segunda-feira, 21 de maio de 2012

Wagner Marques Lopes/ MG (O PERDÃO em trovas), parte 11


41

Dique na orla do mar
contém a forte caudal:
o perdão sabe estancar
o espraiamento do mal.

42

Amor – a melhor doutrina.
O perdão – o dom perfeito.
Assim o ser elimina
a bagagem dos defeitos.

43

O perdão, em qualquer meio,
não se mostra interesseiro:
é doação sem receio –
alma entregue por inteiro.

44

Um bom convívio se alcança
se este trio vem a nós:
chegam Perdão e a Esperança...
E surge a Paz logo após.

Fonte:
trovas enviadas pelo autor

Ricardo Azevedo (Histórias que o Povo Conta) O Gato e o Burro


CONTO ACUMULATIVO

Neste tipo de conto, o herói tem um problema e para resolvê-lo faz uma série de tentativas que vão se repetindo de forma sucessiva. Todos os elementos que entram na história são retomados, sempre na mesma ordem, até o fim. A acumulação é uma técnica de memorização muito antiga.


O GATO E O BURRO

O gato e o burro saíram para dar uma voltinha. No meio do caminho encontraram uma árvore.

- Quer valer como eu consigo trepar na árvore mais depressa que você? - perguntou o gato.

- Apostado! - respondeu o burro.

Os dois saíram correndo mas, claro, o gato venceu fácil.

O bichano ficou lá no alto miando e dando risada do burro.

O burro não gostou nem um pouco. Esperou o gato descer, deu uma mordida e arrancou seu rabo fora.

- Me dá meu rabo! - gritou o gato.

- Não dou!

- Me dá meu rabo!

- Só dou se você me arrumar um copo de leite quente.

O burro e o gato foram conversar com a vaca. O gato pediu:

- Vaca, me arranja um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E a vaca:

- Só se você me arrumar capim.

O burro e o gato foram conversar com o barranco. O gato pediu:

- Barranco, me arranja um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E o barranco:

- Só se você me arrumar água.

O burro e o gato foram conversar com a represa. O gato pediu:

- Represa, me arranja água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E a represa:

- Só se você me arrumar uma enxada para tapar meus buracos.

O burro e o gato foram conversar com o ferreiro. O gato pediu:

- Ferreiro, me arranja uma enxada para eu dar para a represa para ela me dar água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E o ferreiro:

- Só se você me arrumar um par de sapatos, que eu ando descalço.

O burro e o gato foram conversar com o sapateiro. O gato pediu:

- Sapateiro, me arranja um par de sapatos para eu dar para o ferreiro para ele me dar uma enxada para eu dar para a represa para ela me dar água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E o sapateiro:

- Só se você me arrumar um saco de pão, que eu estou com fome.

O burro e o gato foram conversar com o padeiro. O gato pediu:

- Padeiro, me arranja um saco de pão para eu dar para o sapateiro para ele me dar um par de sapatos para eu dar para o ferreiro para ele me dar uma enxada para eu dar para a represa para ela me dar água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E o padeiro:

- Só se você me arrumar trigo.

O burro e o gato foram conversar com um trabalhador que plantava trigo no campo. O gato pediu:

- Trabalhador, me arranja um pouco de trigo para eu dar para o padeiro para ele me dar um saco de pão para eu dar para o sapateiro para ele me dar um par de sapatos para eu dar para o ferreiro para ele me dar uma enxada para eu dar para a represa para ela me dar água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

O trabalhador estava ocupado e não gostou de tanta falação:

- Burro não toma copo de leite quente!

Depois pegou um pedaço de pau e saiu correndo atrás do burro e do gato dando cada pancada que até ardia de tão doída.

Fonte:
Azevedo, Ricardo. Histórias que o povo conta : textos de tradição popular. São Paulo : Ática, 2002. - (Coleção literatura em minha casa ; v.5)

Nilto Maciel (Teoria do Amor Socrático)

O professor Mendes não sabia com precisão quando ti­vera a idéia de escrever seu inconcluso livro. E não se arrisca­va sequer a falar do ano.

— Mais ou menos — instavam seus amigos.

— Pode ter sido em 64, muito antes, ou muito depois; não sei.

Bem, se não se lembrava do tempo da fecundação, disses­se então por que decidira criar a obra — exigiam os outros. Por querer celebrizar-se? Por admiração ao filósofo? Por pu­ro diletantismo?

Mendes ou não levava a sério as preocupações dos cole­gas, ou também vivia em dúvida:

— Se não me engano, nasci para escrever este livro — e abanava um bloco de folhas escritas a mão, como se desse ba­nanas ao mundo inteiro.

As tais folhas andavam sempre entre as páginas de um livro impresso e este debaixo do braço, o que as fazia suadas, amassadas e emporcalhadas. Dias e dias com o mesmo livro, embora já o tivesse lido e relido.

— Ainda com a República? — ignorava alguém.

E Mendes aproveitava a observação para mostrar suas “anotações filosóficas” ao curioso. Alguns bons minutos de leitura, quer o outro tivesse pressa, quer pudesse perder tempo.

As pessoas queixavam-se constantemente da impertinên­cia de Mendes.

— Ele enche o saco com essas suas anotações — lastimava-se uma.

— O pior é que não escolhe suas vítimas. Podia chatear apenas seus colegas de Filosofia — opinava outra.

Para Mendes, todo ouvinte era um ouvinte, bastava ter ouvidos. Com certeza, iria entender tudo e gostar do texto.

Apesar de ninguém saber exatamente quando a primeira idéia germinara naquele crânio incompreendido, o certo é que o livro há anos vinha sendo escrito. Ou anotado, como o pró­prio Mendes dizia.

Um de seus amigos pilheriava: primeiro conhecera o li­vro, depois o autor. Até aí nada de engraçado, porque geral­mente o leitor não conhece o escritor.

— Ocorre que não fui leitor, mas simplesmente ouvidor. O leitor foi ele, o Mendes — contava o piadista. — Primeiro leu para mim umas anotações filosóficas e só depois se apre­sentou: — “Sou Pereira Mendes, filósofo”.— “Prazer em co­nhecê-lo”.

Os ouvintes da pilhéria se enchiam de curiosidade: quan­do havia ocorrido o fatídico primeiro encontro dos dois?

— No primeiro dia de aula do primeiro ano de minha car­reira de professor.

— Então já faz algum tempo! — admiravam-se todos.

— Se não ocorrer nenhum incidente na minha vida, deve­rei me aposentar daqui a dez anos.

Ao tempo do fato, Mendes devia ser ainda estudante, tal­vez calouro de faculdade.

Estranhavam ainda seus ex-mestres, colegas, amigos, alu­nos, todos quantos o ouviam diariamente, o não se apresentar ele como Apolodoro. Assinava-se A. Pereira Men­des, quer nos artigos que escrevia para a revista da escola, quer em documentos e papéis da vida civil.

— Não quero que digam: dedicou-se à filosofia só porque tem nome de filósofo.

Do nome do filho passavam à pessoa do pai. Com toda a certeza, o falecido José Mendes adorava filosofia.

– De jeito nenhum — replicava o professor. — Aliás, ele mal sabia ler. Não ia além dos jornais mais vagabundos.

E completava a informação: a lenda falava de um vizinho do pai, um sujeito metido a intelectual, como autor da idéia do nome.

De qualquer forma, aquele nome o levara a se interessar por filosofia. Primeiro procurou saber quem diabo tinha sido o tal Apolodoro.

— Para vocês terem uma idéia de como meu pai era um idiota, escutem só esta: ele me disse que Apolodoro era um influente político do tempo de Getúlio, um ex-tenente revo­lucionário, ou coisa assim.

E durante muito tempo o menino acreditou na história política de seu nome. Só descobriu a verdade quando chegou ao ginásio, às aulas de latim. Falavam de Apolo, e para Apolodoro foi um pulo.

Mendes nunca se mostrou um menino prodígio, desses que lêem Homero aos sete anos de idade. Pelo contrário, só lia o estritamente exigido pelos professores: sonetos da Esco­la Mineira, capítulos do Iracema, trechos de Rui.

Só às portas do vestibular conseguiu ler dez páginas so­bre o pensamento grego, onde o jornalista falava de Sócrates, Platão e Aristóteles, além de meia dúzia de nomes de boa pro­núncia.

