domingo, 26 de agosto de 2012

Nilton Manoel (O Poema de Três Versos)

Aproveitei-me deste final de semana chuvoso, para colocar em ordem minha estante de arte-poética, separando os volumes que me servirão de ponto de referência no correr deste ano ímpar. Em meio desta tarefa encontrei o “Itinerário”- livro de autoria de Jacy Pacheco, premiado em 1972, pela secretaria da Cultura, Esporte e Turismo da Guanabara e, editado no ano seguinte elo Instituto Niteroiense de Cultura. O volume foi-me ofertado pelo autor, durante a minha estada em Nova Friburgo-RJ, participando dos Jogos Florais da localidade. O Itinerário tem 66 páginas, sendo que 51 estão divididas entre trovas, sonetos, poemas e haicais. No verso de uma das páginas de apresentação, encontrei um haicai de Luiz Antônio Pimentel:

“Que é um haicai?
É o cintilar das estrelas,
Num pingo de orvalho!”


Daí resolvi envolver-me um pouco mais neste poema e parti para a mineração da arte indo até Hêni Tavares (“Teoria Literária”, Ed.Itatiaia, BH,1971) onde consegui a afirmação de que “poema é o nome genérico de toda composição com intenção poética”. Folheando Aurélio B. Holanda encontrei: “ Haicai - poema japonês formado de três versos dos quais dois de cinco sílabas e um (o 2º) de sete sílabas poéticas”.
 
Além, na “Antologia Luso Brasileira de Wagner Ribeiro”- FTD, Adelino R. Ricciardi (irmão do Sílvio Ricciardi, da ARL) diz-me que Guilherme de Almeida jurava que esse gênero tinha sido criado especialmente para
nós. Eis um exemplo:

“Noite. Um silvo no ar;
Ninguém na estação. E o trem
passa sem parar” (Guilherme)

Na mesma antologia, em crônica extraída do jornal dos Municípios, 1959, Altino de Castro informa que, coube a Guilherme de Almeida, a introduzir rimas (1º e 3º) na composição. Adiante escreve: “Quando foi eleita em Long Beach, miss Universo, a japonesa Akiko Kojima - nome que significa - alegre pequena ilha -, eu me lembrei que não existia melhor modo de homenageá-la, do que compondo, à feição do Oriente, um colar de haicais, para o seu lindo pescoço pagão”. Do colar prendo-me em duas das sete contas:

“Agora são ricos
quimponos, leques, o sonho,
os olhos oblíquos...”

“Na concha do verso
alegre pequena ilha,
o sol do Universo.”


Voltando ao Itinerário de Jacy Pacheco releio alguns deles com rimas ou sem elas:

“Livre é o pensamento,
é porém à flor dos lábios
pássaro detento”.

No exemplo acima o primeiro verso rima com o terceiro e, neste outro, há rima paralela no primeiro com o segundo verso:

“Com sabedoria,
tu pouparás alegria,
para as horas más”.
Já este outro não tem rimas:

“Lagartas e tanques,
apagam sulcos de arados
e semeiam sangue”.

“Uma folha morta,
um galho no céu grisalho.
Fecho a minha porta”.


O verso leonino, como o segundo deste haicai, é o que tem rima nos hemistíquios ou nos membros métricos. Sendo o haicai pequeníssimo poema, o poeta se obriga a um grande poder de síntese para que dentro dessa forma possa revelar com originalidade, mensagem poética que cative o leitor e, perpetue-se através dos tempos.

Fonte:
O Autor

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Manhã)

Hoje resolvi sair para dar uma pescada e andar a cavalo com o Luquinhas.

Como estava aqui no pc com ele, aguardando a chegada de alguns amigos, resolvi mandar esse poema Manhã para vocês.

Esse poema me lembra muito a vida do campo... das manhãs de minha infância.

Um forte abraço.
Sardenberg


Manhã
Antonio Manoel Abreu Sardenberg
São Fidélis/RJ “Cidade Poema”


Boceja o sol nessa manhã risonha
No céu brilhante de nuvens esparsas.
E no cenário do alto da montanha
Em revoada bailam lindas garças.

Na estrada estreita desponta um vaqueiro
Pelo aceiro tocando a boiada
Sob o comando de um feitor faceiro
Todo enfeitado para a namorada.

A manhã rompe enquanto a tarde brota,
E mais um dia foge se esvaindo...
O lusco – fusco no sertão se aporta,

E a cigarra, com seu cantar tão triste,
Dá boas – vindas à noite surgindo
O tempo avança - meu sonho persiste...

Fonte:
O Autor

Paulo Mendes Campos (Menina no Jardim)

Menina no Jardim (Tela de Cícero Dias)
Em seus 14 meses de permanência neste mundo, a garotinha não tinha tomado o menor conhecimento das leis que governam a nação. Isso se deu agora na praça, logo na chamada República Livre de Ipanema.

Até ontem ela se comprazia em brincar com a terra. Hoje, de repente, deu-lhe um tédio enorme do barro de que somos feitos: atirou o punhado de pó ao chão, ergueu o rosto, ficou pensativa, investigando com ar aborrecido o mundo exterior. Por um momento seus olhos buscaram o jardim à procura de qualquer novidade. E aí ela descobriu o verde extraordinário: a grama. Determinada, levantou-se do chão e correu para a relva, que era, vá lá, bonita, mas já bastante chamuscada pela estiagem.

Não durou mais que três minutos seu deslumbramento. Da esquina, um senhor de bigodes, representante dos Poderes da República, marchou até ela, buscando convencê-la de que estava desrespeitando uma lei nacional, um regulamento estadual, uma postura municipal, ela ia lá saber o quê.

Diga-se, em nome da verdade, que no diálogo que se travou em seguida, maior violência se registrou por parte da infratora do que por parte da Lei, um guarda civil feio, mas invulgarmente urbano.

- Desce da grama, garotinha - disse a Lei.

- Blá blé bli bá - protestou a garotinha.

- É proibido pisar na grama - explicou o guarda.

- Bá bá bá - retrucou a garotinha com veemência.

- Vamos, desce, vem para a sombra, que é melhor.

- Buh buh - afirmou a garotinha, com toda razão, pois o sol estava mais agradável do que a sombra.

A insubmissão da garotinha atingiu o clímax quando o guarda estendeu-lhe a mão com a intenção de ajudá-la a abandonar o gramado. A gentileza foi revidada com um safanão. “Dura lex sed lex”.

- Onde está sua mamãe?

A garotinha virou as costas ao guarda com desprezo. A essa altura levantou-se do banco, de onde assistia à cena, o pai da garota, que a reconduziu sob chorosos protestos à terra seca dos homens, ao mundo sem relva que o Estado faculta ao ir e vir dos cidadãos.

A própria Lei, meio encabulada com o seu rigor, tudo fez para que o pai da garotinha se persuadisse de que, se não há mal para que uma brasileira tão pequenininha pise na grama, isso de qualquer forma poderia ser um péssimo exemplo para os brasileiros maiores.

- Aberto o precedente os outros fariam o mesmo - disse o guarda com imponência.

- Que fizessem, deveriam fazê-lo - disse o pai.

- Como? - perguntou o guarda confuso e vexado.

- A grama só podia ter sido feita, por Deus ou pelo Estado, para ser pisada. Não há sentido em uma relva na qual não se pode pisar.

- Mas isso estraga a grama, cavalheiro!

- E daí? Que tem isso?

- Se a grama morrer, ninguém mais pode ver ela - raciocinou a Lei.

- E o senhor deixa de matar a sua galinha só porque o senhor não pode mais ver ela?

O guarda ficou perplexo e mudo. O pai, indignado, chegou à peroração:

- É evidente que a relva só pode ter sido feita para ser pisada. Se morre, é porque não cuidam dela. Ou porque não presta. Que morra. Que seja plantado em nossos parques o bom capim do trópico. Ou que não se plante nada. Que se aumente pelo menos o pouco espaço dos nossos poucos jardins. O que é preciso plantar, seu guarda, é uma semente de bom-senso nos sujeitos que fazem os regulamentos.

- Buh bah - concordou a menina, correndo em disparada para a grama.

- O senhor entende o que ela diz? - perguntou o guarda.

- Claro - respondeu o pai.

- Que foi que ela disse agora?

- Não a leve a mal, mas ela mandou o regulamento para o diabo que o carregue.

 Fonte:
Para Gostar de Ler. antologia escolar.

Arthur Azevedo (A Capital Federal)

Análise por Orestes da Silva Chaves Neto

Quando eu morrer, não deixarei meu pobre nome ligado a nenhum livro, ninguém citará um verso meu, uma frase que me saísse do cérebro; mas com certeza hão de dizer: "Ele amava o teatro", e este epitáfio moral é bastante, creiam, para a minha bem-aventurança eterna
Arthur Azevedo - 1903
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 Sempre envolvido em questões nacionais, seja no teatro, como no jornalismo e na vida pública, Azevedo registra com "A Capital Federal" sua visão crítica do crescimento urbano e suas contradições através de personagens estigmatizados. E apoiado nesses estereótipos de alguns segmentos sociais, que seguem uma seqüência de quadros que representam uma panorâmica da cidade, o texto mostra eficiência no seu objetivo de apresentar com humor os costumes urbanos do final do século XIX. Seguindo regras de conduta moral, que sublinha a visão do autor da realidade, como também na busca do efeito histriônico, que subverte essa mesma visão, "A Capital Federal", enquanto literatura teatral, propõe leituras que, em princípio, parecem contraditórias. Se concessões são feitas à moralidade vigente, como a punição das personagens que violam as regras do convívio social e com um desfecho que apela para o sentimentalismo, por outro lado o texto explora uma renovação da linguagem teatral, que combina os modelos da cena burlesca com uma composição das personagens, que enquanto tipos, supõe-se baseados na realidade.

