RN

Mesmo que a tantos iluda
com diversas abordagens,
história de amor não muda,
mudam só os personagens.
Gilvan Carneiro da Silva – RJ

Sou tão triste e tão sozinha,
que o eco do meu lamento,
desta saudade tão minha,
escuto na voz do vento!
Gislaine Canales – SC

Um sonho bom não tem fim,
enquanto a entrega é dos dois...
... E vamos sonhando, assim,
antes... Agora... e depois!...
Hermoclydes S. Franco – RJ

O que ao mais simples conforta
– e o torna feliz, até –
é saber que o céu tem porta
...e uma das portas é a fé!
Héron Patrício – MG

Na clausura da existência,
das prisões que nos impomos,
um devaneio é a essência
do que pensamos que somos!
J. B. Xavier – SP

Numa espera doce e mansa,
qual zelosa tecelã,
bordo rendas de esperança
pra enfeitar nosso amanhã!
Jeanette De Cnop – PR

Desencantado da vida,
do amor – em total entrega –,
sou folha no chão caída
que nem o vento carrega.
João Costa – RJ

Foi tanto, na despedida,
o encanto do seu olhar
que bem antes da partida
eu já pensava em voltar!
José Messias Braz – MG

Sambando ao som do "Abre-alas",
pisa as agruras da vida
na pretensão de apagá-las
e não se dar por vencida.
Lóla Prata – SP

Com ternura tu me olhaste
e com ternura te olhei...
Nunca mais tu me deixaste,
nunca mais eu te deixei.
Lucília Decarli – PR

Eu te amo tanto, mas tanto
que já pus num pedestal
toda a glória desse encanto,
que se tornou imortal.
Luiz Carlos Abritta – MG

Debruçada sobre o berço
do seu querido filhinho,
busca a mãe, com o seu terço,
indicar-lhe um bom caminho.
Luiz Hélio Friedrich – PR

Árvore... da terra abrigo,
que insensato o homem destrói,
pondo a vida ao desabrigo...
desatino que corrói.
Mª da Conceição Fagundes – PR

Um abraço com frequência
sempre muito amor nos traz.
Ele desarma a violência,
constrói um mundo de paz.
Mª da Graça Stinglin – PR

Vens na carícia do vento
e na doçura do olhar;
és luz no meu pensamento
e guias meu caminhar.
Mª Lúcia Godoy Pereira – MG

Eu já fui um beija-flor
em outras vidas passadas:
– era segredo em louvor
às flores desamparadas.
Mª Luiza Walendowsky – SC

Não há no mundo distância
que faça um dia esquecer
a terra de nossa infância,
o sol que nos viu nascer!
Mª Thereza Cavalheiro – SP

Num engano de momento,
a vida se transformou...
Eu fui rosa... foste vento
que ao passar... me desfolhou...
Marina Bruna – SP

Eu trago, junto do peito,
silente, a lembrar, constante,
o teu retrato, que estreito,
feito uma joia galante.
Mauricio Friedrich – PR

Muitas vezes, na pintura,
em aquarela aparece,
numa suave ternura,
a dor que nunca se esquece.
Mifori – SP

E’ do passado a lição,
mas com valor de presente:
Só pode ter corpo são
quem tem saúde na mente.
Newton Vieira – MG

Orgulho é a bola de neve
que vai, em diário exercício,
levando o infeliz de leve
às bordas do precipício.
Nílton Manoel – SP

Juventude, o procurar
permanente de viver.
Enquanto a busca durar
ninguém vai envelhecer.
Olympio Coutinho – MG

Se o coração ainda sente
o amor perdido de outrora,
o sonho, na alma da gente,
se abraça a esse amor... e chora!
Otávio Venturelli – RJ

Prefiro ficar no sonho
a embarcar na realidade;
lá, meu mundo é mais risonho,
mais seguro e sem maldade!
Renato Alves – RJ

Vivemos tão lindos sonhos,
mas agora só nos resta
vencer os dias tristonhos
ao aparar as arestas.
Roberto Acruche – RJ

Numa pétala orvalhada,
uma gota luminosa
é um beijo que a madrugada
deixou na face da rosa.
Thalma Tavares – SP

Na ilusão de ser gaivota,
se piso a areia, acredito...
Eu olho o mar, traço a rota
e, em sonho, toco o infinito.
Therezinha Brisolla – SP

Sofro por não tê-lo perto,
porém nego que o desejo
e esqueço o portão aberto
se na minha rua o vejo.
Vanda Alves – PR

Reconheço que a razão
me exerce extremo fascínio,
mas, se acerta o coração...
perco o rumo e o raciocínio!
Vânia Souza Ennes – PR

Canta a prosa, canta o verso
com esplêndida leveza,
enchendo todo o universo
e louvando a natureza.
Vidal Idony Stockler – PR

Assim como a vida soube,
sem dó, romper nossos laços,
a saudade também coube
nos meus braços sem abraços.
Walneide F. Guedes – PR

Fonte:
Revista enviada por A. A. de Assis

José Faria Nunes (Um Rosto Miscigenado)

Imagem de Gilberto Queiroz
Na rua nem cortejo havia. O caixão barato, doação de uma instituição de caridade, era conduzido por poucas mãos que se revezavam entre as poucas pessoas que levavam o corpo.

Estivessem em campanha eleitoral o séquito chamaria a atenção de populares, atraídos por figuras da política à cata de simpatia para investimento nas urnas. Teatro de humildade, benevolência, humanidade, máscara comum de semelhantes tempos. A pessoa do esquife seria, no mínimo, reverenciada ainda que nem família tivesse. Pose pública na busca da notória atenção dos nem sempre incautos eleitores.

Em não estando em campanhas eleitoreiras, digo eleitorais, exceto a espontânea curiosidade de um ou outro garoto por onde seguia, ninguém nada perguntava. Ninguém se preocupava em saber de quem era o corpo, que só não fora deixado para decomposição natural em algum terreno baldio ou enterrado em algum fundo de quintal por razões óbvias: para não incomodar pelo cheiro nauseativo que por certo exalaria ou porque havia proibição legal para enterros em locais não autorizados. O cemitério, ainda que distante (do outro lado da cidade) era um mal necessário. Enterro em cova rasa, sem alvenaria nem obra de arte. Túmulos em mármore ou granito, só para pessoas de posse, que deixam herança, ou tenham merecido o respeito público local. E aquele não era o caso.

Ninguém sabia quem era, de onde viera. Até parece ter chegado ali só para morrer. O médico chamado para emissão do laudo cadavérico nem ver o corpo foi. Assinou o documento em do único estabelecimento comercial do bairro. Um misto de boteco, frutaria e armazém de secos e molhados.

Cortejo sem pompa, sem glória, só não ignorado de ter existido porque ali estava o corpo. Prova de que um dia, em algum lugar, alguma mulher teria dado à luz um filho. Ainda que sem a consciência de que um dia ele viveria como mendigo, morreria como um ninguém, seria enterrado como indigente. Sem lenço, sem documento, sem choro, sem vela.

E pelas ruas periféricas da pequena cidade seguia o corpo no caixão barato, conduzido por poucas mãos que se revezavam entre as poucas pessoas.

No cemitério o caixão foi aberto apenas para cumprir uma tradição, visto que ninguém ali estava por amor a um ser humano que perdera a vida, mas apenas por desencargo de consciência. Ainda havia alguém que ainda tinha consciência de que o homem, imagem e semelhança de Deus, ainda que ignorado pela vida, na morte teria que ter a reverência mínima de receber um enterro ainda que sem quaisquer formalidades. Não se poderia deixar um corpo apodrecer ao deus-dará, sem ao menos uma cova onde seus ossos pudessem ficar reunidos. A menos que o cemitério venha a encher tanto que não tenha lugar para o enterro de mais ninguém. Aí então restos mortais de pessoas ignoradas, desconhecidas, indigentes poderão ser removidos para covas coletivas para reserva de seus lugares para novos sepultamentos. Por certo nenhum local é seguro para a insegurança das vítimas da indiferença humana (humana?) da sociedade do ter. O ser, se não acompanhado do ter, apenas em dimensão que nos foge à compreensão terá o mérito de ter existido. Será que terá?

Aberto o caixão chamou a atenção dos circunspetos presentes o defeito físico da mão e antebraço direitos do corpo em desajeitada posição, cruzados sobre o peito do cadáver de aparência sexagenária. Cabelos poucos a ornamentar uma careca sobreposta a um rosto miscigenado. Herança de uma sonhada democracia racial que ainda inexiste no país, onde a corrupção, o crime organizado, os desmandos, o autoritarismo, a ganância e a hipocrisia insistem em manchar a grandeza de uma nação privilegiada pela generosidade da natureza. Aqui entre os trigais o joio se propaga, um joio de agentes ativos e passivos da especulação e da exploração do homem pelo homem, céticos de que cada um acabará por se tornar vítima de si mesmo, de suas próprias armadilhas.

