sábado, 1 de outubro de 2011

Olavo Bilac (Alma Inquieta: poesias) 4


CAMPO-SANTO

Os anos matam e dizimam tanto
Como as inundações e como as pestes...
A alma de cada velho é um Campo-Santo
Que a velhice cobriu de cruzes e ciprestes
Orvalhados de pranto.

Mas as almas não morrem como as flores,
Como os homens, os pássaros e as feras:
Rotas, despedaçadas pelas dores,
Renascem para o sol de novas primaveras
E de novos amores.

Assim, às vezes, na amplidão silente,
No sono fundo, na terrível calma
Do Campo-Santo, ouve-se um grito ardente:
É a Saudade! é a Saudade!... E o cemitério da alma
Acorda de repente.

Uivam os ventos funerais medonhos...
Brilha o luar... As lápides se agitam...
E, sob a rama dos chorões tristonhos,
Sonhos mortos de amor despertam e palpitam,
Cadáveres de sonhos...

DESTERRO

Já me não amas? Basta! Irei, triste, e exilado
Do meu primeiro amor para outro amor, sozinho...
Adeus, carne cheirosa! Adeus, primeiro ninho
Do meu delírio! Adeus, belo corpo adorado!

Em ti, como num vale, adormeci deitado,
No meu sonho de amor, em meio do caminho...
Beijo-te inda uma vez, num último carinho,
Como quem vai sair da pátria desterrado...

Adeus, corpo gentil, pátria do meu desejo!
Berço em que se emplumou o meu primeiro idílio,
Terra em que floresceu o meu primeiro beijo!

Adeus! Esse outro amor há de amargar-me tanto
Como o pão que se come entre estranhos, no exílio,
Amassado com fel e embebido de pranto...

ROMEU E JULIETA
(Ato III, cena V)

JULIETA:
Por que partir tão cedo? inda vem longe o dia...
Ouves? é o rouxinol. Não é da cotovia
Esta encantada voz. Repara, meu amor:
Quem canta é o rouxinol na romãzeira em flor.
Toda a noite essa voz, que te feriu o ouvido,
Povoa a solidão como um longo gemido.
Abracemo-nos! fica! Inda vem longe o sol!
Não canta a cotovia: é a voz do rouxinol!

ROMEU:
É a voz da cotovia anunciando a aurora!
Vês? há um leve tremor pelo horizonte afora...
Das nuvens do levante abre-se o argênteo véu,
E apagam-se de todo as lâmpadas do céu.
Já sobre o cimo azul das serras nebulosas,
Hesitante, a manhã coroada de rosas
Agita os leves pés, e fica a palpitar
Sobre as asas de luz, como quem quer voar.
Olha! mais um momento, um rápido momento,
E o dia sorrirá por todo o firmamento!
Adeus! devo partir! partir para viver...
Ou ficar a teus pés para a teus pés morrer!

JULIETA:
Não é o dia! O espaço inda se estende, cheio
Da noite caridosa. Exala do ígneo seio
O sol, piedoso e bom, este vivo clarão
Só para te guiar por entre a cerração...
Fica um minuto mais! por que partir tão cedo?

ROMEU:
Mandas? não partirei! esperarei sem medo
Que a morte, com a manhã, venha encontrar-me aqui!
Sucumbirei feliz, sucumbindo por ti!
Mandas? não partirei! queres? direi contigo
Que é mentira o que vejo e mentira o que digo!
Sim! tens razão! não é da cotovia a voz
Este encantado som que erra em torno de nós!
É um reflexo da luz a claridade estranha
Que aponta no horizonte acima da montanha!
Fico para te ver, fico para te ouvir,
Fico para te amar, morro por não partir!
Mandas? não partirei! cumpra-se a minha sorte!
Julieta assim o quis: bem-vinda seja a morte!
Meu amor, meu amor! olha-me assim! assim!

JULIETA:
Não! é o dia! é a manhã! Parte! foge de mim!
Parte! apressa-te! foge! A cotovia canta
E do nascente em fogo o dia se levanta...
Ah! reconheço enfim estas notas fatais!
O dia!... a luz do sol cresce de mais em mais
Sobre a noite nupcial do amor e da loucura!

ROMEU:
Cresce ... E cresce com ela a nossa desventura!
...........................................................................

VINHA DE NABOT

Maldito aquele dia, em que abriste em meu seio,
Cruel, esta paixão, como, ampla e iluminada,
Uma clareira verde, aberta ao sol, no meio
Da espessa escuridão de uma selva cerrada!

Ah! três vezes maldito o amor que me avassala,
E me obriga a viver dentro de um pesadelo,
Louco! por toda a parte ouvindo a tua fala,
Vendo por toda a parte a cor do teu cabelo!

De teu colo no vale embalsamado e puro
Nunca descansarei, como num paraíso,
Sob a tenda aromal desse cabelo escuro,
Olhando o teu olhar, sorrindo ao teu sorriso.

Desvairas-me a razão, tiras-me a calma e o sono!
Nunca te possuirei, bela e invejada vinha,
Ó vinha de Nabot que tanto ambiciono!
Ó alma que procuro e nunca serás minha!

SACRILÉGIO

Como a alma pura, que teu corpo encerra,
Podes, tão bela e sensual, conter?
Pura demais para viver na terra,
Bela demais para no céu viver...

Amo-te assim! – exulta, meu desejo!
É teu grande ideal que te aparece,
Oferecendo loucamente o beijo,
E castamente murmurando a prece!

Amo-te assim, à fronte conservando
A parra e o acanto, sob o alvor do véu,
E para a terra os olhos abaixando,
E levantando os braços para o céu.

Ainda quando, abraçados, nos enleva
O amor em que abraso e em que te abrasas,
Vejo o teu resplandor arder na treva
E ouço a palpitação das tuas asas.

Em vão sorrindo, plácidos, brilhantes,
Os céus se estendem pelo teu olhar,
E, dentro dele, os serafins errantes
Passam nos raios claros do luar:

Em vão! – descerrar úmidos, e cheios
De promessas, os lábios sensuais,
E, à flor do peito, empinam-se-te os seios,
Ameaçadores como dois punhais.

Como é cheirosa a tua carne ardente!
Toco-a, e sinto-a ofegar, ansiosa e louca...
Beijo-a, aspiro-a.. Mas sinto, de repente,
As mãos geladas e gelada a boca:

Parece que uma santa imaculada
Desce do altar pela primeira vez,
E pela vez primeira profanada
Tem por olhos humanos a nudez...

Embora! hei de adorar-te nesta vida,
Já que, fraco demais para perde-la,
Não posso um dia, deusa foragida,
Ir amar-te no seio de uma estrela.

Beija-me! Ficarei purificado
Com o que de puro no teu beijo houver;
Ficarei anjo, tendo-te ao meu lado:
Tu, ao meu lado, ficarás mulher.

Que me fulmine o horror desta impiedade!
Serás minha! Sacrílego e profano,
Hei de manchar a tua castidade
E dar-te aos lábios um gemido humano!

E à sombria mudez do santuário
Preferirás o cálido fulgor
De um cantinho da terra, solitário,
Iluminado pelo meu amor...
-
Fonte:
BILAC, Olavo. Antologia : Poesias. São Paulo : Martin Claret, 2002. Alma Inquieta. (Coleção a obra-prima de cada autor). Digitalizado por Anamaria Grunfeld Villaça Koch – São Paulo/SP

Margarete Edul Prado Lopes (Considerações sobre "A Literatura no Brasil", de Afrânio Coutinho)


A crítica literária brasileira tem passado por nítidas mudanças nos últimos 40 anos. Dentro do âmbito acadêmico, duas figuras marcaram o pensamento crítico brasileiro da segunda metade do século XX: Afrânio Coutinho e Antonio Cândido. Nas décadas de 80 e 90, a tendência da crítica, nas universidades brasileiras, foi de retomada e releitura da historiografia e crítica realizada desde os primeiros românticos com seus bosquejos e florilégios, passando pela geração do realismo-naturalismo de Sílvio Romero, Araripe Jr. e José Veríssimo, até os dias de Antonio Cândido. Sobre o trabalho crítico deste último, foram publicados estudos de relevo como Antonio Cândido: a palavra empenhada, de Célia Pedrosa ou "Antonio Cândido: formação da literatura brasileira", de Benjamin Abdala.

Mesmo Alfredo Bosi vem merecendo várias reflexões do seu trabalho de crítico, como bem o demonstram, por exemplo, os excelentes artigos de Roberto Reis "A redoma e o bumerangue: assédios à cultura brasileira", e o de Roberto Schwarz, "Discutindo com Alfredo Bosi". Mas sobre Afrânio Coutinho encontramos parcos comentários e miúdas menções, sempre em comparação ao trabalho de Antonio Cândido, em estudos que resumem os passos que tem dado a historiografia literária no Brasil. Podemos citar entre outros: "Rodapés, tratados e ensaios: a formação da crítica brasileira moderna", de Flora Sussekind; "Historiografia literária do Brasil", de Benedito Nunes; além do artigo de Luís Roberto Veloso Cairo intitulado "História da Literatura, Literatura Comparada e Crítica Literária: frágeis fronteiras disciplinares."

Diante da carência de trabalhos de peso sobre Afrânio Coutinho, justifica-se a pretensão de fazer algumas considerações, ainda que de forma preliminar, sobre as idéias e pretensões do autor nos prefácios e introdução da monumental obra que organizou, dirigiu e publicou em seis volumes: A literatura no Brasil. Em 1952, Afrânio foi encarregado pelo professor Leonídio Ribeiro, diretor do Instituto Larragoiti, de planejar e dirigir a publicação de uma história literária, A literatura no Brasil, com a colaboração de uma equipe de especialistas. A obra foi publicada, em quatro volumes, de 1955 a 1959, sendo ampliada para seis volumes na edição de 1968 –71, revista e atualizada em 1986.

