sexta-feira, 2 de setembro de 2011

João Paulo Borges Coelho (Cidade dos Espelhos, lançamento no Instituto Camões, em Maputo)

artigo de Luís Carlos Patraquim
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Deixemos de lado a blague, para despistar, sobre a novela futurista, sub-título do autor a esta sua e nossa, por mérito dele, “Cidade dos Espelhos”

No princípio é a estranheza. Deixemos de lado a blague, para despistar, sobre a novela futurista, sub-título do autor a esta sua e nossa, por mérito dele, “Cidade dos Espelhos”. Como nos ensinou Sherlock Holmes, as primeiras evidências são, a mais das vezes, o engodo para a fulguração final da razão omnisciente que, sob a trama de enganos, falsas pistas, equívocos, repõe a ordem de um percurso, apazigua a intencional e prazeirosa perturbação de um mundo. Saudoso otimismo positivista que a incerteza apartou do nosso convívio.

Sobre os futurismos, russo, italiano à la Marineti, que custeou a sua publicação como publicidade redigida nas páginas do Figaro, à solitária aventura dos poetas do Orpheu, ficamos conversados. Maiakovski sucumbe aos seus Banhos; Marineti veste a camisa negra, e os poetas de Orpheu, de ouvido em concha para o ranger das máquinas quase inexistentes no país das uvas e estáticos ante a dramalogia em slow motion, deambulam pelos cafés da Baixa, fazem painéis, bravatas, sacodem a poeira e o cisco da Casa do Ser. Que às vezes é um galinheiro.

Mas é nessa sub-titulada designação que se revela a primeira subtil ironia de João Paulo Borges Coelho. Se ele fosse americano e andasse de casaco à banda pelos pubs de Greenwich Village, lia-se este livro e dizia-se: ora aqui está, o gajo está meio gótico, não te parece? Ou então convocava-se o Ray Bradbury: há uma poética; não, não se trata da particular ficção científica do autor de Farenheit e das Crônicas Marcianas, mas é amazing, meu, andar pela avenida Louise – um achado! – e afagar aquelas árvores de plástico, pressentir as aves agourentas, imaginar a insólita casa cor de mostarda. Será literatura fantástica? E as aves agourentas? E o “aerostato negro com as insígnias da República” que se desinfla e se estatela sobre os subúrbios? Será o colibri uma variação do corvo de Edgar Allen Poe? OMar de Sargaços, um dos capítulos, será uma homenagem ao reggae, uma alusão corsária, uma ondulada e ondulante meditação pós-colonial, uma paráfrase a Jane Rhys?

Devo dizer que não pretendo ter uma resposta nem julgo interessante essa cômoda classificação por gêneros ou atmosferas de alguma moda.

Este livro está cheio de sinais, de pontilhados exercícios de crueldade, a do mundo rarefeito onde estas personagens se movem. Alcandorado na irrevogável exigência de se demarcar de todas as antinomias, redutoras, enganosas, e alheio aos marcadores genéticos a que o câanon obriga para a jubilação identitária – moçambicaníssima, já se vê - João Paulo Borges Coelho prefere a cegueira dos sábios. No cabo do texto, avesso aos muitos ventos da História, conhecedor dela como é por ofício civil, olha o farol que, como dizia Sebastião Alba, “há séculos /que emite/ sinais indecifráveis”. Percebê-los, adivinhar-lhes ou inventar-lhes sentidos, vem sendo a empresa do autor de “As Visitas do Dr. Valdez”, desses majestosos Setentrião e Meridião onde um mesmo rio os une, masculino e feminino, como exemplarmente nos ensinou.

“Cidade dos Espelhos”. Côncavos? Convexos? Jogo de intersecções de refletidas imagens, floresta de enganos ou caminhos da floresta, os de Heidegger, recolhido na sua cabana depois da queda? Jogo e tensão do desejo como na sequência da Dama de Xangai, com um Orson Welles à procura da sua Rita Hayworth? Os espelhos…. Em Tlon, Uqbar, Orbis Tertius, de Jorge Luís Borges fala-se deles. “Devo à conjugação de um espelho e de uma enciclopédia a descoberta de Uqbar”, confessa o autor de ficções, onde o texto se inclui. Estava o argentino com o amigo Bioy Casares. “Do fundo remoto do corredor, espreitava-nos o espelho. Descobrimos (a altas horas da noite esta descoberta é inevitável) que os espelhos têm algo de monstruoso. Então Bioy Casares – prossegue Borges – recordou que um dos heresiarcas de Uqbar havia declarado que os espelhos e a cópula eram abomináveis, porque multiplicam o número dos homens”. Também podia ir-se pela mão de Alice, mas deixemos Carroll e a sua dama de copas.

Porque tudo tem um começo, arregalamos os olhos, semi-cerramo-los, névoas e brilhos sucedem-se ante o insólito atentado às portas do Templo. Énoite, uma noite depois daquela, a antiquíssima, e deparamo-nos com o mais insólito atentado. Oautor descreve-o com alguma minúcia: umas bolinhas, que parecem de sabão, umas seringas e uma espécie de gosma, venenosa, presumimos, que três bradas – Caia, Laissone e Jeremias – sopram com uma cana. Terrorismo bacteriológico mas executado como se de uma brincadeira de crianças se tratasse. Em banda desenhada, com recorte ao fundo das colunas em sombra, veríamos a silhueta dos três da vida airada com as canas em pose e as bolinhas flanando – brilhantes ou brilhosas, como preferirem – em contraste com o escuro do mistério e o balão encimando o quadro com a onomatopeia “floc! floc!”. Éisto uma novela futurista?

E que cidade! Reduzida a si, sem topônimo, com uma parte alta, uma parte baixa, um subúrbio com paredes de chapas onduladas, ferinas, segundo o narrador. Um subúrbio assim descrito: “Os escanzelados candeeiros públicos delimitam no seu pé (o pé de Laissone) pequenas ilhas de luz sobre as quais esvoaçam, enlouquecidos, os insectos”.E, como se não bastasse, há ainda o som de um trompete. Énesta triangulação de percursos, com a sempre omnipresente avenida Louise – um achado, volto repetir – que as três personagens correm, fogem, deparam-se com gente estranha – não propriamente zombies – mas algo excêntricas, no sentido etimológico da palavra: avós desfiando o tempo, uma indefinida baba tecida agora de vazios, meninas e generais à varanda da sua obra de plástico. Caia, Laissne, Jeremias, são a única mobilidade acossada. E correm. Quando um deles é aprisionado e tropeça na palavra – para confessar, claro – a palavra é violentada. Apalavra não é da ordem da conotação. Querem-na confessional. O acontecimento tinha de ser com Jeremias. Ele faz, para si o filme breve da sua vida, mas, escreve o narrador, os torcionários “queriam dele uma torrente de palavras dóceis, que se dissolvessem numa certa lógica, mas o que o prisioneiro lhes entrega são palavras que engolem o acto, o transformam em algo que já não é acto mas uma qualquer delirante construção”. “Metáforas?”, pergunta ele, e a inquirição é-nos devolvida. Começamos a coçar a cabeça. Arre!, exclamariam, num certo antigamente da vida, os desaparecidos velhos de uma certa cidade que conhecemos. Mas Jeremias faz como Bartleby, embora o seu “preferia não… “ seja de outra ordem, porque impossível. Então, os “fragmentos de que falava – observa o narrador – são agora esquírolas que tomam conta das palavras, e as palavras são só letras soltas e sangue e guinchos e dentes e baba que excitam os torturadores, e por fim uma massa amorfa que flui devagar pelas comissuras dos lábios desfraldados, sem que seja necessário empurrá-la. Um cálido magma, quando muito um espaço mastigável”.

Grave circunstância nesta cidade futurada, a agrilhoada ou conspurcada condição das palavras. Talvez seja por isso que o som do trompete acentua a melancolia dos seres, enovelados numa espécie de tempo aracnídeo, onde há encarquilhadas mãos como raízes expostas segurando o fio, um fio de Ariadne que, suspeita-se, se perdeu.

Não obstante as vestes ditas futuristas, há nesta “Cidade dos Espelhos” a dimensão da catástrofe tal como a define Aristóteles na sua “Poética”. Cuja, consistia “numa acção perniciosa e dolorosa, como são as mortes em cena, as dores veementes, os ferimentos e mais casos semelhantes”. A catástrofe introduz a perturbação que prenuncia o desfecho, ou o desenlace. “O messias está exangue – escreve o narrador – sem condições para prosseguir o encantamento do mundo. A multidão murmura, relutante em dispersar.”

Desconfio que, no meio dela, anônimo e discreto, um certo poeta, tendo assistido ao julgamento dos personagens, percorrida a avenida Louise, constatado um inusitado frêmito nas estátuas perfiladas, escutado o “lamento sincopado das chapas onduladas”, percebida a seiva inquieta por dentro das árvores sintéticas da cidade alta, esse certo poeta com uma ideia de prosa, preferiu, apesar de tudo apiedar-se da “cidade dos espelhos”. “Por isso – condescende – ela ficará em suspenso, perdida neste jogo de reflexos, enquanto das falhas das paredes e dos passeios, dos frisos dos edifícios e dos castigados olhos das estátuas, não rebentarem novas ervas e destas surgirem as sementes de futuros personagens marchando lentamente em procissão até ao templo das colunas, com as suas cores e os seus rumores”.

Ele é a criança neotécnica, a pedamorfose, de que fala Giorgio Agamben, “a que pode dar atenção àquilo que não está escrito”. E prossegue: “Acultura e a espiritualidade genuína são aquelas que não esquecem esta originária vocação infantil da linguagem humana, enquanto uma cultura degradada caracteriza-se por tentar imitar um gérmen natural para transmitir valores imortais e codificados. (…) Em qualquer parte de nós o distraído rapazinho neotécnico continua o seu jogo real. (…) Só no dia em que essa originária não-latência infantil fosse verdadeiramente, vertiginosamente, assumida como tal, em que se recuperasse o tempo e o menino Aíon fosse distraído do seu jogo, os homens poderiam construir uma história e uma língua universais, já não diferentes, e pôr fim à sua errância nas tradições. Este autêntico apelo da humanidade em relação ao soma infantil tem um nome: o pensamento, ou seja, a política”.

