quinta-feira, 14 de julho de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 273)


Uma Trova Nacional

Falta grave que dói fundo
e é por tantos repetida:
Trazer uma vida ao mundo
e não cuidar dessa vida!
–PEDRO ORNELLAS/SP–

Uma Trova Potiguar

São como barcos partindo
nosso tempo de rapaz,
aos poucos vão se sumindo...
sumindo e não voltam mais.
–JAYME PAULO FILGUEIRA/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Bandeirantes/PR
Tema: ENCANTO - M/E.

Tais encantos tem a vida,
tais e tantas graças tem,
que me dói pensar na ida
para o céu antes dos cem!...
–A. A. DE ASSIS/PR–

Uma Trova de Ademar

Na mão humana que doa
jamais nasce uma ferida...
E Deus do céu abençoa
todos seus bens nesta vida.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Quando um povo escravo acorda,
pondo fim ao jugo insano,
a mão de Deus põe a corda
no pescoço do tirano...
–JOUBERT DE ARAUJO/ES–

Simplesmente Poesia

–DELCY CANALLES/RS–
Mágoa

A mágoa que eu carrego
ela é tão minha,
que desborda
o meu mundo interior...
E eu sinto que
qualquer um adivinha,
este estado de angústia
e desamor.
E u quisera esquecer
meu sofrimento
e fingir para os outros
alegria,
eu quisera afastar este
tormento,
e viver plenamente
o dia a dia!

Estrofe do Dia

A inspiração com certeza
Mora em minha companhia,
Não vou à sua procura
É ela quem me assedia
Sem nenhum constrangimento,
Porque não tem meu talento
Pra conceber poesia.
–HELIODORO MORAIS/RN–

Soneto do Dia


–MARIA NASCIMENTO/RJ–
Rugas

Há nas rugas precoces do meu rosto
sensível nitidez do sofrimento
de não poder falar do meu desgosto,
e de ter que esconder meu sentimento.

Estas rugas são marcas de um sol posto
relegado a tristeza, a esquecimento...
São vincos de um passado em mim exposto
para externar as marcas de um tormento.

Sempre há uma história triste em cada ruga :
um desencontro... as mágoas de uma fuga
ou mesmo a dor de um - Não - que alguém nos disse...

Mas, seja por qualquer razão que for,
as rugas feitas pelo desamor
ferem mais do que as rugas da velhice...

Fonte:
Textos enviados pelo autor
Imagem = Photorkut

Trova 196 - Roberto Pinheiro Acruche (São Francisco de Itabapoana/RJ)

Fonte:
Imagem e trova = http://robertoacruche.blogspot.com

II Jogos Florais de São Francisco de Itabapoana-RJ (Resultado do Concurso de Trovas – Âmbito Nacional)


TEMA CRIANÇA

VENCEDORES

Da criança sem afeto
ao homem de sonhos vãos,
meu brinquedo predileto
sempre esteve em outras mãos!
ARLINDO TADEU HAGEN – MG

Crianças de rua, à espera
de que o porvir lhes sorria,
semeiam grãos de quimera
nos campos da fantasia...
DARLY O. BARROS-SP

No olhar puro da criança,
onde repousa a inocência,
o amor dorme em segurança
e os anjos têm residência!
HERON PATRÍCIO – SP

Cuidado, esposa e marido,
nessas brigas conjugais,
porque o casal sai ferido
e as crianças... muito mais!
JOSÉ OUVERNEY-SP

A criança pobre insiste...
olha a estátua e não sossega...
e ao ver seus olhos, diz, triste:
-Que pena...a justiça é cega!
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA-SP

MENÇÃO HONROSA

No instante em que é concebida,
entra na história a criança.
Negar-lhe o direito à vida
é um crime contra a esperança!
A. A. DE ASSIS –PR

Refúgio manso de outrora
onde eu sonhava, em criança,
o teu colo, mãe, agora,
é somente uma lembrança!
ALMIRA GUARACY REBELO-MG

Sem dúvida, em toda parte,
Naturalmente, não cansa:
Brinca, grita, ri, faz arte...
-criança é sempre criança!
ROBERTO RESENDE VILELA-MG

Todas elas descuidadas,
crianças a cirandar,
são destinos de mãos dadas
que a vida vai separar.
SEBAS SUNDFELD-SP

Na inocência de criança,
muitos sonhos eu tecia,
com os fios da esperança
e as cores da fantasia.
WANDA DE PAULA MOURTHÉ-MG

MENÇÃO ESPECIAL

O meu EU sofreu mudança,
uma mudança sem fim.
Só não mudou a criança
que eu fui e que vive em mim!
ADMAR MACEDO-RN

Afirmo com segurança:
as lições que marcam mais
a vida de uma criança,
são os exemplos dos pais!...
JOSÉ TAVARES DE LIMA-MG

Nos meus tempos de criança,
construí reinos sem fim...
Hoje é um reino de lembrança
que reina dentro de mim!
MARIA DE FÁTIMA SOARES DE OLIVEIRA-MG

Meu relicário encontrei...
e havia tanta lembrança
que, entre relíquias, achei
os meus sonhos de criança!!!
EDUARDO A. O. TOLEDO

Criança, pingo de gente,
que nos encanta e seduz;
É sempre uma chama ardente
enchendo a casa de luz...
AMAELA TAVARES DA SILVA-MG

Nas palavras de Roberto Pinheiro Acruche,
"Aproveito o ensejo para informar que diante das inúmeras festividades juninas, rancheiradas e festivais que estarão ocorrendo até o final de julho, resolvemos, para maior brilho da solenidade de premiação dos Jogos Florais, adiar esta para os dias 20 e 21 de agosto de 2011.

Pedimos aos classificados que confirmem com antecedência a presença na solenidade, para que possamos fazer as reservas de hospedagem.

Breve, estaremos divulgando a programação.

Abraços... Roberto Pinheiro Acruche."

Fonte:
R. P. Acruche

Sebas Sundfeld (A Ajuda)


Quinta das cinco cronicas vencedoras do V Concurso Literário “Cidade de Maringá”. Sebas Sundfeld é de Tambaú/SP.

Zéca, moço simples da roça, trabalhador e religioso, herdara umas terrinhas do avô. Para lá se tocou com a mulher, a tomar posse da propriedade e botar mãos à obra. Com seu trabalho já rendendo alguma coisa e bom cristão que era, convidou o vigário da Vila para benzer o fruto do seu esforço honesto e suado.

Após o almoço suculento servido na cozinha da casa de chão de terra-batida e teto de telha-vâ, saíram ao sol, o vigário de barrete e o Zéca com seu chapéu de banda. Com justo orgulho, o roceiro ia mostrando, rindo e gesticulando, o produto resultante do seu esforço rude.

- Seu padre, aqui era só mato. Carpi tudu no cabu da inxada, edubei e prantei. Óia agora o mio imbonecando... os cacho do arrois...e ali, óia, o feijão nos carreadô.

O vigário benzeu e ponderou: - É, meu filho, mas tudo foi com a ajuda de Deus.

Passaram por perto do pasto, onde um matungo tordilho descansava do arado, à sombra de um jatobazeiro nativo. Uma vaquinha leiteira e um bezerro completavam a cena bucólica.

- Aqui, seu padre - o Zéca continuava mostrando - fofei a terra e óia só que beleza de hortinha!

E o vigário contrito, alegou novamente: - Muito bom, meu filho, mas, veja bem, com a ajuda de Deus.

Assim foi, o Zeca mostrando o fruto do seu trabalho e o vigário lembrando a ajuda de Deus. Por último, o roceiro já meio encabulado mostrou o pequeno celeiro. Comentou: - Tá barrotado.

Outra vez o vigário repetiu: - Bonito, meu filho, mas com a ajuda de Deus, não esqueça.

Desenxabido, coçando o cocoruto, o Zéca desabafou:

- Tá certo, seu vigário, tá certo. Mai, porém, o sinhor percisava era vê cumu tava istu tudo aqui, quando Deus trabaiava sozinho...

Fonte:
AGULHON, Olga e PALMA, Eliana. V Concurso Literário "Cidade de Maringá". Maringá: Academia de Letras de Maringá, 2011.

Ingrid A. Ditzel Felchak (Livro de Poemas)


FRIO

O frio é
Um balaio vazio
Feito de bambu
Lá na beira do caxim.

O frio é
Um monte de pedra
Polida ou não
Para a eterna solidão.

O frio é
Um punhado de areia
Da grossa, da fina.
Com cal ou cimento
Na grande construção.

O frio?
Pode ser a rua vazia
A lua vadia, o pirilampo
Tonto em agonia.

O frio é:
Roupa amontoada
Banho mal tomado
E cheiro de mofo.

É o frio…
Minina serena
Da rua pequena
Lá, lá trás
Do portão.

E o frio?
Não é o vento que sopra
Nem o termômetro que cai
Sou eu, é você, são todos os demais…

Poema publicado no livro”FASE” –Editora Litteres- lançado na XII Bienal Internacional do livro-Rio de Janeiro – maio de 2005. Páginas 12 e 13

VENTO, TEMPO

Ando só pelos campos
o vento sopra
desalinha meus cabelos
qual plumas encantadas
presas sem razão.

O corpo nu
na relva se estende
e o vento geme
qual doente na hora final.

Os primeiros raios de sol
dão colorido À pele.
E a grama
se torna bela.

Vento que descobre meus pensamentos.
Vento que desbrava meu corpo.

Flores se confundem
no azul profundo dos meus olhos
que tocados pelo vento se fecham
qual vítima do próprio tempo.

Vento quem és tu
que arrasta o meu ser
e me desgoverna ?

Vento que me traz loucos pensamentos
e quando o sol surge no seu total fulgor
traz sensação de loucas paixões.

Rolo em desalinho.
Prendo-me na grama úmida
e nas ervas daninhas.

Mais louco que tu,sou eu
que concordo com teus lamentos.
E,sem querer, me lanço nos teus desbravamentos.

