segunda-feira, 10 de março de 2014

Cida Micossi

Aparecida de Lourdes Micossi Perez é natural de São Paulo, cresceu em Descalvado/SP e mora em Santos/SP. Casada e mãe de dois filhos, desde criança se dedicou à leitura e se encantou com a poesia.

Na adolescência arriscou alguns poemas, mas foi somente na maturidade que se propos a escrever textos simples, sem maiores pretensões, a não ser expressar as sensações.

Também desenvolveu o gosto pela fotografia e, sem conhecimento técnico, saiu com sua máquina a clicar situações que mexem com suas emoções. Juntou textos e fotos.

Professora de Português e Inglês, pós-graduada em Direito Educacional.

Participação com fotografias e poemas na Mostra dos Funcionários da Prefeitura Municipal de Cubatão - outubro/2007.

Coordenação e aplicação de Oficina de Poesia culminando com a publicação do livro de poemas produzidos pelos alunos da escola onde trabalha:

2008 Premiação – 3ª colocação no Concurso de Poesia do Grêmio Literário Castro Alves de Porto alegre/RS em abril 2009 com o poema “Sensações de Minas”.

Participação em Cirandas Poéticas na internet.

Participação em entidades culturais:
Confreira Fundadora, Presidente Seccional Santos/SP e 
Presidente Regional CAPPAZ (Confraria de Poetas e Artistas pela Paz) no estado de São Paulo.
Membro da Casa do Poeta Brasileiro de Praia Grande – SP.

Publicações:
1º Calendário Poético – 2009,
2º Calendário Poético – julho/2009 a junho/2010.
Realidade, sonhos e delírios. 

Participação na Antologia da Casa do Poeta em junho/2009.

Coordenadora e aplicadora - oficina de poesia no XVI Congresso Brasileiro de Poesia em Bento Gonçalves/RS para alunos das escolas públicas em outubro 2008.

Nilto Maciel (Minhas Leituras)

Sou apenas um leitor de poemas, contos e romances. Desde cedo, desde menino. O principal livro escolar, para mim, era o de português. Não a gramática, os exercícios, a História da Literatura, mas os poemas, contos e capítulos de romances. Eu os lia todos durante os primeiros dias do ano letivo. Um dos contos que mais me impressionaram, pela beleza rítmica das frases, pela poesia, foi “O suave milagre”, de Eça. Cheguei a decorá-lo. Eu tinha 13 anos, cursava a 1º série ginasial, correspondente hoje ao 5º ano do ensino fundamental. O conto assim começa: “Nesse tempo Jesus ainda se não afastara da Galileia e das doces, luminosas margens do Lago de Tiberíades: – mas a nova dos seus milagres penetrara já até Enganin, cidade rica, de muralhas fortes, entre olivais e vinhedos, no país de Issacar”. Nesse tempo eu ainda não me afastara da Igreja Católica e das doces e luminosas margens da lagoa de Porangabussu. A descrença viria dois ou três anos depois. Quando troquei Eça por Engels. Não sei se o livro apresentava o conto na sua integralidade. Pois lembro muito mais da parte final: “A tarde caía. O mendigo apanhou o seu bordão, desceu pelo duro trilho, entre a urze e a rocha. A mãe retomou o seu canto, mais vergada, mais abandonada. E então o filhinho, num murmúrio mais débil que o roçar de uma asa, pediu à mãe que lhe trouxesse esse Rabi, que amava as criancinhas ainda as mais pobres, sarava os males ainda os mais antigos”.

Adolescente, cioso de ser também rebelde, descuidei-me dos estudos. Porém, lia tudo: as antologias, não somente aquelas de minha série escolar, jornais, revistas, almanaques. Lia poemas, contos, trechos de romances. Portugueses quase todos; alguns brasileiros. Nada dos modernistas ainda. Lia antes do dia da lição, com muita antecedência, por curiosidade e prazer. Enquanto ria da cara do professor de geografia, lia, com sisudez, trechos de Garret, Herculano, Camilo e outros. E compunha sonetos líricos. Mais tarde, li os livros da pequena biblioteca de meu imrão Amadeu, que se dizia poeta e escrevia e copiava, diariamente, sonetos de poetas brasileiros. Todos falavam de amores não correspondidos. Num caderno grande, desses para comércio, de anotações mercantis. Um desses poemas se iniciava assim: “Ser feliz! Ser feliz estava em mim, Senhora...” Muito mais tarde, encontrei-o em Juca Mulato, de Menotti Del Picchia.