Fechou-se o caixão e nem os três costumeiros punhados de terra sobre ele foram jogados. Para o agrado dos coveiros, ninguém ali ficou para lhes perturbar o trabalho, costumeiramente empertigado pelas presenças incomodativas próprias de enterro de pessoas, cuja notoriedade foram objeto em vida, ainda que apenas pelos cifrões.

Todos se foram, pois a vida haveria de continuar, até que algum dia em alguma estação o trem da existência tivesse que parar para uma breve reflexão sobre a própria vida. Ainda que poucos para isso tenham tempo.

No cemitério os coveiros perceberam que o relógio os liberava para o merecido descanso. Afinal a noite se aproximava com sua boca enorme para engolir a cidade e seu povo. Sobre a cova, um poodle que um dia teria sido preto, então grisalho como seu amo, aconchegara-se sobre o monturo de terra fresca na ala de sepultamento de indigentes.

Em algum lugar do planeta, duas filhas interrogam pelo destino do pai, há uma década desaparecido.
---------
Conto publicado na Antologia de Contos de Autores Contemporâneos - vol.4

Fonte:
Colaboração de José Faria Nunes

Ademar Macedo (Homenagem ao Trabalhador)


Parabéns a você trabalhador,
empregada doméstica e diarista,
pedreiro, servente, e soldador,
a dona de casa e ao frentista;
o guarda noturno, o jardineiro,
a linda aeromoça e o coveiro,
o piloto e o cardiologista;
arquiteto, gari e contador,
manicure, palhaço e professor,
ao bombeiro, camelô, e taxista.

Parabéns a você telefonista,
ao alfaiate e ao cabeleireiro,
secretária, garçom e motorista,
segurança, pintor e sapateiro;
ao recepcionista e operário,
padeiro, bóia fria e ao bancário,
cirurgião, vigia e a parteira;
aposentado, chaveiro e corretor,
advogado, juiz e promotor,
policial militar e enfermeira.

Meus parabéns a você engomadeira,
ao funcionário público e zelador,
ao officce boy e camareira,
eletrotécnico, salva vida e cobrador.
parabéns ao herói caminhoneiro,
tratorista, flanelinha e carroceiro,
vereador, deputado e merendeira,
músico, florista e ao barbeiro,
trapezista, babá e ao porteiro,
ambulante, empresário e lavadeira.

Parabéns a você que é faxineira,
a governanta e ao eletricista,
agricultor, mecânico, e a copeira,
comerciante, atendente e ao dentista.
fotógrafo, gerente e comerciário
jogador, feirante e veterinário
ao sanfoneiro, soldado e escritor,
vaqueiro, locutor e jornalista;
parabéns à você radialista
e ao Violeiro, Poeta e Trovador!!!
--
Fonte:
Colaboração de Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Histórias de Tia Nastácia) XXIV - O Macaco, a Onça e o Veado


Uma vez uma onça convidou um veado para ir com ela à casa dum compadre. Foram. Como houvesse no caminho um ribeirão a atravessar, a onça enganou o veado, dizendo que não tivesse medo, pois era água rasinha. O veado meteu-se no ribeirão e quase se afogou.

Seguiram. Vendo umas bananeiras logo adiante, a onça propôs:

— Amigo veado, vamos comer bananas. Você sobe e pega as verdes, que são as melhores, e me atira as amarelas, que não valem nada.

O veado subiu, jogou as amarelas para a onça e ficou com as verdes, que não pôde comer. Desceu coro o estômago no fundo, enquanto a onça arrotava de gosto.

Seguiram. Adiante encontraram uns trabalhadores capinando a roca. A onça disse:

— Amigo veado, quem passa junto daqueles homens deve dizer: "Que o diabo os carregue!" É uma saudação que deixa os homens contentíssimos.

O bobo do veado foi e disse aos trabalhadores: "Que o diabo os carregue!" mas os homens, furiosos, soltaram-lhe os cachorros em cima e quase o pegaram. Já a onça ao passar por eles, o que disse foi: "Deus ajude a quem trabalha!" E os homens, muito satisfeitos com a frase, deixaram-na passar sossegadamente.

Adiante a onça viu uma cobrinha coral.

— Olhe, amigo veado, que lindo colar vermelho. Leve-o para pôr no pescoço de sua filha.

Assim que o veado foi pegar aquilo, a cobra deu-lhe um bote, que por um triz o não alcançou.

Finalmente chegaram à casa do compadre. Era quase noite, de modo que depois duma prosinha trataram de dormir. O veado armou uma rede a um canto e logo ferrou no sono. A onça, então, foi pé ante pé ao curral, comeu uma ovelha e trouxe uma cuia de sangue, que derramou em cima do veado. Depois deitou-se e dormiu regaladamente.

De manhã o compadre foi ao curral e percebeu que lhe haviam comido uma ovelha. Desconfiou logo da onça.

— Eu, comer sua ovelha, compadre?

Que idéia! Olhe como estou sem o menor sinal de sangue. Talvez fosse o veado... O compadre olhou para o veado e o viu todo sujo de sangue.

— Ah, ladrão! — e deu-lhe de cacete até matar.

A onça despediu-se do compadre e lá se foi, muito lampeira.

Dias depois convidou o macaco para outra visita ao compadre. O macaco aceitou. Foram. No ribeirão a onça veio com a mesma história:

— Passe sem medo, macaco. A água é rasinha.

Mas o macaco, que tinha sabido da história do veado, não foi na onda.

— Nada! — disse ele. — Passe você primeiro, para eu ver se a água é mesmo rasinha como diz — e a onça não teve remédio senão passar na frente.

Lá nas bananeiras o macaco subiu, mas comeu todas as amarelas e à onça só deu as verdes. Furiosa do logro, a onça foi pensando: "Ah, bicho duma figa! Eu ainda acabo lanhando esse lombo com as minhas unhas!"

Quando chegaram à roça dos trabalhadores, a onça avisou:

— Escute, macaco. A saudação que esses homens gostam é assim: "O diabo leve quem trabalha!" — mas ao passar por eles o macaco disse coisa diversa: "Deus ajude a quem trabalha!" — e os homens, deixaram-no passar.

Quando encontraram a cobrinha e a onça lembrou que era um ótimo colar para a mulher do macaco, este respondeu:

— Está me parecendo muito melhor para pulseira de uma filha de onça! — e não quis saber de pôr a mão na cobra.

Chegaram por fim à casa do compadre. Depois duma prosinha foram deitar-se. O macaco, sabidão, armou sua rede bem alto; deitou-se e fingiu dormir. A onça foi ao curral e comeu outra ovelha, vindo com a cuia de sangue lambuzar o macaco. Mas este arrumou com o pé na cuia, de modo que o sangue caiu em cima da onça.

Indo pela manhã ao curral, o compadre deu pela falta da ovelha.

— Que coisa esquisita! Sempre que a onça vem cá, desaparece-me uma ovelha...

È foi para casa, furioso da vida. Deu com a onça roncando — fingindo que dormia, mas lá do alto de sua rede o macaco apontava para ela, dizendo:

— Veja como está barreadinha de sangue.

— Desta vez me paga! — gritou o compadre, e apontando a espingarda, pum! — matou a onça.
================
— Nas histórias populares — disse dona Benta—o papel da onça é sempre desastroso. Personifica a força bruta, a traição, a crueldade. Os contadores vingam-se dela ser assim, fazendo-a perder todas as partidas.

— Está claro — disse Emília. — Não tinha graça nenhuma se a onça acabasse vencendo. Ela é bruta, é má, é cruel; logo, tem de ser castigada — pelo menos nas histórias.

— E o pobre veado? — lembrou Narizinho.

— Já ouvi várias histórias de veado e até tenho dó. Uns bobinhos completos. Não há nenhuma em que se atribua a menor inteligência aos veados. Acabam sempre comidos.

— Veado, ovelha e outros animais não passam de carne com quatro pés — disse Pedrinho.

— Inteligência não existe em suas cabecinhas, nem para lograr a onça, que é o mais estúpido dos animais. Eu até me rio quando ouço uma ovelha fazer: Bé! Que bichos bobos! Só servem mesmo para dar lã e costeletas.

— Isso não — protestou Emília. — Quando os homens querem um símbolo de meiguice, de que se lembram? Dos cordeirinhos. S. João andava com um no braço.

— Bom, S. João era um santo, era diferente dos outros homens. Quando esteve no deserto só passava a gafanhotos, coisa que ninguém come. Juro que não comeu o cordeirinho que trazia no braço. Mas o resto da humanidade, nem é bom falar! Elogiam os cordeirinhos, sim, senhor. "Que beleza! Que encanto!" — mas passam-lhes a faca no pescoço e comem-nos.