Poema publicado no livro FASE páginas 30 e 31 -Editora Litteris - 2005 - XII Bienal Internacional do Livro - Rio de Janeiro -15

FOLHAS DE OUTONO

Secas,balançam ao vento e caem ao chão.
Rolam,rolam e voltam ao marrom.

Brotaram um dia, cresceram verdes e belas
mas voltaram ao chão.
Fortificaram o solo ? Talvez,mas não
caíram em vão.

Balançaram com o vento suave da noite
e resistiram á tempestade,mas não
quiseram o verão.

Caíram soltas, juntas estão.
Secas pairaram e agora adormecem
purificando o mundo da podridão.

Livro FASE ED. Litteris Rio de Janeiro 2005 página 14, Livro lançado na XII Bienal Internacional do Livro Rio de Janeiro.

VERÃO


Apita o trem na estação.
Suspiro e balas de amora.
Avôs na escada.

Férias, flerte na calçada.
A bola rola e pula.
Cuidado a rua!

Passa anel.
Gira ciranda.
Fim do dia!

Amanhã?
A brincadeira continua.
Esconde-esconde o sonho…
Férias de verão!

Publicado no livro: Poesia e prosa de verão- Antologia – 2009- Editora Taba Cultural – Rio de Janeiro -Rj – Página 15
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Sobre a autora
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/02/ingrid-aparecida-ditzel-felchak.html

Fontes:
Textos enviados pela autora.
Recanto das Letras

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) X - Mais vistas da Terra


Horas depois a vista daquela enorme Terra pendurada no céu já estava completamente mudada, e Pedrinho retomou as suas lições de geografia a São Jorge.

— Lá está o continente europeu! — disse ele. — Aquelas ilhas naquele ponto (e apontava) são as ilhas Britânicas, ou Grã-Bretanha — a tal Bretanha sem nenhuma importância no tempo do seu amigo Diocleciano. Mais adiante temos a Noruega com os seus fiordes...

— E suas sardinhas também — acrescentou Emília. — As sardinhas da Noruega viajam pelo mundo inteiro nuns barquinhos, chamados “latas”.

São Jorge não entendeu, porque no seu tempo não havia latas. Pedrinho continuou:

— A tal Rússia, que o senhor queria saber onde ficava, lá está — aquele país grandão. É a terra dos russos barbudos, dos cossacos, do caviar, das danças lindas e dos sovietes. Foi onde Napoleão levou a breca.

— Quem é esse leão? — perguntou o santo.

— Um grande matador de gente — explicou Pedrinho. — Depois de matar milhões de criaturas na Europa, resolveu matar russos, e invadiu a Rússia com um exército de 600.000 homens. Chegou até Moscou, que era a capital. Mas sabe o que os russos fizeram? Assim que Napoleão foi se aproximando, tocaram fogo nas casas e retiraram-se — e o pobre Napoleão, em vez de conquistar uma cidade, conquistou uma fogueira.

— Bem feito! — exclamou Emília.

— Em vista disso -— continuou Pedrinho — o conquistador não teve outro remédio senão voltar para a França com o seu exército. Essa França era a Aquitânia do tempo de Diocleciano. Mas o inverno russo estava bravo; e os dois, o inverno russo e o exército russo, caíram em cima dos franceses, fazendo uma horrorosa matança. Só vinte e tantos mil homens, dos 600.000, conseguiram atravessar a fronteira, imagine! Vovó conta a história de Napoleão na Rússia dum modo que até arrepia os cabelos da gente.

São Jorge sacudia a cabeça, pensativo. Tudo lhe eram novidades.

— E lá aquela bota, Pedrinho? — perguntou Emília, apontando.

— Pois é a Itália dos italianos. Lá é que ficava a tal Roma do tal Diocleciano, amigo cá do nosso São Jorge. Repare que a bota italiana está dando um pontapé numa ilha — a Sicília.

— Bem feito! — exclamou a boneca.

— E aquelas duas ilhas perto do cano da bota? — perguntou Narizinho.

— A maior é a ilha da Sardenha ou Sardinha, e a menor é a ilha da Córsega, onde nasceu o tal Napoleão.

— Que desaforo, a ilha da Sardinha ser maior que a de Napoleão! — exclamou Emília. — Para que quer uma sardinha uma ilha tão grande assim? Eu, se fosse fazer o mundo...

— Já sei — interrompeu a menina — dava a ilha maior a Napoleão e a menor à sardinha, não é isso?

— Não! — gritou a boneca. — Dava as duas para Napoleão e à sardinha dava uma lata. As sardinhas precisam muito mais de latas do que de ilhas.

Todos riram-se, menos São Jorge, que não entendeu aquele negócio de latas.

— E aquela terra grandalhona embaixo da Europa? — perguntou Narizinho, apontando.

— Pois lá é a África, não vê? Dentro fica o deserto do Saara, com os seus oásis tão lindos, as caravanas de camelos, as palmeiras que dão tâmaras gostosas.

— E a terra dos bôeres que fizeram guerra aos ingleses? Onde fica?

— Essa é bem no fim da África, naquela pontinha. Lá existe a Cidade do Cabo, que é a capital.

Emília deu uma risada gostosa.

— Um cabo que tem cidade, ora vejam! — exclamou. — E depois dizem que a asneirenta sou eu... Onde se viu um cabo com cidade na ponta?

— É um modo de dizer — explicou Pedrinho. — Chama-se Cidade do Cabo porque fica perto do famoso cabo da Boa Esperança, que o navegador português Vasco da Gama dobrou pela primeira vez.

Emília abriu a torneirinha.

— Que danado! — exclamou arregalando os olhos. — Dobrar sem mais nem menos um cabo assim deve ser coisa difícil. Esse Vasco, ou tinha a força de dois elefantes ou o tal cabo era como o daquela caçarola de alumínio de Dona Benta, tão mole que até eu dobro quando quero.

Narizinho cochichou ao ouvido de São Jorge que Emília estava com a torneirinha aberta. “Que torneirinha?”, perguntou o santo. “A torneirinha de asneiras que ela tem no cérebro. Quando Emília abre essa torneirinha, ninguém pode com a sua vida.”

Depois que Emília parou de asneirar São Jorge pôs-se a dizer onde ficavam as terras conquistadas pelos romanos do seu tempo. Mostrou tudo, até o lugarzinho onde era a sua Capadócia e o ponto onde existiu Cartago, a república africana rival de Roma e por esta destruída depois de várias guerras. E contou tantas histórias do tempo de Diocleciano que as crianças, já cansadas, adormeceram.
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Continua … XI – Continua a viagem
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Pedro Ornellas (Setilhas “Na Roça tem…”) Parte 5, final


Banquinho feito de tora,
café moido na hora,
passado no coador,
pra aumentar seu sabor
água fresca na moringa
garrafa de boa pinga
prá espantar dissabor...
(MARILU MOREIRA)

Mulher grávida é 'buchuda'
no quintal tem pé de arruda
filho novo é 'bacorinho'
boca cheia de sapinho
varal de arame farpado
violeiro apaixonado
tangendo as cordas do pinho!
(PEDRO ORNELLAS)

Na roça tem uma venda,
tem de tudo que encomenda,
vende tudo “pendurado”
e não tem preço dobrado,
o vendeiro é gente boa
vende banha de leitoa
e toucinho defumado.
(DÁGUIMA VERÔNICA)

Noite escura, madrugada,
feiz baruio a cachorrada.
Deu medo de sombração
e eu qui num fui lá vê, não.
De manhã no galinheiro
nóis vimo que o perdigueiro
distroçô um gambazão.
(PAULO TARCIZIO)

O clima é de nostalgia
sempre reina a cantoria
lamparina com pavio
sanfona da cor de anil
o casal dentro da rede
eletrola na parede
velhos discos de vinil.
(DÁGUIMA VERÔNICA)

Picada de marimbondo
que deixa o rosto redondo
cipó e urtiga no mato
no pasto tem carrapato
tem muriçoca, tem peba,
tiriça, berne e pereba
bichano que pega rato!
(PEDRO ORNELLAS)

Tem pulga e bicho de pé
e só tira quem “quisé”
vai ficando dolorido
o povo dá dor de ouvido
de escutar reclamação
por andar com pé no chão
e ficar tudo encardido.
(DÁGUIMA VERÔNICA)

Tem fala móle e cantada
tem queijim com goiabada;
tem milho verde brotando
e uma leitoa engordando.
um berrante pendurado...
chapéu de palha furado,
fogão a lenha queimando!!!
(ANDREIA ETTIOPI)

Na roça tem mutirão,
um boi chamado Moirão,
tem canga no seu pescoço
numa “junta” com Caroço,
essa dupla é cabeceira
carreia a semana inteira
sem descanso para almoço.
(DÁGUIMA VERÔNICA)

Tem vizinhança sadia
caboclo que dá "bom dia"
mesmo pra quem não conhece
tem quando o dia amanhece
orquestra de passarinhos,
na alegre festa dos ninhos
que o meu retorno apetece!
(PEDRO ORNELLAS)

Tem velho que é muito xucro
(até perdi todo o lucro)
Por namorar mariquita.
Não achem coisa esquisita:
Ele veio com trabuco
todo doido, bem maluco
dizendo: - Se perulita!...
(CAIRO PEREIRA)

Tem toco de bater sola
do polvilho faz a cola,
alguns chinelos de embiras
trançados com belas tiras...
linda colcha de retalho
lá na mesa do baralho
para alegrar os caipiras.
(DÁGUIMA VERÔNICA)

Tio Dito era o sanfoneiro,
o Waltinho no pandeiro
e eu tocava violão...
e o tal "limpa-banco" então?...
Meia-noite, uma rancheira,
ninguém fica na cadeira
- pega fogo no salão!
(PEDRO ORNELLAS)

Eu nunca vou me esquecer,
em minha mente vou ver
aquele suco de milho...
Lá no bar do Seu Castilho
e eu muito longe da roça:
(a lembrança dessa joça)
só me traz dor neste trilho.
(CAIRO PEREIRA)

Lembro bem de uma bacia
que ficava lá na pia
era feita de metal
toda em cobre, especial
a nossa bela banheira
de amparar, também, goteira
em dias de temporal.
(DÁGUIMA VERÔNICA)