            Fui me encantando mais e mais, a cada livro lido. Vieram outros lusitanos: Camilo Castelo Branco, Alexandre Herculano. Minha primeira leitura de livro parece ter sido Três Figuras: o Frade Poeta, o Padre Voador e o Frade Preceptor. Li-o durante um retiro no colégio dos salesianos, em setembro de 61. Convidado a conhecer a biblioteca do colégio e a retirar um livro para leitura, depois de alguns minutos de pesquisa, interessei-me pelas três figuras. Talvez por se tratar de um dos poucos livros mais ou menos profanos da pequena biblioteca.

            Em casa havia alguns livros. Um deles, Pussanga, contos de Peregrino Júnior. Lido este, folheei um romance obsceno, A Mulher do Caixeiro-Viajante, de autor desconhecido, certo Alcides Vaz. Livro recomendado para maiores de 18 anos. Puro erotismo. Deste período é também a leitura de Os Sertões, de Euclides da Cunha, que me pareceu obscuro, sobretudo a primeira parte. Mesmo assim, não tive, em nenhum momento, vontade de desistir da leitura. A pequena biblioteca doméstica eu a devorei nos anos seguintes, até 1963.

            Em 1962 li, pela primeira vez, um romance, um grande romance: Quo Vadis?, de Henryk Sienkiewicz. Contava 17 anos de idade e acabava de chegar a Fortaleza, pela segunda vez.

            Já preparado para leituras mais agudas, logo me aproximei de A Besta Humana, de Émile Zola. Durante e logo após a leitura, senti profunda repugnância pela nossa espécie. Então éramos aquilo? Causou-me verdadeira comoção. Pois eu me tinha acostumado aos românticos e me defrontava com um naturalista. Por muitos dias, o céu me pareceu mais escuro, sombrio, baixo, como se fosse chover muito, desabar tempestades duradouras. As ruas, de uma tristeza inexplicável; nas casas escondiam-se assassinos em potencial; as pessoas tramavam, em silêncio, bestialidades inomináveis. Permaneci doente por longo período. No entanto, outros livros me dariam um pouco de alegria, como Agulha em Palheiro e Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco.

            Lida a pequena biblioteca doméstica, onde encontrar outros livros? Nas livrarias nem pensar, porque não dispunha de dinheiro. Eu deixava de merendar ou assistir a filmes para comprar livros. E, sem nenhuma orientação, comprava quase sempre bons livros. Adquiri, então, o gosto pelo livro velho, usado. Eu tinha sede de conhecimento, de leitura. Lia tudo o que via. Pedia livros por empréstimo. Mas não me bastavam.  Restavam-me as calçadas das ruas Guilherme Rocha e Liberato Barroso, onde camelôs vendiam livros usados, velhos, antigos, cheios de mofo, roídos de traças, sujos, páginas amarelecidas, rasgadas, anotadas. Alguns nem capas tinham mais. Havia livros de todos os gêneros, dos mais variados autores. Nenhum deles, porém, eu conhecia. Passava horas a folheá-los. Nada daqueles nomes das antologias escolares. Nada de Camões, Machado de Assis, Herculano, Alencar, Bilac e outros citados e analisados em sala de aula. Então quem seriam aqueles dos livros das calçadas? Seriam bons escritores? Valeria a pena ler aqueles livros tão antigos? Os nomes não me eram familiares, todos ingleses, franceses, alemães. Folheava um volume, lia um trecho, apanhava outro, espirrava, tanto era o pó acumulado em suas páginas ao longo dos anos. Depois de algum tempo, perguntava o preço de um volume grosso, capa vermelha, título curioso. E ia comprando e lendo romances góticos, novelas de cavalaria, contos fantásticos, misteriosos. Enquanto isso, me metia em lutas e leituras políticas. Vindo o golpe de 1964, dediquei-me em tempo integral à literatura. Entre outubro de 65 e setembro de 67, li dezenas de livros: O Amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos; Joias do Conto Ídiche; Quem Perde Ganha, de Graham Greene; A Tragédia de Zilda, de Menotti Del Picchia; A Volta ao Mundo em 80 Dias; A Brasileira de Prazins; Sete Palmos de Terra; Iracema; Ubirajara; O Gaúcho; Senhora. Cinco ou seis anos depois, reli Iracema. Passaram-se mais dez anos para reler os dois primeiros de Alencar nesta relação e pela primeira vez conhecer O Guarani e O Sertanejo. Li também O Moço Loiro; Eurico, o Presbítero; O Vinagre e a Sede, de Sinval Sá, meu professor de português; Clara dos Anjos; Memórias Póstumas de Brás Cubas; Memorial de Aires; Quincas Borba; As Relações Perigosas, de Choderlos de Laclos; A Mortalha de Alzira, de Aluísio Azevedo; Poemas, de Verlaine; Pensamentos, de Pascal; umas novelas do Marquês de Sade; Os Vegetarianos do Amor, de Pitigrilli; Contos Escolhidos, de Machado; Ascânio, de Alexandre Dumas; e outros. Lembro-me também de dois romances, em edições antigas, que mantive comigo durante muito tempo: A Última Encarnação de Vautrin, de Balzac, e A Fossa, de Alexandre Kuprin. Li também Cleo e Daniel, de Roberto Freire.