 Onde? - A cidade do Rio de Janeiro, se afirmando como a capital do governo republicano, o Grande Hotel, o Largo da Carioca, os Arcos da Lapa, o Largo do São Francisco, a casa de Lola, um salão de baile, o Belódromo Nacional, a Rua do Ouvidor e um sótão fazendo às vezes de moradia.

 Quem? - Uma família do interior de Minas Gerais, uma cortesã, um aposentado, jogadores, comerciantes, cocotes, literatos decadentistas, serviçais e velocistas.

 O Que? - A família chega à capital federal a procura de um rapaz que prometera casamento à filha e nunca mais apareceu. O tal rapaz está envolvido com Lola, a espanhola que tudo faz para lucrar com os homens. E um desses homens será Eusébio, o pai e fazendeiro de Minas, fazendo o percurso do ingênuo mundo rural para o imoral, corrompido e neurótico urbano.

 Quanto às personagens, podemos notar o recurso de oposição, como por exemplo o que ocorre entre a cocote espanhola Lola e o fazendeiro Eusébio, e também o deslocamento de algumas personagens do ambiente rural para o urbano, como no caso da família que chega do interior de Minas, em especial em Benvinda,- na qual é operada uma transformação, tornando o desajuste entre a sua origem de escrava e a nova posição de cocote uma seqüência em que o humor está presente na impossibilidade da sua mobilidade social.

 O primeiro quadro, ambientado no Grande Hotel da Capital Federal, cantado nas coplas da abertura como excepcional pelo gerente, criados e hóspedes, em meio a uma marcação de movimentos ágeis, é também o lugar que serve de ponto de partida dos personagens, onde apresentam suas características e intenções.

 Revelado isso, partem em busca dos seus objetivos, que para Lola é encontrar Gouveia, um jogador que, em função de ser seu amante, exige que a presenteie com bens materiais. Encontrar o jogador quer também Eusébio, o fazendeiro, para cobrar uma promessa de casamento que fez à filha Quinota, quando passou por São João do Sabará como um caixeiro viajante. E correndo por fora está Figueiredo, aposentado que aprecia mulatas e se empenha em lançá-las socialmente, interessando-se portanto por Benvinda, a agregada da família interiorana.

 Dada a partida, os tipos já intensamente caracterizados, e assim compondo a encenação com base no estereótipo, atravessam a representação cenográfica de lugares que representam a capital federal, recorrendo a meios para conquistar seus objetivos que denotam, em alguns casos, total ausência ética e moral. Nesse campo fértil, Azevedo, já experiente na expressão cômica, tanto no teatro como em sua produção literária, combina gêneros de teatro popular, e assim expressa, entre buscas e fugas desabaladas, através de questão relevantes da época, como os vícios, a corrupção e os amores venais.

AS PERSONAGENS:

 Lola, a inescrupulosa cortesã, metaforizada a partir de suas relações econômicas, em que o seu valor de troca é a própria sexualidade, manipulando os desejos masculinos para o seu proveito material, atinge o mais alto grau de mordacidade da peça e assim oferece ao público uma inversão de valores, trazendo ótimos resultados cômicos. Suas investidas são sempre voluptuosas, como podemos notar nas suas aparições, primeiro em busca por Gouveia, no Grande Hotel e em lugares públicos, depois na festa à fantasia, que traz uma referência clara a um tipo de espetáculo comum da época nos quais prepondera o apelo erótico, e por fim no Belódromo, o quadro onde todas as personagens se reencontram.

 Integrando os tipos femininos está a mulata Benvinda, ou como diz o aposentado Figueiredo: "trigueira, por ser menos rebarbativo" , - em um jargão que anuncia suas intenções , que de serviçal é promovida à dama de sociedade, mas nas entrelinhas revela o papel de cortesã. A personagem, em suas novas atitudes e vestimentas quando muda de classe social,- sempre inadequadas ao contexto, estiliza a gafe como efeito cômico a partir das possibilidades de contraste entre a raça negra e o estilo europeu,- que seriam um figurino com exagero de cores e formas, e também sua inabilidade com os termos em francês, exibindo uma seqüência de disparidades. Vale lembrar que o grande sucesso que esse tipo teve fez proliferar nos palcos brasileiros, nos primeiros decênios do século XX, o estereótipo da mulata faceira e sensual.

 Fortunata, a mãe de família rural, avessa às veleidades da vida urbana, busca a reintegração do seu lar, seja pelo casamento da filha com Gouveia ou na busca pelo marido, que a abandona para se envolver com Lola. Reagindo com estranhamento às relações instituídas pelos vícios da cidade, que dela tiraram o noivo da filha Quinota, a agregada Benvinda e o marido Eusébio, mantém no desenrolar do espetáculo uma certeza moral, mesmo expressa de forma rude, e consegue a façanha de ser a grande redentora final. Mas essa vitória se deve mais ao insucesso dos planos das outras personagens que as suas atitudes, norteadas pela vontade de retorno à vida rural. Prejudicada por toda espécie de exploração, seja quanto à moradia, que a leva a viver em uma espelunca, quanto à estrutura familiar, com a ausência do pai provedor, envolvido com a sedutora espanhola, sua participação toma importância no final. É quando, em um desfecho inverossímil, recolhe as "ovelhas desgarradas do seu rebanho", para junto a ela retornar ao seu meio, que sendo rural, representa na peça virtudes perdidas com a degenerescência da ordem urbana.

 Dos personagens masculinos, podemos dizer que geralmente são acometidos pelo "micróbio da pândega", expressão da época para definir a susceptibilidade dos homens aos amores venais e ao jogo, e assim desestruturando a família. E é nessa área de conflito, entre a tradição moral e a licenciosidade, que os homens transitam, deflagrando toda uma série de movimentos, por vezes por serem procurados, outras por estarem à procura. Essa dualidade é nítida nas palavras de Décio de Almeida Prado (in "O Tribofe", posfácio, 274):

 "...A malícia de "A Capital Federal", peculiar ao teatro da passagem do século, nasce precisamente dessa ambigüidade, desta luta meio escondida, meio declarada, entre a força do sexo e a percepção aguda das convenções sociais, entre o que o indivíduo quer e o que a sociedade solicita dele em termos de compostura moral".

 Dentro dessa perspectiva moral temos Eusébio, o fazendeiro, em princípio defensor da tradicional família (mineira) "descendo ao inferno" para buscar o já corrompido noivo fujão Gouveia. Eusébio, personagem do ator Brandão, que fizera tanto sucesso em "O Tribofe", e que o teria feito a insistir para que Azevedo criasse um novo texto, que viria a ser "A Capital Federal", é quem em suas peripécias faz que extratos sociais apresentem suas intenções, nem sempre as melhores. O seu envolvimento com Lola, que viria depois a ser desmascarada como falsa espanhola, sua incursão no mundo das regras sociais, rendendo muita comicidade, que atinge o ponto alto da peça na festa à fantasia e, por fim, o seu retorno (arrependido) à tradição familiar, confere ao personagem uma posição de destaque em relação aos outros. Suas decisões e atitudes refletem no movimento cênico, sempre desencadeando outras ações: a chegada à capital federal com a missão de procurar o noivo da filha, que por sua vez irá possibilitar a relação de Benvinda e Figueiredo e a dele próprio com Lola, que o faz abandonar a família.

 Figueiredo, logo no início apresentado pelo gerente do hotel como "o verdadeiro tipo do carioca: nunca está satisfeito", e que justifica sua especialidade em lançar mulatas pelo fato de ser "solteiro, aposentado e independente", assedia insistentemente a mulata Benvinda, para depois encarregar-se da sua transformação de serviçal roceira em uma dama da sociedade. Suas tentativas de ensinar a mulata, como na passagem em que se encontram no Largo de São Francisco, em que o próprio Figueiredo caminha como uma dama como demonstração, alcançam proporções hilariantes. A entrada dos dois personagens na festa à fantasia na casa de Lola, vestidos de Radamés e Aída, e a sucessão de gafes cometidas por Benvinda, rebatizada Dona Fredegonda, deixando Figueiredo apreensivo, resultam em diálogos carregados de humor. Este, aliás, que tem como único objetivo lançar mulatas, mesmo sendo um dos personagens principais, não interfere diretamente no enredo. Sempre esquivo às investidas de outras personagens, principalmente de Lola, cheio de exigências quantos às regras, o que o torna irritadiço, e com apartes sarcásticos, Figueiredo atravessa toda a ação paralelamente; interagindo com todos os outros personagens formalmente, que se altera nas suas cenas com Benvinda, revelando toda a sua ironia. Além disso, sua presença serve para "costurar" as cenas da trama principal e algumas vezes chegando a concluí-la, quando na passagem que encontra e lê a carta do cocheiro Lourenço para a patroa Lola, avisando que tinha roubado todas as jóias e dinheiro da falsa espanhola.

 Gouveia, o galã enrascado, sendo procurado por todos os lados, tanto pela família mineira, como por Lola, e dividido entre a compulsão ao jogo e o amor romântico de Quinota, entra em um processo de decadência decorrente do vício. As passagens que aparece pontua a sua descida à completa miséria, que logo será percebida por Lola, que o expulsa de casa, no começo do quadro da festa à fantasia, adequadamente vestido de "Mefistófeles". Daí, aparece redimido com Quinota e Fortunada no quadro do Belódromo, para depois, completamente falido, novamente sumir. E o seu retorno deve-se ao encontro com o arrenpedido Eusébio, que juntos resolvem voltar ao convívio da família. E nos momentos finais, em uma solução arbitrada pelo fazendeiro,- que o faz sócio na fazenda e se case com Quinota, que Gouveia se livra definitivamente do tal "micróbio da pândega".