O calor que forte bate
faz lembrar: touro no abate,
faz lembrar do frio do Andes
mesmo que pra sombra ande
eu sempre fico a pensar
e comigo a perguntar
como é que é cidade grande?
(CAIRO PEREIRA)

Lá tem caboca triguera
tem caba bom di penera
na coieita de café...
Lá tem Maria, tem Zé,
tem batata na foguera
tem moleque na carrera
fugindo de buscapé!
(PEDRO ORNELLAS)

Tem passarada que canta
assim que o Sol se levanta
para saudar mais um dia,
e, com a água na bacia,
lavo o meu rosto amassado,
tomo o meu café coado,
com bolo de Nhá Maria.
(SELINA KYLE)

Lá na roda da fogueira
a rapaziada inteira
pega o cachimbo e o bom fumo;
da semana faz resumo
falando das fofoqueiras
das meninas matriqueiras
que vive andando sem rumo.
(CAIRO PEREIRA)

Tem moenda, tem pilão,
se anda de pé no chão
tem cinto feito de embira
tem caruru, cambuquira...
tem caniço e samburá,
tem gamela e tem jacá
que um modão sempre me inspira!
(PEDRO ORNELLAS)

Tem uma égua no cio,
uma canoa no rio,
um cachorro no terreiro,
galo acantar do poleiro,
moça a sonhar na janela
e eu com saudade dela
vagando sem paradeiro...
(ANTÔNIO JURACI)

Eu acordava bem cedo,
já corria pro arvoredo...
depois voltava cantando
com a barriga roncando,
então pegava a caneca,
com açucar e café...
levava lá pra "boneca"
a vaquinha do tiu "Zé"!!!
(ANDREIA ETTIOPI)

Tinha o Leite bem branquinho
deixava até um bigodinho...
de tanta espunha que vinha,
numa caneca inteirinha,
ia brincar no terreiro,
me sujava no barreiro
da chuva que de noitinha
molhou a terra inteirinha.
(ANDREIA ETTIOPI)

Dia de feira de gado
tinha um boi muito enfezado
lá no alpendre ele embrenhava
o povo todo gritava
e com vara de ferrão
fiz cair sangue no chão
provando que sou mais brava!
(DÁGUIMA VERÔNICA)

Na roça a vida é assim
tem plantação, tem capim,
tem rasta-pé todo dia
lá na casa da Maria,
tem galinha no terreiro
tem porco lá no chiqueiro,
é lá onde a "PORCA" chia...
(JOSÉ MOREIRA MONTEIRO)

Na roça tem pinga boa
que quando pega atordoa...
tem foice, enxada e facão...
tem gente de pé no chão,
tem cedo gente de pé
tem torrador de café
depois que sai do pilão!
(PEDRO ORNELLAS)

Vacas de laranja-lima
pedra pra brincar de ímã
e carrinho de lobeira
pra rodar lá na ladeira.
O que era chique, de fato,
era Monteiro Lobato
narrado ao pé da porteira.
(DÁGUIMA VERÔNICA)

Tem uma égua no cio,
uma canoa no rio,
um cachorro no terreiro,
galo acantar do poleiro,
moça a sonhar na janela
e eu com saudade dela
vagando sem paradeiro...
(ANTÔNIO JURACI)

Fonte:
132 setilhas enviadas por Pedro Ornellas
Imagem = Flickr

Rodolpho Abbud (Livro de Trovas)


À noite, ao passar das horas,
esqueço os dias tristonhos,
pois tuas longas demoras
dão-me folga para os sonhos!

Ao hospício conduziu
a mulher para internar...
Feito o exame, ela saiu,
e ele teve que ficar!...

Ao se banhar num riacho,
distraída, minha prima
lembrou da peça de baixo
quando tirava a de cima ....

Cama nova, ele sem pressa
ante a noivinha assustada,
quer examinar a peça
julgando já ser usada!...

Chegaste a sorrir, brejeira,
depois da tarde sem fim...
E, nunca uma noite inteira
foi tão curta para mim!...

Contemplo o céu para vê-las
com um respeito profundo,
pois na raiz das estrelas
eu vejo o dono do mundo.

É força que vem comigo
e no tempo não se esvai:
– Sempre que eu falo de amigo
eu me lembro de meu pai!

Em problemas envolvida,
por um beco se meteu,
que não tinha nem saída,
e, mesmo assim, se perdeu! ...

Em seus comícios, nas praças,
o casal cria alvoroços:
- Vai ele inflamando as massas!
- Vai ela inflamando os moços...

Em tudo o que ja vivi
Nesta passagem terrena,
Se um pecado eu cometi,
Com ela, valeu a pena !...

Enquanto um velho comenta
sobre a vida: -"Ah! Se eu soubesse..."
um outro vem e acrescenta
já descrente: -"Ah! Se eu pudesse..."

Eu finjo que estou contente...
Ela finge que está triste...
-- No canto do amor, a gente
desafina... mas resiste!...

Foram tais os meus pesares
quando, em silêncio partiste,
que, afinal, se tu voltares,
talvez me tornes mais triste...

Hei de vencer esta sina
que num capricho qualquer,
me fez amar-te menina
depois negou-me a mulher!...

Minha mágoa e desencanto
foi ver, no adeus, indeciso,
eu, disfarçando meu pranto...
tu, disfarçando um sorriso!...

Na ansiedade das demoras,
quando chegas e me encantas,
mesmo sendo às tantas horas,
as horas já não são tantas...

Não sei como não soubeste
mas o amor veio, infeliz...
Eu te quis, tu me quiseste,
mas o Destino não quis...

Não sendo um homem moderno,
meu pecado e insensatez
foi jurar amor eterno
e amar somente uma vez!...

Naquele hotel de terceira,
que a policia já fechou,
a Maria arrumadeira
muitas vezes se arrumou!

Nas lojas sempre envolvido,
não tem crédito jamais...
- ou por ser desconhecido,
ou conhecido demais !...

Na vida, em toscos degraus,
entre tropeços e sustos,
mais que a revolta dos maus,
temo a revolta dos justos!...

Na vida, lutar, correr,
não me cansa tanto assim...
O que me cansa é saber
que estás cansada de mim!

Nessa paixão que me assalta,
misto de encanto e de dor,
quanto mais você me falta
mais aumenta o meu amor!...

Nosso encontro ...O beijo a medo...
A caricia fugidia...
Nosso amor era segredo,
mas todo mundo sabia...

Provando em definitivo
que o Brasil é de outros mundos,
há muito "fantasma" vivo
passando cheques sem fundos...

Seja doce a minha sina
e, num porvir de esplendor,
nunca transforme em rotina
os nossos beijos de amor...

Soube o marido da Aurora,
ela não sabe por quem,
que o vizinho dorme fora,
quando ele dorme também...

Toda noite sai "na marra",
Dizendo à mulher: -"Não Torra!"
Se na rua vai a farra,
em casa ela vai à forra!...

Um Deputado ao rogar
ao Senhor, em suas preces,
pede que o verbo "caçar"
não se escreva com dois esses!...

Um longo teste ela fez
de cantora, com requinte...
Cantou somente uma vez,
mas foi cantada umas vinte!...

Vem amor, vem por quem és!
Pois já tens, em sonhos vãos,
minhas noites a teus pés,
meus dias em tuas mãos!...

Vendo a viuva a chorar,
muito linda, em seu cantinho,
todos queriam levar
a "coroa" do vizinho...

Vejo em minhas fantasias,
em Friburgo, pelas ruas,
mil sois enfeitando os dias
e, à noite, a luz de mil luas.

Fontes:
http://www.ubtjf.hpg.ig.com.br
Boletim Nacional da UBT

Rodolpho Abbud (1926)

Rodolpho Abbud (foto por José Feldman,
nos Jogos Florais de Santos 2011)

Nasceu em Nova Friburgo/RJ, em 21 de outubro de 1926; filho de Dona Ana Jankowsky Abbud e de Ralim Abbud. Radialista, Locutor Esportivo, Poeta e Trovador, foi sempre muito bom em tudo aquilo que fez ou faz. Contam até que, certa vez, transmitindo um jogo do Friburguense, teve a sua visão do campo totalmente coberta pelos torcedores. Sem perder a calma, e com sua habitual presença de espirito, continuou a transmissão assim: – “Se o Friburguense mantém a sua formação habitual, a bola deve estar com o zagueiro central, no bico esquerdo da área grande…”

Tem um livro de Trovas intitulado: “Cantigas que vêm da Montanha”, e, recebeu, com inteira justiça e por voto unânime de todos os Trovadores que ostentam essa honra, o titulo de “Magnífico Trovador”.

São poucos os pioneiros da trova em plena atividade. Entre eles, com especial destaque figura Rodolpho Abbud, o grande e querido apóstolo da trova de Nova Friburgo. Ele entrou na alegre tribo dos trovadores em 1960, com aquele vozeirão inconfundível, como repórter de rádio, entrevistando os participantes dos I Jogos Florais na Rádio Sociedade de Friburgo. Gostou tanto, que virou trovador também.

Quase meio século depois, super-jovem em seus 82 anos, o mestre Rodolpho Abbud continua brilhando não só como criador de primorosos versos, mas também como um dos mais importantes líderes nacionais da União Brasileira de Trovadores (UBT). A importância de Rodolpho Abbud vai muito além das fronteiras da cidade.

Premiado em centenas de concursos, Rodolpho é autor de milhares de trovas memoráveis. Entre outros títulos, ostenta o de Magnífico Trovador Honoris Causa, que lhe foi atribuído por ocasião dos 40ºs Jogos Florais de Nova Friburgo. Ele faz parte da geração de trovadores surgidos com o lançamento dos I Jogos Florais. Trata-se do trovador mais antigo da cidade e a prova está em sua carteira de trovador, que ostenta o número 1.