Mas as crianças brincam e podem ser cruéis. Deste originalíssimo livro de João Paulo Borges Coelho, onde o puro jogo de muitos sinais mescla-se com a ironia, terna é ela, onde na rarefacção que o perpassa, a memória institui-se como ágon, e percebe-se uma visualidade que a arte da escrita nos oferece, entre a imobilidade misteriosa de certos quadros de Paul Delvaux e a convulsão interior da Cathédral Engloutie, de Débussy, deste livro pode-se dizer que é um dos mais originais da literatura moçambicana.

Razão tem Nazir Can quando observa que “ a chegada de JPBC produz um saudável abalo no universo literário moçambicano. Estamos certos que a sua escrita, como ocorre com todos os tremores, marcará uma época”.

O autor que me perdoe por citar e falar, não de livros e seus fazedores, mas, seguindo na esteira deste seu entusiástico e competente estudioso, o inclua onde ele, afinal, também está.

João Paulo Borges Coelho é hoje dono de uma obra que, como afirma Nazir Can, “faz da relativização ou mesmo da desmistificação de toda a certeza, principalmente das certezas históricas e causas ideológicas de sentido único, a sua pedra angular. Esta opção, de resto, permite ao autor projetar um olhar novo sobre a História de Moçambique, um olhar que transcende a fácil dicotomia (entre “bons” e “maus”, “colonizadores” e “colonizados”) e que, simultaneamente, evita a facilidade do “indiferenciado no diverso”. Finalmente, JPBC consegue encontrar um caminho original para desenvolver a sua escrita, sem ter que passar pelo filtro de justificações normalmente exigidas ao escritor africano: porta-voz autorizado do lugar; missão social e compromisso político, que sustentam e outorgam sentido à sua vida literária, etc.

Parafraseando Rimbaud, é na liberdade livre que está o compromisso do autor de “Cidade dos Espelhos”. Só me resta saudá-lo com admiração e amizade. E convidar-vos à leitura

Fonte:
Revista Literas (Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona). Maputo, 30 de agosto de 2011. ano 1. n.8. enviada por Amosse Mucavele (coordenador). Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa.

Bertold Brecht (Livro de Poemas)


Para se ler num primeiro dia de maio.

A EXCEÇÃO E A REGRA

Estranhem o que não for estranho.
Tomem por inexplicável o habitual.
Sintam-se perplexos ante o cotidiano.
Tratem de achar um remédio para o abuso
Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.

NADA É IMPOSSÍVEL DE MUDAR

Desconfiai do mais trivial ,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.

TEMPOS SOMBRIOS

Realmente, vivemos tempos sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.
Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes,
pois implica em silenciar
sobre tantos horrores.

PERGUNTAS DE UM OPERÁRIO QUE LÊ.

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis.
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilônia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros?

A grande Roma está cheia de arcos de triunfo.

Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Sò tinha palácios
Para os seus habitantes?

Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitòria.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas

Fonte:
Boletim Guatá

Bertolt Brecht (Se os Tubarões Fossem Homens)


Se os tubarões fossem homens, eles seriam mais gentís com os peixes pequenos. Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais. Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adotariam todas as providências sanitárias cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim de que não morressem antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.

Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a goela dos tubarões. Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. Aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos. Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos. Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência. Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista. E denunciaria imediatamente os tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.

Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre si a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros.As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que, entre os peixinhos e outros tubarões existem gigantescas diferenças. Eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro. Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.

Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, haveria belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas goelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nas quais se poderia brincar magnificamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as goelas dos tubarões.A música seria tão bela, tão bela, que os peixinhos sob seus acordes e a orquestra na frente, entrariam em massa para as goelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos. Também haveria uma religião ali.

Se os tubarões fossem homens, eles ensinariam essa religião. E só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida. Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros. Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões, pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar. E os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiros da construção de caixas e assim por diante. Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.

Fonte:
Boletim Guatá.

Berthold Brecht (1898 – 1958)


Eugen Berthold Friedrich Brecht (Augsburg, 10 de Fevereiro de 1898 — Berlim, 14 de Agosto de 1956) foi um destacado dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. Seus trabalhos artísticos e teóricos influenciaram profundamente o teatro contemporâneo, tornando-o mundialmente conhecido a partir das apresentações de sua companhia o Berliner Ensemble realizadas em Paris durante os anos 1954 e 1955.

Ao final dos anos 1920 Brecht torna-se marxista, vivendo o intenso período das mobilizações da República de Weimar, desenvolvendo o seu teatro épico. Sua praxis é uma síntese dos experimentos teatrais de Erwin Piscator e Vsevolod Emilevitch Meyerhold, do conceito de estranhamento do formalista russo Viktor Chklovski, do teatro chinês e do teatro experimental da Rússia soviética, entre os anos 1917-1926. Seu trabalho como artista concentrou-se na crítica artística ao desenvolvimento das relações humanas no sistema capitalista.

Brecht nasceu no Estado Livre da Baviera, no extremo sul da Alemanha, estudou medicina e trabalhou como enfermeiro num hospital em Munique durante a Primeira Guerra Mundial. Era filho de Berthold Brecht, diretor de uma fábrica de papel, católico, exigente e autoritário, e de Sophie Brezing (em solteira), protestante, que fez seu filho ser batizado nesta igreja.

Suas primeiras peças, Baal (1918/1926) e Tambores na Noite (1918-1920), foram encenadas na vizinha Munique. Em sua participação no teatro Brecht conhece o diretor de teatro e cinema Erich Engel, com quem veio a trabalhar até o fim da sua vida.

Depois da primeira grande guerra mudou-se para Berlim, onde o influente crítico, Herbert Ihering, chamou-lhe a atenção para a apetência do público pelo teatro moderno. Trabalha inicialmente com Erwin Piscator, famoso por suas cenas Piscator, como eram chamadas, cheias de projeções de filmes, cartazes, etc. Em Berlim, a peça Na Selva das Cidade, protagonizada por Fritz Kortner e dirigida por Engel, tornou-se o seu primeiro sucesso.

Com a eleição de Hitler, em 1933, Brecht exila-se primeiro na Áustria, depois Suíça, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Inglaterra, Rússia e finalmente nos Estados Unidos. Recebeu o Prêmio Lênin da Paz em 1954.

Seus textos e montagens o fizeram conhecido mundialmente. Brecht é um dos escritores fundamentais deste século: revolucionou a teoria e a prática da dramaturgia e da encenação, mudou completamente a função e o sentido social do teatro, usando-o como arma de consciencialização e politização.

As suas principais influências foram Constantin Stanislavski, Vsevolod Emilevitch Meyerhold, Erwin Piscator e Viktor Chklovski.

Algumas de suas principais obras são: Um Homem é um Homem, em que cresce a ideia do homem como um ser transformável, Mãe Coragem e Seus Filhos, sobre a Guerra dos Trinta Anos, escrita no exílio, no começo da Segunda Guerra Mundial, e A Vida de Galileu.

Além dessas, escreveu também Seu Puntila e seu Criado Matti, A Resistível Ascensão de Arturo Ui, O Círculo de Giz Caucasiano, A Boa Alma de Setzuan, A Santa Joana dos matadouros e A Ópera dos Três Vinténs.

Teatro Épico

Não é simples falar sobre o conceito que Brecht tinha do teatro, apesar de ao longo de 30 anos haver escrito ensaios e comentários sobre este tema. Este autor era mais um pensador prático, que sempre recriava suas peças ou "experimentos sociológicos", como as preferia chamar, no intuito de aperfeiçoá-las. Pois era através delas que toda sua teoria, crítica e pensamento seriam expostos.

Além de dramaturgo e diretor, Brecht foi responsável por aprofundar o método de interpretação do teatro épico, uma das grandes teorias de interpretação do século XX. Uma das grandes influências no desenvolvimento desta forma de interpretação foi a arte do ator Mei Lan-Fang, que Brecht acompanhou numa representação em Moscou em 1935.

Descreve Brecht em Escritos sobre Teatro um relato deste ator chinês que informa muito sobre a forma de interpretação no teatro épico, ao representar papéis femininos. Mei Lan-Fang repetira várias vezes numa palestra, por seu tradutor, que ele representava personagens femininos em cena, mas que não era imitador de mulheres. Continua Brecht, descrevendo uma demonstração das técnicas deste ator num encontro, que este ator, de terno, executava certos movimentos femininos, ressaltando sempre a presença de duas personagens, um que apresentava e outro que era apresentado. Brecht sublinha que o ator chinês não pretendia andar e chorar como uma mulher, mas como uma determinada mulher (pg40, vol2).
[editar] Interpretação épica

Segundo Rosenfeld, "Foi desde 1926 que Brecht começou a falar de ‘teatro épico’, depois de pôr de lado o termo ‘drama épico’, visto que o cunho narrativo da sua obra somente se completa no palco" (ROSENLD, 1965, p. 146), é possível inferir, portanto, a importância que a encenação tem para os textos brechtianos. É só através da atitude dos atores, do cenário, da música, dos sons e até do silêncio que seu pensamento se completa, só através destes elementos que seu texto causará o efeito desejado, caso o contrário seu não causará o impacto devido.

No início de sua carreira Brecht estabelece os elementos de uma nova forma de interpretação para o ator. Em, a propósito dos critérios de apreciação da arte dramática, defende o ator Peter Lore de críticas negativas dizendo que uma interpretação gestual levará o público a exercer uma operação crítica do comportamento humano. Afirma que cada palavra deve encontrar um significado visual e através do gesto o espectador pode compreender as alternativas da cena (Peixoto, 1974, 2. edição, pg; 68).