— Havia Apolodoro?

— Nesse tempo eu era doido por Fátima e passava dias e noites a imaginar encontros aventurosos, palavras amorosas e beijos sulfurosos.

No entanto, a vida também passava. Mendes ingressou na faculdade, meteu-se no movimento estudantil, leu centenas de jornalecos, distribuiu panfletos incendiários e quase pe­gou em armas. Quando parou para de novo sonhar amores, Fátima havia casado com um comerciante de São Paulo e sumido para sempre.

Mendes queria ser jornalista. Se não fosse possível, advo­gado. Não havia vaga, porém, nem para uma nem para outra. Restava um lugarzinho na Filosofia.

— Do assunto eu só conhecia mesmo o amor platônico.

— Donzelo até essa idade? — brincavam os amigos.

Não, ele até poderia ser considerado um estróina prema­turo. Freqüentava cabarés desde os treze anos, na compa­nhia de um primo. Chegavam a gazear aulas, para ir atrás das mulheres, em pleno dia.

— Ainda me lembro da primeira vez. A mulher riu, mas eu me fiz forte, como se fosse experimentado garanhão.

Esse relacionamento com as raparigas se estendeu ao lon­go da vida de Mendes, a tal ponto de nunca querer se casar. Morou com os pais até a mãe morrer. A seguir, o velho também deu adeus à vida. Os irmãos e as irmãs então já tinham constituído suas famílias, cheios de filhos.

— Eu só casaria com aquela que eu amasse muito, e eu nunca encontrei este amor — confessava.

Não admitia as chamadas repúblicas de rapazes. Coisa de homossexuais enrustidos, defendia-se. Preferia viver só. Ha­bitavam sua casa, porém, livros, discos e quadros. A bibliote­ca tomava conta de quase tudo, da sala ao quarto. Pura ma­nia de colecionador, porque nos últimos tempos mal conse­guia ler uma página por semana.

— Primeiro preciso ler tudo sobre Sócrates.

Sua escrivaninha vivia abarrotada daquilo que conside­rava essencial ao seu interesse: histórias da Grécia antiga, di­cionários de filosofia e grego, obras filosóficas, especialmen­te o Banquete, Fédon, Memórias de Sócrates, Apologia de Sócrates e outras relacionadas ao mestre de Platão. No entanto nem só de filosofia vivia Mendes. As mulheres ocupavam lugar es­pecial em sua mente. Como Maria Helena.

Tratava-se de uma secretária epicurista, que conhecera num bar. Em suas conversas, no entanto, nenhuma filosofia tinha vez. Falavam de si mesmos, generalidades, palavras à toa. Primícias de cópulas sonhadas.

— O amor não precisa de filosofia — justificava-se.

Apesar disso, não abandonava nunca as folhas soltas de seu projeto de livro sempre espremidas entre as páginas de um filósofo qualquer, grego ou troiano. E, aqui e ali, relia para os amigos suas obscuras anotações, repletas de acrologias, agnosias e alegorias.

— Eu precisava saber mais sobre Xantipa, que tipo de amor havia entre ela e Sócrates — comunicava aos amigos, em meio à leitura.

Na faculdade, nem o mais humilde funcionário desconhe­cia o livro de Mendes. O livro e suas lacunas.

— Não descobriu nada ainda sobre o amor de Xantipa? — indagava o porteiro.

— Não.

— Nem vai descobrir — atrevia-se o outro. — O amor é o mesmo em qualquer época e em todo lugar – ensinava.

Professor e porteiro se perdiam então em longas digres­sões pelos caminhos do conhecimento. Cuidavam, formava-se verdadeira assembléia ao seu redor, composta de funcioná­rios, alunos e professores. Muitas vezes chamaram a polícia, a fim de dispersá-los. Do contrário, ninguém trabalhava nem es­tudava — garantia o diretor.

Além da filosofia ou, mais especificamente, de Sócrates, se deixava seduzir por outras manias o celibatário Mendes. Assim, adorava também música e pintura. Em todas as pare­des de seu pequeno apartamento havia quadros e mais quadros. A maioria reproduções de pinturas famosas, como A Banhista, As três graças e Mona Lisa.

— Para mim não existe mulher mais bela em toda a pintu­ra universal.

— Você sabe que é um auto-retrato? — provocava-o um colega.

– Se for, não deixará de ser mulher, para mim.

Chegou a confessar que a personagem de da Vinci só per­dia em beleza para um retrato de sua mãe quando jovem. No entanto nem só por figuras pictóricas apaixonavam-se os olhos filosofais de Mendes. Assim, além da pretérita Fátima, da epicurista Maria Helena, de tantas e tantas mulheres, morava também em seus sonhos Rosana, tida por alunos e profes­sores como a ninfa da escola.

— Pena que ele tenha chegado tarde — debochava a garota.

E isto — apaixonar-se por moças bonitas — constituía-se uma quarta ou quinta mania nele.

— Quem sabe, Mendes, ela muda de idéia — confortava-o um amigo.

— Não se preocupe comigo — resignava-se. — Afinal, as mulheres são efêmeras.

E Sócrates voltava à baila, e também a cicuta, os sico­fantas, Xantipa, Platão, Apolodoro, ele mesmo, suas famosas “anotações” para o sempre inconcluso O amor socrático.

— Mas o que vem a ser mesmo esse amor socrático? —impacientou-se, um dia, seu melhor amigo.

— Se eu soubesse, já teria concluído o livro — aborreceu-se Apolodoro.

E o aborrecimento virou ira, o sentimento pelo melhor amigo desfez-se e as “anotações filosóficas” para o livro ter­minaram reduzidas a mil pedaços de papel, que voaram, por todo o resto do dia, pelo pátio da Filosofia.

Fonte:
Nilto Maciel. Contos Reunidos. vol. II. Porto Alegre, RS: Bestiário, 2010.

Marcelo Coelho (Elefantes)


Meu primeiro dia na escola foi bem ruim. Hoje em dia as crianças não sabem direito como é o primeiro dia em que a gente entra na escola. Elas começam muito pequenas, com três anos estão no maternal. Comigo foi diferente. Eu já era meio grande. Tinha seis anos.

Imagine. Seis anos. Quer dizer que, desde que eu nasci, até ter seis anos, eu ficava em casa. Sem fazer nada. Brincava um pouco. Mas meus irmãos eram muito mais velhos, e criei o costume de brincar sozinho. Era meio chato.

Até que chegou o dia de entrar na escola. Minha mãe foi logo avisando.

- Olha, Marcelo. Lá na escola, não pode ficar falando palavra feia. Bunda, cocô, xixi. Não usa essas palavras.

Tocaram a buzina. Era o ônibus da escola.

Eu estava de uniforme. Calça curta azul, camisa branca.

Eu tinha uma camisa branca que me dava sorte. Era uma com uma pintinha no colarinho. Gostava daquela pintinha preta. Mas no primeiro dia de aula justo essa camisa tinha ido lavar. Fui com outra. Que não dava sorte.

Bom, daí a aula começou, teve o recreio, eu não conhecia ninguém, tirei um sanduíche da lancheira, o lanche sempre ficava com um gosto de plástico por causa da lancheira mas eu não sabia disso ainda, porque era a primeira vez que eu usava lancheira, então tocou o sinal e fui de novo para a classe.

Até que deu certo no começo. A professora explicou alguma coisa sobre os elefantes. Falou que eles tinham dentes grandes, e que esses dentes eram muito valiosos.

Então ela perguntou:

- Alguém sabe qual o nome dos dentes do elefante?

Ou melhor, ela falou assim:

- Alguém sabe para que servem os dentes do elefante?

Vai ver que ela queria perguntar: "Qual o material precioso que é tirado das presas do elefante?".

O fato é que eu sabia a resposta, e gritei:

- O marfim!

A professora me olhou muito contente. Os meus colegas também me olharam, mas não pareciam tão contentes.

Ela brincou:

- Puxa, você está afiado, hein?

Eu não respondi, mas fiquei inchado de alegria, como se fosse um elefantezinho. Dentes afiados.

Tinha sido um bom começo.

Mas aí vieram os problemas.

Fui ficando com a maior vontade de fazer xixi.

Segurei.

A professora continuava a falar sobre os elefantes.

Assunto mais louco para um primeiro dia de aula.

E a vontade de fazer xixi ia aumentando.