 Completando o painel social, temos vários personagens secundários, sendo os mais expressivos: Quinota, a mocinha romântica, Lourenço, o serviçal cúmplice e amante da cortesã, Duquinha, o pretenso poeta decadentista, Pinheiro, o agiota e pai de família falso-moralista e Juquinha, a criança mimada e irrequieta. E também a exigência constante de um grande número de figurantes na maioria das cenas, como por exemplo os hóspedes e criados do hotel, cocotes, transeuntes, velocistas, apostadores e convidados do baile à fantasia.

O CENÁRIO:

 A cenografia representava, no teatro popular brasileiro do final do século XIX, um recurso indispensável para a realização de gêneros que necessitavam de efeitos espetaculares e grandiosos cenários, e assim criando momentos apoteóticos, para delírio da platéia. Com o crescente interesse do público pelos efeitos cenográficos e todas as novidades que eles podiam proporcionar, toma importância, em alguns casos mais que o autor e o diretor do espetáculo, a figura do cenógrafo, que podemos citar como os mais importantes os italianos radicados no Brasil: Gaetano Carrancini e Oreste Oliva. Acerca dessa forte tendência plástica do teatro, vale registrar a avaliação de Décio de Almeida Prado (in "O Tribofe", 266):

 "... mais que a maestria do autor e dos intérpretes, o talento criador e os conhecimentos técnicos do cenógrafo, a sua engenhosidade em tirar proveito daquelas complicadas máquinas que no século dezenove cercavam o palco, escondendo-se por trás dos bastidores, acima das gambiarras e por baixo do tablado. A função delas era produzir uma espécie de realismo ingênuo, material, que o realismo fotográfico do cinema, muito mais convincente, logo tornaria obsoleto, dando outros rumos ao teatro".
 Azevedo, mesmo preocupado com a importância do texto que a cenografia tornava menor, conta com a colaboração desses profissionais para a montagem de suas revistas e operetas cômicas. Em "A Capital Federal", que tinha Carrancini como cenógrafo, encarregado de criar uma panorâmica sobre a cidade do Rio de Janeiro, com mutações constantes que desencadeia uma ação ágil, encurtando as falas e assim não permitindo um aprofundamento das personagens, e, nesse aspecto, aproximando-se do espírito do teatro de revista. O final confirma essa vocação com a ausência total de atores, em uma "apoteose à vida rural", na qual a música e os efeitos cênicos suprimem o texto. Quanto a essa questão das "modalidades de teatro musicado ter presidido a elaboração da "A Capital Federal"", acrescenta muito a transcrição de Prado (O Tribofe, 277) das palavras de Olavo Bilac, cronista e crítico, sobre o espetáculo de estréia:

 "E há uma pancada seca no bombo e nos timbales da orquestra, e abre-se o fundo da cena, e, por uma tarde batida de sol, aparecem os arcos da Carioca, e, sobre eles, o bonde elétrico voando - numa esplêndida cenografia de Carrancini... E o pano cai, ao reboar dos aplausos."
 Bilac refere-se, é claro, ao final do primeiro ato, no último quadro que têm apenas uma cena e uma única fala de Eusébio (- Oh! A Capitá Federá! A Capitá Federá!...), em um momento que a maquinaria teatral, exibindo sua exuberância com finalidade apoteótica, minimiza a importância do texto, equiparando-se à mágica, que se utilizava desses recursos cênicos nas suas temáticas sobrenaturais.

FIGURINO E ADEREÇOS:

 Ao propor a composição de tipos, e por isso basear-se na observação dos costumes, a burleta de Arthur Azevedo recorre aos mais diversos padrões de vestuário, de acordo com as personagens e as situações que se encontram. Em princípio uniformizadas em suas funções sociais, como caipiras, cocotes, burgueses, serviçais, para depois falsear a representação da realidade, no caso da transformação de Benvinda, e, mais longamente, envolvendo várias personagens, na festa à fantasia, com pretexto de criar a ilusão, revela verdades subjacentes, que surge na inadequação dos tipos rurais às suas fantasias, em contraponto ao glamour oferecido pelos representantes do meio urbano. Eusébio, vestido de pricês, se embebedando com ponche flamejante, e Benvinda, como Aída, sendo conduzida e "lançada" por Radamés ( Figueiredo), em meio à cocotes e convidados fantasiados, possibilitam tonalidades berrantes, que, juntamente com a música e a dança, confirmando semelhança com a opereta.

 E no quadro do Belódromo, quando a todo momento uma personagem sente a aproximação da chuva, anunciando uma apoteose onde guarda-chuvas abertos, agitados por perseguições e fugas, mais do que acessórios de cena, servem para compor plasticamente o espetáculo. Recurso, aliás, que estará sempre presente conforme as situações apresentadas: como as malas dos hóspedes do hotel na abertura, a bagagem da família caipira chegando à capital (malas, trouxas e embrulhos), as lunetas (face-en-main) de Figueiredo e Benvinda, a bicicleta de Juquinha, os indispensáveis chapéus, muitas jóias e, mesmo sem indicação no texto, um leque para completar o disfarce de espanhola de Lola.

A MÚSICA E A FALA:

 No final do século XIX, as influências lingüísticas na sociedade brasileira lutavam com a imposição da língua padrão. Nesse aspecto, Azevedo, mesmo sendo um erudito, registra em sua obra uma forma de falar próxima da realidade da personagem, como recurso de caracterização. Em "A Capital Federal", a fala das personagens, cristalizadas em seus próprios erros, no caso das personagens rurais, ou nos estrangeirismos, nas urbanas, conferem aos diálogos o maior recurso de efeito cômico. O exemplo de Benvinda, alçada a uma nova condição social, sendo ensinada por Figueiredo a mudar da rudimentar fala rural para o modo de falar da capital, cheio de galicismos, é um dos pontos altos da peça, entre outros, que usam desse recurso.

 Essencial à realização do espetáculo, a música, em "A Capital Federal", que se encontrava entre o erudito e o popular e sem correspondente aos padrões atuais, foi composta por quem possuía formação profissional apurada. Rejeitando as formas de música popular, cantado nos circos, por seresteiros e trovadores de rua e que só eram aproveitadas, vez ou outra nas revistas, para caracterizar a origem humilde da personagem, a música de teatro da época adaptava ao limite artístico nacional o modelo europeu para revistas e operetas. E inspirada na opereta de Offenbach: La Vie Pariense, compara Prado (in "O Tribofe", 278),"a opereta ganhava intensidade em um momento de alegria furiosa" quando "no instante em que os fios do enredo, tendo atingido o auge do entrelaçamento, começam a caminhar para a tranqüilidade do desenlace", e apropriadamente colocado no centro da peça, como nesta cena:

 Lola:
 Dancem! Dancem! Tudo dance
 Ninguém canse
 No cancã
 Pois quem se acha aqui presente
 Tudo é gente
 Folgazã!
 (cancã desenfreado em torno à mesa)
 E em La Vie Pariense, a cena correspondente:

 Tous, reprenant:
 Fez partout!
 Lâchez tout!
 Qu'on s'élance,
 Que l'on danse! etc. etc.
 E Azevedo, explicando a criação de uma opereta cômica a partir de "O Tribofe", uma revista do ano, e suas opções musicais, conclui com essas palavras, conforme transcrição de Prado (in "O Tribofe", 271):

 ..., resolvi escrever uma peça espetaculosa, que deparasse aos nossos cenógrafos, como deparou, mais uma ocasião de fazer boa figura, e recorri também ao indispensável condimento da música ligeira, sem contudo, descer até o gênero conhecido pela característica denominação de maxixe. 
 Foram conservados alguns bonitos números da partitura do Tribofe, escrita pelo inspirado Assis Pacheco, e introduzida uma linda valsa, composta por Luís Moreira. Da composição de todos os demais números, que não são poucos, em boa hora se encarregou o jovem Nicolino Milano, talento musical de primeira ordem, a quem está reservado um grande futuro na arte brasileira.

 Mais uma vez, o autor maranhense, ao louvar os seus colaboradores, revela a receita da sua grande popularidade, ao se aliar, sem preconceitos, aos meios de expressão artística ora definidos como comerciais. Sempre defensivo quanto ao estigma de agente da decadência do teatro brasileiro em suas respostas à crítica que o condenava, Azevedo conseguiu, em sua enérgica trajetória de homem de teatro, transpor os limites que os gêneros populares impunham, e registrar, em "A Capital Federal", um padrão para o humor nacional e uma valiosa descrição dos costumes de uma época decisiva na formação da sociedade urbana brasileira. Hábil na caricatura de personagens, e com isso manipulando-os para alcançar o seu maior objetivo: comunicar-se com grandes platéias, o autor constrói tipos anedóticos, antecipando um conceito de humor que tanto proliferou no teatro popular brasileiro, calou-se no getulismo e voltou licencioso no pós-guerra, rebatizado de "Teatro de Revista". A mulata faceira e sensual, o caipira ingênuo, a cortesã estrangeira, o corrupto e tantos outros, são tipos que habitam o imaginário popular e até hoje encontram espaço no cenário do humor nacional. Em meio a todas as inovações tecnológicas, Arthur Azevedo mantém-se firme no seu maior desejo: fazer o povo rir.

Fonte:
http://www.mafua.ufsc.br/orestes.html

Jacqueline Aisenman (Convite do Varal do Brasil)

VARAL ESTENDIDO!

Convidamos as pessoas que gostam de escrever para falar da infância e o convite foi aceito por muitos! Então aqui estamos, falando não só da Nossa Infância, mas da infância de todos. Desde as infâncias felizes até a mais triste delas.

Lembrar da infância não é fácil para todo mundo, assim também é falar dela. O que para muitos é algo gostoso e que pode se repetir escrevendo o que vem da memória, para outros pode ser doloroso demais. Por isto agradecemos a tantos que vieram, atenderam o apelo e falaram da infância com alegria ou com tristeza.