Peixoto descreve que para Brecht a interpretação gestual deve muito ao cinema mudo, principalmente a Chaplin, que elaborara uma nova forma de figuração do pensamento humano (Peixoto, 1974, 2. edição, pg; 68). Esta preocupação levará a que Brecht defina o conceito de gestus na interpretação e montagem de suas peças.
[editar] Influências

Conforme destaca Fredric Jameson, em seu Método Brecht, algumas das inovações propostas pela cena brechtiana são similares àquelas propostas por importantes artistas modernistas no teatro ou em outras artes. Destacam-se entre eles a dramaturgia de Frank Wedekind, influência reconhecida pelo próprio Brecht, o romance Ulysses de James Joyce, as propostas cubo-futuristas de Maiakovski, ou construtivistas no cinema de Sergei Eisenstein e, principalmente, os postulados do diretor de teatro Meyerhold e os procedimentos de colagem nos trabalhos de Picasso.

Willet, por outro lado, reforça o aspecto da construção narrativa em seu trabalho: Com Brecht os mesmos princípios de montagem espalham-se ao teatro pois a forma narrativa do teatro épico seria mais adequada para se lidar com temas sócio-econômicos, evidenciando Willet que a montagem foi a técnica estrutural mais natural na prática artística brechtiana (1978, 110).

Algumas de suas Peças de teatro

Baal 1918/1923
Tambores na Noite 1918-20/1922
Os mendigos 1919/?
O Casamento do Pequeno Burgues 1919/1926
Na Selva das Cidades 1921-24/1923
A Vida de Edward II da Inglaterra 1924/1924
O Homem é um Homem (Mann ist Mann) 1924-26/1926
O Elefante Calf 1924-6/1926
Mahagonny 1927/1927
A Ópera dos Três Vinténs 1928/1928
O Vôo no Oceano 1928-29/1929
A Peça de Baden-Baden 1929/1929
Happy End 1929/1929
Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny 1927-29/1930
Aquele que diz Sim, Aquele que diz Não 1929-30/1930-?
A Decisão 1930/1930
Santa Joana do Matadouros 1929-31/1959
A Exceção e a Regra 1930/1938
A Mãe 1930-31/1932
Os Sete Pecados Capitais 1933/1933
Cabeças Redondas, Cabeças Pontudas 1931-34/1936
Horácios e Curiácios 1933-34/1958
Terror e Miséria no Terceiro Reich 1935-38/1938
Os Fuzis da Senhora Carrar 1937/1937
Galileo Galilei 1937-9/1943
Quanto Custa o Ferro 1939/1939
Mãe Coragem e seus Filhos 1938-39/1941
O Julgamento de Lucullus 1938-39/1940
O Sr Puntila e seu criado Matti 1940/1948
A Boa Alma de Sezuan 1939-42/1943
A Resistível Ascensão de Arturo Ui 1941/1958
As Visões de Simone Machard 1942-43/1957
Schweik na Segunda Guerra Mundial 1941-43/1957
O Círculo de Giz Caucasiano 1943-45/1948
Antígone 1947/1948
O Tutor 1950/1950
Coriolanus 1951-53/1962
O Julgamento de Joana D'Arc, 1952/1952
Turandot 1953-54/1969
Don Juan 1952/1954
Trompetes e Tambores 1955/1955

Fonte:
Wikipedia

Projeto irá Incentivar Livro e a Leitura


Objetivo é lançar livros a R$ 10 e elevar a leitura entre a população de renda menor.

A Fundação Biblioteca Nacional (FBN) será responsável pela execução do Programa Livro Popular, iniciativa do Governo Federal que irá destinar 36 milhões para estimular e fomentar o mercado editorial no pai. O objetivo é tornar o livro mais acessível a todas as camadas da população e ampliar o número de leitores no país.

O projeto, divulgado pela Presidente Dilma Roussef, durante o a solenidade de abertura da Bienal, é que os livros selecionados pelas editoras possam custar, no máximo, R$ 10 em qualquer localidade do território nacional. O edital programa terá dotação de R$ 36 milhões.

O primeiro edital será destinado aos editores para que inscrevam os livros que se enquadram na categoria livros populares. Além das livrarias, estão sendo convidados pontos de venda, como bancas de jornais e revistas, e outros pontos alternativos, para que façam a adesão ao programa. Ao mesmo tempo, está sendo aberto outro edital voltado às bibliotecas municipais, rurais e comunitárias, para que elas também se inscrevam no programa e digam se querem receber recursos do Livro Popular.

Com a ação, serão as próprias bibliotecas que escolherão os livros que desejam para seus acervos, entre uma lista grande do programa, que terá um portal na internet, para o acompanhamento e fiscalização das etapas do projeto. O Programa Livro Popular prevê que as publicações cheguem às classes C, D e E da estratificação social

A primeira etapa do programa está marcado para a próxima semana, com o cadastramento, por edital, dos livros populares indicados por editores. As livrarias, bancas de jornal e outros estabelecimentos de varejo que queiram vender livros mais baratos serão convidados a se inscrever no programa.

As bibliotecas já estão sendo cadastradas pelo Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas e convidadas a aderir ao projeto. Elas receberão um cartão-livro com créditos que vão de R$ 300,00 a R$ 15 mil para a compra dos livros que elas próprias escolherão.

O primeiro edital, a ser lançado ainda este ano, destinará R$ 35 milhões do Fundo Nacional de Cultura para a compra de quatro a cinco milhões de exemplares para as bibliotecas.

Fonte:
Boletim Guatá. setembro de 2011.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 9


Lima Barreto (Uma Noite no Lírico)


Poucas vezes ia ao antigo Pedro II, e as poucas em que lá fui, era das galerias que assistia ao espetáculo.

Munido do competente bilhete, às oito horas, entrava, subia, procurava o lugar marcado e, nele, mantinha-me, durante a representação. De forma que aquela sociedade brilhante que eu via formigar nos camarotes e nas cadeiras, me aparecia distante, colocada muito afastada de mim, em lugar inacessível, no fundo de cratera de vulcão extinto. Cá do alto, debruçado na grade, eu sorvia o vazio da sala com a volúpia de uma atração de abismo. As casacas corretas, os uniformes aparatosos, as altas toilettes das senhoras, semeadas entre eles, tentavam-me, hipnotizavam-me. Decorava os movimentos, os gestos dos cavalheiros e procurava descobrir a harmonia oculta entre eles e os risos e os ademanes das damas.

Nos intervalos, encostado a uma das colunas que sustentam o teto, observando os camarotes, apurava o meu estudo do hors-ligne, do distinto, com os espectadores que ficavam nas lojas.

Via correrem-se-lhes os reposteiros, e os cavalheiros bem encasacados, juntarem os pés, curvarem ligeiramente o corpo, apertarem ou mesmo beijarem a mão das damas que se mantinham eretas, encostadas a uma das cadeiras, de costas para a sala, com o leque em uma das mãos caídas ao longo do corpo. Quantas vezes não tive ímpetos de ali mesmo, com risco de parecer doido ao polícia vizinho, imitar aquele cavalheiro?

Quase tomava notas, desenhava esquemas da postura, das maneiras, das mesuras do elegante senhor...

Havia naquilo tudo, na singular concordância dos olhares e gestos, dos ademanes e posturas dos interlocutores, uma relação oculta, uma vaga harmonia, uma deliciosa equivalência que, mais do que o espetáculo do palco, me interessavam e seduziam. E tal era o ascendente que tudo isso tinha sobre o meu espírito que, ao chegar em casa, antes de deitar, quase repetia, com o meu velho chapéu de feltro, diante do meu espelho ordinário, as performances do cavalheiro.

Quando cheguei ao quinto ano do curso e os meus destinos me impuseram, resolvi habilitar-me com uma casaca e uma assinatura de cadeira do Lírico. Fiz consignações e toda a espécie de agiotagem com os meus vencimentos de funcionário público e para lá fui.

Nas primeiras representações, pouco familiarizado com aquele mundo, não tive grandes satisfações; mas, por fim, habituei-me.

As criadas não se fazem em instantes duquesas? Eu me fiz logo homem de sociedade.

O meu colega Cardoso, moço rico, cujo pai enriquecera na indústria das indenizações, muito concorreu para isso.

Fora simples a ascensão do pai à riqueza. Pelo tempo do governo provisório, o velho Cardoso pedira concessão para instalar uns poucos de burgos agrícolas, com colonos javaneses, nas nascentes do Purus; mas, não os tendo instalado no prazo, o governo seguinte cassou o contrato. Aconteceu, porém, que ele provou ter construído lá um rancho de palha. Foi para os tribunais que lhe deram ganho de causa, e recebeu de indenização cerca de quinhentos contos.

Encarregou-se o jovem Cardoso de me apresentar ao "mundo", de me informar sobre toda aquela gente. Lembro-me bem que, certa noite, me levou ao camarote dos Viscondes de Jacarepaquá. A viscondessa estava só; o marido e a filha tinham ido ao buffet. Era a viscondessa uma senhora idosa, de traços empastados, sem relevo algum, de ventre proeminente, com um pince-nez de ouro trepado sobre o pequeno nariz e sempre a agitar o cordão de ouro que prendiaum grande leque rococó.

Quando entramos, estava sentada, com as mãos unidas sobre o ventre, tendo o fatal leque entre elas, o corpo inclinado para trás e a cabeça a repousar sobre o espaldar da cadeira. Mal desmanchou a posição em que estava, respondeu maternalmente aos cumprimentos, e interrogou o meu amigo sobre a família.

— Não desceram de Petrópolis, este ano?

— Meu pai não tem querido... Há tanta bexiga...

— Que medo tolo! Não acha doutor? dirigindo-se a mim.

Respondi:

— Penso assim também, viscondessa.

Ela ajuntou então:

— Olhe, doutor... como é a sua graça?

— Bastos, Frederico.

— Olhe, doutor Frederico; lá em casa, havia uma rapariga... uma negra... boa rapariga...

E, por aí, desandou a contar a história vulgar de uma pessoa que trata de outra atacada de moléstia contagiosa e não apanha doença, enquanto a que foge, vem a morrer dela.

Depois da sua narração, houve um curto silêncio; ela, porém, o quebrou:

— Que tal, o tenor?