Cruzar as pernas não adianta nessa hora.

Olhei para um coleguinha no banco da frente. Tive inveja dele. Ele estava ali, tranqüilo. Sem nenhum aperto. Como é que seria estar no lugar dele? Pedir para ser ele, pedir emprestado o corpo dele por algum tempo? Como alguém pode ficar sem vontade de fazer xixi? Sem nem pensar no problema?

Eu estava ficando meio desesperado. Eu era meio tímido também. Levantei a mão. A professora perguntou o que eu queria.

- Posso ir no banheiro?

- Espere um pouco, tá?

Ela devia estar achando muito importante aquela história toda sobre elefantes. Começou a explicar como os elefantes bebiam água. Eles enchiam a tromba, seguravam bem, e daí chuáá...

Levantei a mão de novo.

- Preciso ir no banheiro, professora...

Ela nem respondeu. Fez só um gesto com a mão. Para eu esperar mais.

Na certa, ela estava pensando que, no primeiro dia de aula, é importante não facilitar. Não dar moleza. Devia imaginar que todo mundo inventa que quer ir ao banheiro só para passear um pouco e não ficar ali assistindo aula.

Professora mais chata.

Levantei a mão pela terceira vez.

Eu realmente não agüentava mais.

Só que a professora nem precisou responder.

Tinha tocado o sinal. Fim da aula.

Era só correr até o banheiro.

Levantei da carteira. A gente era obrigado a sair em fila.

Faltava pouco.

Claro que não deu.

Fiz o maior xixi. Dentro da classe.

Logo eu, que nunca fui de fazer grandes xixis. Mas aquele foi fenomenal. Parecia um elefante. Coisa de fazer barulho no chão. Chuáá...

A professora chegou perto de mim.

- Você estava apertado? Por que não me avisou?

Eu não soube o que responder. Mas entendi algumas coisas.

A coisa mais óbvia é que, quando você tem vontade de fazer xixi, vai e faz. Coisa mais chata é ficar pedindo para alguém deixar a gente ir ao banheiro. Banheiro é assunto meu.

Outra coisa é que as pessoas, em geral, não ligam para o que a gente está sentindo. Para mim a vontade de fazer xixi era a coisa mais importante do mundo. Para a professora, a coisa mais importante do mundo era ficar falando de elefantes.

É como se cada pessoa tivesse um filme dentro da cabeça. E só prestasse atenção nesse filme. Filme dos elefantes, filme do xixi.

Mais uma coisa. Quando a gente precisa muito, a gente tem de gritar para valer. Eu devia ter gritado:

- Professora, tenho de fazer xixi.

Ou, se quisesse evitar a palavra feia:

- Professora, tenho absoluta urgência de urinar.

Não seria bonito, mas até que seria certo dizer:

- Vou dar uma mijada, pô.

Mas o pior é ficar levantando a mão e dizendo baixinho:

- Professora, posso ir no banheiro?

Vai ver que eu estava falando tão baixo que ela nem escutou.

As pessoas nunca escutam muito bem o que a gente diz.

Uma última coisa.

Aquele xixi não teve importância nenhuma. Eu fiquei envergonhado. Ainda mais no primeiro dia de aula. Só que, alguns dias depois, o vexame tinha passado. Tudo ficou normal. Tive amigos e inimigos na classe, fiz lição, respondi chamada, e nem a professora, nem meus amigos, nem meus inimigos, ninguém se lembrou do meu xixi.

Sabe por quê? É porque já estava passando outro filme na cabeça deles. Cada pessoa tem outras coisas em que pensar: a briga que os pais estão tendo, o irmão mais velho que é chato, o presente que vai ganhar de aniversário...

Só eu liguei de verdade para o caso do xixi. As outras pessoas estão sempre tratando de assuntos mais sérios. Elefantes, por exemplo.

Fonte: 
Era uma vez um conto. São Paulo : Companhia das Letrinhas, 2002.
Moacyr Scliar; José Paulo Paes; Milton Hatoum; Marcelo Coelho; Drauzio Varella

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 556)


Ademar e Clevane Pessoa (MG)
Uma Trova de Ademar 

Demonstra muita coragem 
esse sertanejo irmão, 
que, mesmo com a estiagem, 
não deixa nunca o sertão! 
–ADEMAR MACEDO/RN– 

Uma Trova Nacional  

A vida, pregando peça, 
mostra quem é mesmo amigo, 
quando a lida recomeça, 
e ninguém segue contigo. 
–LUIZ ANTONIO CARDOSO/SP– 

Uma Trova Potiguar  

Orgulho é doença triste 
que nos condena a estar sós, 
sem nos deixar ver que existe 
um ser maior do que nós. 
–WELLINGTON FREITAS/RN– 

Uma Trova Premiada  

2012 - Bandeirantes/PR 
Tema:  TRAVESSIA - Venc. 

Enfrento sem medo a lida, 
porque Deus é minha luz. 
Na travessia da vida 
o Seu Amor me conduz. 
–AGOSTINHO RODRIGUES/RJ– 

...E Suas Trovas Ficaram  

O meu vício é controverso,
tem dependência e vicia.
Sou dependente do verso,
rima, métrica e poesia!
–FRANCISCO MACEDO/RN– 

Uma Poesia  

Sou um fã de Antônio Conselheiro,
O primeiro comunista do Brasil,
Admiro Marinês, Gonzaga, Gil
E o suingue de Jackson do Pandeiro.
Sei da vida de Pinto do Monteiro,
O maior cantador desta Nação,
Mestre Zinho, Jacinto e Azulão
São os nomes da música de raiz.
Eu nasci no Nordeste e sou feliz
Por contar as histórias do sertão.
–WELLINGTON VICENTE/PE– 

Soneto do Dia  

Dupla Estiagem 
–DEDÉ MONTEIRO/PB– 

Quando Deus manda, lá por seus motivos,
dois anos secos para os sertanejos,
se os mesmos anos são consecutivos,
tombam por terra todos os desejos.

Pelas estradas, tristes, pensativos,
vão-se arrastando, como caranguejos,
milhares desses pobres semivivos,
deixando a vida sobre seus rastejos.

A nossa terra, que com chuva é rica,
faltando a mesma, desprezada fica,
tombando a seca sobre os ombros nus.

O sol resseca todas as alfombras
e os bichos brutos vão procurar sombras
nas sombras magras dos mandacarus.

Esopo (Fábula 17: A Raposa e o Crocodilo)

Uma raposa e um crocodilo estavam a discutir a pureza das suas árvores genealógicas. O crocodilo falou demoradamente acerca da sua famosa família e da grandeza dos seus antepassados.

"Não precisas de dizer mais nada", disse-lhe a raposa, sorrindo sarcasticamente, "porque não há melhor prova da tua origem que a tua pele. És tão feio, que não há dúvida de que descendes duma longa linhagem de aristocratas."

Moral da história

Os grandes gabolas e mentirosos acabam quase sempre por se trair.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

2º CIELLI da UEM/PR (Resumo de Simpósio de Estudos Linguísticos) Parte 2

CIELLI - Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários

O resumo havia sido publicado na UEM em parágrafo único, mas para facilitar a leitura dos leitores do blog, dividi em parágrafos.

5
Darcilia Marindir Pinto Simões
Maria Suzett Biembengut Santade
DISCUTINDO O ENSINO DE PORTUGUÊS COMO L1, L2, L2E

Este simpósio visa a congregar docentes-pesquisadores interessados na temática \"ENSINO DE PORTUGUÊS [LP] COMO L1, L2, L2E\", para levantar discussões que possam contribuir com a melhoria da prática de ensino de Língua Portuguesa nesse amplo espectro. Tema que vem ensejando muitos debates, estudos e pesquisas, pareceu-nos oportuno reunir, sob os auspícios do CIELLI, profissionais com experiência nessa modalidade didático-pedagógicas da Língua Portuguesa, de modo a promover o cruzamento de saberes, crenças, hipóteses teóricas etc., que propulsionem o avanço da produção técnico-científica e, por conseguinte, contribuir para o aperfeiçoamento das estratégias de trabalho.