Rodolpho explica aos que não são versados nesta arte que trovas são pequenos poemas de quatro versos, de sete sílabas poéticas, isto é, com o som de sete sílabas – o primeiro rimando com o terceiro e o segundo com o quarto. Ele aprendeu rapidamente os segredos do estilo poético característico da trova recriado por J. G. de Araújo Jorge e Luiz Otávio.

Quando teve início o movimento trovadoresco em Nova Friburgo, Rodolpho trabalhava como comentarista de futebol na Rádio Sociedade de Friburgo e ainda não tinha descoberto que sabia fazer trovas. Mas desde pequeno gostava de fazer quadrinhas. Na infância as crianças aprendiam na cartilha algumas rimas básicas, que davam origem a quadras como uma que Rodolpho jamais esqueceu: “Joãozinho é cabeçudo / mas tem belo coração / é dedicado ao estudo / e sabe sempre a lição”.

Por alguma razão Rodolpho sempre se identificou com o estilo e, mesmo sem saber, já fazia trovas, que costumava chamar de quadrinha, assim no diminutivo mesmo. Naquela época, porém, bastava rimar o primeiro verso com o terceiro e o segundo com o quarto. Rodolpho acha até graça, porque já naquela época faturou cem mil réis num concurso da Rádio Nacional, com uma de suas primeiras trovas, em 1950. “Foi numa festa junina/ que eu vi a Rita sapeca/ A cabocla era bonita/ Parecia uma boneca”.

Levou um bom tempo para os trovadores, inclusive o próprio Rodolpho Abbud, incorporar a expressão trova – que vem do francês trouver, isto é, procurar, achar. Chamavam aqueles pequenos poemas de quatro sílabas de quadra, quadrinha ou trovinha, menos de trova. Um dia Luiz Otávio até chamou a atenção do J. G. de Araújo Jorge, quando este lhe contou que tinha feito uma trovinha: “Que trovinha o quê, José Guilherme, isso aí se chama trova, não é trovinha nem trovão, é trova”.
“Acho que eu sei fazer este negócio aí”

Rodolpho Abbud já criou mais de cinco mil trovas. Infelizmente, boa parte delas se perdeu e seu acervo conta apenas com as trovas premiadas nos concursos de que participa em todo o Brasil. A sorte é que o mais respeitado trovador da cidade e um dos maiores do país é um colecionador de prêmios, já perdeu a conta do número de troféus e diplomas que já conquistou.
Sua facilidade para criar trovas impressiona até seus colegas trovadores. Todas, diga-se de passagem, dignas de figurar em qualquer antologia. “Com qualquer assunto se faz uma trova”, explica, modesto, tentando explicar os segredos desta arte. Ele acredita em inspiração, tanto que carrega sempre papel e caneta no bolso para anotar as ideias que vão surgindo em sua cabeça.

Hoje em dia uma das atividades que mais gratificam o velho trovador é ensinar a fazer trovas. Ele e seus colegas trovadores já visitaram muitas escolas, transmitindo às crianças e jovens os conceitos básicos que permitem criar trovas capazes de fazer bonito em qualquer concurso. Já estiveram no Ienf, na Escola Canadá, no Ciep Glauber Rocha, na Universidade Candido Mendes. Até na Clínica Santa Lúcia eles já estiveram.

Junto com seus companheiros da UBT, Rodolpho mantém há 50 anos um programa radiofônico pela Rádio Friburgo AM focalizando o movimento trovadoresco de Nova Friburgo e de todo o Brasil. O programa, transmitido todo sábado, às 20h, é o mais antigo do Brasil e seu slogan diz assim: “É poesia sempre nova / cultivada com amor / Se você gosta de trova / Pode ser um trovador”.

Solidão? Rodolpho diz que não sabe o que é. Junto com seus amigos trovadores, viaja o Brasil inteiro, sendo sempre recebido com festa e toda a hospitalidade pelos companheiros das outras cidades. As viagens são uma verdadeira festa, com todo mundo brincando e fazendo trovas dentro do ônibus.

Depois de trabalhar 42 anos na Fábrica de Filó, todo mundo pensava que ele fosse ficar deprimido quando se aposentasse. Que nada! Voltou a narrar partidas de futebol, depois mergulhou na trova.

Rodolpho é pai de Luiz Carlos, Suely e Rosane, de seu primeiro casamento. Casado pela segunda vez há 50 anos com a doce Cyrléa Neves, eles são pais do conhecido percussionista Rocyr e da não menos conhecida Rivana, do Bar América.

Friburguense da gema, passou a infância na Rua Oliveira Botelho, até o 5º ano primário estudou com dona Helena Coutinho, que tinha uma escola na Rua São João. Fez o ginasial no Colégio Modelo e depois foi aluno do professor Luiz Gonzaga Malheiros.

Do que sente mais saudades da Nova Friburgo de antigamente? Rodolpho Abbud não pensa um segundo antes de responder. “Da Fonte do Suspiro”, responde de imediato e, subitamente, se emociona, chegando a ficar com lágrimas nos olhos. Mas, como os homens de sua geração não choram, trata logo de mudar de assunto. “Ah, sinto muita saudade também do footing da praça, com os rapazes parados como se estivessem num corredor e as moças passeando de um lado para o outro”, conta.

Maluco por futebol, Rodolpho pertence ao quadro de beneméritos do Friburgo Futebol Clube e, no Rio, é tricolor de coração. Fez até uma trova para seu time: “É paixão que longe vai / na força do coração: / – Tricolor era meu pai / filhos, netos também são”.

Fonte:
artigo por Dalva Ventura, do Jornal A Voz da Serra. Disponível em UBT/SP, site UBTrova, http://www.ubtrova.com.br

Sesc/PR (Autores e Idéias de Agosto)


Autores & Ideias de Agosto, para participar enviar e-mail para este endereço eletrônico
http://www.sescpr.com.br

Fonte:
Laíde Cecilia de Sousa
Assistente de Atividades

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 272)


Uma Trova Nacional

Quando parte quem amamos
fica um vazio entre nós:
– é quando então reparamos
como é triste estarmos sós!
–DIAMANTINO FERREIRA/RJ–

Uma Trova Potiguar

Voltar ao tempo passado,
no tempo bem que eu queria,
e ver-te sempre ao meu lado
na cama agora vazia.
–ISRAEL SEGUNDO/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Curitiba/PR
Tema: MADRUGADA - Venc.

Nos braços da Madrugada,
eu deito anseios tristonhos...
e ela preenche, calada,
minha insônia... com mil sonhos!
–GILVAN CARNEIRO DA SILVA/RJ–

Uma Trova de Ademar

Só Deus tem uma resposta
mas ninguém sabe qual é.
A nossa vida é uma aposta
que se joga com a Fé.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

A missão será cumprida
quer tu acertes ou falhes
Deus traça as linhas da vida
e o destino, os seus detalhes...
–ADALBERTO DUTRA RESENDE/PR–

Simplesmente Poesia

MOTE:
Para mim o tudo é nada,
para Deus, o nada é tudo.

GLOSA:
Quando a vida foi criada,
tudo se fez no universo
e eu digo aqui, neste verso,
Para mim o tudo é nada,
de uma palavra sagrada,
que no Gênesis, estudo,
Deus fez todo o conteúdo,
essa teoria é perfeita...
Do caos a vida foi feita,
para Deus, o nada é tudo.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Estrofe do Dia

Não tem quem possa contar
cabelos que tem um gato,
os bichos que tem no mato
e os peixes que tem no mar,
as nuvens que tem no ar,
os gemidos de um pagão,
as folhas que tem no chão
e os fios que tem no véu,
estrelas que tem no céu
e os bois que tem no sertão!
–MANOEL XUDU/PB–

Soneto do Dia

–DIMAS BATISTA/PE–
Viola

“Velha viola de pinho, companheira
De minh’alma, constante e enternecida,
Foste tu a intérprete primeira
Da primeira ilusão de minha vida.

Eu, contigo, cantando a noite inteira,
Tu, comigo, tocando divertida,
Sorrias, se eu louvava a brincadeira,
Choravas, se eu cantava a despedida.

Nas festas de São João, nas farinhadas,
Casamentos, novenas, vaquejadas,
Divertimos das serras aos baixios.

Perlustrando contigo pelo Norte,
Foste firme, fiel, feroz e forte,
No rojão dos ferrenhos desafios.

Fonte:
Textos enviados pelo autor
Imagem = http://sonhoepoesias.blogspot.com

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Poetas de Ontem e de Hoje III)


Luxo e Lixo
Antonio Manoel Abreu Sardenberg
São Fidélis "Cidade Poema"

O pobre catando lixo
E o poder só no luxo;
A cambada nem se lixa
Só tem a ideia fixa
No seu salário que é farto
No seu abono que é fixo.
Usa um discurso que é falso
Fingindo ser boa gente
Enganando o pobre incauto,
Vira as costas pro indigente
Faz mau uso do erário
Fica rico de repente...

Só vive de mordomia
Cheio de facilidade;
Sua vida é só folia
Carnaval o ano inteiro,
Pois não lhe falta dinheiro
E mesmo com o rei deposto,
Vive de pura mamata
Enquanto o povo se mata
De tanto pagar imposto...

Mas um dia a casa cai
Isso não vai demorar
O povo não vai querer
Nem o pobre agüentar
Ficar segurando a vaca
Pra vagabundo mamar!

A um pintassilgo
Belmiro Braga

Por que vens tu cantar, ó passarinho,
por entre as folhas úmidas de orvalho,
no flóreo jasmineiro meu vizinho
E mesmo em frente à mesa onde trabalho?

Por que não vais vigiar teu fofo ninho
(Não te zangues comigo, eu não te ralho)
a baloiçar à margem do caminho,
qual rosa escura num recurvo galho?

Tu tens em que cuidar; por isso, voa
e deixa-me sozinho... Esse teu canto,
embora sendo alegre, me magoa...

Não te demoras, vai! Deixa-me agora,
que o teu gorjeio me faz mal, porquanto
nunca se canta ao lado de quem chora...