            Da biblioteca do colégio retirei, por empréstimo, grossos volumes de contos e romances, como a série “Maravilhas do conto moderno”: norte-americano, italiano, russo, brasileiro, fantástico, etc. Fascinou-me nesses livros a oportunidade de conhecer o melhor da literatura universal. Ora, em pouco tempo conheci Guimarães Rosa, D’Annunzio, Trilussa, Pitigrilli, Moravia, os russos, todos os pilares da ficção curta.

            Muitos e muitos livros lidos naqueles anos eu não lembro nem sequer os títulos. Não sei precisar quantos. Recordo, no entanto, de ter vendido mais de quinhentos volumes, todos lidos, a um comprador de livros velhos, talvez um daqueles camelôs da Rua Guilherme Rocha. Não gostava dos ficcionistas brasileiros, especialmen­te dos nordestinos. Nem de Machado e Alencar. Outros nunca consegui ler. Como Érico Veríssimo e Jorge Amado. De ambos devo ter li­do um ou dois livros apenas.

            Quando descobri Graciliano, li-o de uma vez. Mas já depois de 77. Estava em Brasília e queria “conhecer” o Nordeste. Nostalgia, talvez. Antes disso, devo ter lido apenas trechos dessa literatura em antologias. Sentia ojeriza por tudo quanto cheirasse a sertão, mato, interior. José Américo, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego não passavam de contadores de histórias sertanejas. E eu queria escrever como Machado de Assis, uma prosa de ficção sem cheiro de mato, urbana, nacional, universal. Eu não conhecia a lição da aldeia e do universal ou não a compreendia. Queria personagens universais, atemporais, criaturas sem nenhuma semelhança comigo mesmo. Nada de românticos, naturalistas e realistas.

            A fase de leituras dos clássicos estrangeiros e brasileiros acabou cedo, talvez em 1980, embora desde os anos 1970 eu viesse lendo escritores contemporâneos. Julgando-me escritor feito, pouco escrevi depois de 1990. Passei a ler a pedido dos amigos ou escritores novos. Recebia livros quase que diariamente. E foram ficando para trás muitas e muitas obras fundamentais da literatura universal.


Fonte:
Nilto Maciel

Isabel Dias Neves (Fardo Florido)

Primeiro livro de poesia de Isabel Dias Neves, a Belinha, Fardo Florido, foi publicado em 1995.

O que faz a grandeza deste livro de poemas e torna muito especial o fazer poético de Belinha, é a sua ligação com a terra, o fio condutor do livro, tornando-a a mais autêntica representante dos cantores do Cerrado e uma das poucas (senão a primeira) poetisa do Tocantins, o Norte tão amado de onde veio, trazendo no coração essa bússola que aponta ininterruptamente para as suas raízes mais profundas.

Belinha já recebeu alguns importantes prêmios literários, o que garante a qualidade do seu trabalho de poeta exemplar que exercita a palavra com esmero. Demonstrando habilidade técnica, a poeta tira seus versos das moendas, dos moinhos loucos, amassando com os pés o barro das estrofes e enchendo nossas vidas dessas coisas principais e primeiras, paisagens tão esquecidas, como as madrugadas, as luas, rios, matas, as mangueiras, os pomares, os frutos, o plantio, o plantação, pássaros, gaivotas, ninhos: é “a mulher que planta” o encanto do seu canto de poesia.