Quando se pensa em criança é automático: pensamos em doces! Vida doce, festa, tudo doce! Então fomos buscar algumas receitas culinárias que visitassem nosso paladar infantil, aquele que, como um pequeno pecado, muitas vezes ainda provamos e adoramos!

Como vocês devem ter percebido nossas férias foram alegremente interrompidas pela edição de um especial, o Varal do Amor. Foram publicados cinquenta autores. Mas recebemos muitos, muitos mais. E a sugestão de fazer uma sequência. Quem sabe? Quem sabe não faremos em breve?

Atendemos com alegria, em meio a todas as histórias e poemas sobre a infância, o chamado da seriedade de uma publicação científica e publicamos o artigo de André Valério Sales intitulado Particularidade, Universalidade e Singularidade: definindo conceitos fundamentais para a Metodologia da Pesquisa em Ciências Sociais e que por ele será apresentado na universidade que frequenta. Talvez um sonho de criança que se realiza!

Em meio a tantas alegrias, uma notícia triste vem fazer parte do Varal. Nossa Livraria, infelizmente, encerrou suas atividades. Não foi possível manter o sonho de comercializar nossa nova literatura, nossos novos autores aqui na Europa! Constatamos que pouquíssimos brasileiros aqui na Suíça buscam esta literatura. A grande maioria ainda se atém aos autores consagrados ou prefere apenas adquirir os livros diretamente no Brasil quando vai em visita. Desta forma, profundamente tristes, fechamos as portas desta livraria que tinha o sonho de ver seus autores brilhando por aqui! Mas nem tudo foi perdido, pois depois do sucesso que foi nossa participação no 26o. Salão Internacional do Livro de Genebra, os livros, cedidos por grande parte dos escritores presentes na livraria, estão sendo doados a várias bibliotecas suíças que demonstraram imenso interesse nos exemplares. São os novos autores brasileiros cruzando fronteiras através do Varal do Brasil!

Estamos com as inscrições abertas para a seleção de textos para o livro Varal Antológico 3. Surpresos com a variedade e quantidade de textos a ler, nossos examinadores estão felizes de observar a qualidade destes mesmos textos. E começamos a lamentar que as vagas sejam limitadas! Você ainda tem tempo para se inscrever e pode solicitar o regulamento através do nosso e-mail varaldobrasil@gmail.com . O livro Varal Antológico 3 terá revisão completa incluída e editoração pela Design Editora, símbolo de qualidade na edição de livros no Brasil.

Amigos do Varal, nos preparamos para, em novembro, festejar nossos três anos de revista. Traremos o tema livre, festejaremos juntos. Esperando você para a festa de novembro.

Sua equipe do Varal

Jacqueline Aisenman
Editora-Chefe
Varal do Brasil

http://www.varaldobrasil.com
http://varaldobrasil.blogspot.com
http://www.facebook.com/jacquelineaisenman
Representante da REBRA na Suíça
Conselheira Interanacional da LITERARTE
Embaixadora Universal da Paz -Cercle des Ambassadeurs Univ.de la Paix-Genebra, Suiça,
Delegada da UBT (União Brasileira de Trovadores)
Membro da União Brasileira de Escritores (UBE)
Membro Correspondente da Academia de Teófilo Otoni
Membro do Grupo de Escritores Lagunenses Carrossel das Letras
Membro Correspondente da Academia de Artes de Cabo Frio (ARTPOP)
http://www.facebook.com/pages/VARAL-DO-BRASIL/107298649306743


Fonte:
Varal do Brasil.

Fábio Lucas (Lançamento de “Peregrinações Amazônicas - História, Mitologia, Literatura”) em São Paulo, 30 de agosto

LETRASELVAGEM e ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS convidam para o lançamento do livro "PEREGRINAÇÕES AMAZÔNICAS - HISTÓRIA, MITOLOGIA, LITERATURA", de FÁBIO LUCAS.

LOCAL: Átrio da Academia Paulista de Letras (APL) –

Largo do Arouche, 324 – São Paulo / SP / Brasil.

DATA: 30 / agosto / 2012 (quinta-feira), a partir das 18h30 horas.

O LIVRO

A “realidade amazônica” desponta, neste livro de Fábio Lucas, autêntica e íntegra, como relembrança de uma “viagem” mais sentimental do que geográfica. Não mais o olhar alienígena – autossuficiente, arrogante e muitas vezes deformador – do naturalista, aventureiro ou “turista”, que insistia em afirmar que a Amazônia era apenas um espaço vazio e acéfalo, infestado de insetos, répteis e índios indignos de continuarem vivos.

Em suas “peregrinações”, Fábio Lucas escutou (e “eufonizou”, como diria Abguar Bastos, o paraense que propagou o Modernismo na Amazônia) as melhores vozes deste Brasil das catedralescas florestas e de uma malha fluvial com cerca de 4.000 rios; um Brasil muito falado e ainda tão pouco conhecido, embora represente 60% do território brasileiro; um Brasil que gera “preocupação” e desperta a cobiça nacional e estrangeira.

A Amazônia aguardava um livro como este de Fábio Lucas, que a interpretasse com senso crítico e sensibilidade, lançando luzes sobre questões mal-resolvidas. O estilo “grandíloquo e aliciante” de Euclides da Cunha, que ainda causa perplexidade em muitos, não paralisou o pensador social, o crítico literário meticuloso, que não titubeia em apontar-lhe os acertos – como, por exemplo, a atitude crítico-assimilativa que Euclides utilizou, “sem passividade e sem basbaquice”, em face da ciência estrangeira (p.68). Mas também mostra os erros, como o de considerar o sertanejo uma “sub-raça”, o negro e o índio “raças primitivas” e o cruzamento étnico “um desastre genético” (p.65).

Fábio Lucas observa que, não raro, o contexto de uma natureza física “grandíloqua e majestática” termina por invadir o texto da maior parte dos que se atrevem a movimentar personagens no cenário amazônico.

Com um olhar seletivo sobre o que já se pensou e escreveu “na” e “sobre” a Amazônia, Fábio Lucas estabelece um roteiro seguro e indispensável para quem quiser tomar posse do conhecimento existencial e filosófico dessa outra Amazônia que o Brasil e o mundo desconhecem – uma Amazônia pensante, sensível, inteligente, representada por escritores, poetas, ficcionistas, historiadores, sociólogos e filósofos de grande valor, como João de Jesus Paes Loureiro, Olga Savary, Thiago de Mello, Jorge Tufic, Astrid Cabral, Aníbal Beça, Age de Carvalho, Márcio Souza, Ferreira de Castro, Abguar Bastos, Inglez de Souza, Dalcídio Jurandir, Benedicto Monteiro, Nicodemos Sena, Leandro Tocantins, José Veríssimo, Arthur Cezar Ferreira Reis, Benedito Nunes... e tantos outros nomes significativos que passam pelas páginas deste livro imprescindível.

Fábio Lucas também amplia e enriquece o painel das ‘letras amazônicas’, tornando-o ainda mais representativo, ao incluir no seu campo de análise as obras de Ferreira Gullar e Nauro Machado, dois ícones da poesia do Maranhão, Estado situado em zona de transição entre o Norte e o Nordeste brasileiros, e que, histórica e geograficamente, mantém fortes vínculos com a Amazônia.

O AUTOR

Fábio Lucas nasceu em Esmeraldas (MG), no dia 27 de julho de 1931. Professor, ensaísta, tradutor, crítico e teórico da Literatura, lecionou em seis universidades norte-americanas, cinco universidades brasileiras e uma portuguesa. Dirigiu o Instituto Nacional do Livro em Brasília, bem como a Faculdade Paulistana de Ciências e Letras. É autor de mais de 50 obras de crítica e ciências sociais. É considerado um dos mais importantes críticos e conferencistas internacionais da Literatura Brasileira.

Em seu discurso de posse na Academia Mineira de Letras, em 19 de outubro de 1961, disse: “O livro é o objeto de quase todas as horas de que disponho”. Com tal paixão tornou-se um dos principais membros da geração literária mineira que fundou, em Belo Horizonte, as revistas “Vocação” (1951) e “Tendência” (1957), em cujas equipes participaram o poeta Affonso Ávila e o romancista Rui Mourão.

Em 1953, Fábio Lucas graduou-se em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, e, em 1963, concluiu doutorado em Direito Público, em Economia e História das Doutrinas Econômicas pela Fafich/UFMG. Na mesma Universidade, tornou-se professor de Teoria da Renda e Repartição da Renda Social na Faculdade de Ciências Econômicas, em que teve mestres como Emílio Moura e Francisco Iglésias como colega, sofrendo perseguições durante os sombrios anos da ditadura militar (1964-1975), quando lhe retiram a cadeira em que lecionava, o que o obriga a partir para o exterior.

Em sua extensa produção, destacam-se: Poesia e prosa no Brasil: Clarice, Gonzaga, Machado e Murilo Mendes (1976), Vanguarda, História e ideologia da literatura (1985), Fontes literárias portuguesas (1991), Do barroco ao moderno (1989), Mineiranças (1991), Cartas a Mário de Andrade (1993), Jorge de Lima e Ferreira Gullar, o longe e o perto (1995), Luzes e Trevas, Minas Gerais no séc. XVIII (1998), Murilo Mendes, poeta e prosador (2001), Literatura e comunicação na era da eletrônica (2001), Expressões da identidade brasileira (2002), O poeta e a mídia: Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo (2004), O poliedro da crítica (2009), O centro e a periferia de Machado de Assis (2010), Ficções de Guimarães Rosa: perspectivas (2011). Na ficção, produziu o romance A mais bela história do mundo (1996). Com O caráter social da literatura brasileira (Paz e Terra, 1970) conquistou o Prêmio Jabuti de Literatura, no setor “Estudos Brasileiros”, concedido pela Câmara Brasileira Livro. (Obs: O caráter social da literatura brasileira oferece um roteiro ímpar, seguro e obrigatório, para quem busca os melhores caminhos na brumosa seara das narrativas de cunho social no Brasil). Razão e emoção literária recebeu o Prêmio Crítica, “Os Melhores do Ano de 1982”, da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Em 1992, Fábio Lucas ganhou o Prêmio Juca Pato, como Intelectual do Ano, concedido pela União Brasileira de Escritores, juntamente com o jornal “Folha de São Paulo”. Em 2006 obteve o Prêmio Conrado Wessel na área de Literatura.