— Ué! — exclamou tia Nastácia. — Pois para que serve carneiro senão para ser comido? Deus fez os bichos cada um para uma coisa. A sina dos carneiros é a panela.

Emília danou.

— Bem se vê que é preta e beiçuda! Não tem a menor filosofia, esta diaba. Sina é o seu nariz, sabe? Todos os viventes têm o mesmo direito à vida, e para mim matar um carneirinho é crime ainda maior do que matar um homem. Facínora!...

— Emília, Emílial — ralhou dona Benta.

A boneca botou-lhe a língua.
–––––––––––––
Continua… XX – O Veado e o Sapo
–––––––––––––-
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source

sábado, 30 de abril de 2011

Trova 195 - Roberto Pinheiro Acruche (São Francisco de Itabapoana/RJ)

Colaboração do Autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 201)


Uma Trova Nacional

A crise nos invadiu...
pindaíba nacional:
não sei se o real caiu
ou se eu "caí na real"...
–SELMA PATTI SPINELLI/SP–

Uma Trova Potiguar

Galo bom de galinheiro
e pegador de galinha,
quando disputa um terreiro
muitas vezes dá murrinha.
–MARCOS MEDEIROS/RN–

Uma Trova Premiada

1994 - Nova Friburgo/RJ
Tema: “LIVRE” - M/H

Fazer prédio? Desperdício!
Diz o caipira a sorrir:
– Se em baixo diz: “Edifício”,
como é que se vai subir?
–NEIDE ROCHA PORTUGAL/PR–

...E Suas Trovas Ficaram

Ante a noiva bem nutrida,
o cinquentão ficou louco:
– Ela só pensa em comida
e cinquentão come pouco...
–MÍLTON NUNES LOUREIRO/RJ–

Simplesmente Poesia


MOTE:
O filho toma apracur,
a mãe toma novalgina.

GLOSA:
Ele liga o abajour
pra que na cama se aqueça.
E, para a dor de cabeça
O filho toma apracur,
analgésico hor-concour,
recurso da medicina,
qualquer balconista ensina
e vende sem empecilho.
Contrariando seu filho,
a mãe toma novalgina.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Estrofe do Dia

Um candidato a prefeito
falando aos aduladores
distante dos eleitores:
vamos ganhar esse pleito!
Sou cidadão de conceito
só eu levo essa parada,
porém o que mais me agrada
nesta tremenda disputa
é ter um ano de luta
e quatro sem fazer nada.
-VICENTE GONÇALVES/PB-

Soneto do Dia

–BELMIRO BRAGA/MG–
Propaganda Eleitoral

Meu caro Coronel Martins Ferreira,
candidato extra-chapa a deputado
ao congresso da Câmara Mineira,
desejo ser aí o mais votado.

A minha fé de ofício é de primeira.
vale por um programa o meu passado,
e no congresso não direi asneira
todas as vezes... que ficar calado.

Fui caixeiro, depois fui negociante,
e do torrão natal, representante,
agora aspiro a ser como escrivão;

E, eleito, espero, mas que maravilha!
Ser pai da Pátria e receber da filha
todo o subsídio, quer trabalhe ou não..

Fonte:
Colaboração de Ademar Macedo

Trovadores da Seção Bragança Paulista da UBT (Amor é...) Primeira Parte


Há muito tempo morri,
morri, amor, de saudade;
no dia em que te perdi,
foi que morri de verdade.
Adalzira Bittencourt (Céu)

Quem tem alma de poeta,
em geral é um trovador,
que na vida tem por meta
semear somente o Amor!
Amilton Maciel Monteiro (S. José dos Campos)

Amar é meu lema de vida;
viver, meu lema de amor.
Quem ama jamais duvida
que será um vencedor.
Anna Servelhere (Bragança Paulista)
-------------------
Antonio Miguel Cestari (Bragança Paulista)

O brilho do teu olhar
refletiu nos olhos meus.
Início do caminhar
unidos no Amor de Deus.

Pense em Deus, maior Amor
que criou o universo,
na singeleza do verso
que inspira neste louvor.

Deixe logo esse terror!
É o que todo mundo diz.
Viva em paz, em pleno amor.
Tenha uma vida feliz!
-----------------------------

Cida Moreira (Bragança Paulista)

Seu amor - e sou feliz!-
é o meu maior presente
pois tudo que sempre quis
é só te amar, simplesmente.


No mistério desse olhar
naveguei a minha vida
como um barco em alto-mar
sem jamais achar guarida.
-----------------

Flávio Rodrigues (Bragança Paulista)

Mágoa é desgosto, amargura,
paixão, descontentamento,
desagrado, dó, tortura,
tristeza...enfim, sofrimento!

Helena Walderez Scanferla (Bragança Paulista)

Sim! Desde que a vida existe
aqui na face da Terra,
só o amor é que subsiste
na palavra que encerra.

Tantos amores na vida
eu já tive com alegria;
hoje, esta vida bandida
levou-me tudo o que eu tinha.

Henriette Effenberger (Bragança Paulista)

Na grandeza do universo,
enxergo os olhos de Deus.
Na pequenez de meu verso,
mergulham os olhos teus...

O periquito atrevido
adivinhou meu desejo:
beleza, grana e um marido
no toque do realejo.

Joarez de Oliveira Preto (Bragança Paulista)

Sentei-me ali na varanda,
esperando, pode crer,
sem saber por onde anda
meu amor, meu bem-querer.

Olho da porta de entrada,
vejo pássaros voando.
Vi o ônibus na estrada,
mas não vi você chegando.

O ramalhete de flores
que preparei pra te dar;
não esqueças, se tu fores
pretendendo retornar.

No meu castelo de sonhos,
de rosas brancas cercado,
vejo teu rosto risonho,
paz e bem no teu reinado.

Fonte:
Colaboração de Lola Prata com o livro "Amor é..." - Trovadores da Seção Bragança Paulista
da União Brasileira de Trovadores - UBT - Novembro de 2010
Imagem = http://andreiamartins.blogspot.com

Roberto Pinheiro Acruche (Revista Trovas e Poemas n. 27)