— E bom, disse o meu amigo. Não é de primeira ordem, mas se o pode ouvir...

— Ah! O Tamagno! suspirou a viscondessa.

— O câmbio está mau, refleti; os empresários não podem trazer notabilidades.

— Nem tanto, doutor! Quando estive na Europa, pagava por um camarote quase a mesma cousa que aqui... Era outra cousa! Que diferença!

Como houvessem anunciado o começo do ato seguinte, despedimo-nos. No corredor, encontramos o visconde e a filha. Cumprimentamo-nos rapidamente e descemos para as cadeiras.

Meu companheiro, segundo a praxe elegante e desgraciosa, não quis entrar logo. Era mais chic esperar o começo do ato... Eu, porém, que era novato, fui tratando de abancar-me. Ao entrar, na sala, dei com o Alfredo Costa, o que me causou grande surpresa, por sabê-lo, apesar de rico, o mais feroz inimigo daquela gente toda.

Não foi durável o meu espanto. Juvenal tinha posto a casaca e cartola, para melhor zombar, satirizar e estudar aquele meio.

— De que te admiras? Venho a este barracão imundo, feio, pechisbeque, que faz todo o Brasil roubar, matar, prevaricar, adulterar, a fim de rir-me dessa gente que tem as almas candidatas ao pez ardente do inferno. Onde estás?

Disse-lhe eu, ao que ele me convidou:

— Vem para junto de mim... Ao meu lado, a cadeira está vazia e o dono não virá. E a do Abrantes que me avisou disso, pois, no fim do primeiro ato, me disse que tinha de estar em certo lugar especial... Vem que o lugar é bom para observar.

Aceitei. Não tardou que o ato começasse e a sala se enchesse... Ele logo que a viu assim, falou-me:

— Não te dizia que, daqui, tu poderias ver quase toda a sala?

— E verdade! Bela casa!

— Cheia, rica! observou o meu amigo com um acento sarcástico.

— Há muito que não via tanta gente poderosa e rica reunida.

— E eu há muito tempo que não via tantos casos notáveis da nossa triste humanidade. Estamos como que diante de vitrinas de um museu de casos de patologia social.

Estivemos calados, ouvindo a música; mas, ao surgir na boca de um camarote, à minha direita, já pelo meio do ato, uma mulher, alta, esguia, de grande porte, cuja tez moreno-claro e as jóias rutilantes saíam muito friamente do fundo negro do vestido, discretamente decotado em quadrado, eu perguntei:

— Quem é?

— Não conheces? A Pilar, a "Espanhola".

— Ah! Como se consente?

— E um lugar público... Não há provas. Demais, todas as "outras" a invejavam... Tem jóias caras, carros, palacetes...

—Já vens tu...

— Ora! Queres ver? Vê o sexto camarote de segunda ordem, contando de lá para cá! Viste?

—Vi.

— Conheces a senhora que lá está?

— Não, respondi.

— E a mulher do Aldong, que não tem rendimentos, sem profissão conhecida ou com a vaga de que trata de negócios. Pois bem: há mais de vinte anos, depois de ter gasto a fortuna da mulher, ele a sustenta como um nababo. Adiante, embaixo, no camarote de primeira ordem, vês aquela moça que está com a família?

— Vejo. Quem é?

— E a filha do doutor Silva a quem, certo dia, encontraram, em uma festa campestre, naquela atitude que Anatole France, num dos Bergerets, diz ter alguma cousa de luta e de amor... E os homens não ficam atrás...

— És cruel!

— Repara naquele que está na segunda fila, quarta cadeira, primeira classe. Sabes de que vive?

— Não.

— Nem eu. Mas, ao que corre, é banqueiro de casa de jogo. E aquele general, acolá? Quem é?

— Não sei.

— O nome não vem ao caso; mas sempre ganhou as batalhas... nos jornais. Aquele almirante que tu vês, naquele camarote, possui todas as bravuras, menos a de afrontar os perigos do mar. Mais além, está o Desembargador Genserico...

Costa não pôde acabar. O ato terminava: palmas entrelaçavam-se, bravos soavam. A sala toda era uma vibração única de entusiasmo. Saímos para o saguão e eu me pus a ver todos aqueles homens e mulheres tão maldosamente catalogados pelo meu amigo. Notei-lhe as feições transtornadas, o tormento do futuro, a certeza da instabilidade de suas posições. Vi todos eles a arrombar portas, arcas, sôfregas, febris, preocupados por não fazer bulha, a correr à menor que fosse...

E ali, entre eles, a "Espanhola" era a única que me aparecia calma, segura dos dias a vir, sem pressa, sem querer atropelar os outros, com o brilho estranho da pessoa humana que pode e não se atormenta...

Fonte:
BARRETO, Lima. A Nova Califórnia - Contos. São Paulo: Brasiliense, 1979.
Texto proveniente da Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 321)


Uma Trova Nacional

Partiste... eu sonho... tu sonhas
e nós seguimos mentindo:
nós somos dois sem-vergonhas
que vivem se despedindo.
–ARLINDO TADEU HAGEN/MG–

Uma Trova Potiguar

Mandaram-me “ouvir estrelas”.
Comecei a contemplá-las...
Apenas consegui vê-las,
não consegui escutá-las.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Curitiba/PR
Tema: IMAGEM - Venc.

Não julgue alguém pela imagem,
pois muitos fazem de tudo
para esconder na “embalagem”
a falta de conteúdo.
–GERSON CÉSAR SOUZA/PR–

Uma Trova de Ademar

Ao partir, causaste um drama
e, em estado de demência,
finjo ter você na cama...
E nem sinto a sua ausência.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Eu creio em Deus com profundo
sentido de lucidez,
mas no Deus que fez o mundo,
não no Deus que o mundo fez!
–ALFREDO DE CASTRO/MG–

Simplesmente Poesia

Nossas almas como rios caudalosos,
Fundem-se a desaguarem no amor.
Vão recebendo de afluentes preciosos
As delícias deste sentir acolhedor!
Ser livre é não ser escravo das culpas
do passado nem das preocupações do amanhã.
Ser livre é ter tempo para as coisas que se ama.
É abraçar, se entregar, sonhar, recomeçar tudo de novo.
É desenvolver a arte de pensar e proteger a emoção.
Mas, acima de tudo, ser livre é ter um caso de amor
com a própria existência e desvendar seus mistérios.
–AUGUSTO CURY/SP–

Estrofe do Dia

Sabe o que ficou pra mim
de mamãe que não me esqueço,
um retrato do começo
e o retrato do fim,
ambos agradam a mim
embora os veja sem gosto,
um mostra rugas no rosto
e o outro tão diferente;
um parece o sol nascente
outro parece o sol posto.
–ZÉ DE CAZUZA/PB–

Soneto do Dia

Contradição
–MARIA NASCIMENTO/RJ–

Hoje, mais uma vez, desesperada
por ser injustamente preterida,
vejo que já nasci predestinada
a amar sem nunca ser correspondida...

Mas o que me dói mais, na despedida,
é saber que fui sempre desprezada
porque foste o anjo bom da minha vida
e eu, da tua, jamais pude ser nada.

Se me pudesse ver da eternidade,
chorando de tristeza e de saudade
pelo amor que no tempo se perdeu,

Carlos Drummond de Andrade me diria:
"E agora", como vais viver Maria
sem o José que achavas que era teu?!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Paulo Leminski (Asas e Azares)


A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 8


Efigenia Coutinho (Janela da Vida)


Da janela do quarto avisto um morro...
Ele é um corpo de pedra assoberbado;
Desafia a terra e o céu e tem um gorro
no seu perfil gigante e endeusado.

Observo o seu porte alheio ao mundo
tão distante das guerras e dos combates,
invisível no tempo, doendo-me fundo
na falta de esperança do seu resgate!

Não sofre esta montanha... é sobranceira,
sem rosto nem idade, inerte, augusta!
Quem me dera que fosses à sua beira!

Porque teu talhe heróico muito custa...
É o sofrimento duma vida inteira
que dobra o dorso teu nessa canseira.

Fontes
Soneto enviado pela autora

Imagem = Era uma vez...Link

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 320)


Uma Trova Nacional

Tanto mal nós infligimos
a um alguém que bem nos queira
e o perdão que lhe pedimos
é uma nuvem passageira.
–JOSÉ FELDMAN/PR–

Uma Trova Potiguar


Cada gole de água-ardente
traz um ardor vitalício,
queimando as queixas da mente
dentro do fogo do vício...!
–MANOEL CAVALCANTE/RN–

Uma Trova Premiada

1962 - Almanaque do Recife/PE
Tema: FELICIDADE - Venc.

Felicidade, um ranchinho
e, dentro dele, nós dois;
nove meses de carinho
e um molequinho depois.
–OLYMPIO COUTINHO/MG–

Uma Trova de Ademar

Minha alma se concretiza
nos versos que são só meus.
e minha fé se eterniza
nas graças que vem de Deus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Na luta contra a cobiça,
mantendo na alma a esperança,
meu desejo de justiça
é maior que o de vingança!
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia

Rio da Alma
–EFIGÊNIA COUTINHO/SC–

Como um rio, em tua alma eu adejo,
Num caminho lento, quase invisível.
Por teu corpo meus sonhos almejo,
Encontrar morada de amor aprazível.

Mas a timidez vai tirando a ousadia,
Sem me deixar realizar os desejos.
Mas tua mão, que meu ser acaricia,
Faz-me sentir o teu calor e voejo.

Meu corpo no teu se aninhando,
Arranca das entranhas, vibrações.
Nos teus beijos vou procurando
Soltar sem medo minhas emoções.

Estrofe do Dia

É uma bola de ouro
pra todo humilde vaqueiro,
que ganha do fazendeiro
um belo chapéu de couro;
conduz aquele tesouro
à noite para o colchão,
para, na escuridão
não ser roído do rato
chapéu de couro, o retrato
do vaqueiro do sertão.
–MANOEL XUDU/PB–

Soneto do Dia

Jesus
–TRIGUEIRO FILHO/RN–

Jesus! Tu és o filho amado – e quanto...
Te amo muito, Jesus, com amor sem par
És verdadeiramente Bom e Santo
Tu és a luz do meu humilde lar.