Quando da comemoração de seu aniversário, em 1997, em homenagem prestada pela grande imprensa de Minas Gerais, o escritor e jornalista Roberto Drummond definiu Fábio Lucas como o que há de melhor na Crítica no Brasil, ao lado de Antonio Candido e de Wilson Martins.

Acrescente-se que o compromisso do crítico Fábio Lucas, ao longo de seis décadas de intensa militância intelectual, estendeu-se para o campo das lutas cívicas. Todas as vezes em que a liberdade de organização e de expressão do pensamento esteve ameaçada, Fábio Lucas repudiou publicamente o autoritarismo.

Em 1984, por exemplo, participou do movimento político que exigia a redemocratização do Brasil. Como presidente, por cinco vezes, da União Brasileira de Escritores (UBE-SP), Fábio Lucas manteve a independência da instituição frente aos setores do livro ligados ao “mercado”, bem como resistiu às pressões do Estado – quer o Estado totalitário, implantado pelos militares em 1964, quer o Estado “democrático” que se lhe seguiu, o qual, já não com as armas impopulares da ditadura, mas com o emprego “simpático” (e legal!) do dinheiro público, tem aliciado e silenciado consciências.

Vice-Presidente da primeira Diretoria da Associação Brasileira de Direitos Repográficos (ABDR) como representante dos escritores, notabilizou-se pelo combate à pirataria e à fraude ao direito autoral. Foi membro titular do Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA) de 1989 a 1991.
Organizou, em 1985, o Congresso Internacional de Escritores do Brasil, em São Paulo, com a presença de 1200 escritores. Esteve, em 1995, na organização do primeiro Congresso de Escritores do interior de São Paulo. Também, em 1995, participou da organização do Congresso de Escritores do Mercosul.

Mais recentemente, Fábio Lucas presidiu a comissão de escritores que redigiu o Manifesto dos Escritores Brasileiros, que resultou das discussões, análises e deliberações do Congresso Brasileiro de Escritores, que se realizou de 12 a 15 de novembro de 2011, na cidade de Ribeirão Preto (SP).

Saindo da pequena Esmeraldas, Fábio Lucas soube conquistar – com trabalho, inteligência e a notória “prudência mineira” – todos os lugares por onde foi passando, até fixar-se na cosmopolita São Paulo, que acolheu a este ilustre mineiro e concedeu-lhe assento na Cadeira 27 da Academia Paulista de Letras (APL).

Fonte:
Letra Selvagem

Neida Rocha (Lançamento de Tres Livros) 6 de Outubro em Canoas/RS



AMOR DE ALMA de Neida Rocha
Coletânea do Concurso Literário – Núcleo UBE – Canoas/RS
Coletânea Delasnieve Daspet & Amigos – Núcleo UBE – Canoas/RS

Fonte:
Neida Rocha

sábado, 25 de agosto de 2012

Ademar Macedo (Décima: O Sertão é um Poema)


Olivaldo Junior (Destino atroz)

Ao meu amor

Eu tentei, ó Destino, não amar
quem não ama, nem é do coração
que só sabe em poemas malograr,
consagrando por mim a solidão.

Eu falhei, ó Destino, no gostar
de quem chamo e reclamo sem razão,
pois só sabe em mil penas me lograr,
conquistando de mim desilusão.

A quem amo, dou “pétalas” de mim,
dou a minha palavra, mesmo triste,
para o meu girassol, do meu jardim.

O jardim, sem quem amo, não resiste,
mas resisto, e persiste, até meu fim,
meu amor, ó Destino, a quem desiste.

Fonte:
O autor

Malba Tahan (O Mensageiro da Morte)

Na última curva da estrada Te-ha-tá parou e olhou para o céu. As montanhas sombrias, cobertas de neve, pareciam gigantes encanecidos que vigiavam silenciosos as fronteiras do Tibete. O sol, já perto do horizonte, retardava a sua marcha como se quisesse receber as últimas preces com que os monges imploravam a misericórdia do Senhor da Compaixão.

A sombra de um vulto surgiu, sobre uma pedra, na margem da estrada. Te-ha-tá tremeu de pavor. Em seu caminho achava-se o impiedoso Han-Ru, o Anjo da Morte, o mensageiro da dor e da desolação.

O coração tem, por vezes, o dom de pressentir a desgraça. Te-ha-tá, ao avistar o Anjo da Morte, lembrou-se de sua noiva, a formosa Li-Tsen-li. Te-ha-tá dirigiu-se, pois, sem hesitar, ao mensageiro cruel do Destino.

- Han-Ru, ó gênio desapiedado! - exclamou. - Que procuras aqui, quase à sombra da casa da encantadora Li-Tsen-lí? Bem sei que a tua presença vale por uma sentença de morte.

Respondeu Han-Ru, com a paciência de um enviado do Eterno:

- A tua inquietação é legítima, meu amigo. Vim a este recanto buscar a tua noiva Li-Tsen-li. Chegou, pela determinação do Destino, o termo de sua existência neste mundo. Lí-Tsen-li vai morrer!

- Piedade, Han-Ru! Piedade! - implorou Te-ha-tá. - Ela é tão jovem, e tão prendada! Deixa viver Li-Tsen-li!

O Anjo da Morte meditou em silêncio durante alguns instantes e depois, sem erguer o rosto, disse: - Sei que tens direito a uma vida longa e tranqüila; restam-te, ainda, quarenta e seis anos de vida. Poderás ceder à tua noiva a metade do tempo que te cabe, no futuro, para viver. Li-Tsen-li ficará, portanto, com direito à metade de tua vida e viverá em tua companhia, vinte e três anos. Findo esse prazo, morrerão ambos no mesmo instante? Aceitas essa proposta?

As palavras de Han-Ru fizeram hesitar o jovem Te-ha-tá. Quem, decerto, não ficaria indeciso antes de sacrificar, cedendo a outrem, a metade da própria vida?

- A tua sugestão, Han-Ru, implica uma decisão de infinita gravidade para a minha vida. Não poderei tomar uma decisão nesse sentido, sem, previamente, consultar os meus três grandes amigos. Poderás esperar que eu ouça a opinião daqueles que sempre me auxiliaram e me orientaram na vida?

- Farei como pedes, meu amigo - respondeu o Anjo da Morte. - Até o findar da noite que vai começar, aguardarei a tua palavra final. Deverás voltar, com a tua decisão, à minha presença, antes do amanhecer.

Partiu Te-ha-tá em busca dos amigos, cujos sábios conselhos pretendia ouvir. Deveria ele como noivo sacrificar a metade da sua vida para salvar das garras da Morte a criatura amada?

O primeiro amigo de Te-ha-tá era um artista tibetano de assinalados méritos. Su-Liang sabia esculpir com admirável perfeição, na pedra ou na madeira, e os seus trabalhos eram muito apreciados.

Eis como Su-Liang, o escultor, falou a Te-ha-tá:

- A vida, meu amigo, só tem sentido quando a sua finalidade é traduzida por um grande e incomparável amor. E o amor que dispensa sacrifícios e renúncias não é amor; é a expressão grotesca de um capricho vulgar. Feliz aquele que pode demonstrar a grandeza de seu coração medindo-a pela extensão de um ingente sacrifício. Pela mulher amada deve o homem sacrificar, não apenas a metade de sua vida, mas a vida inteira! Que importa, Te-ha-tá, uma existência longa, torturada pela dor de uma incurável saudade? Preferível, mil vezes, que vivas a metade de tua vida à sombra feliz do amor delicioso de tua eleita. No teu caso eu não teria hesitado, um só instante, em aceitar a proposta do terrível Han-Ru.

O segundo amigo de Te-ha-tá chamava-se Niansi. Era hábil caçador e auferia consideráveis lucros mercadejando peles.

Ao ouvir a consulta do jovem, Nian-si não se conteve.

- É uma loucura, Te-ha-tá! Onde se viu um moço, rico e cheio de saúde, sacrificar a metade da vida por causa de uma mulher? Encontrarás, pelo mundo, milhões e milhões de mulheres lindas. Aqui mesmo (no Tibete) poderás topar, em qualquer aldeia, com centenas de meninas, algumas das quais nada ficariam a dever, julgadas pelos seus predicados de graça e beleza, à tua noiva Li-Tsen-li! Desgraçada a idéia de quereres adiar o termo da existência de uma mulher com o sacrifício de vinte e tantos anos de tua vida! E quem poderá prever o futuro? Amanhã, essa mulher, arrebatada por uma nova paixão e deslembrada do sacrifício que por ela fizeste, abandonar-te-á e irá viver, nos braços de outro, a vida que é a tua própria vida! Que farás, então, vendo-a ceder a um odiento rival os dias roubados ao rosário de tua existência? Penso que não deverias ter hesitado ante a proposta descabida de Han-Ru, repelindo-a no mesmo instante.

A divergência entre os dois amigos mais fez crescer a indecisão e a incerteza no coração de Te-ha-ta.

- Vou ouvir - pensou o jovem - a opinião do prudente Kín-Sa. Só ele poderá indicar-me o caminho a seguir.