Pedido
Sônia Maria Grillo/ES

Venha quando quiser,
mas venha,
venha se puder ou se der,
mas não deixe de vir...
Grite, solte-se, escreva, ligue,
o som da sua voz, quero ouvir,
dê notícias suas,
não suma, não se desligue de mim
e das minhas esperanças nuas...
Fale-me de você
sobre seus caminhos,
suas andanças pelas ruas,
pelas luas, pelas estrelas, pelo ninhos...
Não se esqueça,
sobra espaço na minha vida sim?
Sobra espaço também no meu coração
então, por favor não desapareça,
não se perca de mim!

14.05.2009
Vitória-ES

Renúncia
Manuel Bandeira
1886 / 1968

Chora de manso e no íntimo... procura
Tentar curtir sem queixa o mal que te crucia :
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.
Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia .
Então ela será tua alegria,
E será ela só tua ventura...

A vida é vã como a sombra que passa
Sofre sereno e de alma sombranceira
Sem um grito sequer tua desgraça.

Encerra em ti tua tristeza inteira
E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira.

Rugas
Maria Nascimento Santos Carvalho/RJ

Há nas rugas precoces do meu rosto
sensível nitidez do sofrimento
de não poder falar do meu desgosto,
e de ter que esconder meu sentimento.
Estas rugas são marcas de um sol posto
relegado a tristeza, a esquecimento...
São vincos de um passado em mim exposto
para externar as marcas de um tormento.

Sempre há uma história triste em cada ruga :
um desencontro... as mágoas de uma fuga
ou mesmo a dor de um - Não - que alguém nos disse...

Mas, seja por qualquer razão que for,
as rugas feitas pelo desamor
ferem mais do que as rugas da velhice...

Na tasca
Raimundo Correa
1859 / 1911

Dentro, na esconsa mesa onde fervia
Fulvo enxame de moscas sussurrantes
Num raio escasso e tremulo do dia
Espanejando as azas faiscantes.
Vi-o; bêbado estava e, inebriantes
E capitosos vinhos mais bebia,
Em tédio, como os fartos ruminantes
A boca larga e estúpida movia.

Eu pensativo, eu pálido, eu descrente,
Aproximei-me do ébrio, com tristeza,
Sem ele quase o pressentir sequer,

E vi seu dedo, aos poucos, lentamente
No vinho esparso que ensopava a mesa
Ir escrevendo um nome de mulher.

No colo da poesia
Zena Maciel - Recife/PE

Brinco no colo da poesia
Excito-me com as letras em euforia
rodopio com as fantasias
faço uma seresta no coração

Engravido as palavras de sonhos
Bebo rimas risonhas
Vôo nas asas de um poema
de um pássaro sedutor

Acordo nos braços do paraíso
com a boca cheia de sorrisos
sedenta de lirismo
de um soneto encantador

Bato palmas para as loucuras
Visto-me com as diabruras
do irresistível verbo amar
Ponho-me a sonhar!

Sonho que sou a primavera
Imantada de carnívoras flores
com o néctar de doces quimeras
e uma alma bordada de paixão!

O Beijo
Bastos Tigre
1882 / 1957

A namorada do Mário,
Lia - um anjo de inocência,
Para um caso de consciência
Vai consultar o vigário.

E, a face rubra de pejo,
Lhe pergunta se é pecado
Dar um beijo ao namorado,
Ou dele levar um beijo.

Diz o padre: - Um beijo apenas
É pecado, dos veniais,
Mas sendo dois, três ou mais
Merecem do inferno as penas.

Lia está de causar dó!
Pavor do inferno, bem vejo,
Ela bem sabe que o beijo
Não se dá nem leva um só...

Fonte:
Textos enviados pelo autor

Afonso Félix de Sousa (Rondó de Porto Alegre)


No te pongas melancólico,
amigo. Voemos sorrindo.
Quem nos deu a melhor arte
não deu o mal de quem parte
como prêmio por ter vindo.
Ao ar! Ao ar! – Evaporam-se
as lembranças, formas de éter,
e entre as nuvens onde estamos
nossas almas, em suéter,
se nutrem do que deixamos.

No te pongas melancólico,
Se por seis dias dormiste
no que fora alegre porto,
não seja agora um sol morto
que acorde em ti quem foi triste.
Se em águas sem sal nem lágrimas
aportaste em noites frias,
não sentes já que não mais
hão de secar, se as bebias
em meio a ventos carnais?

No te pongas melancólico,
meu velho. Se já não clamam
anos mais anos de sede
prostrados junto à parede
da fonte aberta aos que amam,
seja o amor tapete mágico
a levar-te entre dois braços,
já que preso te libertas,
e é mais alto que os espaços
o teu mundo em descobertas.

Fonte:
SOUSA, Afonso Felix de. Chamados e Escolhidos. RJ: Record, 2001.
Imagem = Johnson Tour http://www.johnsontour.com/portoalegre.html

Carolina Ramos (Triângulo)


Carnaval. Noite de sábado - aquele apêndice agregado ao calendário, ampliador dos três dias programados para a folia.

Zulma, Carlão e Zico - trio escolhido para representar a tríade mais famosa das folias de Momo - Colombina, Pierrô e Arlequim. Noite quente, sem chuva. Ar parado. Noite de fevereiro, autêntica, prenunciadora das águas de março, próximas.

A moça acordara cedo. Banhada e perfumada, desenrolava os bóbes, soltando as mechas de cabelos negros. A fantasia de Colombina, estendida na cama, descansava, por antecipação, da refrega que teria de enfrentar, logo adiante.

- Tira a mão daí, menina. Vai vestir a tua borboleta azul.

E a caçula voou, sem asas, em busca das asas embrionárias, dobradas, ainda, na gaveta-crisálida.

Carlão e Zico. Um dilema a ser resolvido. Por ironia, os dois pretendentes ao coração da moça assumiam figuras polêmicas que mais confundiam seus sentimentos, a impedir que chegasse a uma decisão, na vida real.

Zico ou Carlão - Arlequim ou Pierrô?

Carlão - romântico, tímido, sem muita iniciativa, música de fundo, suave e transparente como bola de cristal. Pierrô autêntico, carente de carinho, despertando ternura e amor.

Zico, o oposto. Auto-suficiente, algo arrogante, narciso, dominador, Autêntico Arlequim, volúvel e imediatista, arrastando à paixão.

Perfeitos! Carlão nunca poderia ser um Arlequim, Zico, jamais um Pierrô!

Zulma sorriu para o espelho, enquanto pingava no canto direito da face, uma pinta negra, que lhe emprestava a coqueteria indispensável à figura que encarnava.

Quando a Escola adentrou a av. Tiradentes, e o ritmo das baterias sacudiu as almas, Colombina estremeceu no alto da plataforma, apoiando-se nas duas bengalas prateadas, fincadas como arrimo às suas evoluções. Delas dependiam, pelo menos, noventa por cento da sua segurança. Grande responsabilidade! Acarinhou-as com respeito.

Lá em baixo, um Pierrô de cara branca e triste, vestido de cetim azul celeste, com sua gola entiotada, abraçando o alaúde estilizado, propositadamente alongado e enfeitado de fitas. Uma lágrima de prata, brilhando na cara branca.

Do outro lado, exuberante Arlequim, exibindo o colante de losangos coloridos, máscara negra, sensual e misteriosa, e um sorriso amplo, absolutamente confiante de que sua presença agradava, sem exceções.

O eterno triângulo, vezes se conta, repetido dentro e fora do Carnaval!

Às tantas, não se sabe como, nem se sabe por quê, a frágil Colombina despencou do alto da plataforma, candidata a múltiplas fraturas e mesmo, quem sabe, a sucumbir face a qualquer delas!

A surpresa amarrou a todos. Estupefação! Nem mesmo a decantada auto-suficiência do Zico conseguiu vencer o estupor geral.

Surpresa maior foi, no entanto, a providencial e prestativa atitude de um Pierrô apaixonado, conseguindo aparar nos braços, com força imprevista, o corpo da bela Colombina, aparentemente desacordada.

Ao abrir os olhos, Zulma encontrou outros dois olhos, ansiosos, iluminando uma cara branca. A lágrima de prata brilhava mais ainda, autenticada por outras que abriam sulcos na face alvaiade.

Carlão virou herói! E o coração de Zulma deixou de balançar, indeciso. Pendeu, definitivamente, para o lado certo!

Pela primeira vez, quem sabe, na turbulenta história do Carnaval, um Arlequim, fascinante e extrovertido, perdeu, fragorosamente, para um tímido e sonhador Pierrô!

Fontes:
RAMOS, Carolina. Interlúdio: contos. Edição: Cláudio de Cápua, abril de 1993.
Imagem = http://coisinhas-interessantes.blogspot.com

Aníbal Lopes (Amar)

Beijo Mágico (de Manuela Alvarez)
Só quem gosta e ama
Sabe como queima a chama
De um forte sentimento.
Sentir o coração saltar
Temendo que possa parar
A todo e qualquer momento.

Uma vontade incessante
Que aumenta a cada instante
E nos rouba a razão.
Dizem que arde sem se ver
Vá lá a gente perceber
As coisas do coração.

É um perder de juízo
Achar que não é preciso
Ter qualquer contenção.
É nunca ver defeitos
Estar contra os preconceitos
E viver apenas a paixão.

É fazer versos de amor
Procurar com ardor
Até encontrara rima certa
Como para uma cantiga
E sentir essa coisa tão antiga
Que o amor nos desperta.

O amor é sentimento ancestral
Receita que cura todo o mal,
Poção mágica, sem preço
Ao alcance de toda a gente
E como não sou diferente
Tal remédio, também mereço.

Julho/2011

Fontes:
Enviado por Lino Mendes, de Praça da Poesia
Pintura = Artgeist.com

Ana Carolina Rocha (A Gravata e o Peixe)


Decidiu enforcar-se com uma gravata.

Chegara em casa cansado e tinha largado o trabalho. Trabalho tão infindo e injusto na indecência do escritório, que não havia outro jeito:

Sairia daquela vida sem nexo, sem poesia, sem sentido. Nada prestava.