Há, em Fardo florido, importantes registros históricos e sociológicos sobre as festas populares, o folclore, os usos e costumes dos povos do interior do Brasil, mais especialmente de Goiás e do Tocantins, “um povo que se abraça/ e só vive de promessa”, um povo cujo “suor de mãos calejadas/ dá comida pros romeiros”. Nossa poeta é corajosa quando propõe a beleza do verso ousado e profundamente verdadeiro: “Sentindo o cheiro de bosta de vaca”, que companheiro, igual, tem a mesma significação simbólica do “ouvindo o canto da fogo-apagou”- são os sentidos, o olfato, o ouvido, interpretando o mundo onírico das terras interioranas. A grande verdade é que a arte em Goiás é uma resistência cercada de bois e vacas por todos os lados. Obviamente, há muito estrume (aqui, sem conotação, por favor).

Nesse canto, quase que épico, na lírica de Belinha, não passaram despercebidas as diferenças sociais que desfilam com as crianças carregando enxadas e semeando o milho; a fome do pobre que morre roçando a terra e, fundamentalmente, “o suor do roceiro que se reparte entre aqueles que não roçam”. O poeta é o porta-voz do seu momento histórico e, mesmo não pretendendo realizar uma poesia engajada, a poeta nos mostra, de forma diluída pelos poemas, toda a problemática social que é profundamente dolorosa.

Fardo florido não é um grão que nasce, é um que renasce no coração da poeta que fez o seu plantio de sol e promete uma colheita farta. Isabel Dias Neves, a cantora da Gesta, a Terra, está colhendo o fruto sazonado da maturidade, “no reencontro (di)gesto/ da mulher com o seu chão”. Assim, este fardo que é florido torna-se leve e torna-se, principalmente, um livro que deve ser lido e dever ser amado.

Textos escolhidos

P(OMAR) DE NÓSPara Marcelina Dias Neves, minha mãe

É doce e vão esse pomar;
sombra feita,
flores fartas,
frutos gerados
sensualizam a boca.

Pomar que se almeja e conta
é o que se planta.

Sombra firme - reduzida,
flores novas - raras,
frutos fartos - racionados.
Tudo à mão - sem suor
nem invenção.

Pomar que se almeja e planta
é o que conta.

o trabalho com a terra
é um gesto de promessa:
molha a raiz com pranto e riso,
canta o plantio e a colheita,
sonha e arde a todo canto.

Pomar que se planta e conta
é o que se canta.

NOS PASSOS DE EVA

Rasgada a grossa veste,
brinca branco o algodão
nos dedos silenciosos
que lhe deliciam o âmago.

Batido, vira nuvem
e se deita no balaio,
ciente do novo corte
- o seu destino rodando.

Roda na roda ou no fuso;
faz-se infinito em fios.
O algodão que se fia
faz a maciez das redes.

Trançando rendas e rodas,
Eva semeia os sumos
e cria novos rostos.

Muda o mundo em silêncio
com o suor dos seus restos.

CHAMA

A chama que alimenta o passo
cassa o vôo na direção do eterno.

É inútil traçar o mundo
que não vai fundo na vida-morte
do amor. Todos dançam. Uns se entortam
na (di)gestão do doce e do acre - na aorta.

EXATO MISTÉRIO

A rachadura exorta
o canto e a aliança
que se deixam

e dilacera o manto
desse elo desvelado.

A racha é dura
e esmaece o gosto
desse laço
que foi denso
e misteriosamente ex(ato).


Fonte:
Cleber Toledo e Antônio Miranda. Disponível em Passeiweb

Eliana Jimenez (Participe do Blog Poesia em Trovas)

 
O blog "Poesia em trovas", onde publico a Trova-legenda, completou 100 mil acessos nesta semana. Para comemorar, vou incrementar a postagem com uma enquete, desta forma:

1) A publicação será feita da maneira costumeira, por ordem alfabética.

2) Somente os trovadores participantes terão direito a voto e podem mandar um e-mail, em até 2 dias após a publicação, informando qual foi a trova que mais agradou na postagem;

3) A trova que for mais votada figurará logo abaixo da imagem e as outras, por ordem alfabética, logo em seguida;

4) Se houver empate ou votação muito dividida, até três trovas poderão figurar abaixo da imagem.