Kín-Sa, citado no Tibete como um estudioso das leis e dos ritos, assim falou ao apaixonado noivo:

- Se amas realmente Li-Tsen-li, acho que deves ceder, a essa jovem, a metade do tempo que te resta para viver. Convém, entretanto, impor uma condição. A parcela de vida, depois de cedida a Li-Tsen-li, poderá ser retomada por ti, em qualquer momento. Terás, assim, a tua tranqüilidade garantida no caso de uma infidelidade de tua futura esposa. Se ela, por qualquer motivo, não se mostrar digna de teu sacrifício, perderá o direito ao resto da vida que lhe cabia viver! Fora dessa condicional, qualquer outra solução para o caso não passaria de irremediável loucura!

E concluiu o seu conselho com estas palavras:

- Fizeste bem em hesitar. A hesitação é irmã da Prudência. Só os loucos e temerários é que nunca hesitam.

Achou Te-ha-tá bastante prudente e razoável a proposta sugerida pelo douto Kin-Sa, e levou-a, sem perda de tempo, ao conhecimento de Han-Ru, o Enviado da Morte.

Han-Ru aceitou a condição imposta pelo noivo:

- Está bem, Te-ha-tá. Aceito a tua proposta. A bondosa Li-Tsen-li vai viver os vinte e três anos. Esta parcela de vida não foi, porém, dada, mas sim "emprestada".

Passaram-se muitos meses. Li-Tsen-li casou-se com o jovem Te-ha-tá, e os dois eram citados como os esposos mais felizes do Tibete. Li-Tsen-li, depois do casamento, passou a chamar-se Ti-long-li, vocábulo que significa "minha vida querida".

Um dia, afinal, Te-ha-tá foi obrigado a fazer uma longa viagem para além das fronteiras de sua terra. Deixou Ti-long-li e seu filhinho, que já contava algumas semanas, em companhia de seus pais.

Quando regressou, tempos depois, teve a surpresa de encontrar os seus três amigos que o aguardavam na entrada da pequena povoação.

- Onde está Ti-long-li? - perguntou, ansioso, aos amigos. - Por que não veio? Estará doente? Que aconteceu à Ti-long-li?

Disse um dos amigos:

- Enche de ânimo e de coragem o teu coração, ó Te-ha-tá ! Uma grande desgraça, há três dias, caiu sobre a tua vida!

- Desgraça? - repetiu, aflito, Te-ha-tá. - Horrível esta angústia! Vamos! Quero saber a verdade! Onde está Ti-long-li?

- Morreu!

- Morreu! - gritou Te-ha-tá, desesperado. - Não é possível! Não podia morrer! Eu sacrifiquei por ela, metade de minha vida!

E Te-ha-tá, dominado pela dor e revoltado pelo infortúnio de haver perdido a sua esposa querida, entrou a blasfemar como um possesso, contra o Senhor da Compaixão. Erguia os braços para o céu; rolava, por vezes, sobre a terra. Insultava o nome do Criador. Os amigos afastaram-se, cautelosos. Era preciso deixar o infeliz Te-ha-tá dar plena expansão à indizível angústia que lhe esmagava o coração.

Em dado momento Te-ha-tá viu surgir diante de si a figura de Han-Ru, o Anjo da Morte.

- Han-Ru! - bradou, num tom de incontido rancor. - Faltaste com a tua palavra. Que fizeste de Ti-long-li?

- Escuta, Te-ha-tá - respondeu Han-Ru. - Preciso dizer-te a verdade, para que não continues a blasfemar desse modo. A tua esposa deveria viver vinte e três anos. Um dia, porém, o seu filhinho adoeceu gravemente. O pequenino ia morrer. Que fez a tua esposa? Pediu, em preces, que a sua vida fosse dada ao filhinho enfermo para que ele pudesse viver! Salvou-se o teu filho, mas tua esposa morreu!

E, ante a estupefação de Te-ha-tá, o Anjo da Morte concluiu:

- E enquanto tu, como noivo, hesitaste em ceder a metade de tua vida, ela, mãe extremosa, não hesitou um segundo em dar, pelo filhinho, a vida inteira!

 Fonte:
Malba Tahan. Minha Vida Querida.

Betha M. Costa (Livro de Poemas)

FILHA DA AMAZÔNIA

Nasci d’água marajoara,
Moreno-jambo na cor,
Filha do luar paroara,
Com a vitória-régia em flor.

Saias estampadas coloridas,
Danço o sensual carimbó,
Nas cadências já conhecidas,
Que aprendi com minha avó.

Como maniçoba e tapioca,
Comidas típicas gostosas:
Viva a sagrada mandioca,
Das raízes às folhas venenosas!

Samaumeira do meu bem,
De tucupi e açaí sou regada,
Nos rios que cortam Belém,
Vôo junto às passaradas.

Nasci d’água marajoara,
Moreno-jambo na cor,
Filha do luar paroara,
Com vitória-régia a flor!

SOB VÉU RENDADO

Sob rendado véu do silêncio escuto,
Colho palavras ditas pelos ventos,
Apontamentos que na mão perscruto,
Para unir momentos e sentimentos.

Luto por fazer um verso impoluto,
Livre, solto, de melhores caimentos:
Aos olhares, poemas sacros e bentos,
Aos tristes corações - luz e tributo.

Entrelinhas, eu preencho com alentos,
De letras, sons e outros elementos,
Para de o escrito germinar bom fruto...

As letras dos versos são condimentos,
D’alma e corpo puros contentamentos:
Alimentos que sob renda desfruto!

PARA QUEM AMOU SEM SER AMADO

Um grande tapete florido e belo,
Tingido pela vermelha paixão,
Para essa louca rainha sem castelo,
Expuseste o teu nobre coração.

Com ouro puro, do mais amarelo,
Respeito, carinho e muita atenção,
Beijos, doces olhares em anelo,
Ungiste-a de mágica poção...

Deste-lhe a tua vida, amor em elo,
Tanto apego, zelo e dedicação,
Aos teus bons olhos: só desilusão.

Bela na aparência, jeito singelo,
O peito era só fel e perdição,
Amar sem ser amado: maldição!

POEMA DE MAR E AMAR

Ondas espumam em desenhos no ar,
Harmonia, leveza, pura magia,
Eu rubro barco na costa a remar,
Coração acelerado, em euforia...

Lanço minhas mãos ao clarão do luar,
Com os braços abertos e alegria,
Rogo ao Deus e Senhor do meu Altar,
Orientação através de um Anjo-Guia.

Sou uma pobre e pecadora Maria,
A suplicar aqui deste triste lugar,
Que na tua vida possas me aceitar...

Teu calor aquecer-me a noite fria,
Navegar ao bel prazer do teu mar:
Ah, doce felicidade de amar!…

BORBOLETA DE PAPEL

Admiro-te! Voas leve e linda folha,
Trazes ao corpo letras desenhadas,
Para que minha imaginação as colha,
E as pinte nas cores d’alma encantadas.

Bates asas para lá e para cá,
Espalhas mágicos polens de versos,
Semeias poemas flores de manacá,
Dos tons brancos aos lilases diversos...

Que pena tua vida seja tão breve,
E com o repentino cair das chuvas,
A correnteza na sarjeta a leve!...

Ó, borboleta de papel que turvas,
Por águas ora barrentas da verve,
Acode meu amor e suas doces curvas!

O COLECIONADOR DE PAIXÔES

Gajo gentil e de mui boa conversa,
Intelectual que vive em Portugal,
Manhoso e esperto feito gato persa,
Conquista a ala feminina geral.

Seu sorriso aberto é uma arma letal.
Pobre da moça que ele se interessa,
E com desapego e emoção fatal,
O rútilo coração lhe arremessa!...

Descolado, sem nem uma promessa,
Com jeito cordial de fazer corar,
Envolve as raparigas bem depressa.

Réu confesso e isento de compaixões,
Nem foi julgado por colecionar,
E matar a queima-roupa as paixões!

MATA-BORRÃO

Vem calado, achega-te e me beija!
Apazigua a chama que me incendeia,
Para que com olhos de amor te veja,
E caia como tola presa em tua teia...

Carente e licenciosa prisioneira,
Além do limite dos teus abraços,
Seja eu maga ou malvada feiticeira,
Para deixar no teu corpo os meus traços.

Livre da teia, mágicos poemas em penhor,
Que eu escrevi na tua mui amada presença,
Queimaram-se e perderam o valor...

Estrelas decadentes e sem cor,
Caíram ao solo da tua indiferença,
Como mata-borrão do nosso amor.

MINHAS LÁGRIMAS

Desses meus olhos de muitas tristezas,
Colhi lágrimas das dores distantes,
Guardei-as no cântaro das belezas,
E delas tu provaste por instantes...

Ah, que não adoeças da minha loucura,
Nem agregues as minhas incertezas!
Que elas te banhem d’águas de ternura,
E libertem tua alma das impurezas!

Ao teu peito cansado dêem leveza,
Os luzeiros dos mais puros diamantes,
E tirem do teu coração a fraqueza...

Voes além da vilania e pequeneza,
Das nuvens cinza tais véus errantes...
E abre-te para a vida em grandeza!

SEMENTES DE ILUSÕES

Eu plantei fumaças de mil odores,
Palavras licores com chocolates,
Doces olhares das mais belas cores,
Do branco bem calmo ao tenso escarlate.

Arei terras frágeis em plantações,
Adubei-as de afetos sorrateiros,
Até fecundei em negros corações,
Grãos d’amores-perfeitos altaneiros.

Reguei com as melhores intenções,
Usei de puras águas aos canteiros,
E aguardei muito ansiosa as florações...

Nesse tempo de falsas impressões,
Nasceram pés mal-me-queres inteiros:
As sementes eram grãos de ilusões!

MIGALHAS DALMA

Na estrada já fui para ti “a bendita”,
Deixei passos marcados nesse chão,
Tal pedaços d’alma que vaga aflita,
Sou escombros de um amor que foi vão.

Só migalhas eu guardo nessa vida,
De pequenos vôos da imaginação,
Grande parte minha está perdida,
Escondida sob gestos da tua mão...