Irmanemos nossas vidas
em comunhão generosa, tal como vivem unidas as pétalas de uma rosa! A. A. DE ASSIS – PR O namoro venturoso, curtido na mocidade, mudou de nome, o teimoso: hoje se chama SAUDADE! ADAMO PASQUARELLI-SP No quarto, vazio agora, nosso velho cobertor cobre as mentiras que outrora foram delírios de amor... ALBA CHRISTINA-SP Retorno à praça da infância: é o mesmo antigo jardim! Só eu mudei, na distância... Ah! Que saudade de mim! ALBA ELENA CORRÊA-RJ R Ninguém sabe, nesta lida, onde a surpresa é mais forte: se nos mistérios da vida ou nos segredos da morte! ALFREDO DE CASTRO - MG Não irá jamais embora quem deixou tanta amizade; a despedida de agora é presença na saudade. ALMIR PINTO DE AZEVEDO - RJ A natureza agredida não se defende e nem xinga, mas no decorrer da vida cedo ou tarde, ela se vinga AMILTON MACIEL MONTEIRO-SP Que lição de amor profundo aos homens legou Jesus, trocando os sonhos do mundo por três cravos e uma cruz! ANTÔNIO JURACI SIQUEIRA-PA O amor, para muita gente, é diversão perigosa. Quem não sabe ser prudente transforma em espinho a rosa. ARLENE LIMA-PR Se a vida é mera passagem por este plano somente, o preço desta viagem é a própria vida da gente. ARLINDO TADEU HAGEN-MG “Mamãe”, esse fato eu sei, é palavra de emoção: a primeira que falei, a maior no coração. CARLOS AUGUSTO S. DE ALENCAR-RJ Quando a penumbra descia, a nossa emoção vibrava, sonhando o que não dizia, dizendo o que nem sonhava!… CAROLINA RAMOS – SANTOS-SP Rosas fazem emergir o que os namorados sentem: os lábios podem mentir mas as rosas nunca mentem. CLÊNIO BORGES-ES Sei quando vais demorar... Mesmo assim, tudo ofereço: quem espera para amar paga ao tempo qualquer preço! CLENIR NEVES RIBEIRO – RJ Enganar que sou feliz é coisa inútil, porque meu sorriso triste diz quanto eu sofro sem você. CONCEIÇÃO A. C. DE ASSIS - MG Lança as mágoas ao passado Ao meu Deus peço um favor, bom presente para o mundo: Um saco cheio de amor, daqueles que não tem fundo! CRISTIANE BORGES BROTTO - PR Analisa a própria crença, veja a beleza da flor, sinta seu perfume e pensa: - A minha essência é o AMOR. DÁGMA VERÔNICA -MG Eu vejo Deus na magia dos versos simples que teço Deus é rima, amor, poesia, é fim, é meio, é começo! DELCY CANALLES-RS Apenas em quatro versos retrata-se uma emoção, através da trova imersos em realidade e ficção. DILMA RIBEIRO SUERO -RJ Teu olhar perpetuado numa saudade sem fim, é aquele espinho encravado que já faz parte de mim! DILVA MORAES-RJ Pela Maria da Penha, lei-justiça conquistada, quebro pau e queimo lenha mas, congraço a mulherada! DINAIR LEITE-PR Voltas… e eu acho tão triste a emoção de disfarçar, que, por mim, já que partiste, nem precisavas voltar… DIVENEI BOSELI - SP O nosso amor escondido, sem papel, sem aliança, tem o sabor proibido da fruta da vizinhança DOMITILA BORGES BELTRAME-SP ]Talvez porque a noite esconda sombras de amor... é que a Lua põe mais luz em sua ronda, quando ronda a minha rua! EDMAR JAPIASSÚ MAIA -RJ Na viagem da ilusão, pela tarde azul e morna, vivo a esperar na estação um trem que nunca retorna! EDUARDO A. O. TOLEDO-MG Nem mesmo a ilusão remenda, com seus fios de saudade, os velhos sonhos de renda que eu teci na mocidade! ELIZABETH S. CRUZ - RJ De armas, não precisaste. palavras brutais, somente... com elas apunhalaste meu coração, friamente! ESTER FIGUEIREDO–RJ È certo, é pura verdade, que se diz do casamento: Que só, se tem liberdade, com um mal comportamento! FABIANO WANDERLEY-RN Nos trigais do sentimento que contra o vento eu transponho, cozi o pão sem fermento no forno quente de um sonho. FRANCISCO JOSÉ PESSOA-CE Na rapidez da informática meu sonho dura um segundo, numa proposta automática: paz, ponto com, ponto mundo. FRANCISCO NEVES MACEDO-RN É pecado a idolatria mas eu te admiro tanto, que até me ajoelharia aos teus pés por teu encanto. GERALDO AMÂNCIO PEREIRA - CE Reconheço que acabou... Como tu, não lamentei. O que pensavas, não sou; e não és o que pensei... GILVAN CARNEIRO DA SILVA – RJ O mar é o mais doce amante pois não cansa de beijar, num lirismo alucinante, toda praia que encontrar! GISLAINE CANALES - SC Dupla festa eu preconizo, para noites de luar: A festa do teu sorriso, na festa do meu olhar!... HERMOCLYDES S. FRANCO-RJ As flores fito uma a uma, e mais que eu nelas repare, em beleza não há nenhuma que contigo se compare! HUMBERTO RODRIGUES NETO –SP Responde, ó Deus, pela mão que podes ver, calejada: -- por que há de ter tanto chão quem nele não planta nada? JAIME PINA DA SILVEIRA-SP Tua ausência, mãe querida, o bom filho nunca esquece… És o amor de Deus, és vida: - Tu és a mais linda prece! JOAMIR MEDEIROS-RN Não me assusta a alta montanha. Firme eu empreendo a escalada... Com a fé que me acompanha, só vejo flores na estrada. JOÃO COSTA-RJ Mãe, se dor fosse julgada, não sei qual a mais doída: se a que te dei na chegada, se a que me dás na partida... JOSÉ FABIANO –MG Tanto mal nós infligimos Em todos que bem nos queira, E o perdão que lhes pedimos É uma nuvem passageira. JOSÉ FELDMAN – PR O cego, com dedos certos, tange a sanfona dorida, e eu, com dois olhos abertos, erro nas teclas da vida. JOSÉ LUCAS DE BARROS - RN Zelar pela natureza, eis aí nossa missão. Deus fez tudo com grandeza, pra nossa sustentação. JOSÉ MOREIRA MONTEIRO-RJ Se a sorte não me convida, teimoso, forças concentro e entro na festa da vida como "penetra"... mas entro!... JOSÉ TAVARES DE LIMA-MG Falassem os arvoredos... e o mundo iria corar ante os milhões de segredos que o vento deixa, ao passar!... MARIA MADALENA FERREIRA-RJ Às vezes, na despedida, num simples modo de olhar se diz o que em toda a vida ninguém ousa revelar. MARIA NASC. SANTOS CARVALHO-RJ Representando paixão na alvura de seu buquê, tem no centro o coração, o gerânio que se vê! MARILENE BUENO– RS Falaste em breve regresso: marcaste mês, dia e horário. Mas a saudade que eu meço é maior que o calendário! MARINA BRUNA - SP Minhas trovas são singelas, sem marcas nem pedantismo, pois eu faço, assim, com elas, arautos do romantismo. MAURÍCIO NORBERTO FRIEDRICH-PR Se a saudade não consegue destruir meu dia a dia, quero, ao menos, que carregue esse tédio, essa agonia! MESSODY RAMIRO BENOLIEL- RJ Jamais ficarei passiva ante a luz do teu olhar; há muito já sou cativa deste teu jeito de amar! MIFORI-SP Sobreviver é uma arte. É driblar a natureza, tendo a fé como estandarte e Deus como fortaleza. MYRTHES MAZZA MASIERO-SP A paz, numa sociedade, entre tantas coisas boas, só depende, na verdade, da consciência das pessoas. NEI GARCEZ-PR Tenho orgulho do que faço; se é feito com perfeição. Mas aceito meu fracasso se não tiver solução. NEIVA FERNANDES-RJ No rodeio do existir, peço a Deus, a todo instante, que eu não caia e, se cair, com mais força me levante. NEWTON VIEIRA -MG Nada mais embriagador no arrepio das ternuras que escutar juras de amor mesmo que sejam perjuras. NILTON MANOEL-SP A chuva benze a semente, que o homem planta no chão; e Deus permite que a gente transforme o trigo no pão. OLGA AGULHON – PR A ciência que eu rejeito é a que tem a insensatez de explicar o que foi feito e afirmar que ninguém fez! PEDRO ORNELLAS - SP Teu amor que me enternece, que acaba todo meu pranto, da sobra faço uma prece, e ainda sobra outro tanto. PROFESSOR GARCIA-RN Não deixe que se enraíze A mágoa no coração; Antes mesmo a cauterize, Bom remédio é o perdão. RAYMUNDO SALLES BRASIL-BA Esses teus mágicos olhos, quando me fitam assim, são carícias ou escolhos do naufrágio que houve em mim? RENATO ALVES - RJ O mais sublime recado, veio de longe... do céu... Sendo a Maria, levado, pelo Arcanjo Gabriel. ROBERTO PINHEIRO ACRUCHE - RJ Na ansiedade das demoras, quando chegas e me encantas, mesmo sendo às tantas horas, as horas já não são tantas… RODOLPHO ABBUD - RJ O belo na juventude traz orgulho, por costume. Mas beleza sem virtude é qual rosa sem perfume... RUTH FARAH NACIF-RJ Nas cartas, sê verdadeiro! Cuida bem tudo o que dizes: pois cartas são travesseiro nas noites dos infelizes. SELMA PATTI SPINELLI/SP A rua não sabe quando, mas lembra, do início ao fim, o quanto a pisei buscando quem tanto pisava em mim!... SÉRGIO BERNARDO-RJ Paguei tanto pelo engano, pelo mito que criei, pois foste apenas tirano, e eu te escolhi por meu rei! TEREZA COSTA VAL – MG Da vida o imenso valor pode estar num… quase nada! Como ver brotar a flor entre as fendas da calçada. VANDA FAGUNDES QUEIROZ-PR Meu jogo, audaz e exigente, encara a carta que der, mas com você, frente a frente... jogo charme de mulher! VÂNIA MARIA SOUZA ENNES-PR O teu silêncio me afronta; nem breve mensagem veio, mas meu amor faz de conta que a culpa é só do correio. WANDA DE PAULA MOURTHÉ-MG As nuvens choraram tanto, que o sol compensa o escarcéu, tecendo com doce encanto mais sete cores no céu! WANDIRA F. QUEIROZ – PR ============= Dorothy Jansson Moretti-SP S O L Hoje estás escondido. Olhando para fora, em meio à névoa densa, em vão eu te procuro. Que falta fazes quando, ao se esboçar a aurora, vejo o céu carrancudo e tão cinzento e escuro! És tu que trazes vida, a ausência eu te censuro. Sem ti sofre a semente a emergir para a flora, falta a luz dos teus raios ao trigo maduro, esmaecem os tons quando te vais embora. De repente, através de uma nesga apareces... Com que força vital a alma da gente aqueces e afastas tão depressa as nuvens de tristeza! És dono do universo, a nada te comparas; e ao sentir teu calor reconfortando as searas, feliz volta a sorrir, de novo, a Natureza! Roberto Pinheiro Acruche CONFIDÊNCIAS AO LUAR Lua, mística e de rara beleza inspiradora dos enamorados, assistente de segredos guardados... confessados a vossa realeza! Qual trovador não vos citou um verso encantado com a luz prateada ou caminhando pela madrugada, ainda que, em estado adverso? Crendo em vossa majestade, confesso, que vos prestei versos e confidência... recitei poemas com eloquência... -Sorvido por grande amor, nele imerso, perdido de paixão neste universo... condenado... venho pedir, clemência! Pierre Acruche Nunes Ó Filha! Mal sabes o quanto tensos e intensos foram seus primeiros momentos nosso primeiro encontro Preocupação imatura, sim ansiosa aflição logo dissipada após ver-te linda, forte e sã O privilégio de antes conhecer-te ora furtado de sua Mãe compesa-la-emos por toda a vida pelo nobre ato maternal Seu rostinho inchado seu choro contido seu susto latente sua alma bem vinda - Quem diria, heim, papai ? Diria, sim, o experiente o mais íntimo amigo ou parente que a chegada de uma criança desmonta o pétreo coração infla a vida de esperança me faz dedicado e zeloso guardião. Seu Pai. Roberto Pinheiro Acruche PECANTE Não importa o quanto pecas. O que eu quero é sentir o teu calor, o inebriante perfume do teu corpo, passear por toda extensão de tuas curvas. Não importa o quanto pecas. É irresistível a tua beleza, o sabor dos teus lábios, o brilho dos teus olhos. Tu és divina Perfeita Uma obra de arte Doçura. Não importa o quanto pecas.
UNIÃO BRASILEIRA DE TROVADORES Delegacia de São Francisco de Itabapoana- RJ II JOGOS FLORAIS DE SÃO FRANCISCO DE ITABAPOANA REGULAMENTO 1-Concurso Nacional Tema: CRIANÇA- Trovas líricas e/ou filosóficas 2-Concurso Estadual Tema: VENTO - Trovas líricas e/ou filosóficas PULGA – Trovas humorísticas ENDEREÇO PARA REMESSA II JOGOS FLORAIS DE SÃO FRANCISCO DE ITABAPOANA A/C de Roberto Pinheiro Acruche Caixa Postal 123.192 São Francisco de Itabapoana- RJ CEP – 28.230-000 3-Sistema de Envelopes A trova deverá ser escrita num envelope pequeno em cujo interior estarão nome e endereço completo do remetente, telefone e e-mail (se tiver). Esse envelope deverá ser lacrado e colocado num envelope maior com o endereço para remessa. Como remetente, repetir no verso o endereço com o nome de Luiz Otávio. Data limite de entrega – 31 de maio de 2011. Valendo a data da postagem. Limite de 3 (três) trovas por tema. É obrigado constar a palavra-tema na trova OUTROS CONCURSOS EM ANDAMENTO Jogos Florais Ac. de Letras e Artes de Cambuci- até 31.05.2011 XLI Jogos Florais de Niterói - até 31-05-2011 VII Concurso de Trovas de Maranguape/CE - até 31.05.2011 Jogos Florais de Cantagalo-RJ até 31.05.2011 VII Concurso Maranguape/CE - até 31.05.2011 VII Concurso Academia Mageense de Letras - até 01.06.2011 XV Jogos Florais de Porto Alegre - até 30.06.2011 X Concurso de Trovas do CTS - Caicó - até 30.06 XXXI Concurso de Trovas da ATRN - 2011- até 30.06 Concursos de Trovas de Taubaté - até 30.06.2011 NOITE DE AUTÓGRAFOS Foi extremamente concorrida e prestigiada a solenidade de lançamento do Livro “O Mangue da Moça Bonita” de autoria de Roberto Pinheiro Acruche. O espaço da Câmara Municipal de São Franciscode Itabapoana-RJ ficou pequeno para abrigar as inúmeras autoridades, poetas, acadêmicos, professores e membros da sociedade sanfranciscana. ALCANÇOU ENORME SUCESSO A SOLENIDADE REALIZADA PELO CONGRESSO DA SOCIEDADE DE CULTURA LATINA – SEÇÃO BRASIL PARA PREMIAÇÃO DOS MELHORES DE 2010
Roberto P. Acruche MARIA Maria Mãe Maria Mulher Maria Santa Maria de Nazaré De Ti nasceu o Jesus menino De Ti nasceu o Salvador De Ti nasceu o Nazareno De Ti nasceu o Redentor Contigo nasceu o Cristianismo Sofreste com a crucificação Deste o fruto do Amor Jubilou-se com a ressurreição. Maria Mãe Amantíssima Maria Mãe Venerada Maria Mãe de Deus Maria Mãe Adorada Aos Vossos pés levo a prece Pedindo-lhe graças e proteção Mãe de misericórdia me proteja Purifique o meu coração.
Fonte: Colaboração de Roberto Pinheiro Acruche