Jesus! Glória ao teu nome sacrossanto!
“Amai-vos uns aos ouros” – sem cessar,
disseste em toda parte, em todo canto,
e sei que vens em breve me buscar.

Sei que o homem incrédulo não exprime
o teu valor, o teu saber sublime,
falta-lhe o verbo, sim, falta-lhe a luz.

Beijo e rebeijo o verso humildemente,
pois fiz no mesmo, repetidamente,
este teu nome santo, meu Jesus!

Fonte:
Textos enviados pelo autor

Leonardo Da Vinci (Fábulas) A Águia


Certo dia uma águia olhou para baixo, do alto do seu ninho, e viu uma coruja.

- Que estranho animal! - pensou consigo mesma. Certamente não se trata de um pássaro.

Movida pela curiosidade, abriu suas grandes asas e pôs-se a descer voando em círculos.

Ao aproximar-se da coruja perguntou:

- Quem é você? Como é seu nome?

- Sou a coruja - respondeu o pobre pássaro em voz trêmula, tentando esconder-se atrás de um galho.

- Há, há! Como você é ridícula! - riu a águia - sempre voando em torno da árvore. Só tem olhos e penas! Vamos ver - acrescentou, pousando num galho - vamos ver de perto como você é. Deixe-me ouvir sua voz. Se for tão bonita quanto sua cara vou ter que tapar os ouvidos.

Enquanto isso a águia tentava, por meio das asas, abrir caminho por entre os galhos para apanhar a coruja.

Porém um fazendeiro havia colocado, entre os galhos da árvore, diversos ramos cobertos de visgo, e também espalhara visgo nos galhos maiores.

Subitamente a águia viu-se com as asas presas à árvore, e quanto mais lutava para se desvencilhar, mais grudadas ficavam suas penas.

A coruja disse-lhe:

- Águia, daqui a pouco o fazendeiro vai chegar, apanhar você e trancá-la numa grande gaiola. Ou talvez a mate para vingar-se pelos cordeiros que comeu. Você, que passou toda a sua vida no céu, livre de qualquer perigo, tinha alguma necessidade de vir até aqui para caçoar de mim?

Fonte:
Portal a&e

Carlos Lúcio Gontijo (Antologia Poética 2)


PRIVACIDADE

Aonde vou levo minha casa
Minha intimidade está no outro
Perco privacidade se me escondo
Ela existe enquanto me revelo
Por autoestima velo o próximo
Como se cuidasse de mim mesmo
A amizade é joia de anjo
Arranjo divino para nossa sobrevivência

ORAÇÃO DOS CASAIS

Meu bem, sei que Deus protege os casais
Semeia trigais de ternura na pele
Para que o amor sele as marcas da procura
Então, na hora em que a gente for dormir
Façamos jus aos cuidados do Senhor
Por favor, acenda-me quando apagar a luz!

PSICANÁLISE

Na bandeja fria, a mente de Sartre
O olho do Freud que me espia
Eu salgo no vinagre
Degustando o milagre de me descobrir
Perdido numa rua escura de Paris
Bastilha nua que me liberta
Em ilha virtual demarcada a giz!

SOL ETERNO

Há mais alegria na procura que no encontro
A poesia da vida está na surpresa das esquinas
Em liberdade as diferenças se fazem divinas
Não se toma água limpa em fonte suja
Quem não garimpa dentro de si mesmo
Enferruja com seu toque tudo que amanhece
Não se conhece nem se doa ao próximo
É como canoa que temesse a festa da correnteza
A Natureza acontece na candura da simbiose
Ao horizonte do amor basta a luz da ternura
O sabor da fruta não depende da semente
Vem do calor da mão calejada do plantador
Pôr-do-sol que não se põe no peito da gente!

EVAPORAÇÃO

Arreio o cavalo baio da saudade
E saio por aí feito raio
Carregando balaio de lembranças
Tropeço em desejos
Em beijos caio
Apesar da procura de outros afagos
Tateio e trago a fumaça de sua presença
Que evapora do corpo em que vagueio...

TEMPO DE ARAGEM

Enquanto dorme a Gerais guardada em sinos
E os portugais desejam além de quintos
Sobre os dias de paisagem destruída
O sol não ilumina, nem vida irradia
Apenas combina jogo de luzes
E levemente consola
Não viola a escuridão
É fogueira em solidão sem claridade
(Daí vem-me a vontade vadia)
De introduzir monarquia em meu país
Pois sentir-me-ia mais feliz
Na pátria que não é minha
Se ao menos identificasse reis e rainhas
Ou tivesse a certeza de príncipes e princesas
Estampados no vazio das mesas
De uma gente que ordeira caminha
Levada por pés de rios de vento
E mil dedos de esperança brejeira
Transformando medos em terços de inteira coragem
Feito Natureza que agredida em seu berço
Faz da montanha o seu templo de aragem
E com sua fé arranha os céus!

PELAS RUAS DE MARIANA

Assim como os molhos de estrelas
Distante de nossos olhos a verdade dos fatos
O país no mapa do querer das visões
Da pedra-sabão nascem os brilhos
Filhos de anjos quebrando grilhões
Registrando na arte o sentimento humano
Pano de fundo em que se lavra a história
Heróis nas asas da memória das paredes
As nações são como as casas
É preciso juntar cada coisa em seu lugar
Dia do raiar da luta, guerrilhas, altares
Nesses mares a história é festa cigana
Manifesta-se nas ruas de Mariana-Mãe de Minas
Através de todas as sinas e cores
Odores da história, nossa eternidade material

COPO DE CAMPARI


Sinto Falta dos amigos distantes
Que na luta da vida se perderam
Ou antes se acharam em alguma morte
Feito mãe prepara leito de filho
Com o brilho da esperança nos olhos
Arrumo a casa, preparo a sala
Receberia com gala qualquer pessoa
Mas não soa a campainha
O silêncio me ensurdece
Derrete o gelo no copo de "campari"
Em mim o apelo de prece
Tanto zelo pra terminar assim
Sem alguém que me ampare
Ciente de que a carne é mero revestimento
Breve encantamento do espírito em solidão.
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Sobre o autor:
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2011/05/carlos-lucio-gontijo-1952.html
Antologia Poética 1:
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2011/05/carlos-lucio-gontijo-antologia-poetica.html
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Fontes:
– Poesias enviadas pelo autor
– Algumas poesias escolhidas do livro de Gontijo, O Ser Poetizado. 1.ed. Belo Horizonte, 2002.

Antonio M. A. Sardenberg (Poesia e Trovas)


Anjo deposto
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG

São Fidélis "Cidade Poema"

Dizia-me ser seu anjo,
Chamava-me sempre assim.
Era tão grande o carinho
Que fui achando aos pouquinhos
Que de tanto ser “querido”
Eu seria promovido:
Chegaria a ser arcanjo
Ou, quem sabe, querubim...

Ah! que engano cruel!
Ocupei tão pouco o posto!
Por você eu fui deposto:
Perdi asa, ganhei rabo,
De anjo virei diabo
Pra meu martírio e desgosto!

Folha Seca
MARGOT DE FREITAS SANTOS
Juiz de Fora/MG

Qual árvore frondosa, um dia foste.
Folhas verdejantes, tua alma,
Caule viçoso, tua estrutura,
Flores perfumadas, tua alegria.

O cotidiano, de ti roubou a alegria.
Folhas verdejantes, mutaram...secaram.
Sugaram-te a seiva, trazendo a agonia.
Foste secando, esfacelando...ruindo.

Teu corpo...como o caule reclinou.
Folhas secas, rodearam teu corpo.
Mas o coração pulsava, guerreava.
Descompassado, insistia...exasperava.

As folhas secas adubaram teus pés,
As lágrimas alimentaram tuas raízes.
Fortaleceste, reergueste...floriste.
Mulher! Árvore frondosa... ressurgiste!

Crepúsculo
HILDA PERSIANI
PR


Hoje, já no topo da velhice,
Lembrando lapsos da mocidade,
Arrependo de coisas que não disse
E de dizê-las sinto vontade,

Lembro-me ainda e com que sandice
E ao lembrá-las sinto até saudade,
Arrependo-me, mas que tolice
Dizê-las agora só por vaidade...

Por sensatez, talvez escrúpulo,
No coração ficarão guardadas,
Nunca, jamais serão reveladas.

Que adiantaria já no crepúsculo,
Revolver então as águas passadas;
Que fiquem sob cinzas apagadas!...

Desabafo
MARIA NASCIMENTO S. CARVALHO
RJ


No meu semblante há traços de cansaço,
e, em minha voz, vestígios de tristeza,
porque jungida às rédeas do fracasso,
não conservei a luz da glória, acesa.

E sempre pela vida em descompasso,
lutando contra o vírus da incerteza,
faço, da tênue força, força de aço,
e do ataque, minha arma de defesa.

Este cansaço que em meu rosto aflora,
não é moléstia que surgiu agora,
vem desde os magros tempos de criança.

E a tristeza que a minha voz embarga,
foi me tornando, aos poucos, mais amarga,
e cada dia mais sem esperança.