Mesmo com tuas migalhas iludida,
Eu vivia feliz entre o sim e o não:
A tua boca que me dava a guarida.

Ora alimenta-me a sobra devida...
O teu doce afeto que foi meu pão,
Alivia-me a fome recém-nascida.

COLCHA DE RETALHOS

Cada parte de uma grande amizade,
Coloquei nas mãos do melhor alfaiate:
Amor, paciência e solidariedade,
E faça-me uma colcha em arremate!

Tecida em ponto que nunca desate,
Que seja abrigo contra insanidade,
Amorteça a dor de qualquer embate,
E aqueça-me do frio da soledade.

Cuidadoso fez o artesão sua arte,
Dos fios mais delicados de bondade,
Teceu com a dedicação de um vate.

Por anos eu congelei sem piedade,
Minha tristeza não teve resgate:
A coberta ficou pronta mui tarde…

Fontes:
http://www.sonetos.com.br/sonetos.php?n=12056
1a. Antologia Poética Momento Lítero-Cultural

Betha M. Costa (Entrevistada por Selmo Vasconcellos)

Nascida em 26 de dezembro, na cidade Belém no Pará. Filha do médico José Maria de Mendonça com Rdª Yolanda Souza de Mendonça. Batizada Maria Elizabeth Souza de Mendonça, na infância ganhou o apelido de Betha, nome pelo qual se reconhece. Amante das letras escreve desde os 14 anos. Por força do casamento assina documentos oficiais como Maria Elizabeth de Mendonça Costa. Pediatra, mãe de dois rapazes. Adotou o pseudônimo Betha M. Costa e segue escrevendo poemas e prosas como hobby.

SELMO VASCONCELLOS - Quais as suas outras atividades, além de escrever?

Betha M. Costa – Sou médica pediatra. Também mãe, dona de casa, contadora, conselheira sentimental, psicóloga, pedagoga... Enfim: mulher! (risos)

SELMO VASCONCELLOS - Como surgiu seu interesse literário?

Betha M. Costa – A leitura sempre me atraiu. Em criança as fábulas de Esopo, La Fontainne, contos dos irmãos Grimm, Monteiro Lobato, os gibis... Comecei a tomar gosto por escrever, além de ler os romances de José de Alencar, os poemas de Gonçalves Dias e outros autores brasileiros e estrangeiros.

SELMO VASCONCELLOS - Quantos e quais os seus livros publicados dentro e fora do País?

Betha M. Costa – Participo com três textos em prosa da “Antologia Luso-Poemas 2008” (Edium Editores), em Portugal. É uma compilação de diversos textos de vários autores que publicam no site Luso Poemas. Apesar de estimulada por parentes, amigos e ter “paitrocínio” (risos), não tenho nenhum livro solo. Para mim a escrita é hobby e fator de interação com outros escritores amadores em sites e blogues.

SELMO VASCONCELLOS - Qual (is) o(s) impacto(s) que propicia(m) atmosfera(s) capaz (es) de produzir poesia?

Betha M. Costa – A poesia está em toda parte. De acordo com o momento e sensibilidade, o cotidiano dá ferramentas para quem gosta das letras fazer um poema ou uma prosa.Sou estudiosa. Preocupo-me em conhecer os estilos literários e de repente nasce um poema, conto, crônica...O que vier a imaginação!

SELMO VASCONCELLOS - Quais os escritores que você admira?

Betha M. Costa – Cecília Meireles, Clarice Lispector, Gonçalves Dias, Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), Drumonnd, Fernando Sabino, Ferreira Gullar, Gibran, Hermann Hesse e tantos outros...

SELMO VASCONCELLOS - Qual mensagem de incentivo você daria para os novos poetas?

Betha M. Costa – Que não tenham medo de exporem-se através da palavra. Que procurem ler bastante, ter cuidado com ortografia e gramática, por respeito a si próprios e aos seus leitores.

Agradeço ao amigo Selmo o simpático convite, o estímulo e oportunidade para que eu mostre um pouco de mim e meus textos.

Fonte:
1a. Antologia Poética Momento Lítero-Cultural

Adolfo Caminha (A Normalista)

A normalista, de Adolfo Caminha, foi publicado há mais de 110 anos, em 1893. É um dos romances mais naturalistas da nossa literatura e aborda questões polêmicas consideradas interditas pela ordem social e política reinante: o incesto e o adultério, sexo, traição, família, libido e desnuda seus personagens de toda e qualquer roupagem de pudor ou outra virtude que mereça algum louvor.

Na obra existe o regionalismo. O local em que se desenrola o romance é Fortaleza, no Ceará. A maioria das ações acontecem em ambiente fechado, caracterizado sempre como um lugar simples, sem luxo e povoado de sentimentos pequenos.

Segundo o professor e pesquisador literário, M. Cavalcanti Proença, Adolfo Caminha teve a preocupação de se não tornar pomposo ou oratório, o que abriu lugar para muito material de linguagem regional de estilização do coloquial. Assim, recolhemos os exemplos “bichinha”, “rapariga de família”, “o peru era uma excelente bebida”, e mesmo ditos populares como: “pela cara se conhece quem tem lombrigas”, “sem tugir nem mugir”, e muitos outros. Na verdade, Adolfo Caminha não insiste em demasiado nas palavras de cunho regional, o que fazem outros escritores, para dar uma “cor local” a histórias ambientadas em lugares de fala bem característica. Há, em contraste, utilização de palavras eruditas, pouco usadas na comunicação quotidiana das conversas, do jornal, da televisão. Por exemplo: “seródia”, “rótula”, “tabernáculo”, “estiolando”, “almiscarado”.

Adolfo Caminha descreve com minúcia realista a atmosfera regional do passado. Josué Montello, em seu ensaio A ficção naturalista, afirma que A normalista “sobressaía pela transplantação fiel e natural da vida da província e vigor na fixação dos temperamentos e dos caracteres”.

O autor de assume uma postura inovadora visto que entende o processo da leitura como forma de conhecimento que prepara o leitor para a vida e é também fonte de prazer. Ele tem uma perspectiva de ruptura em relação ao seu tempo. Essa natureza emancipatória se revela principalmente em relação à mulher. Lídia, sendo instruída e tendo livros em casa, conseguiu um lugar social. Por outro lado, Maria do Carmo, criada por um professor que não possuía livros em casa, educada num colégio religioso foi seduzida pelo padrinho. Entretanto, o autor subverte a lógica patriarcal da sociedade novecentista cearense e resgata sua personagem no desenlace da narrativa.

Maria do Carmo, leitora experimentada tanto de obras religiosas quanto de obras consideradas perniciosas, saberá como professora, avaliar melhor a questão da leitura na escola. Sua experiência no passado, servirá de embasamento empírico para seu posicionamento na sua futura profissão. Não foram as leituras proibidas, lidas pela personagem, que a levaram ao “desvio de conduta”, e sim a credulidade naquele que considerava como pai.

A Normalista, considerada obra "libidinosa", quando de seu lançamento, ajusta-se perfeitamente às propostas do Determinismo. João da Mata desfruta sexualmente de sua afilhada. Maria da Mata, moça ingênua, de uma excepcional brandura de caráter, educada em uma casa de caridade e depois normalista. Pressionada pelo instinto sexual e por circunstâncias superiores à sua vontade, Maria do Carmo entrega-se ao padrinho, submetendo-se totalmente à lascivia de João da Mata.

Neste romance, a normalista Maria do Carmo é o pretexto para Adolfo Caminha apresentar aos leitores sua visão da Fortaleza de final do século XIX. De um lado, o povo miúdo: o pequeno funcionário público, a mulher que vendia rendas, o barbeiro, o guarda-livros, o lenhador e o alferes. Na outra banda, o governador da província, o coronel Souza Nunes, seu filho Zuza - estudante de direito - o jornalista José Pereira, o diretor e os professores da escola normal. A fraqueza do nexo lógico sentimental ou de qualquer natureza entre as várias peripécias da vida de Maria do Carmo sugere que Adolfo Caminha não conta simplesmente a história dela para distrair seus leitores: é a propósito da vida da normalista que ele vai delineando quadros da vida da capital cearense: uma aula na escola normal, o footing no passeio público, uma festa de casamento, um serão familiar etc.

Nesta espécie de painel de costumes, o autor parece querer demonstrar ao leitor toda a mesquinha sordidez da vida social na Fortaleza de seu tempo.

O mau humor para com a cidade é transparente, e costuma ser apontado pelos críticos e biógrafos de Adolfo Caminha como uma espécie de vingança: o autor jamais teria perdoado seus conterrâneos por estes lhe terem criticado os amores adúlteros e escancarados com a mulher de um colega.

Personagens principais

Maria do Carmo
- protagonista, é aquela que seria a detentora de todas as virtudes físicas, psicológicas e espirituais. No Naturalismo entretanto, encontraremos uma heroína "desfigurada". Pode ser uma mulher bonita, mas não tem qualquer firmeza de caráter. E assim é a protagonista do romance de Adolfo Caminha: um ser belo mas de inteligência inferior, movido pelos instintos e incapaz de modificar a própria existência, deixando-se levar pelos acontecimentos.

Zuza - é o personagem de quem a escola romântica esperaria rompantes apaixonados, sacrifícios em favor da amada, a luta contra todos os obstáculos para viver seu grande amor, não é senão um rapazola entediado com a vida daquela província "atrasadinha". Apesar de inicialmente reconhecer que nutre algum sentimento pela normalista, não vê nesse fato razão suficiente para contrariar os desejos de seu pai, nem os próprios projetos de ascensão social. Lamenta apenas não ter 'usufruído" todas as delícias que poderia haver conquistado em seus namoricos com Maria do Carmo.