Afrânio Coutinho nasceu em Salvador, Bahia, a 15 de março de 1911, filho de família tradicional, fez os cursos primário e secundário em sua terra natal, onde também se formou em Medicina em 1931. Não seguiu a carreira de médico, mas exerceu a função de professor do ensino secundário e de bibliotecário até 1942. Após cinco anos nos Estados Unidos, trabalhando como redator-secretário da revista Seleções do Reader’s Digest, foi nomeado professor catedrático de literatura no Colégio D. Pedro II. Em 1948, inaugurou, no Suplemento Literário do Diário de Notícias, a seção "Correntes Cruzadas", que manteve até 1961, debatendo problemas de crítica e teoria literária. Em 1940, publicou seu primeiro livro de crítica: A filosofia de Machado de Assis. Em 1958, fez concurso para livre docente da cadeira de Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje UFRJ. Em 1967, consegue criar a Faculdade de Letras e foi seu primeiro diretor, função que exerceu até 1980, quando se aposentou.

Em seu artigo "Rodapés, tratados e ensaios...", acima citado, Flora Sussekind traça em linhas gerais, as transformações por que tem passado a crítica literária brasileira nas últimas quatro décadas. Ela descreve três modelos de crítico na história da crítica no Brasil: o crítico de rodapé, o crítico universitário e o crítico teórico. O primeiro, muito popular nos anos 40 e 50, era o homem de letras, o bacharel, tinha como veículo privilegiado o jornal, era cultivador da eloqüência, adaptado às exigências e ao ritmo industrial da imprensa, acostumado a ter uma publicidade muito grande e um diálogo estreito com o mercado e com o movimento editorial. O crítico universitário, que apareceu nos meados dos anos 40, era o tipo ligado à especialização acadêmica, o homem formado e pós-graduado em Letras, cujas formas de expressão dominantes seriam o livro e a cátedra; e, por fim, o crítico teórico, "um desdobramento do personagem anterior e tendo como marca distintiva a auto-reflexão", porque, nas décadas de 60 e 70, dificultado o acesso à imprensa, a crítica universitária se vê restrita à população acadêmica mesmo.

Afrânio Coutinho se encaixava entre os críticos do segundo modelo, tendo feito parte de "uma geração de críticos, e críticos-escolares, que passa a olhar com desconfiança crescente para o modelo tradicional do ‘homem de letras’ e para o tratamento anedótico-biográfico em geral concedido à literatura na imprensa." O organizador de A literatura no Brasil defendia ardorosamente a habilitação específica para o crítico literário: "Formação tão ampla e complicada só pode ser adquirida no lugar adequado que são as universidades e faculdades de letras." (Jornal de letras, agosto de 1957). Em razão dessa postura, Afrânio protagonizou um combate, que durou quase uma década, à critica de rodapé, nos anos 50, tomando Álvaro Lins como alvo predileto.

Uma vez delineado o perfil do crítico, Flora Sussekind tece considerações sobre a obra A literatura no Brasil. A autora afirma que Afrânio defendia a autonomia plena do literário, fazendo uma supressão parcial da história em seus estudos literários. Ele reclamava que a crítica até então tinha sido dominada pelos fatores extrínsecos ou externos condicionantes da gênese do fenômeno literário. Afrânio delineia para a história literária um desenvolvimento imanente, interno, não condicionado por influências extraliterárias. Isto porque, para ele, o processo social se apresenta como fator eminentemente externo, ‘moldura’ para o que se desenrola no campo de produção cultural. Enfim, Afrânio propunha o privilégio de uma crítica estética.

De fato, Afrânio alega no prefácio à segunda edição de A literatura no Brasil que a obra é "uma história da literatura e não da cultura brasileira. O conceito dominante no livro é literário, isto é, encara a literatura como literatura, reduzindo-se por isso aos gêneros propriamente literários". Além de defender a supremacia da literatura sobre a história: "Se examinarmos as nossas obras, no particular, veremos que as domina o espírito histórico e não o espírito literário. São obras de história e não de literatura (...) Nossos historiadores conservando uma ilustre tradição, sempre se mostram com veleidades de fazer história literária, à maneira histórica, e não literária, é claro." (ALB, p. 61).

Deixando a história num lugar secundário, Afrânio declarava fazer uma história da literatura baseada na crítica estética e definia: "O estético é aquilo a que aspiram atualmente os estudiosos do problema em todo o mundo. A concepção estética da crítica impõe o reconhecimento do primado do texto. Parte do pressuposto de que o estético reside na obra, e não no autor ou no meio, o que leva a colocar em segundo plano os métodos extrínsecos de abordagem da literatura, como os históricos, sociológicos, biográficos, eruditos, válidos somente na medida em que proporcionam esclarecimentos sobre a obra." (ALB, p. 63)

Contudo, a história não parece ter ocupado um lugar assim tão secundário no projeto de Afrânio. Sobre o assunto, assegura Benedito Nunes que "dois critérios distintos presidem a historiografia de Afrânio Coutinho: um propriamente histórico, que leva à investigação dos traços nativistas; outro, estilístico, enquadrando, esteticamente, a periodologia literária."

Quanto à periodização, João Alexandre Barbosa a considera um dos pontos altos do trabalho de Afrânio Coutinho. Ele comenta em "Ensaio de historiografia literária brasileira" que "o maior valor da obra organizada e dirigida por Afrânio Coutinho reside na tentativa de elucidar modernamente alguns dos problemas fundamentais da Historiografia Literária, sobressaindo o da periodização que, na obra, obedeceu a critérios estilístico-sociológicos." João Alexandre observa que Afrânio procurou uniformidade na denominação de épocas, segundo uma determinante espiritual, inspiradora do estilo artístico, em lugar das tradicionais demarcações políticas de período colonial e nacional. Além disso, com a periodização estilística foi possível a Afrânio resgatar o Barroco brasileiro.

Realmente, Afrânio declara que "o princípio periodológico, tanto quanto o próprio princípio da história literária, deve decorrer de um conceito geral de literatura" (ALB, p. 14). Ele organizou sua história da literatura reagindo aos métodos historicistas dos historiadores anteriores, principalmente Sílvio Romero, porque a crença dominante até então era de que "a literatura é uma simples divisão da história geral" (ALB, p. 13). Enquanto a crítica estética adotada por Afrânio "considera a literatura com natureza e finalidades específicas, com valor próprio e exigindo escala de padrões própria para ser devidamente julgada" (ALB, p. 11).

Para Afrânio, na literatura brasileira, como na portuguesa, as divisões tradicionais dos períodos literários referem-se, com ligeiras diferenças, a critérios políticos e históricos, com subdivisões arbitrárias, por séculos, decênios ou escolas literárias. Também sempre houve uma mistura na utilização dos termos indicadores do tempo; era, fase época, período, idade e, como conseqüência, a falta de critério científico no estabelecimento dos períodos acarreta o ceticismo de muitos (ALB, p. 14). Afrânio, então, descreve as soluções brasileiras para o problema da história da literatura e para a periodologia encontradas pelos críticos anteriores: a utilização da fórmula cronológica e da conceituação sociológica e historicista (ALB, p. 20). Afrânio faz um relato resumido do que tem sido a prática da historiografia literária no Brasil desde os românticos, com ênfase no em Sílvio Romero, duramente criticado por ter concebido a literatura apenas como resultante de forças exteriores determinantes (meio, raça e momento). Afirma que o maior problema para os historiadores anteriores foi a periodologia; em seguida, descreve com detalhes, as divisões periódicas feitas por Wolf, o cônego Fernandes Pinheiro, Sílvio Romero (novamente criticado com dureza, por ter apresentado uma primeira divisão como definitiva e em edições posteriores de sua história da literatura apareceu com mais três), José Veríssimo, Ronald de Carvalho, Artur Mota e Afrânio Peixoto. Todos igualmente pecaram por incidirem no critério político, misturando-o com a pura cronologia (ALB, p. 23).

Para Afrânio, de Wolf a Sílvio Romero, e de José Veríssimo a Ronald de Carvalho, o problema da periodização vincula-se ao conteúdo nacional da literatura. Sem condenar o nacionalismo, Afrânio declara que a verdadeira solução está na historiografia literária que seja a descrição do processo evolutivo como integração dos estilos artísticos. Assim, as divisões de A literatura no Brasil correspondem aos grandes estilos artísticos que tiveram representação no Brasil. Para Afrânio, a evolução das formas estéticas no Brasil corporificou-se nos seguintes estilos: barroquismo, neoclassicismo, arcadismo, romantismo, realismo, naturalismo, parnasianismo, simbolismo, impressionismo, modernismo (ALB, p. 23-24). E foi dessa forma que fez a divisão em sua obra, utilizando o termo ‘era’, temos no volume dois as eras barroca e neoclássica, o volume três trata da era romântica, as eras realistas e de transição estão nos volume quatro, a era modernista preenche todo o volume cinco, sendo o volume seis todo dedicado para o contemporâneo na literatura, contendo a evolução do conto, da literatura dramática e da lírica e um capítulo para a literatura infantil, entre outros.

Flora Sussekind considera que a periodização de Afrânio apresenta alguns problemas exatamente porque, quando ele fala da sucessão de estilos estéticos que compõem a sua obra, refere-se a uma escalada evolutiva linear cujo cume estaria na solidificação da ‘consciência nacional’. A autora observa que ‘evolução’ e ‘nacionalidade’ parecem ser as noções chaves para Afrânio, parecendo por sua vez insinuar que Afrânio continua, como seus antecessores, preso à história e à cronologia, repetindo na sua história da literatura o que havia condenado nos outros. Mas Afrânio explica nas páginas iniciais de seu primeiro prefácio que "a crítica estética não implica o afastamento ou isolamento de outros conhecimentos necessários à situação da obra literária e à compreensão de suas relações no tempo e no espaço. São conhecimentos secundários, subsidiários, auxiliares, mas que não se podem omitir" (ALB, p. 12). Afrânio nunca pretendeu expulsar os elementos histórico e temporal de sua obra, somente tentou lhes dar um papel apenas secundário.