Monteiro Lobato (Histórias de Tia Nastácia) XXIII - O Macaco e o Aluá


Um macaco, uma vez quis fazer aluá, mas estando sem dinheiro para comprar milho...

Narizinho interrompeu-a:

— Que história de alua é essa?

— É uma petisqueira lá do Norte, que se faz de milho. Mas o macaco, que não tinha dinheiro para comprar milho, armou um plano. Foi à casa do galo, onde comprou um litro de milho para pagar em tal dia e tal hora. Foi à casa da raposa, onde comprou outro litro para pagar a tal dia e tal hora — e marcou uma hora,, meia hora depois da hora marcada para o galo. Depois foi à casa do cachorro, onde comprou outro litro de milho para pagar meia hora depois da hora marcada para o pagamento à raposa. E na casa da onça comprou outro litro de milho para pagar meia hora depois da hora marcada para o pagamento ao cachorro.

E muito contente da vida com os quatro litros de milho arranjados a crédito, o nosso macaquinho foi para casa fazer uma porção de alua, que guardou num pote. Depois armou um jirau bem alto e deitou-se em cima, de cabeça amarrada com um pano, como quem está com dor de dente.

Na hora do primeiro pagamento apareceu o galo.

— Então, que é isso macaco? Doente assim?

— Estou que não posso comigo de tanta dor de dente — respondeu o macaco. — Abanque-se e sirva-se do alua aí do pote.

O galo sentou-se e começou a servir-se do alua. Nisto apareceu lá no terreiro a raposa, que vinha cobrar o litro de milho vendido. O galo ficou com a crista branca de medo.

— Não se assuste, compadre — disse o macaco. — Esconda-se ali no cantinho.

O galo foi e escondeu-se. Entra a raposa. O macaco, depois de contar a sua doença, manda a raposa servir-se de alua.

— Coma, coma, comadre, que está ótimo. O compadre galo já se regalou.

— Quê? — exclamou a raposa. — O galo andou por aqui?

— Ali está ele! — disse o macaco, apontando para o cantinho onde o pobre galo se escondera.

E a raposa foi e comeu o galo. Nisto apontou no terreiro o cachorro. A raposa tremendo de medo, escondeu-se num canto. O cachorro entrou, muito amável.

— Pois é — disse o macaco — estou tão doente que nem posso descer da cama. Mas vá se servindo de alua, compadre cachorro. Está muito bom. A raposa comeu de lamber os beiços.

— Quê? A raposa esteve aqui?

— Não esteve, está! — respondeu o macaco, e apontou para o canto onde a pobre raposa se escondera.

E o cachorro foi e comeu a raposa. Nisto apontou a onça no terreiro. Entrou. Soube da doença do macaco, e também, a convite dele, se serviu do alua.

— Coma, comadre. O cachorro disse que está da pontinha.

— Quê? Esteve o cachorro por aqui? O macaco piscou, apontando o cantinho onde estava escondido o pobre cachorro e a onça foi e comeu o cachorro.

— Bem, macaco — disse ela depois da festança. — Vamos agora ajustar nossas contas. Quero receber o dinheiro do meu milho.

— É boa! — exclamou o macaco. — Pois então a comadre entra aqui, serve-se do meu alua, come um cachorro que tinha comido uma raposa que tinha comido um galo, e ainda tem coragem de querer receber o dinheiro dum litro de milho cheio de caruncho?

A onça, furiosa, deu um pulo para pegar o macaco; mas este saltou do jirau para cima duma árvore e ficou a rir-se da lograda.

— Deixe estar, macaco, que você me paga! — rosnou ela, e lá se foi ruminando a vingança. Chamou as outras onças e combinou que ficariam tomando conta do riozinho que havia ali, de maneira que o macaco não pudesse beber.

O macaco ficou atrapalhadíssimo. A sede veio, e sede é coisa que nenhum animal agüenta. Como fazer? Nisto viu uma cabaça de mel. Teve uma lembrança. Lambuzou-se de mel e rolou sobre um monte de folhas secas ficando transformado no Bicho-Folhagem, que ninguém sabia o que era. E lá se foi para o riozinho, beber água.