Sairia pela gravata que botava todo dia no pescoço para viver. Agora era ela que faria justiça. Sabia da hierarquia da sociedade, logo chegaria o mal da idade, sabia que era um alerta de início da tempestade. A velhice já lhe doía, sem ao menos senti-la de fato. Seria melhor acabar com tudo de uma vez.

Examinou sua gravata, como um agente examinando sua arma. Suas listras eram hipócritas e estúpidas. Era tão tosca que se fosse arma, seria arma de brinquedo.

Enforcado morreria. Mas parecia que seus sonhos já estavam enforcados em conjuntos de elevadores, seqüência de humores artificiais, risadinhas, piadas prontas, misturados à contas e baixa renda.

Seu lar: um apartamento mal mobiliado artificialmente e sem vida. A única vida presente, não era nem a sua, mas a e de um peixinho dourado que ganhara em uma festa infantil do filho de um colega de trabalho. Estava lá, onipresente, largado no canto da sala como móvel que não se usa.

Naquele fatídico dia, largou as chaves em um canto e atirou-se no sofá, afrouxando aquele acessório que no tão próximo instante, seria sua arma. Com o corpo inclinado no canto, observou aquele pingo de vida, deixado no canto. Um aquário de vidro redondo. Por quanto tempo aquele peixe vivia ali com ele? Ele que sentia-se tão sozinho. Como tinha deixado passar tanto tempo sem ao menos tê-lo notado. Ficara ainda mais triste: a água estava turva, mal podia ver que tinha algum ser vivo ali:

— Ei !

Uma voz o chamou. Estava mais louco que imaginava, olhou para o lado, suspeitando ser impressões:

— É...você mesmo!

Agora, verdadeiramente assustado, levantou-se num sobressalto. Esfregando os olhos e ficando sentando, em postura alerta, suava:

— Olá! Tem alguém aí ?

Era fato: estava louco. Lembrou-se de um cara na firma que de tanto fazer cópias quis copiar a própria cara, as outras partes e as partes do chefe. Até a ambulância tinha sido chamado para o pobre coitado.

— Sim —- respondeu hesitante e já quase a sair correndo.

— Poxa até que enfim... Será que você tem um minutinho?

— Mas quem está falando?- perguntou indignado, já levantado com a gravata na mão, em punho. Poderia usá-la como arma para salvar a vida.

— Sou eu...seu peixinho!

Agora sim. O mal estava feito, ia para cova ou direto para manicômio. Não mais a gravata, mas a camisa de força o esperava. Calou-se por um momento, rogando para que só tivesse sido um relance de tontura, alguma voz de seu interior, alguém dizendo para não se enforcar...Já ouvira falar de tanta gente que ouvia vozes, a maioria já trabalhando em terreiros mediúnicos ou largadas em hospícios, falando com árvores.

— Olha...eu não fiz nada! Sou uma pessoa normal, pago contas, tenho carro, tenho apartamento. Só estou numa fase ruim . Diga-me que não estou louco!

O peixinho, que até agora tinha uma fina voz, riu o que parecia seu borbulhar:

— Não precisa ter medo. Não sou a voz da consciência. Sou seu peixinho. Ando meio solitário também. Queria que alguém trocasse minha água.

— Trocar minha água...mas o que? — respirou fundo — Olha...Eu sei que estou louco. Estou conversando com meu peixe...mas...

— Você não está louco! Eu existo! Sou um peixe! Preciso falar com você...Agora! Queria que trocasse minha água...não consigo enxergar...Está tudo verde...você é verde ?

O rapaz, com cara mais assustada, estava verde sim, mas de doença. Suava tanto que chegava até a molhar o chão:

— Devo estar sonhando...— dando as costas.

— Veja esta gravata listrada...Ela é azul..porque devia ser azul.

— Ok. Isso é alguma tentativa divina e barata de salvação? Olha, eu não leio livro de auto-ajudas exatamente por isso. Você quer me convencer que tudo tem que ser assim por um poder divino? Esqueça, estou vacinado contra baboseiras.... Aliás...peixinho...nem falarei com você – de um jeito insosso e incrédulo deu as costas para o peixe.

— Mas eu preciso de você!

Adotando uma postura enérgica, gritou:

— PARE! PARE! Não vê que eu quero acabar com minha vida? E você desperdiçando o meu tempo precioso, com papo de cores. Você não precisa de mim! ACABOU! E ainda falo com um peixe no aquário? É mais que sinal de loucura: é evidência.

— Eu só preciso que troque minha água...depois disso..faça o que quiser...Eu até ofereço meu aquário se você desejar se afogar nele...Você não gostaria de se afogar em condições melhores?

O homem, exausto e com olheiras, sucumbiu ao nervosismo e olhou para o aquário.

Dava apenas para ver os olhinhos esbugalhados de clemência do peixinho. A água estava tão turva. Pelo menos, se fosse morrer, que não deixasse o peixinho em condição desmazelada.

— Então...Você vai trocar? - perguntou o peie.

Olhou a gravata, olhou o aquário e decidiu ajudar o animalzinho. Pelo menos, se fosse dar um fim em sua vida, que mostrasse que deixou tudo ajeitado. Já imaginava a vizinha comentando:

- Ele nem se dignou a trocar a água do aquário, imagina se ele ia pagar o aluguel.

- Trocarei. Mas você terá que ficar CALADO, combinado? Não quero escutar animaizinhos me dando conselhos. Eu não estou na Disney.

— Sim. Combinado.

Enquanto o peixinho, morria de vontade de conversar e tentava sobreviver na pia, arfando de lado. O rapaz foi limpando o aquário e aquela trabalheira de tirar a água, limpar o vidro, tirar o lodo, e colocá-la em posição foi se dissipando aquela intenção de suicídio. Como se fosse jogado no ralo. Tirou o excesso de sujeira que acumulado pelo tempo e puro esquecimento. Como ia se matar? O peixinho, olhando com olhos arregalados, suspirava, tentando obter o máximo de vida daquele ambiente...

Do jeito que alcoólicos e viciados tem momentos de clareza, compreendeu. Tirou uma lição de ambiente, de ajuda e obviamente da própria loucura.

. O peixe voltou pro aquário. Agradeceu a gentileza:

— Obrigado!

— Peixes não agradecem.

— Gravatas não são armas! Peixes não são terapeutas. – replicou.

Depois de ter dito isso, o peixinho se calou e voltou, o rapaz deixou a gravata em cima da mesa, dando um nó no aquário. E pela vida, acho que o rapaz decidiu ser pescador.

Fontes:
http://www.releituras.com/ne_acrocha_gravata.asp
Imagem = Montagem com imagens obtidas em http://lugardoleitor.blogspot.com e http://www.toymagazine.com.br (peixe)

Pedro Ornellas (Setilhas “Na Roça tem…”) Parte 4

Pintura a óleo de Angela Kelly Topan
(Foto: José Feldman)
Tem muro de cemitério
que esconde um certo mistério,
pé-de-moleque, cocada,
que agradam à garotada;
tem brincadeira de roda
(que essa nunca sai de moda)...
A roça é boa... a danada!
(SELINA KYLE)

Tem máquina de costura
com tudo que se procura:
dedal, botões, linha, agulha...
Tem pomba-rola que arrulha
porco gordo no chiqueiro
cavalo manso e ligeiro
e arroz guardado na tulha!
(PEDRO ORNELLAS)

Lá tem duença deferente!
Si u muleque fica duente
pode sê que teja aguado
o das bicha discunfiado.
Quem num tem berne na bunda
véve cum dor na cacunda,
morre de bucho virado...
(PAULO TARCIZIO)

Tudo é divinação,
fica aberto o coração
lá na roça, no meu lar.
No fogão a crepitar
junto à lenha e o fogaréu
vejo naquele escarcéu
meu amor esbrasear.
(PALAS ATHENA)

Lá tem paiol, tem picada,
tem gado bom na invernada,
tem galinha no terrero
e eu que tomém fui rocero
tarde aprendi na cidade
que a tar da felicidade
não se compra cum dinhero!
(PEDRO ORNELLAS)

Lá na roça é diferente,
eu me sinto tão ardente.
Dos meus sonhos na ciranda,
numa rede na varanda
onde eu possa divagar
com os beijos sem cessar
deste amor que em mim comanda.
(PALAS ATHENA)

Lá no galho da paineira
bem pertinho da cocheira,
dorme o galo cantador
com garganta de tenor
pra Maria ele acordar,
a rabinha vai esquentar,
é café pro seu senhor.
(DÁGUIMA VERÔNICA)

Tem espinhela caída,
muita noite mal-dormida
tem até ventre-virado
deixando o pobre coitado
a procurar “benzedeira”
pra se livrar da canseira
deixa-lo, inteiro, curado.
(MARILU MOREIRA)

Pro sertanejo é chacina
dia de tomar vacina,
não tem medo de serpente,
mas, na agulha ele sente,
aquela dor tão profunda
quando tem que mostrar bunda
pra macho bem diferente.
(DÁGUIMA VERÔNICA)

Lá que tem Seu Zé quejero
que trabáia sem vaquero,
só ele e a Dona Carminha.
Levanta madrugadinha,
tira o leite da vacada
depois vem, ca costa arcada,
tomá café na cozinha.
(PAULO TARCIZIO)

Lá tem capim amargoso,
que é ruim de carpi, tinhoso,
chega faz calo na mão...
lá num tem moleza não...
pra cabocro bom de enxada
lá tem roça praguejada
de carrapicho e picão!
(PEDRO ORNELLAS)

Tem a cabrinha de um dia
que nasce e já faz folia
cabeceando a galinhada
que sai tudo em debandada
- menos a galinha choca,
que os seus pintinhos convoca,
se arrepia e dá bicada.
(PAULO TARCIZIO)

Tem um menino bobinho
que se envergonha todinho
quando encontra ca Rosinha.
Esta sim, é espertinha,
vê que o menino tá ganho
mas dá riso de arreganho
pra quem passa na estradinha.
(PAULO TARCIZIO)