5) A enquete já vai valer a partir da imagem atual (veja no blog) para envio da trova até 15/03/2014.

Aproveito para agradecer a todos os amigos trovadores pela participação, incentivo e principalmente pelo carinho que esse trabalho recebeu desde o início.

abraços

Eliana
 http://poesiaemtrovas.blogspot.com.br/

sábado, 8 de março de 2014

A Mulher em Versos


Deus, demonstrando poder,
quando a mulher engravida,
transforma a dor em prazer
na celebração da vida!
ADEMAR MACEDO
 

Da criação, a mulher,
deveras é obra prima.
Melhor é aquiescer
sem ela, a vida não rima…
ANA MARIA GAZZANEO

Terá, mulher, se quiseres,
o mundo todo a teus pés.
Porque o mundo é das mulheres,
que forem como tu és!
ANIS MURAD

Uma trova… um belo tema,
Pra dizer o que se quer;
Quando o poeta é bom, da gema,
Inspira-se…na mulher!
APOLLO TABORDA FRANÇA

Mulher é sonho, harmonia,
mistério, contradição,
sol e sombra, amor, poesia...
Tudo... e apenas, coração!
CAROLINA RAMOS
 

Mulher… Visão colorida
que no mundo a gente tem…
Só perfuma sua vida
se floresce para alguém.
DANIELA ESTANISLAU

Mãe, mulher, sempre presente
no cuidado e educação;
fértil terra onde a semente
frutifica em cidadão.
ELIANA RUIZ JIMENEZ

A família é sinfonia
e a mulher, sua regente,
que com amor e harmonia
orquestra a vida da gente.
ELIANA RUIZ JIMENEZ
 

Ficou pronta a criação,
sem um defeito sequer,
e atingiu a perfeição
quando Deus fez a mulher.
EVA REIS

A mulher – pura beleza –,
de tez alva, igual à lua,
no universo é a riqueza
da minha alma que flutua.
FÁBIO SIQUEIRA DO AMARAL

A mulher que a gente ama,
para nós sempre é a mais bela,
pois o coração conclama
não ver os defeitos dela!…
HARLEY CLÓVIS STOCCHERO

Ser guia da Humanidade,
que busca os rumos da paz,
do amor, da felicidade;
só a Mulher será capaz.
HÉLICA CRUZ DE O. SOUZA

À mulher foi concedido
o dom da maternidade,
e no filho concebido,
recria a humanidade.
HENRIETTE EFFENBERGER

Minha saudade é defeito
que outra saudade requer,
pois, sempre que abro o meu peito,
encontro a mesma mulher…
HÉRON PATRÍCIO

Mulher empreendedora,
mulher que não desanima,
é mulher batalhadora.
Bem merece nossa estima!
JOAREZ DE OLIVEIRA PRETO

Mulher é sempre um mistério,
não se sabe o seu segredo;
brincando ela fala sério,
falando sério, dá medo.
JOSÉ BARROS VASCONCELOS

Sabendo que o homem criado
teria, aqui, muito espinho,
Deus por tanto preocupado,
pôs-lhe a Mulher no caminho!
JOSÉ DE VASCONCELOS PADRÃO

Minha mulher reza tanto
aos pés de Nosso Senhor,
que eu vou precisar ser santo
pra merecer seu amor.
JOSÉ LUCAS DE BARROS

Mulher-Mãe, mais bela trova
que o mundo pôde compor!
Nela, o Senhor nos comprova
como é grande o seu Amor!
JOSÉ JACINTO M. GODOY

Diz-se que em uma mulher
não se bate nem com flor.
Mate-a porém, se puder,
com muitos beijos de amor….
JOSÉ SOLHA

Eu queria em tua vida,
não ser “bom” ou “mal-me-quer”
ser somente a flor querida
que me faz sentir Mulher.
JOSEFA MORAES RODRIGUES

Ninguém por certo imagina,
por um momento sequer,
a beleza que há na sina
da arte de ser Mulher!
JOSEFA MORAES RODRIGUES

Ser Mulher é ser divina,
é ter perfume de flor ;
ser adulta e ser menina,
é ser mãe e ser amor.
JOSEFA MORAES RODRIGUES

Alma o mundo não teria
nem teria amor sequer ;
mas Deus criou a poesia
e concebeu a Mulher.
JUDITH COELHO MACIEL