Não se pode tirar o crédito de Afrânio Coutinho ter percebido que a periodização era um dos problemas nevrálgicos da historiografia literária brasileira e ele feriu todos os pontos fundamentais do assunto:
a) que os critérios político e cronológico não ofereciam qualquer orientação para a caracterização literária do período;
b) que tais critérios implicavam o reconhecimento da dependência e determinação da literatura pelos acontecimentos políticos ou sociais;
c) a ausência de limites precisos e absolutos entre os períodos;
d) que os períodos são unidades vitais, dotados de realidade, não existindo entre eles fronteiras nítidas, nem marcos iniciais e términos fixos;
e) que dificilmente uma obra se poderia definir como totalmente pertencente a um estilo.

Afrânio buscava uma atualização metodológica constante, mas sobretudo queria tornar a literatura independente da história, da política e outros elementos que a pudessem manter atrelada. Ele desejava a autonomia da literatura, ele acreditava que ela poderia ser autônoma. Afrânio percebeu que a crítica só funcionava quando estudava a literatura atrelada a elementos extrínsecos: o método histórico, o biografismo, língua, raça, meio geográfico e social, momento. Afrânio alega que "os conhecimentos da história econômica, social, política, da história das idéias, história das outras artes, etnologia, antropologia, filosofia são colaterais ou auxiliares. A literatura está para os outros fenômenos da vida em posição de relação, não de dependência ou submissão (...) tendo o mesmo valor que as demais expressões da atividade humana" (ALB, p. 12). Situação parecida vive a crítica contemporânea, quando os críticos universitários que adotam a literatura comparada como campo de estudos realizam sua pesquisa atrelando a literatura aos estudos culturais.

Os três prefácios e a introdução de Afrânio Coutinho para a obra A literatura no Brasil contém um material riquíssimo para análise e reflexão. Os dois primeiros prefácios são bem extensos e detalhados, com cerca de 50 páginas cada um, sendo que o prefácio para a 3ª edição só contém três parágrafos. O prefácio à primeira edição está dividido em 6 partes: a questão da história da literatura, a periodização, as soluções brasileiras, definição e caracteres da literatura brasileira, as influências estrangeiras e, finalmente, o conceito e plano da obra. Cada parte é cuidadosamente trabalhada para mostrar ao leitor a importância e conveniência da crítica estética. Nesse mesmo prefácio, Afrânio se utiliza muito da história para apontar os fatos marcantes da historiografia literária brasileira desde seus inícios e para elucidar os problemas fundamentais da mesma. Se no prefácio não foi possível abrir mão do elemento histórico, muito menos no desenvolvimento total da obra e Afrânio era consciente disso. Como já foram apontados, os pontos altos da obra são a renovação da periodologia, o resgate do Barroco, percepção aguçada dos principais problemas que afligiam o fazer da historiografia literária e o trabalho em equipe. É importante ressaltar que Afrânio não convocou a colaboração de críticos apenas do eixo Rio-São Paulo, mas também de outros estados do Brasil, como o baiano Herom de Alencar, valorizando e resgatando os estudos críticos em âmbito nacional.

Também vale a pena destacar o fato de que Afrânio não ignorou a questão da formação da literatura brasileira. Flora Sussekind é da opinião de que o interesse de Antonio Cândido ao escrever a Formação da literatura brasileira foi detectar o momento em que a literatura brasileira passou a constituir um sistema por aqui, e que para Afrânio "a constituição de um sistema literário não é propriamente uma questão, trata-se, na verdade, de registrar as diferentes manifestações literárias que se sucederam no Brasil". Ele estaria interessado apenas na literatura que circula no país. Mas Afrânio descreve ou tenta descrever o que ele chama de drama da formação da literatura brasileira.

O assunto para o qual Antonio Cândido dedicou todo um livro, ocupa umas quinze páginas do prefácio à primeira edição, mas é bastante curioso observar as considerações feitas por Afrânio Coutinho sobre as características que marcam a evolução da literatura brasileira (ALB, p. 25-39): predomínio do lirismo, exaltação da natureza, ausência de tradição, alienação do escritor, divórcio com o povo, ausência de consciência técnica, culto da improvisação, literatura e política, imitação e originalidade, metrópole e província (grifo nosso). São dez ao todo. Quatro se destacam porque já antecipavam as insatisfações da atualidade com as exclusões e elitismo do cânone literário nacional. Afrânio descreve o escritores como alienados porque vivem divorciados de uma tradição, separados dos predecessores, da sociedade que o desconhece, ignorante de seus pares aos quais não presta atenção. Esses elementos resultam em marginalidade, isolamento, esquecimento após a morte, sendo que atualmente sabemos que tais condições atingiram principalmente as escritoras.

Outro ponto relevante destacado por Afrânio é o da ausência de tradição. A luta entre a tradição importada e uma possível tradição nova se constituiu no grande drama de nossa evolução intelectual, não permitindo que vingasse uma tradição por aqui, que se constituísse num ‘passado útil’ para a inspiração dos escritores. Cada escritor, cada geração sente-se obrigada a partir do começo (ALB, p.36). Além disso, permanece hoje o divórcio com o povo, Afrânio foi atualíssimo em afirmar que a literatura no Brasil sempre foi destinada a um público reduzido, de elite. O conteúdo de A literatura no Brasil mostra isso: o cânone apresentado no livro está ampliado, resgatando a literatura de várias regiões do Brasil, nunca antes estudadas ou catalogadas por nenhum estudioso, mas ainda de caráter elitista, privilegiando a literatura erudita, mas não a literatura popular ou a de massa. Entramos o século XXI e o povo continua sem poder aquisitivo para comprar livros, como disse Afrânio: "povo distante, deserdado e analfabeto".

No prefácio à segunda edição, publicada uns dez anos depois da primeira, encontramos um Afrânio Coutinho bem mais cauteloso. Esse prefácio se inicia com Afrânio apresentando suas credenciais de professor catedrático e habilitado a organizar tal obra de historiografia por convite de Leonídio Ribeiro, pessoa de autoridade e respeito na época. Receber um convite dessa natureza já demonstravam o prestígio e a qualificação de Afrânio para a realização da empreitada de uma publicação de uma história da literatura brasileira. O prefácio é tão ou mais longo que o primeiro, contendo 28 partes de poucos parágrafos cada uma. De antemão, Afrânio avisa aos leitores que vai discutir os pontos de doutrina da obra e responder às críticas emitidas quando da sua primeira publicação. Em seguida discorre cuidadosamente sobre a nova critica, o conceito de estética, a periodização, as relações entre literatura e história, entre história e crítica, a autonomia da literatura, espírito profissional, concepção estilística, literatura e vida, o demônio da cronologia e o barroco, entre outros assuntos. Ou seja, tudo o que já havia mencionado na primeira edição, acrescido de outros elementos considerados relevantes para legitimar seu ponto de vista de que o melhor método a ser adotado era o da crítica estética.

O prefácio à terceira edição ocupa meia página, com três curtíssimos parágrafos, apenas para informar que o modernismo tinha chegado ao seu término por volta de 1960 e os novos rumos abriam um período já cognominado de pós-modernismo; que a Literatura Brasileira atingira o estágio de total identidade e autonomia nacional na década de 80 e que as edições anteriores há muito esgotadas justificam a republicação de A literatura no Brasil. Parece bem patente que nesse momento, sendo a terceira edição de 1986, Afrânio, já aposentado, considere que já disse o que tinha para dizer e sabendo que a crítica estética já está ultrapassada, não sente necessidade de acrescentar mais nada aos leitores em termos de prefácio.

Finalmente, importa observar que Afrânio bem registrou que "a vida brasileira exerce-se como num balanço em que as duas pontas são a metrópole e as províncias (...) o regionalismo é uma constante em nossa literatura das camadas periféricas, surgindo sempre movimentos de renovação literária. Os diversos focos regionais de cultura e civilização têm também personalidade estética". Afrânio constatava na década de 50 um problema que permanece vivo no Brasil: o desequilíbrio em todos os aspectos entre os centros culturais e as regiões mais longínquas do país. Tem sido efervescente nos últimos anos, dentro das universidades brasileiras, a quantidade de estudos e pesquisas de resgate da literatura de negros, de autoria feminina, de homossexuais, de regiões distantes e esquecidas do Brasil, como Acre, Roraima e Rondônia, por exemplo.

É bem verdade que A literatura no Brasil não contempla e nem registra a literatura desses estados, mas é o primeiro manual de literatura brasileira a fazer um estudo mais apurado de autores do Amazonas, Pará desde os tempos mais remotos. Também é a obra que reúne, senão ainda todas, mas o maior número de escritoras brasileiras, até da região norte e nordeste. Tudo isso já constituía grande inovação do Cânone para a época, com ampliações nas segunda e terceira edições, valendo dizer que A literatura no Brasil mesmo que ainda bastante inserida na visão homocêntrica, etnocêntrica e elitista tradicionais, o é em escala bem menor que as historiografias anteriores e mesmo posteriores como as obras de Massaud Moisés, José Aderaldo Castello, Luciana Stegagno Picchio e Luiz Roncari.

Fonte:
Coladaweb

Florbela Espanca (Mensageira das Violetas) V


NOSTALGIA

Nesse país de lenda, que me encanta,
Ficaram meus brocados, que despi,
E as jóias que p´las aias reparti
Como outras rosas de Rainha Santa!

Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta!
Foi por lá que as semeei e que as perdi...
Mostrem-me esse País onde eu nasci!
Mostrem-me o reino de que eu sou infanta!

Ó meu país de sonho e de ansiedade,
Não sei se esta quimera que me assombra,
É feita de mentira ou de verdade!

Quero voltar! Não sei por onde vim... Ah!
Não ser mais que a sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim!

CRUCIFICADA

Amiga... noiva... irmã... o que quiseres!
Por ti, todos os céus terão estrelas,
Por teu amor, mendiga, hei de merecê-las,
Ao beijar a esmola que me deres.

Podes amar até outras mulheres!
- Hei de compor, sonhar palavras belas,
Lindos versos de dor só para elas,
Para em lânguidas noites lhes dizeres!

Crucificada em mim, sobre os meus braços,
Hei de pousar a boca nos teus passos
Pra não serem pisados por ninguém.