Bebeu, bebeu à vontade, bem na vista das onças, que olhavam para aquilo com rugas na testa. Depois de bem saciada a sede, sacudiu-se das folhas e dum pulo alcançou um galho de árvore, gritando para as onças desapontadíssimas: "Piticau! Piticau!..."

— Deixa estar que você me paga! — disse a onça, e pôs-se a imaginar outro meio de pegar o macaco. Abriu um grande buraco, entrou dentro e deitou-se de costas, ficando com a boca arreganhada, como armadilha; e pediu às outras que a cobrissem de folhas secas para que o macaco não desconfiasse.

O macaco veio vindo. Mas ao ver aqueles dentes arreganhados no meio das folhas secas, desconfiou.

— Chão com dentes? Está aqui uma coisa que nunca imaginei. Mas dente de chão há de gostar de comer pedra — e, zás! jogou uma grande pedra dentro da boca da onça.

A onça morreu engasgada e o macaco lá se foi, muito satisfeito da vida.
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— Ora até que enfim apareceu um macaco esperto! — exclamou Narizinho. — Esse era dos tais de circo, como dizem, mais matreiro que uma raposa.

— A história deve estar errada — disse Emília. — Em vez de macaco devia ser uma raposa. Só as raposas têm idéias assim. Mas gostei. Está bem arrumadinha. Grau dez.

— Notem — disse dona Benta — que a maioria das histórias revelam sempre uma coisa: o valor da esperteza. Seja o Pequeno Polegar, seja a raposa, seja um macaco como este do alua, o esperto sai sempre vencedor. A força bruta acaba perdendo — e isto é uma das lições da vida.

— Já observei esse ponto, vovó — disse Pedrinho. — Todas as histórias frisam uma coisa só — a luta entre a inteligência e a força bruta. A inteligência não tem muque, mas tem uma sagacidade que no fim derruba o muque.

— E a gente quer que seja assim — disse Emília. — Se vier um conto em que a força bruta derrota a inteligência, os ouvidores são até capazes de dar uma sova no contador.

— E a história perderia completamente a graça — disse Narizinho. — Que graça tem, por exemplo, que um touro vença uma lebre? Ne-nhumíssima. Mas quando uma lebre vence um touro, a gente, sem querer, goza.

— Por isso vivo eu dizendo que a esperteza é tudo na vida — gritou a boneca. — Se eu tivesse um filho, só lhe dava um conselho: Seja esperto, Emilinho!
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Continua… XIX – O Macaco, a Onça e o Veado
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Aparecido Raimundo de Souza. (O Sósia)


- Oi, Aninha, é você?

- Quem está falando?

- Sou eu, Rafael.

- Ummmmmm! Com essa voz?

- Qual é Aninha? Ta me estranhando?

- Claro que não.

- Então. Vamos sair?

- Calma. Muita hora nessa calma. É você mesmo?

- Três meses de namoro e ainda tem duvida amor?

- Você nunca me chamou de amor. Começa por ai...

- Por isso mesmo. Resolvi fazer a partir de agora tudo o que você gosta e lhe agrada.

- Nossa, que mudança repentina. E a que devo tal honra?

- Ao amor que sinto por você.

- Muito esquisito!

- O que é esquisito, amor?

- Sua mudança de comportamento sem mais nem menos. Quando o santo é demais a esmola desconfia.

- Bobagem, minha princesa. Alguém deve estar botando minhoca na sua cabeça.

- Ninguém bota nada na minha cabeça. Principalmente minhoca.

- Não é o que tem chegado aos meus ouvidos. Suas amigas...

-... Qual delas, exatamente?

- Eliza.

- O que tem contra ela?

- Eu, nada. Só não gosto do que fala a meu respeito.

- Aí é que está, meu caro. Ela não fala. Nem sabe que você existe.

- Não é o que chegou ao meu conhecimento.

- Chegou ao seu conhecimento? Por quem?

- Um passarinho cor de rosa cantou na minha janela.

- Passarinho? Não sabia que gostava.

- Não gosto. Você sabe disso. Escuta amor da minha vida: não acredito que vamos começar a brigar por pouca bobagem. Por favor, me poupe.

- Não é bobagem. A coisa é séria. Você liga pra minha casa, diz que é meu namorado e me pede para sair com você. Hoje em dia... Do jeito que as coisas andam. Sem falar nessa sua voz parecendo de taquara rachada...

- Para com isso, minha linda. Taquara rachada? De onde tirou essa comparação? Resolveu tirar o dia pra me sacanear. Ta legal conseguiu. Um a zero pra você. Agora posso passar ai e te pegar?

- Você não é o Rafael.

- Pelo amor de Deus, Aninha. Não é hora pra brincadeiras.

- Sua voz. Há algo de errado com ela.

- Meu Deus! O que há com a minha voz?

- Não é a do meu namorado.

- Estou rouco. Lembra que falei pra você que estava com uma tosse danada, o nariz escorrendo, garganta inflamada?

- Mas isso já faz bem uns quinze dias.

- Em que planeta você está, Aninha. Na ultima vez que nos encontramos ainda me pediu para parar de tomar banho frio.

- E quando foi?

- Quarta passada. Ou seja, uma semana hoje.

- E onde você se meteu desde a última vez em que nos encontramos?

- Viajando, amor. Você não sabe que eu vivo viajando?

- Pra onde mesmo?

- São Paulo.

- Ué! Você não me ligou ontem de Belo Horizonte?

- Sim, liguei, mas você sabe que não paro muito tempo num lugar só.

- Tudo bem. Deixo você vir me buscar...

-... Legal. Passo ai em meia hora. Esteja pronta.

- Calma, meu caro. Pra que a pressa? Devagar com o barro que o andor é de santo.

- Xiiiiii! Aninha não estou a fim de brincar. Tive uma semana chata.

- Não estou brincando. Falo sério.

- Então se apronta.

- Primeiro me prove que você é o Rafael.

- Tá legal. Você quer brincar? Pois bem. Vou entrar na sua.

- Pensei que já tivesse...

- Modo de falar.

- Pois bem. Você não é o Rafael.

- Sou.

- Vou te provar que não.

- Vou te provar que sim.

- Tente. Se realmente for, pode passar aqui e me buscar. Estarei pronta, a sua espera, cheia de amor e carinho pra dar.

- Aninha, não sei qual é a sua, ou o que andaram te falando. Mas tudo bem. Vou fazer seu jogo.

- Então vamos jogar. No final terá que ter me convencido de que realmente é o Rafael.

- Certo. Concordo. Provar que sou seu namorado é a coisa mais fácil deste mundo.

- Não é provar que é meu namorado. Vai ter que provar que é o Rafael.

- Que seja. A ordem dos fatores não altera o produto. Eu sempre digo essa frase. Está lembrada?

- Claro que estou.

- Então. Pode começar seu jogo.

- Na verdade, Rafael, ele já está em andamento. Agora você precisa de um fator mais sério e talvez o mais importante desta conversa toda: ser o ganhador.

– Não me faça rir, Aninha.

- Quem ri por melhor, ri por último.

- Engraçadinha.

- Onde foi nosso primeiro encontro?

- Em frente a farmácia do seu Alcides

- Essa foi fácil. O bairro inteiro sabe. Quem me apresentou a você?

- A sua amiga Heliodora.

- Barbada.

- Então. Posso ir até sua casa te buscar?

- Não me lembro de ter marcado nada com você.

Ademais hoje estou...

- Estudando para a prova de sábado. Viu? Sou eu ou não sou, Aninha.

- Que eu estou estudando pra prova toda galera que convive comigo também sabe. Até aquele cachorro sarnento que fica ali na esquina.

- Amor, qual é! Resolveu me tirar?

- Não, resolvi te tirar?

- Me tirar?

- Não. Eu disse te tirar.

- Como assim, me tirar? O que é me tirar?

- Não é me tirar, é te tirar.

- Diabo, Aninha e o que é me... Digo te tirar?

- Te tirar do meu caminho.

Fonte:
http://www.paralerepensar.com.br/aparecidoraimundo_osocia.htm

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 200)


Uma Trova Nacional

Após busca pertinaz,Alinhar ao centrodescobri, um dia, a esmo:
- Só hei de encontrar a paz
na renúncia de mim mesmo!
–LUIZ ANTONIO CARDOSO/SP–

Uma Trova Potiguar

Quando eu não fizer mais trova
numa noite enluarada,
podem cavar minha cova,
que estarei no fim da estrada!
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Uma Trova Premiada

1998 - Bandeirantes/PR
Tema: PODER - Venc.

Do poder tens o infinito,
à fortuna tens direito,
mas não sufoques o grito
do amor que vive em teu peito...
–MÍLTON NUNES LOUREIRO/RJ–

...E Suas Trovas Ficaram

Os laços indestrutíveis,
que reúnem corações,
são, geralmente, invisíveis:
nascem só das emoções!
–MARIINHA MOTA/SP–

Simplesmente Poesia

–CARLOS DRUMMOND DE ANDRADEMG–
Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que
lindas,
essas ficarão.