Para a mulher, só um dia?
Àquela que traz no ventre,
sempre com tanta alegria,
dando ao futuro, a semente?
LEDA MONTANARI LEME

- Formem coroa de glória,
estrelas do Pavilhão,
sobre a Mulher que, na História,
aboliu a escravidão!
LÚCIA VITÓRIA AVELAR

Mulher, “Imagem de Deus”,
graças e dons aplicando,
para os Céus e para os seus,
o Mundo está elevando!
LÚCIA VITÓRIA AVELAR

Ao teu prazer eu me entrego
- seja lá o que quiseres –
pois te escolhi, eu não nego,
entre todas as mulheres.
LUIZ CARLOS ABRITTA

- Uma mulher de verdade,
Traduz sentido profundo:
- No coração tem bondade,
- Nas mãos, as rédeas do mundo!
LYRA FERNANDINO

Papel da Mulher no mundo,
é ser forte, verdadeira! …
Amar com amor profundo,
ser do homem companheira!
LYRA FERNANDINO

Entre os sexos, igualdade
não existe, pensem bem.
O dom da maternidade
somente as mulheres têm.
LYRSS CABRAL BUOSO

A mulher traduz ternura,
doação, vida e amor;
colabora com doçura
com a obra do Criador.
MARINA VALENTE

Ele mudou a estrutura
no amor que o Mundo requer;
sendo Deus, se fez criatura,
no ventre de uma Mulher!
MARIZA DA C. PEREIRA

A mulher apaixonada,
quando recebe uma flor,
fica logo deslumbrada,
achando que é amor.
MYRTHES NEUSALI SPINA DE MORAES

No Céu, a monotonia
de um Adão sem “bem-me-quer”
era preciso alegria…
e assim surgiu a Mulher!
NANCI R. ZURMELY

Da fêmea o maior tributo,
sublime e grande mister,
é gerar em si o fruto
que a torna Mãe e Mulher.
NANCI R. ZURMELY

Como se faz a Mulher?
- Muita pimenta com mel
e tudo de bem que houver,
mais um pedaço do Céu!
NANCI R. ZURMELY

Ó Mulher, celebridade
- filha, mãe, mulher, madrinha -
já nasceste Majestade
para ser nossa Rainha!
NEI GARCEZ

A mulher é um ser sublime,
a fonte de inspiração,
sopro de luz que exprime
o auge da criação.
NORBERTO DE MORAES ALVES

Sobre mulher não discutam,
seus impulsos não se medem:
- As mais fracas também lutam…
- As mais fortes também cedem…!
NYDIA YAGGI MARTINS

Mulher de recursos fartos!
Como é que está impenitente,
tendo no corpo dois quartos,
dá pousada a tanta gente?
OLAVO BILAC

Rosa em broto, rosa rubra,
flor de todo o meu jardim,
não há cravo que descubra
donde vem mulher assim.
OLIVALDO JUNIOR

Numa estrela matutina,
num brilhante malmequer,
vejo os raios da menina
desfolharem-se em mulher.
OLIVALDO JUNIOR

Minha mãe, mulher de Minas,
tem nas minas do viver
todo o encanto das meninas
que se fazem renascer.
OLIVALDO JUNIOR

Se não sou mulher rendeira,
sou eleita mulher forte,
sempre chamada guerreira
que luta para ter sorte.
SÍLVIA DE ARAÚJO MOTTA
 

Quando Deus fez a mulher,
de “presente” ao homem deu.
Acredite quem quiser:
o homem não mereceu!
VOLPONE DE SOUZA
 

Englobando a criação
do que Deus aqui deixou,
é a mulher confirmação
de quanto ele caprichou.
WADAD NAIEF KATTAR

Noite alta, Lua cheia
vencendo sombra qualquer -
onde o bom senso se alteia
há presença da mulher!
WAGNER MARQUES LOPES

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Mulher)

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Francisco Pessoa (Trova para a Mulher)


Débora Novaes de Castro (Mulher)

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Ógui Lourenço Mauri (Mulher... A Vida!...)