E depois... Ah, depois de dores tamanhas,
Nascerás outra vez de outras entranhas,
Nascerás outra vez de uma outra mãe!

ESPERA...

Não me digas adeus, ó sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos;
Sente o perfume da paixão antiga,
Dos nossos bons e cândidos abraços!

Sou dona de místicos cansaços,
A fantástica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços...
Não vás ainda embora, ó sombra amiga!

Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que não lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lá no fundo!

Espera...espera...ó minha sombra amada...
Vê que pra além de mim já não há nada
E nunca mais me encontrarás neste mundo!

INTERROGAÇÃO

Neste tormento inútil, neste empenho
De tornar em silêncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados à garganta
Num clamor de loucura que contenho.

Ó alma da charneca sacrossanta,
Irmã da alma rútila que eu tenho,
Dize para onde eu vou, donde é que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!

Visões de mundos novos, de infinitos,
Cadências de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!

Dize que mão é esta que me arrasta?
Nódoa de sangue que palpita e alastra...
Dize de que é que eu tenho sede e fome?!

VOLÚPIA

No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frêmito vibrante de ansiedade,
Dou-te meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade...
A nuvem que arrastou o vento norte...
- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças...

A VOZ DA TÍLIA

Diz-me a tília a cantar: "Eu sou sincera,
Eu sou isto que vês: o sonho, a graça,
Deu ao meu corpo, o vento, quando passa,
Este ar escultural de bayadera...

E de manhã o sol é uma cratera,
Uma serpente de ouro que me enlaça...
Trago nas mãos as mãos da primavera...
E é para mim que em noites de desgraça

Toca o vento Mozart, triste e solene,
E à minha alma vibrante, posta a nu,
Diz a chuva sonetos de Verlaine..."

E, ao ver-me triste, a tília murmurou:
"Já fui um dia poeta como tu...
Ainda hás de ser tília como eu sou..."

NÃO SER

Quem me dera voltar à inocência
Das coisas brutas, sãs, inanimadas,
Despir o vão orgulho, a incoerência:
- Mantos rotos de estátuas mutiladas!

Ah! Arrancar às carnes laceradas
Seu mísero segredo de consciência! Ah!
Poder ser apenas florescência
De astros em puras noites deslumbradas!

Ser nostálgico choupo ao entardecer,
De ramos graves, plácidos, absortos
Na mágica tarefa de viver!

Ser haste, seiva, ramaria inquieta,
Erguer ao sol o coração dos mortos
Na urna de ouro de uma flor aberta!...

?

Quem fez ao sapo o leito carmesim
De rosas desfolhadas à noitinha?
E quem vestiu de monja a andorinha,
E perfumou as sombras do jardim?

Quem cinzelou estrelas no jasmim?
Quem deu esses cabelos de rainha
Ao girassol? Quem fez o mar? E a minha
Alma a sangrar? Quem me criou a mim?

Quem fez os homens e deu vida aos lobos?
Santa Tereza em místicos arroubos?
Os monstros? E os profetas? E o luar?

Quem nos deu asas para andar de rastros?
Quem nos deu olhos para ver os astros?
- Sem nos dar braços para os alcançar?

IN MEMORIAM

Ao meu morto querido

Na cidade de Assis, il Poverello
Santo, três vezes santo, andou pregando
Que o Sol, a Terra, a flor, o rocio brando,
Da pobreza o tristíssimo flagelo,

Tudo quanto há de vil, quanto há de belo,
Tudo era nosso irmão! - E assim sonhando,
Pelas estradas da Umbria foi forjando
Da cadeia do amor o maior elo!

Olha o nosso irmão Sol, nossa irmã Água...
Ah! Poverello! Em mim, essa lição
Perdeu-se como vela em mar de mágoa

Batida por furiosos vendavais!
-Eu fui na vida a irmã de um só Irmão,
E já não sou a irmã de ninguém mais!

ÁRVORES DO ALENTEJO

Horas mortas... Curvada aos pés do monte
A planície é um brasido... e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A ouro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota d´água!

QUEM SABE?...

Ao Ângelo

Queria tanto saber porque sou eu!
Quem me enjeitou neste caminho escuro?
Queria tanto saber porque seguro
Nas minhas mãos o bem que não é meu!

Quem me dirá se, lá no alto, o céu
Também é para o mau, para o perjuro?
Para onde vai a alma, que morreu?
Queria encontrar Deus! Tanto o procuro!

A estrada de Damasco, o meu caminho,
O meu bordão de estrelas de ceguinho,
Água da fonte de que estou sedenta!

Quem sabe se este anseio de eternidade,
A tropeçar na sombra, é a verdade,
É já a mão de Deus que me acalenta?
----
Fonte:
ESPANCA, Florbela. A mensageira das violetas: antologia. Seleção e edição de Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 1999. (Pocket).

Monteiro Lobato (O Presidente Negro) VIII – A Luz que se Apaga


CAPITULO VIII
A Luz que se Apaga


No dia seguinte, logo pela manhã, soou-me aos ouvidos uma novidade desagradável. Não passara bem a noite o professor Benson.

— Estou velho, meu caro senhor Ayrton, disse-me ele ao encontrar-se comigo. Já sinto cá dentro a máquina funcionar com esforço. Jane ignora o meu estado, mas a pobre menina não me terá por muito tempo na terra. Ficará só. Dei-lhe, entretanto, tal educação, e possui ela tais qualidades de caráter, que morrerei feliz. Saberá agir no mundo como se contasse sempre comigo.

Veio-me aos lábios um ímpeto de confidência. Quis apresentar-me ao professor como o braço forte que se oferecia a miss Jane quando o de seu pai viesse a faltar. Contive-me a tempo. Lembrei-me da minha insignificância e do pouquíssimo que eu ainda era naquele lar. Limitei-me, pois, a confirmar as idéias do velho em relação á filha, dizendo:

— Pelo que com ela conversei ontem tive a mesma impressão. É miss Jane uma criatura superior, uma madame Curie capaz de prosseguir nos trabalhos de seu pai, se o quiser.

— Jane o quereria talvez, mas não posso consentir nisso. Bastam-lhe, para lhe encher a vida, as visões que já teve e a superioridade que adquiriu conhecendo o futuro próximo. Isso lhe permitirá por-se a salvo das contingências da necessidade. Possui Jane um caderninho onde anotou a cotação dos principais valores de bolsa nestes próximos cinquenta anos. Está assim habilitada a ser detentora do dinheiro que quiser. O dinheiro ainda é tudo para os homens. O estranho dote que deixo á minha filha se resume nesse caderninho de notas... Mas conheço Jane. Extremamente imune ás ambições que atormentam o comum das mulheres, levará um viver apagado, sem exterioridade, toda entregue á vida cerebral, que a tem intensíssima.

O professor fez uma pausa, como se o esforço daquelas confidencias o tivesse cansado. Depois, disse:

— Realizei o que jamais sonhara nos delirantes sonhos da minha mocidade — e me vejo forçado a levar para o tumulo o grande segredo... Jane não o revelará a ninguém e ainda que o faça não estará na posse da solução técnica. O senhor Ayrton, única testemunha presencial de tudo, também o não revelará a ninguém.

— Proibe-mo, professor?

— Não, não proíbo, já disse. Mas se algum dia tiver a ingenuidade de o revelar a alguém, passará por louco, e se insistir, por louco varrido, dos que os homens metem nos hospícios. O instinto de conservação e de sociabilidade é que o vai impedir de revelar o que está vendo aqui.

Miss Jane entrou nesse momento e notei que o velho sábio se contrafazia diante da moça para não denunciar o seu estado de saúde. Apesar disso ela observou.

—Um pouco pálido, meu pai...

—Sim, mas estou perfeitamente bem. Temos aqui o senhor Ayrton e compete a ti, minha filha, organizar o programa do dia. Pouco posso acompanhá-los. Uma delicada experiência vai absorver-me por algumas horas.

Miss Jane olhou-me com os seus lindos olhos claros e disse:

— Escolha, senhor Ayrton. Ontem foi a teoria, hoje começa a ser a pratica. Vai estudar uns córtex. Escolha um momento da vida futura que o interessa.

Miss Jane estava linda como uma rosa desabrochada naquela manhã na roseira próxima do meu quarto. Meus olhos envolveram-na num véu de enlevo e se o coração pudesse falar ter-lhe-ia eu dito que só me interessava o presente nela concentrado. Mas respondi de outro modo.

—Sou um leigo em matéria de futuro, miss Jane, e nem escolher posso. Deixo isso ao seu inteligente critério.

—Não tem vontade de ver o que se passará aqui, neste lugar onde estamos, no ano 3000?

—Já fizeste esse corte, Jane, interveio o professor.

—Fiz, sim, meu pai, mas será curioso repeti-lo para o senhor Ayrton.

—Perfeitamente, concordei. Ha sempre mais interesse para nós em ver assim futurizado um ponto nosso conhecido do que um desconhecido.

— Pois então, resolveu o professor Benson, comecem por aí e não contem comigo. Vou trabalhar.

Ergueu-se e saiu. Miss Jane acompanhou-o até á porta e ao tornar me disse:

— Acho meu pai um tanto abatido hoje. Já está nos setenta anos e velhice é doença...

Uma nuvem de melancolia sombreou-lhe os lindos olhos azuis e um breve suspiro lhe escapou do peito. Também eu no intimo me sombreei de tristeza, embora mentisse exteriormente, nesse intuito de consolação fácil que tais lances impõem.

— Qual! Exclamei. O professor é rijo. E com a vida calma que leva ainda viverá muito.

— Assim seja, murmurou Miss Jane, porque não sei o que será de mim sem ele. Acho-me tão identificada com meu pai...

Arrisquei urna pergunta indiscreta:

— Nunca pensou em casamento, miss Jane?

A moça entreparou, olhando-me entre admirada e divertida.

— Casamento? Ora que coisa interessante, senhor Ayrton!... Ha de crer que é a primeira vez que tal palavra soa nesta casa? Ca-sa-men-to!...

E repetiu-a diversas vezes como se repetisse uma palavra de som esquisito e nunca antes pronunciada.