Estrofe do Dia

Aqui por estas areias
Já correram muitos pés...
Estalaram muitos arcos,
Vibraram muitos borés...
Estes garbosos coqueiros
São fantasmas de guerreiros
Que o tempo não quis matar!
Estas palmeiras delgadas
São índias apaixonadas
Por homens brancos do mar!
–ROGACIANO LEITE/PE–

Soneto do Dia

–FRANCISCO MACEDO/RN–
Água

A vida nasceu fazendo parceria
com a água, e, dela fez-se dependente.
Ação, relação, no Meio Ambiente,
que canto e decanto na minha poesia.

Esta água que bebo também te sacia,
no rio que passa, veloz, transparente,
ou mesmo na fonte, tão doce e tão fria,
é a vida real, nesta vida da gente.

Presente de Deus, ele é minha, ela é sua...
Conserve-a, proteja-a, favor não polua,
nós temos desta água, três terços em nós.

Que seja meu verso o maior mutirão,
minha arma é meu “grito de alerta” e de ação,
e as balas que tenho é só minha voz!…

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Santana do Matos, município no estado do Rio Grande do Norte (Brasil), localizado na microrregião da Serra de Santana. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no ano 2007 sua população era estimada em 14.312 habitantes. Área territorial de 1.420 km².

No Município de Santana se encontram dois sítios arqueológicos registrados pelo IPHAN nos quais se preservam pinturas rupestres deixadas pelos habitantes da região (paleoameríndios) no período pré-colonial. Localizam-se a sudeste do Serrote dos Cablocos.

Características geográficas

Área 1.420,313 km²
População 14.312 hab. est. 2007
Densidade 12,1 hab./km²

O Município de Santana do Matos, foi fundado a partir de uma fazenda de nome Bom Bocadinho, de propriedade do português Manoel José de Matos, onde teve início um povoado com o nome de Santana do Pé da Serra e por ter sido iniciada nas proximidades de uma capela construída em homenagem a Nossa Senhora de Santana , o povoado passou posteriormente a ser chamado de Santana do Matos, num vínculo direto com a capela que lhe deu origem.

Com o desenvolvimento do povoado criou-se o distrito por alvará em 13 de agosto de 1831. Em virtude da resolução Provincial no 9 de 13 de outubro de 1836, foi criado o Município com a denominação de Santana do Matos, em território desmembrado do município de Açu. Mas, outra lei de 07 de março de 1853, extinguiu o município de Santana do Matos e tudo voltou na estaca zero, passando a ser dependente de Açu novamente.

Somente em 06 de agosto de 1855, depois de muitas lutas políticas aconteceu a Emancipação Política do nosso município através da lei no 314, oriunda do deputado Manoel de Melo Montenegro Pessoa, e sancionada pelo presidente da província Antônio Bernardo de Passos. A referida lei restaura definitivamente o município de Santana do Matos. E a partir de 05 de setembro de 1855 começa a funcionar a Câmara de vereadores de Santana do Matos, prova do governo próprio sem depender de qualquer outro município.

Limitando-se ao Norte com os municípios: Angicos, Itajá, Fernando Pedrosa; ao Sul com: São Vicente, Florânia, Tenente Laurentino Cruz, Lagoa Nova; ao Leste com: Bodó, Cerro-Corá; ao Oeste com: São Rafael e Jucurutu. Distante 218 km da capital do estado do Rio Grande do norte (Natal) e 190 km de Mossoró RN.

Ponto Turistico:

Sítios Arqueológicos
Santana do Matos é o município com o maior número de sítio arqueológicos registrados no nosso Estado. São mais de 80 sítios repletos de pinturas rupestres, feitas em sua maioria com ocre, uma argila de coloração avermelhada devido à presença de óxido de ferro. Outros resquícios da presença de povos pré-históricos na região são ossadas humanas e utensílios da pedra polida e lascada encontrados nestes sítios.

Os sítios arqueológicos estão espalhados por toda região de Santana do Matos. Alguns são de fácil acesso, podendo-se chegar de carro até o local. Outros estão localizados em lugares de mais difícil acesso. Para chegar até eles, é preciso percorrer um longo caminho a pé. Um destes sítios fica no alto da Serra do Basso, onde há uma loca repleta de pinturas rupestres.

A trilha que leva ao topo da serra é um atrativo à parte. É uma prazerosa caminhada passando por rios, plantações, casas típicas da zona rural e ainda por lajedos repletos de rochas arredondadas e com outros formatos curiosos. No alto da serra, o visual é de tirar o fôlego. Não é difícil encontrar no caminho lascas de sílex, um tipo de pedra cujos pedaços foram usados como ferramenta de corte pelos povos pré-históricos.

Fontes:
Colaboração de Ademar Macedo
Santana do Matos
http://wikimapia.org/7814002/pt/Santana-de-Matos-Rio-Grande-do-Norte-Brasil
http://www.vivaviver.com.br/viagens/rn_pre_historico_conheca_santana_do_matos/973/

Moacyr Scliar (A Volta do Filho Pródigo)


"Cerca de 30 mil crianças e adolescentes fogem todo ano no Brasil. Oitenta por cento voltam para casa. Dificuldades com a família e busca de independência são as causas mais freqüentes das fugas. A volta é acompanhada de arrependimento". Folhateen, 28.mar.2005

Meus pais não me compreendem, ele pensava sempre. As brigas, em casa, eram freqüentes. Os pais reclamavam do som muito alto, das roupas estranhas, das tatuagens. Revoltado, decidiu fugir de casa. Sabia que, para seus velhos, aquilo seria uma dura prova: afinal, ele era filho único. Mas estava na hora de mostrar que não era mais criança. Estava na hora de dar a eles uma lição. Botou algumas coisas na mochila e, uma madrugada, deixou o apartamento. Tomou um ônibus e foi para uma cidade distante, onde tinha amigos.

Ali ficou por vários meses. Não foi uma experiência gratificante, longe disso. Os amigos só o ajudaram na primeira semana. Depois disso ficou entregue à própria sorte. Teve de trabalhar como ajudante de cozinha, morava num barraco, foi assaltado várias vezes, até fome passou. Finalmente resolveu voltar. Mandou um e-mail, dizendo que estaria em casa daí a dois dias. E, lembrando que a mãe era uma grande leitora da Bíblia, assinou-se como "Filho Pródigo".

Chegou de noite, cansado, e foi direto para o prédio onde morava. Como já não tinha chave do apartamento, bateu à porta. E aí a surpresa, a terrível surpresa.
O homem que estava ali não era seu pai. Na verdade, ele nem sequer o conhecia. Mas o simpático senhor sabia quem era ele: você deve ser o Fábio, disse, e convidou-o a entrar. Explicou que tinha comprado o apartamento em uma imobiliária:

- Seus pais não moram mais aqui. Eles se separaram.

A causa da separação tinha sido exatamente a fuga do Fábio:

- Depois que você foi embora, eles começaram a brigar, um responsabilizando o outro por sua fuga. Terminaram se separando. Seu pai foi para o exterior. De sua mãe, não sei. Parece que também mudou de cidade, mas não sei qual.

Fábio não agüentou mais: caiu em prantos. O homem se aproximou dele, abraçou-o. Entre aqui no seu antigo quarto, disse, tenho uma coisa para lhe mostrar. Ainda soluçando, Fábio entrou. E ali estavam, claro, o pai e a mãe, ambos rindo e chorando ao mesmo tempo. Tinha sido tudo uma encenação. Abraçaram-se, Fábio jurando que nunca mais sairia de casa.

A verdade, porém, é que não gostou da brincadeira, mesmo que ela tenha lhe ensinado muita coisa. Os pais, ele acha, não podiam ter feito aquilo. Se fizeram, é por uma única razão: não o compreendem. Um dia, ele terá de sair de casa. Mais tarde, naturalmente, quando for homem, quando tiver sua própria casa. Só que aí levará os pais junto. Pais travessos como os que ele tem precisam ser controlados.

Fontes:
Escritores do Sul
Imagem = http://mqccpinhais.blogspot.com

Monteiro Lobato (Histórias de Tia Nastácia) XXII – O Macaco e o Coelho


Um macaco e um coelho fizeram a combinação de um matar as borboletas e outro matar as cobras. Logo depois o coelho dormiu. O macaco veio e puxou--lhe as orelhas.

— Que é isso? — gritou o coelho, acordando dum pulo.

O macaco deu uma risada.

— Ah, ah! Pensei que fossem duas borboletas...

O coelho danou com a brincadeira e disse lá consigo: "Espere que te curo."