TROVAS:
Extraídas de Mensagens Poéticas publicada pelo
amigo e extraordinário poeta/trovador Ademar Macedo

Após busca pertinaz,
descobri, um dia, a esmo:
– Só hei de encontrar a paz
na renúncia de mim mesmo!
LUIZ ANTONIO CARDOSO/SP

De beijar-te tenho ânsia,
pois vivemos separados...
"o beijo é a menor distância
entre dois apaixonados".
DJALMA MOTA/RN

Meu Peito que é só pedaço,
na dor cruel que o invade,
não sabe onde arruma espaço
“pra” colocar mais saudade!
MANOEL NAHAS NETO/SP

Entre sonos e cochilos,
numa deslumbrante rota,
meus sonhos voam tranquilos
nas asas de uma gaivota...
ADEMAR MACEDO/RN

Quem parte devagarinho,
mas vai de rumo traçado,
ao começar seu caminho,
tem meio caminho andado.
WALDIR NEVES/RJ

Fonte:
Textos e imagem enviados pelo autor

Monteiro Lobato (O Saci) XXI – Más notícias; XXII – Chegam ao sítio


XXI – Más notícias

Parece que a mula-sem-cabeça tem a propriedade de afugentar os outros duendes da floresta, porque depois da sua passagem tudo por ali ficou deserto de seres. Só uma hora mais tarde é que os sacizinhos foram reaparecendo, um por um e ainda ressabiados. Mas reapareceram todos, afinal, e recomeçaram as travessuras, apenas interrompidas pela passagem da Porca dos Sete Leitões e do Caipora.

A Porca dos Sete Leitões é uma misteriosa porca alva como paina, que passeia acompanhada dos seus sete leitõezinhos, fossando o chão em procura de um anel enterrado. Só quando achar esse anel poderá quebrar o encanto e virar na baronesa que já foi. Por suas maldades no tempo em que havia escravos, um feiticeiro negro transformou-a em porca e virou seus sete filhos em leitões.

O Caipora é um duende peludo, meio homem, meio mono, que costuma cavalgar os porcos-do-mato e deter os viajantes para exigir fumo.

Aquele que por ali passou vinha montado num soberbo queixada de enormes presas salientes, tão corpulento e forte que para passar nem se desviava das pequenas árvores — ia derrubando-as.

Nisto um pio de coruja fez-se ouvir de perto. O saci apurou os ouvidos, com cara de quem não estava gostando nada daquilo.

— Aquela coruja está me chamando. Está dando sinal de que aconteceu qualquer coisa lá no sítio de Dona Benta. Tenho de ir ver o que é.

— E vai deixar-me sozinho aqui? — murmurou o menino de dentro do seu esconderijo, procurando dominar o medo.

Com o amigo perneta ao lado sentia-se seguro; mas ficar, por minutos que fosse, entregue a si próprio, naquela mata cheia de mistérios e ainda mais naquela hora sinistra da meia-noite, era duro de roer. Pedrinho, entretanto, dominou-se e disse, fazendo das tripas coração:

— Pois vá, mas não se demore muito porque... porque gosto muito da sua prosa, ouviu?

Dando uma risadinha de quem compreendia perfeitamente o que se passava dentro do seu companheiro, o saci foi falar com a coruja.

Minutos depois regressou, visivelmente inquieto. Percebendo a mudança, Pedrinho indagou ansioso:

— Que há?

— Coisa muito grave. Quando saí do sítio de Dona Benta, deixei lá uma coruja, que é minha mensageira, com ordem de avisar-me de qualquer coisa fora do comum que acontecesse. Pois bem: a coruja acaba de chegar com uma notícia nada agradável.

— Que é? Conte logo...

— A Cuca apareceu no sítio e furtou Narizinho...

— Não diga! — exclamou o menino, com os cabelos arrepiados. — Temos que salvá-la, saci! Darei tudo quanto você quiser, se me ensinar o meio de arrancar Narizinho das unhas desse horrendo monstro...

A Cuca! Pedrinho ainda tinha bem fresca na memória a lembrança dessa bruxa das histórias que a ama lhe contara nos primeiros anos de sua vidinha. Lembrava-se até duns versos que ela cantava para adormecê-lo:

Durma, nenê, que a Cuca já lá vem,
Papai está na roça; mamãezinha,
No Belém.

Lembrava-se que ouvindo essa cantiga sentia uma ponta de medo e fechava os olhos e logo dormia. Depois que cresceu nunca mais ouviu falar na Cuca, a não ser minutos antes, quando o saci lhe contou que a Cuca era a Rainha das Coisas Feias. Seria verdade? Verdade ou não, tinha de voltar ao sítio incontinenti e de qualquer maneira.

— Vamos embora, saci! Precisamos chegar ao sítio o quanto antes, para saber com certeza o que há. Pode ser que a coruja esteja mentindo, mas também pode ser verdade.

— Mentira não é — disse o saci. — Minha coruja não mente. Mas pode ser que a menina tenha sido raptada por outro duende que não a Cuca. É o ponto que temos de verificar.

— E se for a Cuca mesmo? Que havemos de fazer?

— Não sei. Tenho de pensar nisso. A Cuca é bastante poderosa, e má como ela só. Mas havemos de dar um jeito. Tenho cá uma idéia. Venha comigo.

Saíram do oco da peroba e tomaram o caminho do sítio de Dona Benta. A escuridão da noite não embaraçava em nada ao saci que, como filho das trevas, enxergava no escuro ainda melhor do que ao sol. Mas o pobre Pedrinho padeceu um bocado. Só podia guiar-se pela brasa do cachimbo do saci, de modo que tropeçou em muito cipó e toco de pau podre, afundando os pés em formigueiros e buracos de tatu, espinhando-se na cara e nos braços. Mas era tal a sua ânsia de chegar que nem sequer a dor das arranhaduras sentiu.

— Nesta andadura chegaremos tarde — disse de repente o saci. — Se você é bom cavaleiro, poderemos ir montados num porco-do-mato.

— Sou. Já montei até num garrote bem taludo, que deu os maiores corcovos do mundo sem conseguir derrubar-me.

— Pois então, tudo está resolvido. Olhe! Lá vem em nosso rumo uma vara de porcos. Suba a esta árvore; assim que eu der sinal, atire-se de perna aberta para cima do lombo do que vem na frente. Eu irei na garupa.

Assim fizeram. Subiram os dois a uma árvore baixa; logo que o porco chefe passou por debaixo da árvore, Pedrinho e o saci atiraram-se sobre ele, agarrando-se aos compridos pêlos do congote. Assustado com aquela manobra, o pobre porco disparou numa galopada louca pela mata afora, na direção desejada pelo saci. Este habilíssimo duendezinho tinha jeito para tudo, inclusive dirigir porcos-do-mato como se os trouxesse seguros por um bom par de rédeas. Pedrinho não percebeu de que modo o saci conseguia isso, nem teve tempo de o perguntar. Todas as suas energias eram poucas para manter-se firme no lombo da cavalgadura de nova espécie. Aquela corrida com o saci dentro da noite iria constituir a mais arrojada aventura da sua vida. Por mais anos que se passassem, ele jamais poderia esquecer-se dela.

XXII – Chegam ao sítio

Depois de comprida caminhada, o menino percebeu que já estava em terras do sítio. Viu o rancho do Tio Barnabé perto da ponte; em seguida, os pastos; e finalmente, a casa da sua querida vovó.

No terreiro saltaram do porco-do-mato, o qual, aliviado da carga, prosseguiu na carreira com maior velocidade ainda.

Foram entrando. A casa estava silenciosa, de luzes acesas — coisa muito esquisita àquela hora da madrugada.

— Temos novidade — murmurou o menino. — Luz acesa a estas horas é mau sinal...

Na sala de jantar encontrou Dona Benta sentada na sua cadeirinha, com a cabeça apoiada nas mãos. Ao lado dela, Tia Nastácia escarrapachada no chão. De tal modo absorvidas estavam as duas velhas que nenhuma percebeu a chegada dos valentes salvadores.

— Que há, vovó? — foi gritando Pedrinho.

Dona Benta ergueu a cabeça e arregalou os olhos, como se a aparição de Pedrinho fosse um sonho. Tia Nastácia fez o mesmo, mais assustada do que admirada de ver o menino outra vez.

— Pedrinho! — exclamou a pobre avó, com expressão de esperança nos olhos vermelhos de tanto chorar. — Até que enfim você apareceu! Estava eu aqui desesperada, porque perder um neto já era demais, mas perder dois seria coisa acima das minhas forças...

— Perder dois? Quer dizer que Narizinho sumiu?

— Sim, meu filho! Logo que você desapareceu desta casa da maneira mais misteriosa, nada dizendo a ninguém, Narizinho saiu a dar uma volta pelos pastos para ver se o encontrava. Andou por lá gritando “Pedrinho! Pedrinho!” uma porção de tempo, até que de repente se calou. Julgamos que tivesse achado o fujão e ficamos muito contentes. Mas o tempo foi passando e nada de Narizinho voltar. Tia Nastácia e eu demos uma volta pelo pasto, chegamos até à casa do Tio Barnabé e nada. Isso, às três horas da tarde. Já são duas da madrugada e não tivemos ainda o menor indício de onde possa estar a coitadinha da minha querida neta...

Dizendo isto Dona Benta rompeu de novo em choro, acompanhada de Tia Nastácia.

Pedrinho contou onde estivera e, depois de consultar em segredo o saci, consolou Dona Benta e a preta, dizendo que sabiam onde Narizinho estava e iam buscá-la.

— É verdade isso ou você está fantasiando para me consolar?

Pedrinho, que nunca mentia, sentiu tanto dó das pobres velhas que pela primeira vez na vida resolveu enganá-las com uma mentira de bom tamanho. Deu uma risada e disse:

— Não se assuste, vovó! Narizinho e eu resolvemos pregar uma grande peça na senhora, mas essa peça é um segredo que não posso contar. Só amanhã, ao clarear o dia — e deu uma grande risada.

Dona Benta sossegou um pouco e ralhou severamente com o menino, fazendo ver o transtorno que aquela estranha “surpresa” lhe causara. Disse que sofria do coração e que se coisas assim se repetissem o certo era ir para a cova antes do tempo.

Pedrinho sossegou-a como pôde e saiu para o terreiro, gritando que se acalmasse porque dentro de uma ou duas horas estaria de volta com a menina.

Lá no terreiro, só com o saci outra vez, voltou-se para ele e disse:

— E agora, amigo saci, que iremos fazer?

— Estou armando o meu plano — respondeu o diabrete. — Já fiz uma inspeção pela casa toda e pelo terreiro. Estou na pista do raptor.

-— Raptor? — repetiu o menino, sem nada compreender.