— Sim, continuei eu, todas as moças se casam. O amor um dia vem e...

Miss Jane permaneceu alheada, como entregue a profundas cogitações interiores.

— "Todas as moças"... repetiu. Mas serei eu moça? Nunca me analisei, senhor Ayrton. Minha vida tem sido voar de século em século por esse futuro afora em companhia de meu pai. Sinto que sou apenas um espírito que observa e possui meios de visualizar o que está fora do alcance humano. Será isso ser moça? Amor?... Que é amor, senhor Ayrton? O seu vocabulário é tão novo para mim como deve ser para o seu espírito esta nossa mentalidade futurista. Mas vamos ao que serve. É tempo de operar um corte.

Miss Jane dirigiu-se ao gabinete do porviroscopio e eu acompanhei-a, tomado de espanto diante de um ser tão alheio ao seu tempo e á sua condição. Lá fora, amor e casamento constituem a obsessão única de todas as mulheres. Em criança, brincam de casar as bonecas. Núbeis, cuidam exclusivamente de casar a si próprias.

Velhas, cuidam de casar ou descasar as outras. Havia, pois, uma mulher no mundo, e formosíssima que não só não pensava em amor e casamento mas á qual tais expressões soavam como vozes inéditas... Era simplesmente prodigioso!

Diante do porviroscopio ela se deteve e depois de algumas explicações me fez colocar no ano 3000 o ponteiro. Em seguida viu num mapa a situação geográfica do ponto onde nos achávamos e ensinou-me a mover o ponteiro marcador das latitudes e longitudes.

— Pronto! exclamou. Basta agora abrir esta válvula. A corrente envelhecerá de 1074 anos, que são quantos vão do em que estamos ao ano 3000. Envelhecerá e nos dará sinal disso automaticamente. Mas como o envelhecimento de cada ano consome um minuto, teremos... Tomou de um lápis e calculou, rápida.

— Teremos de esperar 17 horas e 54 minutos. O relógio marca as nove e, pois, só conseguiremos ter cá o ano 3000 ás nossas ordens entre meia noite e uma da madrugada. Estou afeita a estas observações a qualquer hora da noite, mas não sei se para o senhor Ayrton não será incomodo...

— Absolutamente não. Só lamento não poder satisfazer já, já, a minha curiosidade. Ver um pedaço da nossa terra no ano 3000, que portentosa maravilha! Diga-me alguma coisa, miss Jane, do que me vai ser revelado...

— Não. Não quero prejudicar a sua surpresa. Prefiro falar de aspectos que vi em outros tempos e outros países.

Lances ha na vida absolutamente indeléveis. Essa tarde que passei com a filha do professor Benson, a ouvir-lhe as revelações do futuro, como esquecê-la jamais? Não poderei reproduzir aqui tudo quanto ela me disse; seria compor um catalogo sem fim. A invasão mongólica, o feroz industrialismo da Europa mudado em contemplativismo asiático, a evolução da America num sentido inteiramente inverso... quanta coisa formidável! Mas nada me interessou tanto como o drama do choque das raças nos Estados Unidos.

— Esse choque, disse miss Jane, deu-se no ano 2228 e assumiu tão empolgantes aspectos que reduzido a livro dá uma perfeita novela. Não sei se o senhor Ayrton é literato...

— Já fiz um soneto na idade em que todos desovam sonetos...

— Pois se não é poderá tornar-se. O principal para uma novela é ter o que dizer, estar senhor de um tema na verdade interessante. Ora, eu fornecerei os dados dessa novela e o senhor Ayrton terá oportunidade ótima para apresentar-se ao mundo das letras com um livro que a critica julgará ficção, embora não passe da simples verdade futura.

A idéia sorriu-me, e todo me lisonjeei com a opinião que miss Jane fazia das minhas capacidades artísticas.

— Quer tentar? insistiu ela. Contar-lhe-ei com a máxima fidelidade o que vai passar-se. De posse desse material, e depois de pessoalmente fazer vários cortes que o ajudem a formar idéia justa do ambiente futuro, atirar-se-á á tarefa. Desde já asseguro uma coisa: sairá novela única no gênero. Ninguém lhe dará nenhuma importância no momento, julgando-a pura obra da imaginação fantasista. Mas um dia a humanidade se assanhará diante das previsões do escritor, e os cientistas quebrarão a cabeça no estudo de um caso, único no mundo, de profecia integral e rigorosa até nos mínimos detalhes.

— Realmente! exclamei. Será romance como os de Wells, porém verdadeiro, o que lhe requintará o sabor. Quanta novidade!

— Os leitores andarão pulando de surpresa, e estou já a imaginar as caras de espanto que hão de fazer quando o senhor Ayrton falar, por exemplo, da cirurgia do doutor Lewis.

— Quem era?

— Oh, um mágico da anatomia, o primeiro que praticou o desdobramento do homem.

Franzi os sobrolhos.

— Desdobramento da personalidade? perguntei.

— Sim, mas desdobramento anatômico. O doutor Lewis, sábio que começou a surgir em 2201, teve a idéia de romper com o plano simétrico do corpo humano. Possuímos dois olhos e dois ouvidos que agem como a parelha de cavalos a puxar no mesmo rumo o carro. Lewis alterou isso. Por meio dum delicado processo cirúrgico, desligou — desxifopagou os nervos óticos e auditivos, dando autonomia aos dois ramos. Conseguiu destarte que o "desdobrado" pudesse ver uma coisa com o olho direito e outra com o esquerdo, e também ouvir ás duplas, com a audição assim desligada.

Miss Jane fez breve pausa, como a recordar. Depois disse:

— Lembro-me que no escritório do Intermundane Herald observei o primeiro desdobrado em ação, primeiro e único aliás.

— Intermundane Herald, miss Jane? Cheira-me isso a psiquismo...

— E cheira certo. Era um jornal de radiação metapsiquica, que veio atender á velha sede de liame com os vivos que os mortos sempre manifestaram. Em vez das pobres almas penadas andarem pelo mundo em busca de mesinhas falantes e médiuns, único meio que possuem hoje de conversar conosco, liam o Intermundane Herald.

— E como se manifestavam? Pois não posso crer que também colaborassem nesse jornal...

— Disso se encarregava a Psychical Corporation, dona de grande estação central de Detroit. Afluíam os espíritos para ali e chamavam os vivos pela linha metapsicotonica internacional, como hoje nos chamamos pela linha telefônica.

O meu assombro era grande, embora tocado de uma pontinha de desconfiança. Estaria miss Jane a mangar comigo? Olhei-a firme nos olhos. A lealdade que neles vi era a mesma de sempre.

— Mas, continuou ela, voltando ao meu homem desdobrado direi que pude observá-lo em ação no escritório do Herald. Estava á mesa de trabalho, a examinar com o olho direito uma gravura antiga e a consultar uma tabua de logaritmos com o esquerdo. Ao mesmo tempo ouvia a musica da moda com o ouvido direito e com o esquerdo atendia a um colaborador do jornal. Ocupava-se em quatro coisas diversas, valendo assim por quatro homens não desdobrados.

— H4...

— E não ficava nisso. Era bem um Homo elevado, não á quarta, mas á sexta potencia, porque ainda recolhia a queixa dum dos espíritos leitores do Herald — espírito rabugento, a avaliar por certos ímpetos nervosos da mão que estenografava.

— E com a outra mão que fazia?

— Alisava meigamente um gatinho que lhe sentara no colo.

Encarei-a de novo, firme. Miss Jane não piscou. Logo, era verdade. A experiência dos olhos que piscam sempre me pareceu infalível na pesca dos potoqueiros.

— Mas não foi coisa que se generalizasse, continuou a moça. A ruptura por intervenção humana dos planos normais da natureza nunca foi bem sucedida. Sobrevinham sempre complicações imprevisíveis á argúcia dos sábios, e irremediáveis. Esse pobre desdobrado, por exemplo, acabou logo depois de maneira trágica. Em vez de persistir na sua sexta potencia, empastelou-se, confundiu-se e acabou não sendo nem sequer um homem apenas, como antes da operação. A mais horrorosa demência veio destruir aquela obra prima da cirurgia de 2228. Por esta amostra vê o senhor Ayrton quantos episódios interessantes podem enriquecer a sua
novela, concluiu miss Jane.

Fiquei de olhos parados, a cismar.

— Outra coisa que muito me maravilhou foi o Teatro Onírico, prosseguiu ela.

— Que?

— O teatro dos sonhos.

— Fiquei na mesma...

— Descobriu-se um processo de fixar na tela os sonhos, como hoje o cinematografo fixa em filmes o movimento material. E dada a riqueza do nosso subconsciente, mar donde emana o sonho, e mar profundo do qual a consciência não passa da exígua superfície, pode o senhor Ayrton imaginar que maravilhosas representações não se davam nesse teatro. Nem as Mil e Uma Noites, nem Edgard Poe — nada valia um só desses espetáculos onde o contra-regra se chamava Imprevisto. Tornou-se a arte suprema, a mais deleitosa de toda — e ainda uma ciência. A alma humana só deixou de ser o enigma que hoje é depois que pôde ser assim fotografada em suas manifestações de absoluta nudez. Até então apenas lhe conhecíamos as manifestações vestidas pela Censura, isto é, as suas atitudes.

Miss Jane pausou um bocado, enquanto eu refervia. Era de maravilhar a transformação que se operava em mim! Vinte dias antes eu não passava de modesto empregado de rua duma casa comercial — e estava agora na iminência de tornar-me autor de um livro assombroso, capaz de cobrir meu nome de gloria. A idéia desvairou-me e a novela principiou a formar-se-me nos miolos com fragmentos de romances lidos em rodapé de jornais. O começo do primeiro capitulo chegou a traçar-se de chofre em minha cabeça:

— "Era por uma dessas tardes calmosas de verão, em que o astro rei, rubro como um disco de cobre," etc.

Estava eu nesse devaneio quando um criado penetrou de surpresa no gabinete. Chamou de parte miss Jane e disse-lhe algumas palavras agitadas. Sem pedir licença a moça retirou-se com precipitação.