Na ótica de Charles S. Peirce, estudioso norte-americano, as concepções são “idéias que se alojam na mente das pessoas como hábitos, costumes, tradições, maneiras folclóricas e populares de pensar”. Portanto, entendemos que muito do que circula sobre o ensino da língua portuguesa (L1, L2, L2E) se deve a juízos acientíficos produzidos e alimentados pela mídia e que merecem nosso olhar crítico, para que reajustemos a imagem dos docentes e dos cursos que operam nessa área. O ensino da língua com meta comunicativa trouxe à cena a incongruência histórica do ensino pautado na nomenclatura.

Posto o foco no problema, chegou às classes os ensinamentos da Linguística Textual e da Análise da Conversação. Uma e outra contribuíram para uma revisão do que se ensinava e do que cobrava do aluno. Verificou-se ainda, com a luz da Sociolonguística, a questão da variedade que, independentemente de qual língua ou qual modalidade de língua seja, a variação é um fato relevante. Então os olhos se voltaram para novos enfrentamentos. Todavia, os equívocos não deixam de existir e, apesar dessas importantes malhas teóricas surgidas, continua o sofrimento docente por não conseguir atingir seus objetivos.

Diante do processo de globalização, as nações passaram a se avaliarem em relação às outras e partiram para a elaboração de processos avaliativos mundiais. E os resultados desses expedientes é motivo de mais angústia por parte dos docentes. Estamos numa fase propícia, pois o Brasil parece bem situado em meio à crise econômica internacional. Em decorrência, os olhos estrangeiros cada vez mais se voltam para o Brasil, que vem sendo visto como nova shangrilá, por isso, o controle de qualidade se impõe com mais força, e nós, docentes-pesquisadores da área, somos cobrados, pedem-nos teorias, métodos, enfim, caminhos para a consecução dos grandes objetivos do ensino de línguas para a comunicação.

A Linguística Aplicada, a Semiótica, A Semântica, a Pragmática etc. disponibilizam caminhos seguros para a realização de um processo de ensino produtivo. No entanto, a moldura de temeridade e de displicência, construída a partir de uma prática social voltada para a valorização das línguas estrangeiras, acaba por afetar o ambiente das classes de LP e resultar em desentendimento sistemático entre teorias e métodos de modo a permitir resultados dolorosos no ranking nacional e internacional de avaliação das competências discentes para a leitura e produção textual. Assim sendo, espera-se desse Simpósio a elaboração de um material que possa, no mínimo, provocar a reflexão docente no âmbito do ensino de LP como L1, L2, L2E. Palavras-chave: LÍNGUA PORTUGUESA; ENSINO; TEORIAS, MÉTODOS E COMPETÊNCIAS

6
Jeane Mari Sant´Ana Spera
Marco Antônio Domingues Sant´Anna
ELEMENTOS DE LINGUÍSTICA PARA O TEXTO LITERÁRIO

Dominique Maingueneau, em Elementos de lingüística para o texto literário, título tomado de empréstimo para identificar este simpósio, aponta o risco de se aprofundar o “fosso” entre os estudos lingüísticos e a análise literária, caso linguistas e literatos insistam em manterem-se recolhidos em seus próprios domínios. Manifesta mesmo o desejo de contribuir para o restabelecimento da comunicação entre ensinos lingüístico e literário, como evidentemente o faz, com suas publicações.

Este é, também, o objetivo deste simpósio: possibilitar o encontro de pesquisadores que busquem explorar, na análise literária, o papel efetivo dos estudos lingüísticos da mais variada natureza. Nesse particular, destacam-se os estudos relativos às instâncias da enunciação, tais como as formas de manifestação do sujeito e suas consequências textuais, os discursos citados, as questões relativas a tempo e espaço etc... Fala-se, nesse caso, em discurso literário. Percebe-se que essa preocupação com as relações entre literatura e lingüística como objeto de estudo tem ocupado muitos outros lingüísticas.

Além do já citado Maingueneau. Já há algum tempo, Sírio Possenti (1988), em Discurso, estilo e subjetividade, discute, no capítulo intitulado Notas sobre estilo literário, a questão que envolve as relações entre Lingüística e Literatura, ou, mais especificamente, entre lingüistas e críticos literários. O autor constata a necessidade de haver um maior intercâmbio entre esses estudiosos, visto que ambos trabalham com a linguagem. No campo da literatura, a publicação recente de Beth Brait (2010), intitulada Literatura e outras linguagens, reúne lingüísticas e literatos, do nível de Carlos Alberto Faraco, Luiz Carlos Travaglia, Francisco da Silva Borba, Carlos Vogt, Cristóvão Tezza, Ignácio de Loyola Brandão, Ingedore Koch, Possenti, Maingueneau, entre outros, para discutir suas relações com língua e literatura.

A partir de uma pergunta formulada na apresentação do livro, “Como se arranjam língua e literatura nas estantes da vida?”, Brait seleciona textos, “cuja leitura, análise, discussão é complementada por depoimentos inéditos de prosadores, poetas, lingüistas, analistas do discurso, teóricos da literatura” que trabalham com linguagem, criação e ensino. Os textos revelam as relações entre língua e literatura, em cuja convergência se pode “observar a linguagem – verbal, visual, verbo-visual –, bem como os sujeitos com ela envolvidos e por ela constituídos”. A autora justifica a obra pela convicção manifesta de que língua e literatura formam “uma parceria inquestionável”, crença, acredita-se, também professada pela maioria dos pesquisadores que se dedicam ao estudo do discurso literário.

Enfim, acredita-se que esse simpósio possa, assim como as obras citadas, provocar discussões que permitam vislumbrar o movimento contínuo das relações mútuas entre literatura e linguagem, traduzidas nas reflexões sobre a função dos fatos linguísticos na conformação do texto literário, bem como sobre o papel fundamental da literatura na construção da identidade de uma língua. A confluência de tais esforços só poderá fortalecer o diálogo entre os dois campos de estudo, o que, com certeza, deverá ampliar as possibilidades de pesquisa tanto no campo dos estudos lingüísticos como no dos estudos literários.

7
Adriane Teresinha Sartori
Sílvio Ribeiro da Silva
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NA CONTEMPORANEIDADE

Este simpósio visa reunir pesquisadores, cujos trabalhos estejam em andamento ou já tenham sido concluídos, que se debruçam sobre a questão do ensino de língua portuguesa como língua materna em todos os níveis escolares. Trata-se de temática que merece nossa análise por diversos motivos. Um deles está na problemática enfatizada pela constante divulgação de resultados insatisfatórios de nossos alunos em avaliações (inter)nacionais de leitura e escrita. Abre-se, então, um primeiro grupo de trabalhos: por um lado, aqueles que investigam os testes propostos e, por outro, aqueles que pesquisam os processos de leitura e escrita.

A questão da leitura merece nossa atenção, porque há muito a se dizer sobre como ensinar a ler/compreender/interpretar um texto, identificando informações explícitas e construindo informações implícitas. Vale destacar que a leitura deixou de ser vista como um mero processo de decodificação de símbolos, por envolver, na verdade, a mobilização de vários elementos, formando uma complexa rede de inferenciação.

A escrita, por sua vez, pode ser tratada por diversos ângulos: a redação de gêneros escolares, as situações de produção bastante detalhadas e específicas, os “erros” dos estudantes, a reescrita/refacção do texto, entre outros, todos fundamentais para se pensar em como desenvolver a competência discursiva escrita do sujeito. Os outros eixos de ensino, a gramática/análise linguística e o oral, também ganham espaço neste simpósio. A questão da análise linguística, ressignificando o ensino de gramática, efetiva-se hoje em práticas variadas, ora contemplando aspectos da nomenclatura gramatical, ora buscando a análise das marcas linguísticas de tipologias textuais e de gêneros variados. E no meio desses dois polos, há um verdadeiro mix de atividades, revelando aproximações e distanciamentos entre concepções acadêmicas e escolares.

O ensino do oral, longe de ser uma simples discussão de um assunto em sala, ou apenas a exposição de ideias acerca de um texto lido, exige que voltemos nosso olhar para os gêneros formais públicos e a (necessária) ficcionalização das propostas de produção oferecidas aos alunos (Schneuwly, 2004). Há que se considerar, também, que os estudos sobre gêneros discursivos abrem possibilidades de investigação muito importantes, considerando desde a descrição daqueles que devem ser ensinados, até experiências que têm sido realizadas para abordá-los, sem esquecer o processo de didatização dos que são deslocados de sua esfera de origem para a escola. Pode-se discutir, nessa perspectiva, a questão dos gêneros que devem ser lidos e dos gêneros que devem ser produzidos pelos discentes (Lopes-Rossi, 2005). Merecem nossa atenção, ainda, os livros didáticos de Língua Portuguesa, bem como os apostilados usados pelas redes privadas de ensino e, em menor número, por escolas públicas. Há de se considerar seus usos, suas propostas e concepções. Inegavelmente, são materiais muito utilizados pelo professor no dia a dia com seus alunos ou, no mínimo, como subsídio para a elaboração de suas aulas.