— Sim. Narizinho foi raptada pela Cuca. Descobri o rasto da horrenda bruxa perto da porteira. Temos de ir à caverna onde mora a Cuca e ver o que há.

— Mas se a Cuca é poderosa como você diz, que poderemos fazer?

— Não sei. Lá veremos. O que é preciso é não desanimar. Se ela é poderosa, eu sou astucioso. A astúcia inúmeras vezes vence a força. Faça das tripas coração e acompanhe-me. O mau foi termos deixado escapar o porco que nos trouxe. Precisamos descobrir nova montaria.

— Isso é fácil. O meu cavalinho pangaré está no pasto de dentro. Manso como é, podemos pegá-lo e cavalgá-lo em pêlo.

— Pois vamos pegar o pangaré — concordou o saci.

Não foi difícil. Logo que o cavalinho reconheceu o dono, veio na direção dele no trote. Pedrinho montou, com o saci na garupa, e lá partiu na galopada.

Pedrinho logo percebeu que qualquer animal montado pelo saci mudava de modos, ficando não só mais ligeiro do que nunca e fogoso, como ainda com um senso de direção que parecia sobrenatural. Inúmeras vezes tinha cavalgado o pangaré e galopado nele; nunca, porém, o vira assim tão ardente e veloz. Era como se o saci lhe comunicasse alguma força mágica, que não é própria dos cavalos. Tal foi a velocidade desenvolvida que Pedrinho não pôde deixar de dizer:

— Mais parece o famoso Pégaso do que meu velho e lerdo pangaré! Estou estranhando isto...

— Não estranhe coisa nenhuma — aconselhou o saci. — Tudo são mistérios que só eu sei e que não vale a pena explicar agora. Não fale comigo, não me atrapalhe. Estou fazendo um grande esforço de cabeça para aperfeiçoar o meu plano de não só lograr a Cuca malvada como ainda castigá-la como merece.

— Conte ao menos um pedacinho dessa grande idéia, para me consolar.

— É uma idéia que aprendi com Dona Benta — respondeu o saci.

— Com vovó? — inquiriu o menino, admirado. — Como isso, se vovó jamais teve coragem de falar com você?

— Sim, nunca falou comigo, mas muita coisa do que ela disse eu ouvi de dentro da garrafa. Meus ouvidos são apuradíssimos. Lembro-me da história dum pingo d’água que ela contou certa noite...

— História dum pingo d’água? — repetiu o menino, cada vez entendendo menos. — Não posso perceber onde você quer chegar.

— Quero chegar à caverna da Cuca! — respondeu o saci brincalhonamente.

Vendo que ele se recusava a contar o plano que tinha na cabeça, o menino calou-se. Esporeado pelo saci, o pangaré aumentou ainda mais a velocidade do galope, de modo que antes de meia hora já se achavam numa região inteiramente nova para o menino.

“Onde estarei eu?” — ia ele pensando, sem coragem de interrogar o saci, de tal modo o via concentrado nas combinações do seu célebre plano.
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continua... XXIII - A Cuca; XXIV – O novelo de cipós
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Fontes:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
Imagem da Cuca = Projeto Memória

Francisco Carvalho (Os Luzeiros do Mundo )



Na contracapa do novo romance de Nilto Maciel, Ronaldo Cagiano toca em pontos cruciais da obra de ficção do autor cearense. Fala, por exemplo, da maneira peculiar com que o autor “manipula a linguagem, (...) sem jogo de palavras ou de espelhos”, e chama atenção para o que nela existe “de surrealismo, fantástico, nas representações simbólicas de nossas viagens metafísicas”. Compara a ficção de Nilto Maciel à de alguns autores brasileiros e estrangeiros. Destaca a preocupação do autor, voltada para a execução “de uma estrutura ficcional bem trabalhada”, no que revela constante burilamento de frases cuja perfeição atinge por vezes “o paroxismo”.

Em linhas gerais, Ronaldo Cagiano fornece ao leitor a senha do modus faciendi do escritor Nilto Maciel, um dos mais legítimos representantes de uma parcela de escritores que, no Brasil ou fora dele, se entregam à difícil tarefa de garimpar o absurdo da existência humana. E o tem feito, em seus contos e romances, com a mesma competência dos mestres universais que se ocupam desta vertente da literatura. Nilto Maciel pertence à estirpe de Kafka, Camus e Ionesco, para citar apenas três das maiores celebridades que fizeram opção pelo culto do fantástico e do surrealismo.

Em Os Luzeiros do Mundo (...) pode o leitor testemunhar o pulso firme do ficcionista, que se esmera em urdir tramas e labirintos em torno de personagens que mais parecem movidos por impulsos sobrenaturais, alheios à dinâmica da vida real. O núcleo da trama concentra-se nos rumores do suposto assassinato de Lucas Thaumaturgo, ex-aluno de “um seminário de padres jesuítas”. À maneira de um tecelão minucioso, o narrador vai entrelaçando palavras e acontecimentos ao redor dos protagonistas do romance. Quando o leitor começa a se dar conta dos fatos, percebe que já se encontra numa verdadeira encruzilhada de paradoxos, da qual dificilmente sairá com explicações convincentes. Porque a vitória do mistério será uma questão de tempo.

A essa altura dos acontecimentos, o absurdo da vida se instala em cada célula do nosso corpo, como se estivéssemos possuídos de alguma maldição escatológica. Juízes, promotores, advogados, policiais, serventuários da justiça, burocratas de todos os feitios, figuras folclóricas da cidade – toda uma legião de curiosos e penetras a desfiar hipóteses e suposições as mais contraditórias, embaralhando cada vez mais os fatos sobre o suposto assassinato de Lucas.

Até o zelador do cemitério, um velhote quase centenário, foi visto a anunciar pelas ruas a morte do ex-seminarista, a quem pregavam o rótulo de poeta, provavelmente por suas frequentes excursões no universo poroso da retórica. Inclusive o titular da paróquia, padre Gregório, gritava impropérios contra o presumível assassino de Lucas: “Fitava os olhos, furioso, em Raul, enquanto espanava a poeira da batina”.

A veia epigramática de Nilto Maciel flagra os momentos mais dramáticos do enterro de Lucas. Chega a lembrar certas passagens de Eça de Queirós, quando exercitava o látego da irreverência no lombo reluzente das mediocridades literárias do seu tempo: “O enterro teve honras militares, cívicas e eclesiásticas. A tropa de três policiais marchou ao lado da tropa de um da guarda-noturna, ao som de hinos marciais tocados pela banda municipal. Todas as autoridades civis trajavam paletó e gravata. Padre Gregório parecia um arcebispo” (p. 101). Ao fim da missa de corpo presente, Eunápio (atentem para o exotismo desse nome), num surto de arrebatamento patriótico, pregava a morte do comunismo. Entrementes, o coveiro sugeria que o finado Thaumaturgo, pai de Lucas, lhe fizera recomendações de algum lugar do espaço sideral quanto ao preparo da terra que iria receber o corpo de seu filho.

Se o romance, como pretende Carlos Drummond de Andrade, “é a arte de destelhar casas sem que os transeuntes percebam”, pode-se afirmar, sem receio de falsear a verdade, que Nilto Maciel foi capaz de realizar semelhante proeza. O que se passa no subsolo de suas narrativas, o autor “nem às paredes confessa”. Sua prosa acena com muitas expectativas, porém guarda o mistério a sete chaves, com a volúpia do avarento que esconde patacas de ouro numa botija. O romance termina sem que o autor entregue o mapa da mina a qualquer de seus personagens. Os comentários mais absurdos logo se transformam em verdades categóricas, que o vento e as pessoas se encarregam de espalhar pelas ruas. Termina-se a leitura do romance com a estranha sensação de que tudo não passou de um pesadelo.

Para concluir, faço minhas estas palavras de Ronaldo Cagiano, impressas na contracapa do livro: “O discurso literário de Nilto Maciel contrapõe-se a fórmulas perfeitas e acabadas, ao lugar-comum, às soluções estilísticas digeríveis, muito comum numa certa corrente em voga nas contemporâneas produções”. Érico Veríssimo acreditava que “o romance é o produto de uma irritação do escritor”. Fazia, contudo, esta ressalva: “Mas tem de ser um certo tipo especial de irritação”. Ao leitor, portanto, faço votos para que tire o melhor proveito das “irritações” produzidas pelo talento do ficcionista Nilto Maciel.
(Revista Literatura nº 31, jan/abr/2006)

Fonte:
Texto enviado por Nilto Maciel

A. A. de Assis (Revista Virtual de Trovas "Trovia" n. 141 setembro 2011)



Revista virtual de trovas
Ano 12 n. 141 setembro de 2011


Inesquecíveis

Já que tens alma de artista,
vive teus sonhos em paz;
mas que não percas de vista
o feio mundo em que estás!
Archimimo Lapagesse

A dor é o caro pedágio
que é pago na ponte erguida
de um estágio a outro estágio
na travessia da vida.
Clóvis Maia

Todo o teu corpo estremece
se te falo – que doidice!
Que dirá se eu te dissesse
aquilo que eu não te disse...
Djalma Andrade

Deixa a criança correr
descalça pelos caminhos!
Ela precisa aprender
a pisar sobre os espinhos...
José Maria M. de Araújo

Quero falar... retrocedo...
pois tenho um pavor medonho
de que ao contar meu segredo
você destrua o meu sonho!
Luiz Otávio

E’ tanto o amor que me invade
quando em seus braços estou,
que cada instante é saudade
do instante que já passou!
Newton Meyer

O tradicional Almanaque Santo Antônio, da Editora Vozes, edição de 2012, mais uma vez prestigia os trovadores. Traz duas páginas cheinhas de trovas.