Fiquei atônito, sem saber o que pensar. Delicada e fina como era, se assim se retirava de minha companhia sem o clássico e sorridente "com licença" é que algo de grave ocorria. Fiquei na minha poltrona ainda uns dez minutos com o ouvido atento aos menores rumores, tentando decifrar o mistério. O silencio era absoluto; nem sequer se ouvia o zum-zum do cronizador a trabalhar. Consultei o relógio.

— Dez e quinze. A corrente já está no ano 2001, pensei comigo, ano que não alcançarei. Mas meu filho Ayrton Benson Lobo o alcançará.

Pus-me a sonhar, e os sonhos logo me acalmaram a inquietação produzida pela inexplicável retirada de miss Jane. Vi-me amado de tão gentil criatura e com ela casado. Por esse tempo já não fazia parte deste mundo o professor Benson. Setenta anos tinha ele; era natural que não durasse muito. Miss Jane ficava só na terra, sem relações sociais, sem sonhos de grandeza mundana. E não seria eu nessa época apenas o pobre diabo que era, triste ex-empregado dos senhores Sá, Pato & Cia. Seria um autor, um romancista! Os jornais dariam meu retrato e me tratariam de "ilustre homem de letras". Talvez até cavasse a Academia. Uma situação social, sem duvida, e das mais bonitas. Poderia aproximar-me da inconsolável menina e oferecer-me para seu companheiro de vida. Claro que miss Jane aceitaria o meu coração. Viagens depois, mundo a correr — Paris, New York. Levaríamos conosco o caderninho das cotações...

— "Olá, senhor corretor, compro mil ações da Niágara Falls Company!"

A piedade do corretor vendo esta carinha chupada de brasileiro amarelo comprar ações de uma empresa cuja bancarrota estava iminente! Sorri-se lá consigo e vende-mas, piscando o olho para os seus auxiliares. No dia seguinte noticia nos jornais: Uma jazida de platina encontrada nas terras da Niágara! As ações da companhia centuplicam de valor. Reapareço no escritório do corretor atônito a fumar um charuto imponente, e vingo-me do seu sorriso de véspera.

— "Hoje vendo, meu caro palerma. O brasileirinho amarelo hoje vende, sabe?..." E lá deixo de novo as ações da Niágara e embolso milhões sonantes... Compro em seguida um iate, o mais belo e cômodo que houver...

No meu sonho julguei ser o capitão do iate e ia responder-lhe com uma ordem — "Rumo a boreste!", quando ao pé de mim vejo miss Jane, muito transtornada de feições.

— Senhor Ayrton, meu pai passa mal! Venha ve-lo...

Corri atrás dela, tomado de negros pressentimentos. Penetrei no quarto do professor. Lá estava o bom velho no fundo da cama, muito desfeito, dando mais a impressão de um defunto que de um ser vivo.

— Quer que vá buscar um medico? exclamei ansioso ao aproximar-me do enfermo.

— Não, respondeu lentamente a voz cava e débil do professor. É inútil. Conheço o meu estado e sei que chegou o momento...

A moça atirou-se-lhe aos braços e cobriu-lhe o rosto de beijos convulsos.

— Boa Jane, disse ele, é hora de separar-nos. Tenho confiança em ti e espero que passado o rude momento te conformes com a situação, buscando conforto no estoicismo que te ensinei e de que te dei exemplo em vida. Há já algum tempo que me sentia mal. Ocultava-o a ti para evitar-te um sofrimento inútil. Mas esta noite percebi que chegara o fim. Quando te deixei no gabinete com pretexto de concluir um trabalho, iludi-te, ou, melhor, vim fazer um trabalho muito diverso do que poderias supor. Vim destruir a minha descoberta. Queimei toda a papelada relativa e desmontei as peças mestras dos aparelhos. O que resta nenhuma significação possui e não poderá ser restaurado. Desfiz em meia hora o trabalho de toda uma vida. Da minha invenção restam apenas as impressões que te ficaram na memória. E quando por tua vez morreres, tudo se extinguirá...

— Meu pai! exclamou Jane achegando o seu rosto afogueado á face descorada do velho.

— Teu pai, teu amigo, teu companheiro de trabalho...

Não pude conter-me diante do doloroso lance e grossas lagrimas brotaram-me dos olhos. O moribundo não esqueceu o hospede.

Volveu com esforço um olhar para o meu lado e disse em voz cada vez mais fraca:

— Adeus, Ayrton. O acaso o trouxe aqui para me ver morrer. Seja amigo de Jane. Adeus...

Um impulso atirou-me de joelhos ao pé do leito do moribundo; tomei-lhe as pálidas mãos e beijei-as tão enternecido como se beijara as de meu próprio pai.

— Adeus, Jane!... foram suas derradeiras palavras.

Fechou os olhos e imobilizou-se. Minutos mais tarde estava apagada a luz daquele cérebro, o mais potente que ainda desabrochou no seio da humanidade...

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continua… IX – Entre Sá, Pato & Cia. e Miss Jane

Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Ialmar Pio Schneider (Soneto para a Alma Gêmea)


O poeta é aquele que vê mais longe:
pode saber de tudo ou quase nada....
Tanto é um pecador quanto é um monge,
vive numa caverna ou segue a estrada

dos sonhos. Às vezes parece um conde
a procurar sua alma gêmea, a maga
que num castelo medieval se esconde,
cuja lembrança a solidão lhe afaga.

Também não deixa de sofrer por isso
e nunca se conforta no prazer
de sempre se afastar do rebuliço;

assim é que pretende compreender
o destino que leva no feitiço
questionável do “ser ou do não ser” !

Canoas (RS), 01 de dezembro de 1999.
---
Fonte:
Soneto enviado pelo autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 350)


Uma Trova Nacional

O perdão é tão sublime
que, por mais que a ofensa doa,
põe uma paz que redime
no coração que perdoa.
-ZENAIDE MARÇAL/CE-

Uma Trova Potiguar


Entre o amor e o sonho vão,
eu sei que foste, querida,
a chave de uma ilusão
na porta da minha vida.
-SEBASTIÃO SOARES/RN-

Uma Trova Premiada

2011 - ATRN-Natal/RN
Tema : VERTENTE - 1º Lugar

Quando ilusões apagaram
as luzes daquele encanto,
meus olhos se transformaram
numa vertente de pranto...
-ANGÉLICA VILLELA SANTOS/SP-

Uma Trova de Ademar


Tendo o verso em parceria
mesmo aqueles mais tristonhos,
fiz um sarau de Poesia
numa varanda de sonhos.
-ADEMAR MACEDO/RN-

...E Suas Trovas Ficaram


Ao lembrar que o teu brinquedo
é decifrar-me, sorrio...
- De nada vale o segredo
de um velho cofre vazio.
-ALONSO ROCHA/PA-

Simplesmente Poesia


No Prelo.
-ABÍLIO PACHECO/BA-

Se a minha palavra é a minha busca
de uma vida inteira em todo mundo
e ela dorme encantada à sombra
de um livro raro, quiçá
encontrá-la-ei num alfarrábio,
num sebo, numa biblioteca pública...
Quem sabe minha resposta ainda
esteja no prelo.

Estrofe do Dia :


"Para Maria Teresa, Filha de Delcy Canalles/Rs"

Bem cedinho eu olhando o calendário
descobri que hoje é dia de alegria,
pois Teresa hoje faz aniversário
e eu compus para ela esta poesia.
Com essa jovem senhora e sonhadora
grande Mãe, grande Avó, grande Pintora,
eu irei festejar, mesmo daqui;
e pelos anos que hoje ela completa
vai aqui os parabéns deste Poeta
e um beijo carinhoso de Delcy.
-ADEMAR MACEDO/RN-

Soneto do Dia


Soneto Para Teresa.
-DELCY CANALLES/RS-
"Para a filha Maria Teresa"

30 de setembro, hoje, eu gostaria
de poder te abraçar, filha querida!
Tu és a causa da minha alegria
e a maior emoção, por mim, sentida!

56 anos de Arte e Estesia,
me fazem esta mãe agradecida,
que pede a Deus, por ti, neste teu dia,
e em cada dia de uma longa vida!

Brilhas na profissão de jornalista
e assombras, na pintura, como artista!
As tuas telas são uma beleza!

Junto ao esposo, aos filhos e aos teus netos,
desejo que tu vivas entre afetos,
querida filha, MARIA TERESA!

Fonte:
Textos enviados pelo autor

Florbela Espanca (Mensageira das Violetas) IV


RÚSTICA

Ser a moça mais linda do povoado,
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,
Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bênção do Senhor em cada filho.

Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema e a tomilho...
Com o luar matar a sede ao gado,
Dar às pombas o sol num grão de milho...

Ser pura como a água da cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer à "terra da verdade"...

Meu Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!
Dou por elas meu trono de princesa,
E todos os meus reinos de ansiedade.

CONTO DE FADAS


Eu trago-te nas mãos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, amor!
E para as tuas chagas o ungüento
Com que sarei a minha própria dor.

Os meus gestos são ondas de Sorrento...
Trago no nome as letras duma flor...
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento...

Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é d´ouro, a onda que palpita.

Dou-te comigo o mundo que Deus fez!
- Eu sou aquela de quem tens saudade,
A princesa de conto: "Era uma vez..."

EU


Até agora eu não me conhecia,
Julgava que era eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.

Mas que eu não era eu não o sabia
E, mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim...

E não me via!
Andava a procurar-me - pobre louca!
- E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!

E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!

PASSEIO NO CAMPO

Meu amor! Meu amante! Meu amigo!
Colhe a hora que passa, hora divina,
Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!
Sinto-me alegre e forte! Sou menina!

Eu tenho, amor, a cinta esbelta e fina...
Pele dourada de alabastro antigo...
Frágeis mãos de madona florentina...
- Vamos correr e rir por entre o trigo!

Há rendas de gramíneas pelos montes...
Papoulas rubras nos trigais maduros...
Água azulada a cintilar nas fontes...

E à volta, amor... tornemos, nas alfombras
Dos caminhos selvagens e escuros,
Num astro só as nossas duas sombras...