Enfim, esse simpósio pretende reunir pesquisadores interessados em desvelar as práticas que se efetivam ou poderiam se efetivar nas salas de aula de língua portuguesa dos diversos níveis de ensino, visando contribuir para a construção de alternativas para o processo ensino-aprendizagem, objetivando a inclusão e participação dos alunos em novas e variadas práticas de letramento.

8
Magdiel Medeiros Aragão Neto
Morgana Fabiola Cambrussi
ESTUDOS DO LÉXICO E DA GRAMÁTICA

A discretude entre componentes gramaticais e a negação do léxico como um dos componentes estruturados das línguas naturais, pelo que parece, é uma opção metodológica que afasta a análise linguística de uma compreensão dos fenômenos da linguagem mais adequada e inviabiliza a unificação dos estudos desenvolvidos mais acentuadamente a partir da segunda metade do século XX – o que acarreta, além da falta de diálogo entre as ramificações da Linguística, a fragilidade de suas pesquisas.

Isso pode ser adequadamente atestado todas as vezes em que se esbarra, em meio a profusões terminológicas, na dificuldade de se distinguir entre “[...] o fenômeno observável, por um lado, e a variedade de constructos teóricos, por outro.” (LYONS, 1979, p.26. Tradução livre.). Nesse jogo de poder, não é incomum esbarrar em trabalhos cuja discussão tenta moldar fatos da língua para assentá-los no escopo de uma teoria qualquer. Na contracorrente dessa suposta discretude, este Simpósio, “Estudos do Léxico e da Gramática”, propõe um espaço de discussão ampla dos fenômenos da gramática e do léxico, sustentando-se sobre a premissa de que há, entre os componentes gramaticais e lexicais, assim como entre o léxico e a gramática, uma interdependência saliente, rejeitada por uma tradição de correntes linguísticas, mas que já começa a ser posta em nova chave.

Essa interdependência deixa-se perceber quando o olhar não está viciosamente conduzido pela ideia de autonomia e de centralidade de um dos componentes da gramática e do léxico sobre outros que, assim, tornam-se periféricos ou pela ideia de que o léxico das línguas reduz-se a uma listagem desordenada de informações linguísticas sem relevância para a organização e o funcionamento das línguas. Pelo contrário, para explicar certas configurações sintáticas, por exemplo, muitas vezes é necessária a compreensão de quais aspectos lexicais interagem e como se articula tal interação, que comumente envolve diversas propriedades gramaticais. Em outras palavras, a proposta deste Simpósio é propiciar uma discussão teórica e analítica sobre questões pertinentes e atuais levantadas por pesquisas desenvolvidas no campo da investigação linguística, concernentes aos fenômenos observados na estrutura e no funcionamento das línguas naturais, seja no plano do léxico seja no plano da gramática, preferencialmente a partir da integração entre esses planos e/ou da integração entre os componentes gramaticais e lexicais (morfológico, fonológico, sintático, semântico).

Objetiva-se, portanto, articular pesquisadores interessados nas interfaces, nos limites e nas possibilidades que se colocam para a descrição, para a análise e para a explicação linguística dos fenômenos observáveis no léxico e na gramática das línguas naturais. Dessa forma, este Simpósio se constitui em um espaço acadêmico e científico aberto e instigador de debate acerca de fatos linguísticos, que podem ser investigados sob diferentes perspectivas quanto às orientações teóricas e às abordagens empregadas.

Fonte:

domingo, 20 de maio de 2012

Wagner Marques Lopes/ MG (O PERDÃO em trovas) – parte 10


37

Na Terra, as duras contendas
ainda são preocupantes.
Pelas mais cruentas sendas
anda o perdão, vigilante.

38

Quando enfim chegar a hora
de um louvável conviver,
o perdão irá embora,
não terá razão de ser.

39

Luquinha do Rancho Quieto
foi bem tirano com os seus.
Tira o chapéu... Diz ao neto:
- Aguardo o perdão de Deus!...

40

O perdão tem qualidades
unidas numa façanha:
é peso e serenidade
de uma elevada montanha.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Lygia Fagundes Telles (Antes do Baile Verde)


Em Antes do baile verde, conto de Lygia Fagundes Telles, uma jovem se prepara animada para o grande baile a fantasia de sua cidade, em que todos devem comparecer vestidos com roupas verdes. No quarto ao lado, seu pai doente agoniza em seus últimos minutos de vida. A jovem, movida pela vontade egoísta de se divertir num simples baile ao invés de assumir a responsabilidade inconveniente de cuidar do pai, inventa a todo momento as maiores desculpas para si mesma.

A protagonista se divide entre o dever e a culpa para com ao pai moribundo e o desejo de se divertir livremente, até sua fuga desabalada rumo ao sonhado baile de carnaval.

Personagens:

Talisa - a patroa.

Lu - a empregada.

Raimundo - namorado de Talisa.

O pai da protagonista.

Tempo / Espaço

O tempo é cronológico, a ação se passa durante um dia de carnaval. O espaço é um apartamento.

Foco narrativo

Em terceira pessoa, narrador observador.

Traços estilísticos e temáticos

Lygia Fagundes Telles faz uma radiografia moral do egoísmo e da mesquinharia humana. De um lado, o pai enfermo, do outro, a filha que só pensa em si. Na incapacidade de assumir suas falhas, ela transfere a culpa a outros fatores. Percebe-se uma nítida preocupação em tentar se justificar de tudo não só para a empregada como também para si.

À proporção que a conversa entre as duas vai se desenvolvendo, dois sentimentos tomam conta de Tatisa: a angústia com o sentimento de culpa (relacionada ao pai) e o medo (voltado para a reação do namorado caso ela se atrasasse). Nota-se que a personagem prioriza o namorado ao pai.

De estilo simples e direto, com poucas descrições, no texto predominantemente o discurso direto, com predomínio do diálogo dos personagens diante do narrador (dos 128 parágrafos que compõem o conto, 92 são falas de personagens). O papel do narrador limita-se a guiar o andamento da cena. Não entrando em detalhes acerca dos fatos ocorridos. É um flash da vida humana retirado em um de seus momentos mais angustiantes. Esta angústia é passada ao leitor ao final do conto, quando este é deixado em aberto. Isto busca uma maior interatividade com o leitor, fazendo com que ele crie várias possibilidades de finais para a estória.

Enredo

Tudo acontece no apartamento de Tatisa, que juntamente com sua empregada, Lu, preparam-se para um Baile Verde de carnaval. Ambas estão apressadas, em especial Tatisa, preocupada em chegar atrasada ao encontro de seu namorado, Raimundo. Lu vai ajudando Tatisa a terminar sua fantasia.

É nessa situação que a empregada chama a atenção da jovem para a saúde de seu pai. Disse que esteve lá (no mesmo prédio); que o pai de Tatisa estava morrendo e que seria bom que ela fosse vê-lo. No decorrer da conversa, a garota deixa transparecer seu egoísmo em total indiferença ao pai. Transfere não só a culpa disso, mas também a responsabilidade para outrem (o médico e a própria empregada).

Depois, tenta convencer a empregada de ficar com o pai naquela noite. Esta reluta a idéia alegando que não perderá o desfile de carnaval por nada. Tatisa tenta se convencer de que está tudo bem, até escutarem um gemido agonizante próximo de quando saíam do apartamento. Dirigem-se para o apartamento de seu pai , primeiro a empregada, depois ela.

Fonte:
Passeiweb

Luiz Carlos Leme Franco (O Ponto)


O ponto, bolinha no fim da linha, dia destes rebelou-se por não ter com quem conversar á sua direita. Resolveu pular, sacolejar, procurar outra posição. Tanto fez que caiu linhas abaixo entre dois As e foi enxotado, pressionado a sair dali, porque deixaria os dois As sem função e ninguém conseguia lê-los.