Logo depois o macaco se sentou numa pedra para comer uma banana. O coelho veio por trás, com um pau, e lept! — pregou-lhe uma grande paulada no rabo.

O macaco deu um berro, pulando para cima duma árvore, a gemer.

— Desculpe, amigo — disse lá debaixo o coelho. — Vi aquele rabo torcidinho em cima da pedra e pensei que fosse cobra.

Foi desde aí que o coelho, de medo do macaco vingar-se, passou a morar em buracos.
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— Bravos! — exclamou Emília. — Gostei da historinha. Vale por todas as outras que tia Nastácia contou. Está bem engraçada. Viva o coelho!

— E também nesta o macaco sai levando na cabeça — observou Narizinho. — O coelho, que é um coitado, mostrou-se mais inteligente.

— Por que mais inteligente? — contestou o menino. — Mostrou-se, sim, mais mau, porque o macaco apenas lhe puxou as orelhas e ele moeu o rabo do macaco.

— A inteligência do coelho veio depois — disse Narizinho — quando tratou de morar em buraco para livrar-se da vingança do macaco.

— Pois é — observou Emília. — Apesar da sua fama de inteligente e esperto, e de avô do homem, o macaco, pelo menos nas histórias, nem sempre fica de cima.

— Vocês precisam ler — disse dona Benta — as histórias de macacos que Rudyard Kipling conta naquele livro de Mowgli, o Menino Lobo. Esses macacos de Kipling são os Bandarlogs, nome de certos macacos da Índia. Os outros animais os desprezam, por causa da sua leviandade, da sua falta de seriedade, das suas molecagens. São uns perfeitos louquinhos, os macacos.

— Até parecem homens — disse Emília, que fazia muito pouco caso nos homens.

— Macaco é bobo — disse tia Nastácia — mas às vezes acerta a mão e sai ganhando — como aquele que logrou a onça.

— Conte, conte, pediram os meninos.
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Continua… XXIII – O Macaco e o Aluá
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source

Lucia Constantino (Nossa Senhora dos Sonhos)


Maria,
Há quanto tempo olho as nuvens,
esperando ver-Te numa estrela despertada
em pleno dia.

Há quanto tempo
deixei de contar ao sol os meus sonhos
porque a chuva sempre me surpreende
a caminho do Teu olhar.

Há noites, Maria,
em que penso ouvir Tua voz
na harpa que o vento toca nas ramagens
e meus ouvidos assemelham-se à terra
aguardando a semente que gerará a primavera.

Maria, Maria....
um a um os anjos me dizem de Ti
quando mal distingo as luzes do dia
entre as brumas dos meus olhos.
Vejo-os brincarem ao nascer de cada dia,
vejo-os rolarem pela grama e latirem para mim
seu bom dia de amor.

Eles me dizem de Ti
em cada pétala que o vento leva,
em cada pássaro que me sorri
do beiral do mundo, me dizendo
estou aqui esperando a chuva passar
para cumprir a vida.

Maria,
Mãe de todas as cores
do arco-íris por onde caminham os sonhos,
da Tua luz sobre a noite mais brilhante,
doa-me o sentir cada novo dia
como aquela Tua Noite de Paz.

Batista de Lima (O Demolidor de Mitos)


A poesia do Poeta de Meia-Tigela se alicerça sobre os escombros da mitologia que lhe incutiram ao longo dos anos, mas que ele preferiu escarafunchar nesse seu mais recente livro. O livro tem como título "Concerto nº 1nico em mim maior para palavra e orquestra. Poema". Ainda tem um subtítulo "Combinação de realidades puramente imaginárias". Fica assim o leitor, logo de início, encafifado com essa volúpia verbal que parece não dizer nada mas termina por dizer tudo.

O primeiro mito que ele destrói é o seu próprio nome sacralizado na pia batismal e referendado no cartório de registro civil. Como não foi nome da sua escolha, ele então mudou para Poeta de Meia-Tigela. Só há um momento do livro em que aparece seu nome oficial: Alves de Aquino.

Mesmo assim, o primeiro não aparece. Após esse desfazimento da veste antiga, ele começa fustigando Shakespeare no seu "Sonho de uma noite de verão", e tange Dante das profundas dos infernos às delícias do paraíso no mesmo itinerário do poeta Virgílio no momento do seu resgate. Isso tudo levando a tiracolo Antônio Conselheiro e a procissão de seus beatos. E pode não ser nada disso, mas sugere.

Meia Tigela é um poeta semiótico. E quem não é? Mas no caso dele os signos verbais são transformados em não verbais através da desconstrução que opera sobre metáforas cansadas de tanto uso. Ele dilapida conteúdos, destrói fórmulas e endoida leitores.

Não é bobo, no entanto, esse poeta de tigela e meia. Chamou logo para prefaciar seu livro o professor Sânzio de Azevedo, maior conhecedor da Literatura Cearense e exímio desmontador de formas e fórmulas poéticas. Por isso que o professor Sânzio ficou "Antes dos Versos", diante da parafernália literária que Tigela derramou ao longo das 343 páginas do livro que a Expressão Gráfica Editora teve coragem de editar. Afinal, nem Osman Lins tanto ousou.

Para posfaciar esse seu libelo poético, ele conseguiu a adesão de Nilto Maciel, guru dessa mais recente geração de escritores cearenses. Nilto o classifica, acertadamente, logo no título, de "Vampiro". Depois verifica que para ler esse "Concerto" é preciso participar da brincadeira, do jogo que o poeta instaura. Para entrar nesse jogo é preciso entender de brinquedos verbais. Nesse comportamento lúdico, Nilto Maciel, diferentemente de Sânzio de Azevedo, deixou de lado a forma para mergulhar no conteúdo, fez muito mais uma análise no nível da metáfora. É aí que constatamos, como diz o crítico, que essa desconstrução tigeleana começa da mitologia grega e vem ao horóscopo dos jornais atuais.

Meia Tigela dilapida velhas construções à moda Alcides Pinto, Carlos Emílio Corrêa Lima e Gerardo Melo Mourão. Ao mesmo tempo reconstrói a seu modo a terra arrasada, inclusive fustigando a alienação ortográfica a que se submetem escritores tradicionalistas. Modifica a grafia dos vocábulos, dando-lhes uma forma mais convincente que aquela que eles oficialmente portam. Quando ele escreve "abissurdo" está bem mais próxima a grafia do seu som, do que na versão dicionarizada. O mesmo acontece com "iguinora" e com outras palavras dos poemas. Fica então patenteada sua vocação motivadora de signos. Desconstruir arbitrariedades verbais é dar uma função metalinguística inovadora às palavras.

A partir dessas desconstruções, pode-se pensar enganosamente que a função de sua poética é apenas deletéria daquilo que por aí está posto. Ledo engano de quem assim pensar. Meia Tigela tem o domínio dos versos nas suas feições mais tradicionais. No segundo movimento de seu "Concerto", quando ele trata de "Os prisioneiros", é impressionante o seu domínio do soneto clássico. "Achando pouco tal demolição", seu estro se volta para a confecção de sonetos clássicos de forma decassilábica até em rimas ABBA, ABBA CDC DCD como em "De virtude", um poema lapidado à beira da perfeição. É aí onde o leitor precisa parar e se extasiar com a eloquência do poeta.

Até sua depressão é eloquente. Afinal, é no seu momento de melancolia quando entra em cena o vampiro enfadado de dar conselhos. É então que todo um vocabulário é posto de oitiva para servir à tristeza: "merencório", "penseroso", "esquizofrênico", "misantropo", "anacoreta", "tartamudo", "macambúzio", "encabulado", "abirobado", "atarantado", "azarado", "songamonga", "mocorongo", "nefelibata", "rastaquera", "sotrancão", "estercorário" e por aí vem uma desvampiragem escorrendo pela eloquência de uma autoestimada zerada. Essa insônia constipada que vê a porta mas não vê a chave, se esvai pelas frechas e contamina o leitor, levando-o também a essa "vidinha solidã".

Esse livro do Poeta de Meia-Tigela é tão contaminador que o próprio autor a certa altura de sua trajetória criou um compartimento chamado de "Mantenha Distância". Depois ainda prega o aviso: "Este poema está temporariamente programado para não receber chamadas". Mais adiante ele chega a suplicar: "Leitor amigo, por que insistir em ler? Quando bastaria me olhasses adentrolhos?" Essa tentativa de afastar a aproximação do leitor da sua poesia é pura ciumeira. Depois da obra pronta, beirando a perfeição, o poeta se narcisa, se enamora do que fez, à sua imagem e semelhança, convence-se de que criou uma bela obra de arte e agora não quer dividir o prazer de possuí-la com seu concorrente leitor. Isso tudo mostra que esse Poeta de Meia-Tigela é poeta de muitas tigelas e meias.

Fonte:
Literatura Sem Fronteiras