MENDIGA


Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas...
No silêncio das noites estreladas
Caminho, sem saber para onde vou!

Tinha o manto do sol... quem mo roubou?!
Quem pisou minhas rosas desfolhadas?!
Quem foi que sobre as ondas revoltadas
A minha taça de ouro espedaçou?

Agora vou andando e mendigando,
Sem que um olhar dos mundos infinitos
Veja passar o verme, rastejando...

Ah, quem me dera ser como os chacais
Uivando os brados, rouquejando os gritos
Na solidão dos ermos matagais!...

SUPREMO ENLEIO


Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!

Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta...
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!

Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!

E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda...

TOLEDO


Diluído numa taça de ouro a arder
Toledo é um rubi. E hoje é só nosso!
O sol a rir...Viv´alma...Não esboço
Um gesto que me não sinta esvaecer...

As tuas mãos tateiam-me a tremer...
Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço,
É como um jasmineiro em alvoroço
Ébrio de sol, de aroma, de prazer!

Cerro um pouco o olhar, onde subsiste
Um romântico apelo vago e mudo
- Um grande amor é sempre grave e triste.

Flameja ao longe o esmalte azul do Tejo...
Uma torre ergue ao céu um grito agudo...
Tua boca desfolha-me num beijo...

SER POETA


Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de infinito!
Por elmo, as manhãs de ouro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

ALVORECER


A noite empalidece. Alvorecer...
Ouve-se mais o gargalhar da fonte...
Sobre a cidade muda, o horizonte
É uma orquídea estranha a florescer.

Há andorinhas prontas a dizer
A missa d´alva, mal o sol desponte.
Gritos de galos soam monte em monte
Numa intensa alegria de viver.

Passos ao longe...um vulto que se esvai...
Em cada sombra Colombina trai...
Anda o silêncio em volta a q´rer falar...

E o luar que desmaia, macerado,
Lembra, pálido, tonto, esfarrapado,
Um Pierrot, todo branco, a soluçar...

Amar!


Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui...além...
Mais este e aquele, o outro e toda a gente....
Amar!Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar.

E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

Fonte:
ESPANCA, Florbela. A mensageira das violetas: antologia. Seleção e edição de Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 1999. (Pocket).

Hermoclydes S. Franco (Proposições a um Vocabulário em Trovas) Letra "B"


BABÁ: que não cause danos,
Para quaisquer afazeres...
BACALHÁU: Dos lusitanos
Eis o maior dos prazeres!

BACO: Grande Deus do vinho.
BAÇO: Glândula. Sem brilho.
BACORIM: É leitãozinho.
BAFEJO: A vida no trilho.

BAGUNÇA: Pândega; Inteira
E ruidosa reinação...
BAILE: Na côrte ou gafieira
Sempre a mesma animação.

BAITA: Grande; Bem crescido.
BAIXEL: Uma embarcação.
BAIXELA: Brinde querido
Que vira “de estimação”...

BANDA: Marcial ou “furiosa”,
Sons para todos os gostos.
Também rasteira maldosa
Que machuca muitos rostos...

BANDEIRA: A própria nação;
Símbolo para se amar;
Praça que, em pleno verão,
No Rio... parece o mar....

BOCEJO: Em marmanjo é sono
Mas, em nenê, é gracejo...
Enfado em que nem o dono
Da boca, doma-la, vejo.

BORDEL: Velho lupanar,
Ou melhor, casa suspeita.
(Depois do motel chegar,
agora, tudo se ajeita).

BOTE: Embarcação pequena
Que ajuda na pescaria...
De uma cobra que envenena
Deus nos livre! Ave-Maria!

Fonte:
O Autor

Silvia Araújo Motta (Envelhecer sem Notar)


Poema Nº 1582

Vejo nas folhas que caem
que o inverno vai chegar,
Nas estrelas que se apagam,
meu tempo de descansar.
Relógio? Desnecessário.
Valorizo minha hora,
no segundo extraordinário,
vivo pensando no "agora".
Meio século de vida
e os sete cumpro a somar...
na música, amor, poesia,
Trago a missão bem cumprida
com metas, planos de um dia...
Nos sonhos e fantasias,
um trabalho útil, honroso
de incontáveis alegrias,
fez-me o mundo prazeroso.
Valores transcendentais
aos minutos cultivados
a buscar cada vez mais
espíritos elevados...
Ficarei "sex"? Pois sim!
Com perfeita lucidez?
SEXagenária? Ah! Sim...
Daqui a pouco é minha vez!
SEXOxigenada nos cabelos...
Mais adolescente, talvez...
A história de cada saudade
dos momentos e pessoas...
Olhos miúdos!!!!!Verdade!
Muito para recordar!
Tantos fatos! Coisas boas!
Na infância e maturidade!
Meus quinze ou vinte anos!
Milagres! Maturidade!
Recebi e dei nos carinhos,
amor, atenção, compreensão!
Trabalhei com inteligência,
pra gostar do que fazia!
Filhos amados!...Meus amores!
Até netos... quem diria!
Lutei pra ter paciência!
Enfrentei tantos problemas!
Alguns consegui vencer
pela Fé que me carrega.
Meu espelho interior
Diz-me até...que já cresci!
Da gravidez... na balança,
faço o parto da alegria...
Agradeço todo dia
a Deus, pelo meu talento,
pelo amor, pela alegria
e pelo conhecimento.
O sol nasce acima das nuvens
e a lua inteira brilha no lago
porque alta vive, a cada dia!
Envelheci e não vi...por isso,
começaria tudo outra vez.

Fonte:
Poesia enviada pela autora

Raquel Amélia dos Santos (Ler com a Alma)


Ler é muito mais do que simplesmente decifrar o código escrito. A leitura plena e eficaz de qualquer tipo de texto, só acontece quando o que se dispõe a fazê-lo, assume-se participante do objeto da leitura no sentido de utilizar mais do que seus conhecimentos sobre o código.

É uma atividade complexa e carregada de possibilidades de criação, interação e interpretação entre indivíduos e contextos.

O leitor aplica ao ato de ler, conhecimentos linguisticos e gramaticais, que são internalizados durante sua trajetória e vivência com a linguagem escrita.

Além desses conhecimentos, ainda pode e deve contar com a imaginação, o raciocínio, a vontade, e uma flexibilidade suficiênte para deslocar-se para o ponto de vista do escritor.

Esse deslocamento acontece mesmo que seja inconsciente e provisório.

Vale lembrar também, que nem escritor, nem leitor estão neutros diante de uma produção textual, seja ela literária ou não.

Escritor e leitor são portadores de uma história e de uma bagagem cultural que acabam por determinar e porque não dizer, personalizar os modos de leitura, interpretação e aplicação do objeto lido.

Saber-se participante de uma produção textual, pode ser um bom caminho na construção da necessária flexibilidade que deve permear o ato de ler.

Por meio da leitura é possível conhecer novas e antigas idéias, rever, elaborar e reelaborar pensamentos, informações e conhecimentos.

O que é escrito em papel, numa tela de computador ou em qualquer outro portador, não traz consigo uma verdade absoluta e irrevogavel. Um texto escrito, comporta apenas parte de modos de pensar, parte de uma filosofia, parte de crenças e até parte da imaginação e fantasia de alguém.

O texto escrito, tem suas limitações. A linguagem escrita não pode contar com todos os elementos contextuais, com gestos, expressões faciais, movimentos ou expressões corporais. Apesar de seus limites, mobiliza tanto o que escreve como o que lê o que foi escrito.

Leitor e escritor fazem uma espécie de trabalho em equipe. E neste trabalho, há constante movimento.

O leitor lê, pode ler, reler, fazer anotações, pensar, comparar, parar a leitura, continuar e utilizar-se dela de várias maneiras. O escritor também conta a mobilidade de reelaborar, rever, repensar e reeditar suas produções. E em muitos casos, o faz em decorrência do retorno e interação gerados pelo público alvo de seu trabalho.

A mobilidade da qual escritor e leitor utilizam-se, promove aprendizagem mútua e aciona mais que a habilidade de reconhecer o código escrito e decifrá-lo, pois a relação que se estabelece entre esses agentes, é permeada de elementos pessoais, emocionais, sociais, intelectuais, culturais e até afetivos.

Vendo por este ângulo, pode-se afirmar que é possivel escrever e ler com a alma.
Ler com a alma é ler com a plenitude do ser. O ser é o que se é de fato, a essência. O que há de permanente na personalidade ou no caráter de cada pessoa.

É certo que há um estar sendo, uma parte de atitudes e pensamentos de cada pessoa, que é transitória. É o ser é quem decide sobre a parte transitória que há em cada um.

Pode ser que a leitura seja em alguns momentos motivada pelo ser, em outros momentos pelo estar sendo e as vezes pelos dois.

Um tema sobre o qual algum escritor decide escrever pode servir como alimento do ser ou do estar sendo.

Na perspectiva de alimentar a alma ou o intelecto por exemplo, a leitura é sempre motivada pelo desejo ou necessidade de cada pessoa, que são regidos pelo Ser.

No entanto, a necessidade por si só, nem sempre tem força para acionar o desejo. Já o desejo, atua com mais eficácia sobre o ser que o porta. Este atua mesmo não havendo necessidade.

O desejo é mais poderoso que a necessidade em muitos casos. Uma pessoa tem a necessidade de alimentar-se, mas pode não sentir fome ou vontade de comer. Neste caso, a necessidade pura e simples, não é suficiente para provocar a ação. Já o desejo, busca seus interesses, mesmo não havendo uma real necessidade.

A leitura é uma atividade que muitas vezes é tratada como mera necessidade. Como em muitos casos nos processos de ensino/aprendizagem na educação formal, em que a ação de ler é tratada unicamente objetivando a apreensão de conteúdos propostos em uma disciplina que compõe o currículo.

O desejo de ler, nem sempre apoia-se em razões bem claras e definidas. Mas também pode surgir por várias razões. Até por "razões mágicas", afirma Rubem Alves: "Ler é um ritual antropofágico. (...) A antropofagia não se fazia por razões alimentares. Fazia-se por razões mágicas. Quem come a carne do sacrificado se apropria das virtudes que moravam no seu corpo. (...) Cada leitura é um ritual mágico."