O ponto triste com tal recepção, mas não querendo de novo se mover por sentir-se bem entre duas letras rechonchudinhas, agradáveis de se falar, bateu o pé para ficar aí. Foi agredido, espremido e esticado, de cada lado, por um dos As, até que virou travessão. Pior p’ra ele que ficou maior e mais difícil de se mexer e para as letrinhas mais longe uma da outra.

O ponto, agora retinha, levantou-se assustado por ver suas ex- vizinhas tão longe, que caiu e quebrou o pé ficando com um dedinho pendurado: virou um ponto de exclamação, esquisito entre as duas vogais - A!A - situação que não agradou nem este ponto rebelde e nem as letras, que começaram puxando-o de um lado, empurrando de outro até que esta reta com um ponto em baixo envergou-se e originou um ? , ponto de interrogação, propiciando já uma leitura rudimentar, ao se ler cada A de uma vez .

-A? se pergunta.

-A.

- A o quê?

-A oras.

– Mas o que é A?

– A de Agora, Amora, Afora, Alguém, Amor,

– Ah, é Amor. Então deixa. E ficou o ex ponto assim até que lhe entortaram mais e jogaram seu pontinho de baixo fora.

Agora um S entre As lhe proporcionou a ser ASA e voou para longe, até ser estilingado no lugarejo de nome CASAco quando perdeu um A de sua ASA e não mais ficou livre como sempre esteve. Virou cASco.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 555)


Uma Trova de Ademar

Hoje aqui deixo um recado
a quem desejou-me o bem,
a todos digo Obrigado;
sem esquecer de ninguém!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Minhas lágrimas cadentes,
que rolam por minha face,
revela mágoas silentes
de um amor em desenlace.
–ESTER FIGUEIREDO/RJ–

Uma Trova Potiguar


O Potengi! meus quebrantos
são bem mais que tuas águas;
tuas águas são meus prantos,
e meus prantos tuas mágoas!...
–RODRIGUES NETO/RN–

Uma Trova Premiada


2000 - UBT-Minas Gerais/MG
Tema: NOITE - 2º Lugar


Minhas mãos, barcos sem velas,
em carinhosos desvelos,
navegam, quais caravelas,
na noite dos teus cabelos !...
–HERMOCLYDES S. FRANCO/RJ–

...E Suas Trovas Ficaram


Vi, na página primeira,
de um velho livro que eu lia,
que a saudade é companheira
de quem não tem companhia...
–VASQUES FILHO/PI–

Uma Poesia


Não encontro outra dama como aquela
nem caçando igualmente um detetive,
entre todas mulheres que já tive
ela foi a mais simples e a mais bela,
ontem a noite dormi, sonhei com ela,
vi no sonho seu corpo em meu colchão,
mas como sonho é somente uma ilusão
quando fui lhe abraçando eu acordei,
se eu pudesse encontrar quem mais amei
livraria da dor, meu coração.
–ENEVALDO HIPÓLITO/PI–

Soneto do Dia

Contradição
–MARIA NASCIMENTO/RJ–


Hoje, mais uma vez, desesperada
por ser injustamente preterida,
vejo que já nasci predestinada
a amar sem nunca ser correspondida...

Mas o que me dói mais, na despedida,
é saber que fui sempre desprezada
porque foste o anjo bom da minha vida
e eu, da tua, jamais pude ser nada.

Se me pudesse ver da eternidade,
chorando de tristeza e de saudade
pelo amor que no tempo se perdeu,

Carlos Drummond de Andrade me diria:
"E agora", como vais viver Maria
sem o José que achavas que era teu?!

Lola Prata (A Dormição de um Poeta)


Não estava muito velho. Ocupava-se o dia inteiro com a produção literária, o que o conservava entusiasmado, lúcido e atuante.

Naquela tarde, como em todas as outras, teria muitos papéis para preencher com poemas e com o que mais lhe satisfazia: autos de origem medieval renovados em estilo atual, adaptados em rimas sonoras. Tudo bem aceito pelo mercado livreiro. Letras puras, sem mesclas de maldade ou cinismo. Seu dom granjeava-lhe leitores assíduos. Frases limpas, ditadas pelo amor universal que cultivava com cuidado e que brotavam do reduto de seus sentimentos. O cérebro apenas equacionava e compunha em versos, quase sempre metrificados, o pensamento consagrado.

Assim cumpriu Dom Marcos Barbosa, o tempo a ele designado. Cumpriu-o bem até ser chamado à morada eterna para, então, ingressar na eternidade.
*
O povo contrito e vários bispos confrades do falecido, compareceram ao velório e encomendaram a Deus o corpo inerte.

Daí, alguém pediu que todos se acomodassem, pois que haveria mais uma oração. Esse alguém colocou uma fita cassete para rodar.
*
A voz de Dom Marcos irrompeu em timbre claro, perfeitamente audível. Ele fazia a própria entrega da alma à Misericórdia de Deus, a quem dedicara a vida. Foi um adeus-agradecimento aos amigos que tinham-no acompanhado na caminhada. Muitos seguraram as lágrimas quando o ouviram encerrar dessa maneira:

- Adeus...! Alegrem-se...! Estou indo para uma festa!

Fonte:
Texto enviado pela autora

Heloísa Crespo (Poesia In Memoriam de Sérgio Roberto Diniz Nogueira: Saudade Antecipada)


A Sérgio Roberto Diniz Nogueira

O sol não apareceu.
A cidade ficou triste,
chorou nos pingos da chuva
que insistia em cair,
enquanto a notícia crua
corria ruas e bairros,
anunciando a partida
repentina e inesperada
do poeta e professor
Sérgio Nogueira Diniz.

A dor do último adeus,
estampada em cada rosto,
revelava o amor sentido,
a saudade antecipada,
o orgulho de ter vivido
tão perto de um amigo,
de um homem ético e digno,
de um exímio educador.

Na Terra a perda sentida.
No céu a festa esperada.
A entrada triunfante,
carregado pelos anjos.

Novas trilhas definidas,
novas metas planejadas
numa lida abençoada
para o novo caminhante.
14/05/2012

HOJE TAMBÉM É UM DIA DE TRISTEZA: daqui a pouco, as 12horas, no Campo da Paz, estaremos sepultando o corpo do PROFESSOR SÉRGIO DINIZ, que desde ontem é SAUDADE. Na verdade, não estaremos enterrando um corpo: estaremos, sim, plantando uma frondosa árvore no solo da planície goitacá, adubada por esta chuvinha plantadeira outonal. Por sua dignidade, honradez, inteligência para o Bem e amor cristão com que viveu entre nós, com certeza já está desfrutando em espírito da Paz Celestial.

SÉRGIO foi um exemplo de cidadania vivida pelo exemplo: a Ética Cívica, cidadã, solidária, opondo-se o tempo todo à ética cínica, individualista, predatória. Tanto na vida pública como na vida particular, com os amigos e com a família. Um grande Campista!

Lembro-me bem: numa das inesquecíveis SEMANAS UNIVERSITÁRIAS que promovíamos em fins dos anos 60 e ao longo dos 70,quando o tema era EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR EM CAMPOS (éramos Direito, Filosofia, Serviço Social e Medicina),num pronunciamento apaixonado ele jurou solenemente que faria tudo, lutaria com todas as suas forças para trazer os Cursos de Economia, Administração e Ciências Contábeis da CANDIDO MENDES PARA CAMPOS! E cumpriu o juramento: com entusiasmo anunciou a instalação da CANDIDO MENDES em nossa terra em 1976, que desde então cumpre relevante papel na infra-estrutura do desenvolvimento regional. Honrou-me com o convite para ser professor-fundador dessa grande instituição universitária, que prontamente aceitei e disso tenho orgulho! A CANDIDO MENDES DE CAMPOS mantém-se pela ação, vontade de servir e trabalho árduo de muitos! Mas ninguém apagará esta verdade: foi o PROFESSOR SÉRGIO DINIZ o grande responsável por este feito.

Assim, na Política com P maiúsculo, no Magistério e na vida comunitária, na defesa intransigente da Democracia, na construção histórica e heróica do Ensino Superior de qualidade em Campos,no exemplo de dignidade e grandeza moral, que para sempre seja lembrado e gravado no bronze da História o nome do PROFESSOR SÉRGIO DINIZ! Adeus, Amigo. Em meu nome e da Família Coelho dos Santos!