Brincantes

Minha dívida eu não nego,
mas eu não posso pagar;
e vou deixá-la no prego
até você perdoar.
Ademar Macedo – RN

Pensei ter do teu carinho
um tico ao menos enfim.
Nem tico nem ticozinho,
que bobo afinal sou mim...
Arnaldo Ari – RJ

Da chuva não corro mais!
Não pago esse mico, ó gente:
correr dos pingos de trás
pra me molhar nos da frente?
Josafá Sobreira da Silva – RJ

Vou pondo no paletó
as lembranças do meu fado.
Acho que as boas – que dó! –
coloco em bolso furado...
José Fabiano – MG

Casou... sofrimento louco:
a esposa não lhe dá folga.
E, como se fosse pouco,
lhe gruda nos pés a “solga”...
Osvaldo Reis – PR

O “pulgo” ficou cismando
quando viu, pelo caminho,
sua pulga passeando
no cachorro do vizinho...
Renato Alves – RJ

Se é verdadeiro que é o cão
maior amigo da gente,
amigo de comilão
deve ser “cachorro quente”!
Selma Patty Spinelli – SP

Ao vê-la, sente que a odeia,
fica tenso e encolhe a pança...
Todo dia a briga é feia
entre um gordo... e uma balança!
Therezinha Brisolla – SP

Líricas e filosóficas

No instante em que é concebida,
entra na história a criança.
Negar-lhe o direito à vida
é um crime contra a esperança.
A. A. de Assis – PR

Meu pai, muito te agradeço
por tudo que me ensinaste.
Não existe nenhum preço
pelo tanto que me amaste.
Agostinho Rodrigues – RJ

Repare que nossa alma
rende-se sempre bem mais
por um olhar que se espalma
que por ouvir tristes ais.
Amilton Monteiro – SP

Um dia, mesmo te amando,
meu coração se calou
e eu passo a vida chorando
a audácia que me faltou!
Arlindo Tadeu Hagen – MG

Liberdade, não me iludo,
somente a terei, enfim,
quando eu livre for de tudo,
de todos... e até de mim!
Carolina Ramos – SP

Madrugada. A lua sonda
minha rede e, sem vacilo,
entregue à exaustão da ronda,
se deita, para um cochilo...
Darly O. Barros – SP

Quando parte quem amamos
fica um vazio entre nós:
– é quando então reparamos
como é triste estarmos sós!
Diamantino Ferreira – RJ

Quando, em momentos incertos,
eu penso em dizer adeus,,
teus olhos, bruxos espertos,
deitam feitiço nos meus...
Divenei Boseli – SP

Poeta mantém acesa
a chama do amor fecundo,
minimizando a tristeza
e as dores cruéis do mundo.
Djalma Mota – RN

Revejo o passado e penso,
sem surpresa e sem espanto,
que o tempo, às vezes, é o lenço
com que Deus me enxuga o pranto.
Domitilla Borges Beltrame – SP

Montanha cheia de neve
que se desfaz no degelo,
diga ao sol que também leve
a neve do meu cabelo!
Dorothy J. Moretti – SP

Velho amor da mocidade,
que ao tempo não se curvou,
minha musa tem a idade
do poeta que ainda sou!
Edmar Japiassú Maia – RJ

A saudade, em cantilenas,
como se fosse um ator,
até hoje rouba as cenas
de meus delírios de amor!
Eduardo A. O. Toledo – MG

A saúde, sim, tem leis
e é muito certo dizer
que para viver comeis,
não viveis para comer.
Élbea Priscila – SP

Às vezes menina ainda;
outras, mulher revelada.
Em tudo o que a vida brinda,
segue sempre apaixonada!
Eliana Jimenez – SC

A riqueza é, justamente,
o multiplicar do amor:
– dar amor a toda a gente
seja lá qual gente for!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

O espelho, em alguns instantes,
parece que ri... mas chora,
procurando traços de “antes”
na realidade de “agora”...
Ercy Marques de Faria – SP

Na minha amada a pensar,
passo noites sem dormir,
com medo até de sonhar,
e ela em sonho me trair...
Euclymar Barreto Porto – RJ

Meu coração é barato,
é cedido a qualquer preço;
basta mantermos contato
que o levo ao seu endereço.
Evando Marinho Salim – RJ

Abaixo a guerra entre irmãos!
Plantemos a paz somente.
– Quem tem sementes nas mãos
não tem granadas na mente.
Flávio Stefani – RS

Nosso casebre é de palha,
de pau a pique a parede.
O amor que aqui se agasalha
dorme comigo na rede!
Francisco Garcia – RN

O bom Deus, na sua ânsia
em ser justo, Ele predisse:
– Dou sorriso para a infância
o saber dou à velhice!
Francisco Pessoa – CE

Caíste, amigo? Ergue o peito.
Esconde o pranto. Levanta!
E’ ao cair do seu leito
que o rio mais forte canta.
Gilvan Carneiro da Silva – RJ

Meus lábios apaixonados
bebem o orvalho dos teus,
desses teus lábios molhados
que sonham com os lábios meus!
Gislaine Canales – SC

As rosas, como as estrelas,
Deus semeou para ti;
assim saberás, ao vê-las,
que Ele passou por aqui.
Héber Salvador de Lima – GO

Tornou-se a vida um aprisco
porquanto Deus assim quis,
enviando ao mundo Francisco,
o cordeirinho de Assis.
Humberto Del Maestro – ES

Seria a vida mais doce
e as dores bem mais amenas,
se toda lágrima fosse
um pingo de orvalho apenas...
Jaime Pina da Silveira – SP

Que tu estejas presente,
junto a mim, é o que desejo,
inda que seja somente
o tempo exato de um beijo!
Jeanette De Cnop – PR

Comprimido pelo tédio,
teu elixir foi meu mal.
És para mim, do remédio,
o efeito colateral.
J. B. Xavier de Oliveira – SP

Bendito o irmão que na roça
puxa a enxada e planta o grão,
tirando da terra a nossa
diária alimentação.
Jorge Fregadolli – PR

Tanta gente em si perdida
entre sombras se escondendo.
Cada dia é outra vida
que em disfarces vai morrendo…
José Feldman – PR

Uma das melhores formas de aprender a fazer boas trovas
é ler, tanto quanto possível, as trovas dos demais autores.

Deus sabe, mas não diz onde
se encontra a chave perdida
do mistério que se esconde
no lado oposto da vida.
José Lucas de Barros – RN

No meu livro de amarguras
desta vida “pós-você”,
há páginas tão escuras,
que nem a saudade lê.
José Ouverney – SP

O sonho que idealizo
tem na sua imensidade
o tamanho do sorriso
de quem mata uma saudade!
José Messias Braz – MG

Enquanto a chuva, lá fora,
escorre pela vidraça,
choro meu pranto, que embora
passando a chuva, não passa.
Laérson Quaresma – SP

Do simples pó eu procedo,
sei que a ele hei de voltar;
a vida não tem segredo:
é um eterno retomar.
Luiz Carlos Abritta – MG

Debruçada sobre o berço
do seu querido filhinho,
busca a mãe, com o seu terço,
indicar-lhe um bom caminho.
Luiz Hélio Friedrich – PR

Nunca mostres apatia
diante da luta na vida,
mas brinda com simpatia
e a inércia será vencida!
Mª Luíza Walendowski – SC

Entre um trovador e um santo, / que diferença hei de achar? /
Um reza a Deus no seu canto, / outro canta em seu rezar. (Brasil dos Reis)

Quem entra em meu coração
fica lá por toda a vida.
Ele é igual a um alçapão:
não tem porta de saída!
Maria Madalena Ferreira – RJ

Senhor: um medo infinito
ao ter que julgar me assusta,
premida pelo conflito
entre ser boa e ser justa!
Maria Nascimento – RJ

Há quem fale de mulher
com menosprezo profundo,
sem mesmo pensar, sequer,
em quem o trouxe a este mundo.
Mª Thereza Cavalheiro – SP

No adeus da tua partida
meu coração, infeliz,
ganhou enorme ferida
e não parou... por um triz!
Maurício Friedrich – PR

Xeroquei a sua imagem
e guardei na minha mente;
sempre na minha abordagem
é você que está presente.
Neiva Fernandes – RJ

Sei que é bom mudar o rumo
dos meus passos na jornada...
Mas só achamos o rumo
no final da caminhada.
Olga Agulhon – PR

No jardim da minha vida,
um perfume sobressai:
o que lembra a despedida
de um amor que não se esvai...
Olivaldo Júnior - SP

Na estação do meu anseio,
nos perdemos de nós dois...
– Não foi o trem que não veio:
fui eu que cheguei depois!...
Pedro Mello – SP

Ao ler uma bela trova / depois que pronta ficou, / quem calcula
a dura prova / por que o poeta passou? (J. G. de Araújo Jorge)

A tristeza em minha casa
está num quarto vazio:
de dia a saudade abrasa,
à noite mata de frio.
Roberto Acruche – RJ

Um coração congelado
pega fogo de repente,
quando o amor, fósforo alado,
risca faíscas na gente!
Roza de Oliveira – PR

Mulher de rara beleza
não deve, jamais, pintar-se,
pois obra da natureza
não necessita disfarce.
Ruth Farah – RJ

O chão batido,... a porteira,...
o teu semblante... e o destino...
são os marcos da fronteira
entre a saudade... e um menino!
Sérgio Ferreira da Silva – SP

Ante os golpes do destino
jamais curve sua fronte.
Olhe o pinheiro, menino,
tão altivo no horizonte !...
Sônia Ditzel Martello – PR

O parque reflete os brilhos
oriundos de mil cores,
das sementes em vidrilhos,
tecendo a colcha de flores.
Vanda Alves da Silva – PR

É tão vazia a paisagem,
e nem um vulto se vê...
Mas, sem ver qualquer imagem,
consigo enxergar você!
Vanda Fagundes Queiroz – PR

Ponha no cálice o vinho;
no seu coração, amor.
Toque a vida com carinho,
como a abelha toca a flor.
Vidal Idony Stockler – PR

Dizia o bom Luiz Otávio, / e ao dizê-lo ele sorria: /
– Solte o talento, destrave-o, / faça uma trova por dia! (aaa)

Visite: www.falandodetrova.com.br

Fonte:
Revista enviada por Assis