Desejo e necessidade, nem sempre andam juntos. Mas são elementos impulsionadores da alma humana.

Quando criança deleitava-me com uma professora que lia histórias em voz alta para a turma. A leitura feita por ela, continha aspectos singulares como, entonação de voz, ritmo e uma musicalidade que lhe eram próprias, fez toda diferença para minha formação como leitora.

Uma de minhas irmãs, Rute, lia para mim e para meus irmãos. Lia trechos da bíblia, histórias do livro "As mil e uma noites" e outros. Ela também me ensinou a ler. Quando entrei para a escola, já sabia ler.

Sua voz, postura e visão sobre os textos lidos nunca saíram da minha memória.
Ela despertou em mim disposição e desejos por "rituais mágicos", que são realizados através da poder proporcionado pela leitura.

Hoje assumo a ação de ler como necessidade movida pelo desejo.

Aprender a ler com a alma, é mais que uma necessidade, é ler com a plenitude do ser, tomando emprestado o desejo da alma de alguém, aliando-o ao próprio desejo. Pode ser forma mais flexível de viver e estar no mundo.

Fonte:
Texto enviado pela autora

Francisco Pessoa (De Pessoa para Pessoa)


2º lugar no Concurso Nacional (LITTERIS EDITORA - RJ) dentre 942 poesias concorrentes.

Comemoração do nascimento do grande Fernando Pessoa.

O concurso solicitava que se fizese uma poesia em alusão à sua mais comhecida poesia entre nós. " O poeta é um fingidor, finge tão.......!

Fernando Pessoa

Autopsicografia


O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.


27/11/1930


Fco. José Pessoa De Pessoa para Pessoa

Poesia é um sonho e, se sonhado,
Sobre nuvens volutas, pictóricas,
Rédeas soltas sem bridas, metafóricas,
Faz do poeta um ser místico e alado.
Quem o lê, leia certo ou leia errado,
Sempre os versos encontram seu intento...
Lamentar cada um com seu lamento,
E sorrir cada um com seu sorriso,
Coração de poeta é sem juízo
E a razão de fingir é seu talento!
27/11/2009

Fonte:
Francisco Pessoa

Ialmar Pio Schneider (Soneto Quixotesco IV)


Nascimento de Miguel de Cervantes Saavedra 29 de setembro de 1547

Naquela tarde volta Dom Quixote
de um dos combates contra os moinhos
de vento e vem andando a largo trote,
em seu Rocinante, nos caminhos...

Sancho Pança o acompanha, o bom velhote,
não pertencia ao grupo dos mesquinhos,
vêm devagar sem que ninguém os note,
ouvindo gorjear os passarinhos...

O Cavaleiro Andante está cansado,
em vão tem combatido, tem lutado,
defendendo com fibra sua ideia...

Em que pensava assim andando a esmo?
Um sonho guarda dentro de si mesmo:
conquistar e viver com Dulcineia !

Fonte:
Soneto enviado pelo autor

Academia Sul-Brasileira de Letras (Sarau Poético-Musical)


CONVITE

Tenho a alegria de convidá-los para o Sarau Poético-Musical que a Academia Sul-Brasileira de Letras realizará no Auditório da Casa dos Conselhos, à rua 3 de maio, 1060, no próximo dia 04/10, às vinte horas e trinta minutos, tendo como fonte inspiradora São Francisco de Assis.

Encareço aos apreciadores das Letras levarem textos a serem lidos na ocasião, se assim o desejarem, para maior brilho do evento.

Após será servido coquetel.

Pelotas, 29 de setembro de 2010.

Olga Maria Dias Ferreira
Presidente
--
Fonte:
Ligia Leivas

Amosse Mucavele (Conversa do Pão e da Escrita)


Ao Marcelo Panguana*

Pão- Oi! Ví aquele homem que certa vez disse que conhecia o local onde foram sepultados os Ossos de Ngungunhane** a andar como um louco.

Escrita- Quando?

Pão- Ontem, ao fim da tarde! Acreditas que ele falava para si mesmo dizendo falta-me algo.

Escrita- O que é que fizeste para o ajudar?

Pão- Nada! Somente fiquei com pena dele,e é por isso que estou partilhando consigo este pesadelo, que não sai da minha cabeça mesmo acordado.

Escrita- Sabes! Deverias ter lhe arranjado um livro para ele (pro)ler.

Pão- Pareces que não conheces esta nossa cidade? Na avenida em que cruzei com ele não tem nem sequer uma bilbioteca,ou livraria, o que tem de mais são barracas,discotecas,e drogarias. Mas, amigo! O porquê do livro? Achas que a leitura poderia ter curado a loucura que o acompanhava naquela tarde?

ESCRITA- Sim! Lembro-me dele ter me segredado que quando encotra-se com os livros e lê, ele sente os seus pés a pisarem o chão das coisas que o rodeiam, e a sua alma a dançar a balada dos deuses, e quando anoitece convida o amigo à volta da fogueira, conversam com os seus antepassados e compartilham as estórias de reconciliação.

Pão- Oh,interessante! É por isso que o chamam a voz que fala verdades!A propósito, quando o encontrares, peça-o para me ensinar a tocar xipalapala.***
==============
Notas:

* MARCELO PANGUANA - escritor e jornalista moçambicano,Charrueiro,atualmente é diretor da Revista Proler Fundo Bibliográfico da Lingua Portuguêsa),onde assina uma coluna denominada Algum Algo. Xipalapala nome da coluna que assinava no Jornal Notícias na decada 90.

Publicou - As vozes que Falam de Verdade, 1987; A Balada dos Deuses, 1991; Os Fazedores da Alma, 1997 (com Jorge de Oliveira - entrevistas, Estórias de Reconciliação - com Ungulani Ba Ka Cossa, Os Ossos de Ngungunhane, 2006; Como um Louco ao Fim da Tarde, 2010,e tem no prêlo o livro O Pão e a Escrita.

** NGUNGUNHANE, Mdungazwe Ngungunyane Nxumalo, N'gungunhana, Gungunhana ou Reinaldo Frederico Gungunhana (Gaza, c. 1850 — Angra do Heroísmo, 23 de Dezembro de 1906) foi o último imperador do Império de Gaza, no território que actualmente é Moçambique, e o último monarca da dinastia Jamine. Cognominado o Leão de Gaza, o seu reinando estendeu-se de 1884 a 28 de Dezembro de 1895, dia em que foi feito prisioneiro por Joaquim Mouzinho de Albuquerque na aldeia fortificada de Chaimite. Já conhecido da imprensa europeia, a administração colonial portuguesa decidiu condená-lo ao exílio em vez de o mandar fuzilar, como o fizera a outros. Foi transportado para Lisboa, acompanhado por um filho de nome Godide e por outros dignitários. Após uma breve permanência naquela cidade, foi desterrado para os Açores, onde viria a falecer onze anos mais tarde

*** XIPALAPALA - Substantivo feminino e singular derivado de "Xi-pala-pala", termo incerto no idioma Ronga (também reconhecido como XiRonga) que é um dialecto do sudeste africano e da família Tswa-Ronga, especialmente audível nas regiões do sul de Moçambique e nordeste da África do Sul.


O vocábulo é designativo de uma corneta produtora de magnas sonoridades, sintetizada a partir de uma haste de um antílope cuja específica identificação é impala.

É muito comum em Moçambique, onde diversos povos nativos a utilizavam e ainda usam como meio de chamamento, de convocação para variados mas determinados fins; e.g., para juntar os líderes intelectuais e políticos em uma reunião importante onde cruciais assuntos eram e são debatidos ou, até mesmo, somente para unificar o povo em alguma celebração ocasional ou oficializada, alguma ocorrência espontânea ou preestabelecida.

Exemplo: O chefe da tribo fez soar a xipalapala, chamando todos os constituintes do grupo à sua presença.

Ele tem voz de xipalapala. Todo o bairro escuta suas profundas falas quando ele conversa na intimidade de sua casa com sua mulher


Fontes:
O Autor
NGUNGUNHANE e XIPALAPALA = wikipedia

Silvia Araújo Motta (Acróstico para O Voo da Gralha Azul numero 7)


Acróstico nº 3949 de agradecimento ao Presidente, Acadêmico José Feldman/PhI/ALB/Paraná.
Por Sílvia Araújo Motta/BH/ALB/MG.

O-O VOO da GRALHA AZUL nº SETE...

V-Veio do Paraná-Junho/Agosto de 2011.
O-O Acadêmico J.Feldman, na internete
O-Ostenta a Idealização, Seleção e Edição;

D-Digno de aplausos, em sua Presidência:
A-Academia de Letras do Brasil, do Paraná.

G-Garante o sucesso do excelente Blogspot,
R-Rico de pura e clássica LITERATURA...
A-Agora, em cento e sessenta e nove páginas,
L-Leva o ALMANAQUE que semeia cultura!
H-Hoje, pode colher seus sonhos plantados:
A-A Poesia e Prosa criam asas pela inspiração!

A-A Gralha Azul chegou silenciosamente...
Z-Zelosamente, trouxe de Sílvia Araújo Motta
U-Uma nota autobiográfica, em seis sonetos...
L-Liderando a esperança de mudança na rota.

---Muito Obrigada,Presidente J.Feldman!---

Fonte:
A autora

Casa do Poeta de Canoas (Sarau Comemorativo 9. Aniversário)


A Casa do Poeta de Canoas convida para as atividades comemorativas ao seu 9º aniversário.

SARAU COMEMORATIVO 9º ANIVERSÁRIO

Sexta-feira - 30/9/2011 - 19h

Clube Cultural Canoense
Rua Dr. Barcelos, 1271 - Centro / Canoas

Contamos com o prestígio da presença de nosso associados, amigos e simpatizantes.

Maria Santos Rigo
Presidente da Casa do Poeta de Canoas

Fone: (51) 3476.4431 / 9669.4615
www.casadospoetas.com.br

poetas@casadospoetas.com.br

Fonte:
Casa do Poeta de Canoas