Elmar Martins (Meia Dúzia de Sete)
noturno do hotel palace
para Sergio Diniz


escrevo e você já não lê

pronuncio em voz alta
um verso que diria a você:

“o tempo é um pássaro
de natureza vaga”

antecipação fatal: o verso
existe antes de mim

outra maior: qualquer fim

19/05/2012

Fonte:
Texto enviado pela autora

Esopo (Fábula 16: As Rãs Que Queriam Ter Um Rei)


Em tempos que já lá vão, quando as rãs viviam à solta nos lagos, elas cansaram-se de não terem governo e pediram a Júpiter que lhes desse um rei que pudesse dizer-lhes o que estava certo e o que estava errado, fazer leis e decretar recompensas e castigos.

Desdenhando a loucura delas, Júpiter atirou-lhes um pau, dizendo com a voz trovejante:

"Eis o vosso rei!"

O pau causou um tal reboliço ao cair na água que as rãs entraram em pânico e dirigiram-se para o lodo, a fim de se esconderem. Passado um momento, uma rã, mais destemida do que as outras, levantou a cabeça, à procura do novo rei.

Até subiu para cima do pau... e as outras seguiram-na. Em breve tinham perdido o medo e isto levou-as a desprezar o seu novo "rei".

"Este rei", disseram elas a Júpiter, "é muito frouxo. Por favor, manda-nos um que tenha autoridade."

Então, Júpiter mandou-lhe uma cegonha e, durante muito tempo, as rãs, vendo o seu longo pescoço, ficaram sem saber se seria uma serpente ou uma cegonha. Então, a cegonha começou a comer as rãs, que fugiram e foram queixar-se a Júpiter, pedindo-lhe que a levasse e lhes desse outro rei.

"Se não estão contentes quando as coisas correm bem", disse Júpiter, "têm de ter paciência quando as coisas correm mal."

Moral da história

Satisfaz-te com a tua situação atual, mesmo que seja má, porque uma mudança pode piorar as coisas ainda mais.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

sábado, 19 de maio de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Tocantins

Wagner Marques Lopes / MG (O PERDÃO em trovas), parte 9


33

Vizinho contra vizinho -
trocando o “sim” pelo “mas”.
Chega o perdão... De mansinho
propondo o acordo de paz.

34

Encontrei ave canora
a saltitar de alegria!...
Era o perdão que, lá fora,
a todos dava um bom dia!

35

Eu descobri o endereço
da convivência perfeita:
Rua do Perdão sem Preço,
Quadra da Paz Bem Aceita.

36

Estendo bandeiras brancas:
seja a paz a minha lei.
Reato amizades francas
que um dia contrariei.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Danilo Souza Pelloso (Seis "ladrão")


Aquela cadeira continuava a balançar na profunda insensatez. A certeza da ausência de vovó estava no meu pensamento.

No repentino lembrar do não saber o que, aquele calmo semblante fazia meus problemas parecerem mera tolice do cotidiano.

Vovô era mais carrancudo. Jogador patológico do carteado. Truco seis rato. Assim ele se divertia.

Vovó gostava de ouvir suas peripécias, principalmente quando ele pensando ganhar esperava um truco para gritar: “Seis ladrão”.

O tempo passava, assim como minhas preocupações. Vovó, de sorriso faceiro, mostrava o quanto me preocupava à toa.

– Apenas deveres de casa. – Dizia ela, em gargalhadas, a caminhar passos lentos no continuar da confecção dos biscoitinhos.

Seu comportamento fazia-me pensar que os monstros criado por mim não eram tão horripilante assim. Ela gostava do chacoalhar da cadeira, sorrindo, no ranger da madeira já envelhecida, no longo percurso de não sair para onde. Vai e vem incontido. Para companhia fazia-se o sobe e desce daquelas agulhas. Um ponto aqui, outro acolá. Assim surgiam figuras, no bordado torpe, que fazia-me pensar tratar-se da grande anônima artista.

– Seis ladrão. - Eram essas as palavras de vovô naquele intrépido jogar de cartas em destilada bebida.

Aquela velha senhora, sem pressa para uma boa prosa, gostava de provocá-lo. E como seus olhinhos brilhavam ao som do deboche.

Agora com escuro olhar, vovó continuava postada em negro vestido, rosto a maquiar em tristeza, na abrupta partida. Um caixão de fino compensado, sem brilho, esfarelando ao som da despedida. Caixa de madeira ordinária. Vovó encarcerada. As alças eram de plástico grosso, como taças em popular comemoração do espumante a não possuir o tilintar. Assim concedeu seu derradeiro.

Algo acontecera com vovó, mas o que seria? Perícia em morte acidental. Aos olhos dos oficiais, vovó com turva visão concedeu o desprazer da escorregadela na grande escadaria, açoitando a cabeça em um só golpe. Aquele brum ecoava entre paredes e versos, tentando lembrar do acontecido. Um incidente?

– Pernas a bambear a apagada carne. – Comenta a perícia.

Recordações de vovô a grande mulher. Mãos inquietas a manusear o baralho. Uma tortuosa compulsão.

Vovó continuava naquele cômico caixão de compensado. As lembranças atordoam minha mente, apoderando-se do meu pensar. Recordo-me de vovó, com sorriso afável, no enrolar da macia massa, que viraria os famosos biscoitinhos de nata. Grande idade com destreza a criação. Já vovô não esquecia o baralho: “Truco? Seis ladrões”.

Quando era açoitado no ensinar, surgia num choramingar desmedido. Vovó, no escutar, pronta para explicações. Respondia minhas indagações, ensinando-me em jabs e cruzados de direita, a me defender daqueles peraltas bambinos. Ensinava-me a arte de fazer-me entender. Bem ou mal eles iriam compreender a linguagem do gancho no queixo.

Hoje compreendo. Vovó? Uma preciosa gema. Já vovô, compulsivo no jogar. Seis ladrão. Aos gritos essas eram suas palavras. Um despautério. Vovó se divertia com a boba preocupação de vovô. De fácil zangar. Desde o sutil cair das águas, em nuvens a cometer peripécias, até a incompreensível nhem, nhem, nhem, daquele velho veículo. Tudo motivo para desabrochar seu nervosismo.

Assim vinha o jogo. Seis ladrão. Vovô nasceu, entre socos e pontapés, com enfermeiros e doutores. Intempestivo. Não aceitava ser contrariado, mas continuava a contrariar. Aquele branco fio, de andar inconstante, trazia a vovó sorrisos. Diversão da grande idade a mexer com ele. Sempre que vovô estava distraído em seus pensamentos, vovó, de mansinho, dizia para o velho escutar.

– Truco.

Ele respondia de imediato:

- Seis ladrão,- batendo na mesa.

Era uma algazarra. Não compreendia o porquê. Era seis ladrão e pronto. Lembro-me daquela vez, em que vovô entretido com as cartas na varanda, concentrado na grande partida. Eram cartas em cima de cartas quando de repente um participante gritou a fatídica palavra. Vovô era a resposta no grito que ecoou a vizinhança.

– Seis ladrão.

Neste momento a polícia interveio na tranquilidade do nosso lar. Armas em punho. Caça ao ladrão. Nervoso, vovô balbuciava, na tentativa de explicar coisa alguma. Inexistia explicação. O que falaria? Apenas um jogo de cartas? Assim vovô calado, auxiliava os policiais, na tentativa de encontrar os possíveis ladrões.

Passaram as lembranças. Ficaram os fatos. Vovó? Naquele caixão de madeira compensado. Vovô, em pé, ao lado de vovó, passando a mão no branco rosto pálido, despedindo-se, no incontido choro, do triste pensar na perda. De repente, vovó com os lábios entreabertos, num simples empurrar dos ventos, em palavras e versos, sussurra apenas para vovô.

– Truco. Seu velho safado!

Na forma incontida do emocional descontrole, vovô sem saber o que estava fazendo, bate a mão no compensado caixão, em turbulentas palavras.

– Seis ladrão.

E assim vovó sorriu e partiu, tendo a certeza do incompreensível compreender de toda a situação.

Fonte:
Painel 2012 de Novos Autores Brasileiros - Contos - Maio de 2012. Câmara Brasileira de Jovens Escritores.