Feijoada de mocotó
é tão boa que dá dó
ver escorrer no pescoço
aquele “cardo” tão grosso,
a mãe, de testa franzida,
vê, a moça na “lambida”,
“zoiando” “praquele” moço
(DÁGUIMA VERÔNICA)

Tem a colcha de retalho
tem ranger do assoalho
tem toalha de crochê
Cozinha com fumacê
tem cebola e muito alho,
na roça tem espantalho
para o milho não "cumê"
(MARILU MOREIRA)

Na roça, em minha cabana,
tem facão de cortar cana,
tem lenha no fogo e até
tem sempre bolo e café;
tem lamparina de azeite,
tem muita flor como enfeite...
Vem aqui pra ver como é!
(SELINA KYLE)

Lá tem jacá de taquara,
é feito de fina vara
tirada do bambuzal
bem perto do milharal,
lugar de preparar ceva
pra onde o perigo leva
a caça, bicho animal
(DÁGUIMA VERÔNICA)

Tive lá Pedro, e gostei!
Que belezura essas moda...
É que nem quando na roça
lá no galpão se acomoda
todo o povo do retiro
que chega a solta suspiro
pros violeiro em meio à roda...
(SÔNIA TARASSIUK)

Água se guarda no pote
pra roça vai no corote,
na moringa ou na cabaça...
lá na mina tem de graça
pagamento não precisa
pra quem encharca a camisa
enfrentando uma quiçaça!
(PEDRO ORNELLAS)

Muita festança e rojão,
canelinha e quentão...
Tem uma "baita" quadrilha,
"camaradage" e partilha
não só de pão mas, de par
que as vezes chega no altar
formando bela família!
(VÂNYA DULCE)

Lá tem, de manhã bem cedo,
requeijão de leite azedo
deixado pelo leiteiro
que, preso num atoleiro,
amanheceu lá no brejo
por causar o maior frejo:
chamou de sogro o vaqueiro.
(DÁGUIMA VERÔNICA)

Morta a bezerra de um dia
afogada na água fria
na cachoeira do poção.
Prende o leite, de paixão,
a boa vaca leiteira.
Mergulha a Rosa vaqueira:
volta com o bicho na mão.
(PAULO TARCIZIO)

Tem cipó pra gangorrar
e ribeirão pra nadar,
tem muito capim-gordura
e canavial com fartura
pra fazer muita cachaça,
o melado sai de graça
e só vende a rapadura.
(DÁGUIMA VERÔNICA)

Tem mato pra se esconder
brincadeira de correr,
roubar fruta do vizinho,
depois fugir de mansinho...
Tem doce feito no tacho,
bicho na goiaba... eu acho.
Como é bom esse cantinho!
(SELINA KYLE)

Lá tem moda sertaneja,
bule quente na bandeja,
disco em cesto de por milho
embrulhado em coxinilho,
pra sentar tem um pelego,
num banco perto do rego...
na vitrola um Estribilho .
(DÁGUIMA VERÔNICA)

Noite de lua encantada
tem viola enluarada
tem canção de seresteiro
tem cavalo de vaqueiro
leva a moça garupa
e fazendo upa, upa,
vai bancando o cavaleiro.
(ILNEA MIRANDA)

Amendoim saboroso
-isso é viagra pra idoso,
também plantação de trigo
e pra fazer doce, o figo,
limão, laranja e banana...
Sutiã de barbatana
pra evitar qualquer perigo.
(DÁGUIMA VERÔNICA)

Fonte:
Setilhas enviadas por Pedro Ornellas

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) IX - Tia Nastácia


Enquanto conversavam, Tia Nastácia, sempre à distância, rezava, e volta e meia fazia um pelo-sinal.

— Como deram com ela aqui? — perguntou São Jorge, pondo os olhos na pobre negra.

Foi Emília quem respondeu.

— Ah, santo, Tia Nastácia é a rainha das bobas. Veio conosco enganada. Cheirou o pirlimpimpim pensando que era rapé...

São Jorge quis saber o que era rapé e pirlimpimpim, e muito se admirou das prodigiosas virtudes do pó mágico. Depois fez sinal à Tia Nastácia para que se aproximasse.

— Venha, boba! — animou Emília. -— Ele não espeta você com lança. É um santo.

Tia Nastácia fez três pelo-sinais todos errados, e foi se aproximando, trêmula e ressabiada. Estava ainda completamente tonta de tantas coisas maravilhosas que vinham acontecendo. O dragão, o sumiço que levaram o Visconde e o burro, aquele prodigioso santo vestido de armadura de ferro, com capacete na cabeça, escudo no braço e “espeto” em punho — e lá no céu aquela enorme “lua” quatro vezes do tamanho do Sol — tudo isso era mais que bastante para transtornar a sua cabeça pelo resto da vida.

Mesmo assim veio toda a tremer, com os beiços pálidos como de defunto.

— Não tenha medo — disse-lhe Narizinho. — São Jorge não come gente. É um grande amigo nosso e muito boa pessoa.

Tia Nastácia afinal chegou-se — mas embaraçadíssima. Tinha as mãos cruzadas no peito e os olhos baixos, sem coragem de erguê-los para o santo. Estar diante dum santo daqueles, tão majestoso na sua armadura de ferro, era coisa que a punha fora de si.

— Não tenha medo de mim — disse São Jorge sorrindo. — Diga-me: está gostando deste passeio à Lua?

O tom bondoso da pergunta fez que a pobre negra se animasse a falar.

— São Jorge me perdoe — disse ela com a voz atrapalhada. — Sou uma pobre negra que nunca fez outra coisa na vida senão trabalhar na cozinha para Dona Benta e estes seus netos, que são as crianças mais reinadeiras do mundo. Eles me enganaram com uma história de rapé do Coronel Teodorico, o compadre lá de Sinhá Benta, e me fizeram cheirar um pó que mais parece arte do canhoto. Agora a pobre de mim está aqui nesta Lua tão perigosa, sem saber o que fazer nem o que pensar. Minha cabeça está que nem roda de moinho, virando, virando. Por isso rogo a São Jorge que me perdoe se minhas humildes respostas não forem da competência e da fisolustria dum santo da corte celeste de tanta prepotência...

Todos riram-se. A pobre preta achava que diante dos poderosos era de bom-tom “falar difícil”, e sempre que queria falar difícil vinha com aquelas três palavras, “competência”, “prepotência” e “fisolustria”. Ela ignorava o significado dessas coisas, mas considerava-as uns enfeites obrigatórios na “linguagem difícil”, como a cartola e as luvas de pelica que os homens importantes usam em certas solenidades.

— Fale simples, como se você estivesse na cozinha lá de casa — disse Narizinho. — Do contrário encrenca, e São Jorge até pode pensar que você lhe está dizendo desaforos...

— Credo, sinhazinha! — exclamou Tia Nastácia benzendo-se com a mão esquerda. — Quem é a pobre de mim para dizer algum desaforo a um ente da corte celeste? Até de pensar nisso meu coração já esfria...

São Jorge teve dó dela. Viu que se tratava duma criatura excelente, mas muito ignorante — e deu-lhe umas palmadinhas no ombro.

— Sossegue, minha boa velha. Não se constranja comigo. Vejo que sua profissão na vida tem sido uma só — cuidar do estômago de sua patroa e dos netos dela. Quer ficar aqui na Lua cozinhando para mim?

Aquela inesperada proposta atrapalhou completamente a pobre negra. Ficar na Lua ela não queria por coisa nenhuma do mundo, não só de medo do dragão como de dó de Dona Benta, que não sabia comer comidas feitas por outra cozinheira. Mas recusar um convite feito por um santo ela não podia, porque onde se viu uma simples negra velha recusar um convite feito por um ente da corte celeste? E Tia Nastácia gaguejou na resposta.

Vendo aquela atrapalhação, Narizinho respondeu em seu nome.

— Tia Nastácia fica, São Jorge — mas só por uns tempos. Nosso plano não é passear apenas na Lua. A viagem vai ser também pelas outras terras do céu. Queremos conhecer alguns planetas, como Marte, Vênus, Netuno, Saturno, Júpiter, e também dar um pulo à Via-láctea. Em vista disso, acho que podemos fazer uma combinação. Tia Nastácia fica cozinhando para o senhor enquanto durar a nossa viagem. Quando tivermos de voltar para a Terra, portaremos de novo aqui e a levaremos. Não fica bem assim?

— Ótimo! — exclamou o santo. — Está tudo assentado. Durante o passeio que vocês pretendem fazer, Tia Nastácia ficará sob minha guarda, cozinhando para mim. Quanto ao dragão, ela que descanse. O meu dragão está muito velho e inofensivo. Lá na Terra comia até filhas de reis — mas aqui vive só de brisas. Não haverá perigo de nada.

Depois de tudo bem assentado, São Jorge foi mostrar à pobre preta onde era a cozinha, deixando-a lá com as panelas. E foi desse modo que à medrosa Tia Nastácia aconteceu a aventura mais prodigiosa do mundo: ficar como cozinheira dum grande santo, lá no fundo duma cratera da Lua...
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Continua … X – Mais Vistas da Terra
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

terça-feira, 12 de julho de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 271)


Uma Trova Nacional

Enquanto o teu ventre sofre,
menino de muitas fomes,
teu patrão guarda no cofre
o lucro do que não comes.
–THALMA TAVARES/SP–

Uma Trova Potiguar


Todo homem que anda “perdendo”,
e mulher que “acha” demais,
é moral se corrompendo,
é honra que se desfaz.
–JOSÉ AMARAL/RN–

Uma Trova Premiada


2004 - Nova Friburgo/RJ
Tema: REFÚGIO - M/E


Se este mundo tão bisonho
te nega paz e guarida,
usa o refúgio do sonho,
onde o amor sustenta a vida!
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Uma Trova de Ademar


Tem homens aqui na terra
com um “ser” tão negativo...
Por nada, promovem guerra
sem razões e sem motivo!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Diz ser amarga a fatia
do pão que come, e nem vê
que do seu pão, cada dia,
quem faz a massa é você.
–ALICE ALVES NUNES/DF–

Simplesmente Poesia

–AYDA BOCHI BRUM/RS–
Glosando Ademar Macedo.