João da Mata - personagem que não merece que se lhe atribua qualquer adjetivo de valor positivo, nem mesmo tem a coragem que demonstravam os vilões românticos para suas atitudes vis, pois age sempre dissimuladamente. Horrendo fisicamente, asqueroso, é um perfeito canalha, sem escrúpulos, sem dignidade, sem qualquer característica que o absolva. Sedutor de menores, caluniador, manipulador na política, usurpador dos bens públicos, reúne em si todos os dotes necessários para protagonizar a história naturalista que se desenrola a nossos olhos.

Enredo

A normalista conta a história de João da Mata, um amanuense de Fortaleza que recebe a incumbência de criar a sua afilhada, Maria do Carmo.

Maria do Carmo é uma menina do ïnterior que foge da seca com sua namília e, por conta da morte da mãe e da migração do pai, passa a viver na casa de seu padrinho, o Sr. João da Mata, amigado com Dona Terezinha. educada em colégio de orientação religiosa até tornar-se aluna da Escola Normal, ocasião em que se revela, aos olhos sedentos do padrinho, uma mulher já madura em seus atributos de feminilidade e extremamente atraente.

Inicia, contra a vontade de João da Mata que se mortifica de ciúmes, um namoro com Zuza, jovem estudante de Direito, filho de um dos coronéis da cidade. A relação, que a princípio tem a possibilidade de levar a um compromisso mais sério, é comentada maliciosamente em toda a cidade, e provoca a desaprovação do pai do rapaz, que exige o seu imediato retorno a Recife para concluir seus estudos.

Enquanto isso, João da Mata, que planeja um meio de conseguir seduzir a afilhada, rompe as relações com dona Terezinha, pois esta desconfiava de suas intenções, e hostiliza cada vez mais o Zuza. Uma noite, entra sorrateiramenté no quarto de Maria do Carmo e, fazer do uso de argumentos enganosos e valendo-se da situação propícia em que se encontravam, consegue o que queria.

Maria engravida, e tem que se afastar da cidade para evitar um escândalo maior, esperando o nascimento do bebê em uma casa isolada de uns amigos de João da Mata. O seu filho, em decorrência de um acidente durante o parto, morre. Apesar comentários de toda a sociedade de Fortaleza, a normalista; retoma sua vida de sempre e é redimida pela mesma sociedade ao preparar-se para o casamento com o alferes Coutinho.

Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/a/a_normalista

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 648)

Uma Trova de Ademar 

Eu ouvi de um cidadão
brincalhão, sagaz, afoito:
-Melhor ser um cinquentão
do que morrer aos dezoito...!
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional

Diz São Pedro ao novo otário
que ao céu chegou assustado:
-Por que se escondeu no armário,
se o lugar é tão manjado?!
–Thereza Costa Val/MG–

Uma Trova Potiguar 


A justiça incompetente,
por um deslize qualquer,
toma o dinheiro da gente
e dá todo pra mulher!...
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Premiada 


2011  -  Ribeirão Preto/SP
Tema  -  LOROTA  -  M/H


Quem sempre conta lorota,
fica marcado e na mira:
verdade que dele brota
vale igual a uma mentira.
–Milton Souza/RS–

...E Suas Trovas Ficaram 


Verão assim - credo em cruz!
Foi tanto o calor na cuca,
que uma porca "deu à luz"
três leitões - a pururuca!
–Newton Meyer/MG–

U m a P o e s i a 


Aparenta corrosivo
não prejudica ninguém,
pelo sabor que ela tem
a cachaça é lenitivo;
traz em si o incentivo
para qualquer solução,
foi a maior invenção
caiu do céu como oferta
e agora foi descoberta:
é calmante pro coração!
–Augusto Macedo/RN–

Fonte:
Textos selecionados por Ademar Macedo/RN
Imagem formatada por Dáguima Veronica/MG

Caio Porfírio Carneiro (Maria Viviane)

Caio Porfírio Carneiro
Fivela prendendo os cabelos não bem penteados e de fios prateados, vestido azul desbotado, mancando da perna, ela percorria as vielas estreitas do cemitério, tentando, os olhos meio fechados da miopia, ler as lápides dos túmulos, alguns quase capelinhas, outros ao pés-do-chão. Desorientava-se. Via-se perdida entre cruzes. Ia e vinha, tentando ler.

Viu o homem que passava empurrando o carro-de-mão cheio de tijolos.

- O senhor sabe onde é que está a Maria Viviane?

- Maria de quê?

- Viviane.

- Não sabe o número da quadra?

- De quê?

- Da quadra.

- Não.

- Vá na administração. Lá eles informam.

- Onde é?

- Logo na entrada.

Perdeu-se muito para encontrar o pequeno escritório. O homem calvo examinava o livro aberto sobre o balcão, fazia anotações, não compreendeu bem o que ela dizia:

- O que é mesmo, minha senhora?

- A cruz de Maria Viviane.

- Maria de quê?

- Viviane.

- Como é o nome completo dela?

- Eu não sei.

- Não sabe qual a quadra, o número da rua? Tem lápide? - Tem o quê?

- Lápide. Nome dela gravado, data do nascimento e morte, essas coisas.

- Não sei.

- Assim fica difícil. Como é mesmo o nome completo dela?

- É Maria Viviane.

- Nome bonito. Mas deve ter sobrenome. Não sabe mais nada sobre ela, data da morte?...

Ela saiu desnorteada, sem saber onde encontrar Maria Viviane naquele oceano de túmulos e cruzes. O homem calvo ainda a chamou:

- Volte aqui. Vamos ver...

Foi crescendo dentro dela uma pena enorme de Maria Viviane, perdida no oceano de cruzes. Resolveu ir embora, manquitolando, apressada. O homem calvo chamou-a:

- Ei, minha senhora. Encontrei o nome dela. Sei onde está.

Não lhe deu atenção. Atravessou o grande portão, apressada, manquitolando junto ao muro alto do cemitério, amparando-se nele, uma angústia enorme no coração.

Desapareceu na esquina no vestido azul desbotado, a fivela prendendo os cabelos não bem penteados e de fios prateados.

 Fonte:
O Conto Brasileiro Hoje – vol. II

Mia Couto (Governados pelos mortos)

(- fala com um descamponês- )

-  Estamos aqui sentados debaixo da árvore sagrada da sua família. Pode-me dizer qual o nome dessa árvore?

- Porquê?

-  Porque gosto de conhecer os nomes das árvores.

- O senhor devia saber era o nome que a árvore lhe dá a si.

-  Depois de tanta guerra: como vos sobreviveu a esperança?

- Mastigámo-la. Foi da fome. Veja os pássaros: foram comidos pela paisagem.

-  E o que aconteceu com as casas?

- As casas foram fumadas pela terra. Falta de tabaco, falta de suruma. Agora só me entristonho de lembrança prematura. A memória do cajueiro me faz crescer cheiros nos olhos.

-  Como interpreta tanta sofrência?

- Maldição. Muita e muito má maldição. Faltava só a cobra ser canhota.

-  E porquê?

-- Não aceitamos a mandança dos mortos. Mas são eles que nos governam.

- E eles se zangaram?

-- Os mortos perderam acesso a Deus. Porque eles mesmos se tornaram deuses. E têm medo de admitir isso. Querem voltar a ser vivos. Só para poderem pedir a alguém.

-  E estes campos, tradicionalmente vossos, foram-vos retirados?

- Foram. Nós só ficámos com o descampado.

-  E agora?

- Agora somos descamponeses.

-  E bichos, ainda há aqui bichos?

- Agora, aqui só há inorganismos. Só mais lá, no mato, é que ainda abundam.

-  Nós ainda ontem vimos flamingos...

- Esses se inflamam no crepúsculo: são os inflamingos.

-  E outras aves da região. Pode falar delas?

- Antes de haver deserto, a avestruz pousava em árvore, voava de galho em flor. Se chamava de arvorestruz. Agora, há nomes que eu acho que estão desencostados. . .

-  Por exemplo?

- Caso do beija-flor. É um nome que deveria ser consertado. A flor é que levaria o título de beija-pássaros.

-  Mas outros animais não há?

- A bichagem vai acabando. O mabeco, dito o cão-selvagem, vai sofrendo as humanas selvajarias. Antes de acabar a lição, ele já terá aprendido a não existir.

-  Parece desiludido com os homens.

- O vaticínio da toupeira é que tem razão: um dia, os restantes bichos lhe farão companhia em suas subterraneidades. Eu acredito é na sabedoria do que não existe. Afinal, nem tudo que luz é besouro. É o caso do pirilampo. Pirilampo morre? Ou funde? Suas réstias mortais aumentam o escuro.

-  Tanta certeza na bicharada...

- Você não olhou bem esse mundo de cá. Já viu pássaro canhoto? Camaleão vesgo? Papagaio gago?

-  Acredita em ensinamento de bichos?

- Todo o caranguejo é um engenheiro de buracos. Ele sabe tudo de nada. Há outros, demais. O mais idoso é o escaravelhinho. Mas, de todos, quem anda sempre de janela é o cágado.

-  Você não sofre de um certo isolamento?

- Sou homem abastecido de solidões. Uns me chamam de bicho-do-mato. Em vez de me diminuir eu me incho com tal distinção. Como antedisse: a gente aprende do bicho a não desperdiçar. Como a vespa que do cuspe faz a casa.

-  Mas a sua mulher não lhe faz companhia?

- Ela é minha patrã. De vez em quando a gente dedilha uma conversa. É uma acompanhia, faz conta uma estação das chuvas. Mas a tradição nos manda: com mulher a gente não pode intimizar. Caso senão acabamos enfeitiçados.

-  Uma última mensagem.

- Não sei. Feliz é a vaca que não pressente que, um dia, vai ser sapato. Mais feliz é ainda o sapato que trabalha deitado na terra. Tão rasteiro que nem dá conta quando morre.

Fonte:
Mia Couto. Contos do Nascer da Terra. Vol.1. Porto: CPAC, 1998.