Brasilidades (Versos do Povo da Gente) 1


ANGÉLICA MATOS FERREIRA (Guapimirim / RJ)
Dias sem mais


Dias roubados,
sonhos estagnados.
A tristeza persiste solitária.
A alma acorrentada
em uma felicidade imaginaria.
Vida passada, desgastada.
Dias iguais...
... dias sem mais.

ANTONIO FERNANDO SODRÉ JÚNIOR (São Luís / MA)
Cordel de estrelas


Os poetas nordestinos
Versam para além de algum prestígio
Cantar do grande Sertão a vida
E nas rimas que fazem, encontram mais belezas
De um rincão de natureza aguerrida
Quase invencível em suas dores e pelejas.

No poema, na fala do repentista
Há raridades que o sofrimento ofusca
A ignorância e o preconceito ocultam...
O Sertão é todo o mundo e um mundo só
Chão lavrado de graças, cinzelado de riquezas...

O homem forte curva-se à terra:
É sequidade latente, almas vivas de aridez
É banho de lua, canto de revoada
Contas de conchas, nuvens, lençóis d’areia
Engenho, resistência e luta...

É na franqueza da gente simples,
Na união dos seus que a terra é reerguida
Do solo estéril, persiste dele a querença
Todas armas contra as lágrimas e a injustiça
O Sertão é cidadela que guarda mistérios
É triunfo que desponta no céu escuro
Feito cordel de estrelas.

BIA WEISER (Viena / Áustria)
Gente que se basta


Tem gente tão completa
que se basta no presente
não projeta nada além
não anseia dimensões
e que vive tão somente
a vida como ela vem.

É gente toda, por inteiro
sem mágoas, sem frustrações,
sem anseios, sem angústias.
É gente que não programa
e aceita o que há de vir
se de bom ou de mau, tanto faz,
pois viver é que é bom.

É gente que vive a vida
que se basta em sua lida,
vida que vai em frente,
é destino, é passageiro.

CARLOS MARCOS FAUSTINO (Tupã / SP)
Velhos tempos
(Quando eu voltava pra casa)


Passar o pontilhão, cair na avenida
Que se abre alegre, simples e bonita
Dobrar no terceiro quarteirão,
De madrugada então, era uma poesia
Os passos na rua silenciosa e calma
O tic tac do coração... uma melodia
Arfar no peito, ânsia pela chegada
Abrir o portão, adentrar à varanda
Os passos lá dentro, o abrir da porta
Choros, risos e abraços, não importa
Uma aquarela de alegrias estampada
O cheiro forte do café tudo invadia
A vida naquele dia mais cedo, vibrava
Ninguém mais dormia, ninguém mais queria
As saudades todas eram despejadas
As saudades todas eram esquecidas.
Como eram tão doces aqueles velhos tempos,
Velhos tempos quando eu voltava pra casa..

CECÍLIA MARIA DE LUCA S. DE NORONHA (Belo Horizonte / MG)
Intimidade


Quem é esta menina que não reconheço?
Quem é esta menina que me desafia, querendo dançar, saltar, correr?
Ela me encara e me escancara e ri....ri despudoradamente.
De repente, mostra a língua para quem não gosta,
Faz birra e chora desconsoladamente...

Esta menina me desalenta. Louca, me enlouquece.
Canta, sua voz desafinada me entristece.
Cria e suas criações me exasperam.
Sonha e seus sonhos me desesperam.
Ah, menina, que não percebe minha senilidade!
Eu não a reconheço e ela não reconhece sua inutilidade.

Peço-lhe que vá embora, ela insiste em ficar.
Digo-lhe que tudo se acabou, ela insiste em recomeçar.
Quem é esta menina que sempre me alcança e que eu não consigo alcançar?

Sigo ridícula e impotente com esta menina solta dentro de mim.
Menina persistente...não se cansa de esperar.
Criança teimosa...não acredita no meu fim. Enfim!....

Afinal, quem é esta menina que me vira pelo avesso?
Eu não mais a conheço, eu não a reconheço.
Quero me lembrar, mas não tem jeito...
Quem é? Esquece. Esqueço.

DANIELLI RODRIGUES (Londrina / PR)
Patativa do Assaré


Dentre o cultivo de terras
surge o poeta do Ceará
de seus envolventes repentes
o maravilhoso desafio do improviso
o casamento da poesia e da música
o delicioso canto de criação de versos.

Ó ave Patativa
que beleza de canto, de poesia
de fineza, de melodia
de uma oralidade marcante
cheia de significações e sensações.

Entre a voz e a entonação
as pausas
entre o ritmo e o pigarro
a expressão
com perfeição sua ironia, veemência e hesitação.

De sonetos clássicos
à décima e a sextilha nordestina
ora linguagem culta
ora linguagem do dia a dia
emerge a poesia matuta.

Antônio Gonçalves da Silva
agricultor, improvisador
compositor, cantor
poeta popular
nossa ave brasileira.

GRACIANA MENESES (Fortaleza / CE)
Simpatia


Sentimento sincero
Fruto do coração,
Trocas de olhares
Pela magia da atração.

Simpatia é como ramos
Unidos, que aos poucos
Vão se entrelaçando
Pelas chamas da emoção.

Simpatia é um dom singelo
Fluente do nosso coração,
E nos proporciona conforto,
Bem estar e boa emoção.

Simpatia é pura afinidade,
É um toque de admiração
Que nos causa confiança
Pela sua própria reação.

Simpatia é quase amor,
Um envolvimento natural,
Cumplicidade, boas energias
Geradoras, é troca de atenção.

TERESA CRISTINA CERQUEIRA DE SOUSA (Piracuruca / PI)
A maçã


A menina tinha um lápis.
Um lápis cor de sangue.
Apenas um lápis na hora do recreio.
Mal se consegue ouvir o som do lápis no chão.

Eis, ali, num dia comum, súbito, uma maçã.
Uma maçã que logo amadurece.
Apenas uma maçã na calçada do pátio.
Ah, menina, você não pode comer essa maçã!

Fonte:
Câmara Brasileira dos Jovens Escritores. "Brasilidades / vol.3" - Edição Especial - Maio de 2012.

Darlene da Costa Diniz /PR (Nos Dois Lados do Vento)


Darlene é de Londrina/PR

Que Vento é este que me puxa para cá e me empurra para lá?

Decida Vento amoroso, pois de tanto ir para cá e para lá tonta até já fiquei.

Vou para cá só beleza vejo, vou para lá vejo tristeza. Até no meio já fiquei.

Assim no mesmo dia dava muitas gargalhadas e em seguida chorava.

Olha Vento amigo, resolva que lado quer me fazer ficar, pois nestes dois lados poderá virar uma poesia de dois horizontes.

Assim, muito sol e muita chuva e, de quebra, um presente feito arco-íris, colorida toda vou ficar.

Decida Vento, pois este arco-íris você levando o está para dois lados do rio.

Onde começa o arco-íris e onde termina.

Igual quando você, Vento camarada, me puxa para cá e me empurra para lá.

E neste puxa-puxa até deste lindo sonho despertei…

Fonte:
Câmara Brasileira dos Jovens Escritores. "Brasilidades / vol.3" - Edição Especial - Maio de 2012.

Esopo (Fábula 15: A Andorinha e os Outros Pássaros)


Uma andorinha, tendo visto um lavrador semear visco no campo, mandou reunir todos os pássaros e disse-lhes que o visco servia para fazer redes de passarinhos e armadilhas. A andorinha pediu-lhes para que a ajudassem a apanhar as sementes e destruí-las. Embora ouvissem o que ela lhes disse, os outros pássaros não fizeram nada e, assim, com o tempo, o visco rebentou, ganhando raízes no solo. Mais uma vez, a andorinha avisou-os, dizendo-lhes que ainda não era tarde para evitarem as complicações se actuassem imediatamente. Mas os pássaros continuaram a ignorá-la e a andorinha deixou os bosques e foi viver na cidade.

O visco cresceu alto e forte e foi colhido. Mais tarde, a andorinha viu alguns dos pássaros que tinham sido apanhados recentemente nas redes feitas com o visco contra o qual ela os avisara. Agora, eles tinham aprendido a lição, mas era demasiado tarde.

Moral da história

Os homens sábios sabem prever os efeitos de certas causas, mas os loucos nunca acreditarão neles, até ser demasiado tarde para impedir o desastre. Demoram-se e arriscam-se.


Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.