MOTE:
Ao me tornar Trovador
eu pus dentro do meu ser,
lenitivos para a dor
e mais razões pra viver!

GLOSA:
Ao me tornar Trovador
encontrei a minha essência:
a alegria extingue a dor
num gesto de complacência.

Eu pus dentro de meu ser,
Um fim pra toda amargura.
Doce luz no anoitecer
e amor, pra minha candura.

Lenitivo para a dor,
encontrei fazendo trovas
e um amor abrasador,
prenúncio de boas novas.

E mais razões pra viver,
encontrei na trova, assim,
entre o trovar e o querer
tenho paz dentro de mim.

Estrofe do Dia

Nos lindos carnaubais,
nas manhãzinhas brumosas,
no desabrochar das rosas,
nos bonitos parreirais,
nas frondes dos coqueirais
que tremulam noite e dia,
por dentro da serrania,
por toda gruta e recanto;
se vê o suave encanto
das telas da poesia.
–ZÉ DE CAZUZA/PB–

Soneto do Dia


–AMILTON MACIEL MONTEIRO/SP–

Mistério

A nossa vida em si já é um bom mistério...
Mas até onde meu juízo alcança,
Eu vejo que o sofrer, se é muito sério,
Aumenta sempre em nós a esperança!

Foi Deus que quis assim; não sem critério,
Mas só visando a nossa segurança...
Porque o Criador, mais que cautério,
Aspira a nossa bem-aventurança!

A dor tem sempre a sua utilidade,
Quer para alertar de um mal maior,
Ou tendo em vista a nossa santidade.

Por certo o sofrimento foi criado
Só pra que a gente possa ser melhor
E chegue, assim, ao céu, tão almejado!

Fontes:
Textos enviados pelo autor
Oficina do Gif

Afonso Félix de Sousa (Abecê dos Boiadeiros)


Acolhe a serra entre os lábios
o que o céu colore e abrasa.
Um tropel rola dos longes,
aproxima-se da casa,
e o chão despede em poeira
muitas ânsias de ter asa.

Berrante – quanta amargura!
(Que perdeu? O que reclama?)
Como a chorar já sem lágrimas
nas quebradas se derrama ...
A serra engole, de um trago,
natas de cinzas e flamas.

Chega a noite. Os brejos cantam.
O escuro faz tudo em nada.
Os golpes de mil galopes
cessam – e gritam da estrada:
- Ô de casa! abra a porteira,
que já ê-vem a boiada.

Disparar de bois que avançam
contra o curral já aberto,
na fúria das trovoadas
que pisam o céu deserto.
Mas logo calam-se os cascos.
Tudo é silêncio por perto.

Eis o fogo ... eis que a fogueira
acende o escuro e a quietude.
Em volta seis sombras falam.
Choram seis mágoas no açude.
E eis que crepitam lembranças
e sobem na fala rude.

- Foi minha culpa, foi culpa
de ter deixado o meu povo.
Já me cansava da vida
em casa, e um dia resolvo
bater pernas, correr mundo,
atrás do que fosse novo.

Gastando tudo o que tinha
dois anos vivi à-toa,
sem pensar em coisa alguma
que não fosse coisa boa ...
Mas, não sei como, uma noite
no escuro um grito ressoa.

Hora amarga! Nem sei como
à casa fui tão ligeiro.
Toda ao chão ... Meus pais e irmãos
enterrei-os no terreiro.
Sem ninguém, sem ter mais nada,
me ajustei de boiadeiro.

- Inda agora me alembrava
de quando era um rapagote
Instrução nunca me deram.
De amores eu tinha um lote.
Mais que de tudo gostava
de lidar com um bom garrote.

Já nem sei se me arrependo,
se me dá tristeza e dor
lembrar o dia em que disse
a meu patrão: - meu senhor,
quando for tirar boiada
quero ser seu laçador.

Levar a vida que levo.
Nunca ter onde parar.
Sempre a ir, uma só mágoa
me espera em cada lugar:
daí eu vou pra adiante,
daí não posso voltar.

- Me alembro: as terras lá longe ...
lá perto de Mato Grosso.
Era o bamba nos pagodes.
Montado, eu era um colosso.
Me alembro: as moças gostavam.
Ah, meu tempo de mais moço!

Não fosse bolir, não fosse,
com uma dona até que feia.
Por cismar com seus galeios,
minha vida – esperdicei-a.
Sangrei o cujo, mas outro
era eu depois da cadeia.

- O meu caso? De tão triste,
eu nem não vou contar não
Ah! talvez se alguém me ouvisse
menor seria a aflição.
Mas quem não ri quando escuta
histórias de ingratidão?

Parece até que é pecado
gostar de quem não nos queira.
Seria ela ou a fazenda?
Ao fim de muita canseira
da fazenda eu fiz um brinco
... e me quis a fazendeira?

- Quando fico a cismar coisas
é porque não tem mais jeito.
Também cresci feito os moços
que têm o mundo no peito.
Agora a vida lembrada
lembra um mel que não foi feito.

Razão forçosa, isso tenho
de clamar por todo canto.
Onde vou, está a moça
que, vai ver, botou quebranto
em mim, me deixando mole
como casca de pau-santo.

Sei lá porque fui deixá-la,
se era dela que eu gostava?
Voltei ... Voltando meu peito
ia que nem vaca brava.
Mas no mesmo dia a moça
com um pau-rodado casava.

- Também se penso na vida
logo me sinto logrado.
Não tinha nem vinte anos,
fui no exército alistado.
Por dois anos roí osso.
Dura sorte, a do soldado.

Um dia volto homem feito.
Já não encontro meus pais.
Sem eles, sem uma ajuda,
eu vim por esses gerais.
Agora toco boiada.
Já nem sei se volto mais.

Vai-se fazendo a fogueira
em cinzas e despedidas.
De um aboio sobe aos ventos
a mágoa de seis feridas,
até que o sono despeje
o esquecimento em seis vidas.

Xô-xô galinhas! o milho ...
Vacas põem mudos os galos.
Mais alta, a voz do berrante
do sono vai arrancá-los,
aos boiadeiros, que mudos
arreiam os seus cavalos.

Zona tão triste, a que a serra
empresta o sono de idades ...
A boiada come aos poucos
longes de azul e alvaiade.
Sobe poeira e o berrante
sopra ao ar mais seis saudades.

Fontes:
SOUSA, Afonso Felix de. Chamados e escolhidos. RJ: Record, 2001
Imagem - http://boiadeirorei.wordpress.com

Cantando ao Som das Setilhas (Debate pela Internet) Parte 4


43 – ZÉ LUCAS
Quem mata um pezinho de erva
que prometia uma flor,
suja o rio ou cala a voz
de um canário cantador,
pratica um ato covarde
e algum dia, cedo ou tarde,
paga, seja como for!

44 – GISLAINE CANALES
Com muito amor, muito amor,
devemos tudo cuidar:
árvores, rios e matas,
e com paixão escutar
a música que inebria
e que encanta o nosso dia
com cascatas a cantar!

45 – PROF. GARCIA
Quem nunca ouviu o trinar
de uma orquestra matutina,
de manhã cedo, bem, cedo,
ao raiar da luz divina;
nunca estudou serenata,
nem os arpejos da mata
enfeitiçando a campina!

46 – DELCY CANALLES
Esta orquestração divina,
que ouvimos na madrugada,
quando acordamos cedinho
pra contemplar a alvorada,
mostra a sensibilidade,
que explode em qualquer idade
na pessoa enamorada!

47 – A. A. DE ASSIS
Por obra de Deus, moçada,
a natureza é teimosa:
vem trazendo a primavera
novamente e esplendorosa.
Com gripe ou seja o que for,
no fim vencerá o amor
e o trono será da rosa.

48 – ARLINDO TADEU HAGEN
Estação maravilhosa
que a gente espera, contente,
Primavera vem chegando.
Mas, de fato, realmente,
o que importa, mais que a esperança
é sentir a Primavera
dentro do peito da gente!

49 – THALMA TAVARES
Feliz é o poeta que sente
as forças da Natureza,
que tira do peito os versos
para cantar a grandeza
do amor que nela se encerra,
que vem do ventre da Terra;
fonte de vida e beleza.

50 – ZÉ LUCAS
Existe uma estrela acesa,
sempre linda e radiante,
inspirando nossos versos
que descem do céu distante,
para que o mundo tristonho,
órfão de poesia e sonho,
um dia se alegre e cante.

51 – GISLAINE CANALES
Escrever é apaixonante,
vibra em nós grande emoção,
sentimos bater mais forte
este nosso coração,
que em cada nova viagem
aumenta a sua bagagem
cumprindo a sua missão!

52 – PROF. GARCIA
Hoje eu tive a sensação,
que tem um grande adivinho:
que a musa dormiu distante
e eu dormi triste e sozinho;
mas ao despertar tristonho
fiz o verso do meu sonho
na solidão do meu ninho!

53 – DELCY CANALLES
Eu sou um ente sozinho,
que, num grande apartamento,
passa as noites, passa os dias,
com este entretenimento:
a TV que jamais cala;
ela, às vezes, me ouve e fala
e entende o meu sentimento!

54 - A. A. DE ASSIS
Celebrei, por um momento,
a volta do arzinho quente;
porém, sem nem mais nem menos,
vira o tempo de repente,
e eis que outra onda de frio
vem tal qual um desafio
retrancar em casa a gente.

55 - ARLINDO TADEU HAGEN
Um programa diferente
porém de sabor profundo
é ficar quietinho em casa:
no meu quarto, lá no fundo,
no jardim ou no quintal.
Casa da gente, afinal,
é o melhor lugar do mundo!

56 - THALMA TAVARES
Quando o frio ataca fundo,
penetrando a alma da gente,
a melhor coisa na hora
é um vinho competente,
juntinho à cara-metade,
tomado em meio à saudade
do nosso Nordeste quente.
------------
continua…
–––––––––-
Fonte:
José Lucas e parceiros. Cantando ao som das setilhas. Natal/RN: 2011.