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Dorothy Jansson Moretti (Trova)

Dorothy é de Sorocaba/SP

José Antonio Jacob (Tu, Mulher)

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Carlos Lúcio Gontijo (Mulher Amada)

O poeta é de Santo Antonio do Monte/MG

Errata do Universo de Versos n. 145

Aos que receberam as postagens de ontem pelo e-mail:

Como bem observado pela autora do soneto, houve uma falha não de digitação, mas de desatenção de minha parte (peço desculpas):

No primeiro verso do último terceto do Soneto Velha Chácara, de Dorothy Jansson Moretti, de Sorocaba

onde se lê:

 No pomar um jardineiro abrindo os braços mansos

O correto é:

No pomar um jambeiro abrindo os braços mansos.

Aos que acessarem o soneto pelo blog, já está corrigido.

Luiz Alberto Machado (É pra ela)


Regina Kreft (Mulher)


Anônimo (Uma Flor para a Mulher)


Cecília Meireles (Serenata)


Cora Coralina (Assim eu vejo a vida)


quinta-feira, 6 de março de 2014

Rachel de Queiroz (Ser "alguém")

Nestas últimas décadas, um dos fatos sociais mais importantes é a saída da mulher do seu casulo doméstico e a sua entrada, quase em massa, nas profissões e atividades dantes reservadas ao homem. Tivemos agora a prova disso com a espetacular vitória das mulheres nas recentes eleições, em muitos casos com maioria esmagadora sobre os seus adversários - homens. E aquelas que ainda não tiveram a sua oportunidade - a sua hora e sua vez, como diria mestre Rosa - ficam num desespero de "aparecer", de "vencer", de "ser alguém".

Na minha área, por exemplo: as que me procuram, o que elas chamam de "ser alguém" é ver o próprio nome em letra de forma, assinando colunas de prosa e verso, é aparecer nos jornais, nas revistas, na TV.

Não sabem que isso de "ser alguém" acaba não sendo nada. É apenas um nome impresso ou uma imagem no vídeo. É renunciar a si, conformar-se em ser apenas a figura que o público imagina que ela é, encher o molde do figurino que lhe traçaram, realizar perante o auditório a personalidade que o público quer que ela seja -, sem consideração nenhuma pela sua própria personalidade. Ser alguém é não ser ninguém, é ser um boneco, uma voz, uma assinatura. Posso dar muitos exemplos práticos, como demonstração. E, para não ofender ninguém, começaremos com o exemplo da mulher que assina esta coluna, que é pau para toda obra e já não se ofende com coisa nenhuma.

Em geral, as moças me escrevem dizendo que "gostariam de estar no meu lugar, serem conhecidas, citadas", etc. Muito bem. Pois então quem é que sou?

Na minha própria opinião sou uma pobre de Cristo, mas isso não vem ao caso.

Aos olhos delas, sou uma senhora que escreve nas folhas, tem retrato impresso e é lida ou citada em toda parte onde se lê o jornal ou se vêem os programas "educativos" da TV. Mas já se lembraram vocês que este nome que lêem impresso e que vai a todo lugar é apenas um nome, não é uma pessoa? Que não tem nada comigo, apenas me dá trabalho e incômodo? Nada tem a ver coma minha vida propriamente dita, com o que eu queria ser e que não fui, com o que eu sofro e com o que eu gosto? A entidade que vocês conhecem, o nome que vocês pensam que eu sou, é apenas aquela assinatura no alto ou ao pé do artigo. Não é uma mulher, é uma contrafacção. Não me pertence, antes me escraviza, me obriga muitas vezes a dizer o que não quero, a fingir o que não sinto.

Se eu por exemplo, quisesse mudar e escrevesse nesta página receitas de crochê ou segredos de cozinha - temas de que gosto, ou, pelo menos gostava quando não tinha as limitações da vista e dos movimentos - o homem do jornal teria vindo, com todo o respeito, me tomar satisfações, porque sou paga para outra coisa. Era como se o cachorro ensinado de circo de repente deixasse de fazer aqueles papéis ridículos e ladrasse contra a platéia, feito um cachorro normal.

É verdade que posso comentar meus aborrecimentos, minhas singelas alegrias - mas dentro de determinadas condições, submetendo tudo à deturpação literária, "escrevendo", maculando a pureza e a autenticidade do desabafo com a obrigação de transformar aquilo em matéria impressa. Se conto apenas que tive uma úlcera ou uma dor de fígado, talvez os enoje ou pelo menos os enfade; preciso usar de astúcia e transformar a dor e a náusea em qualquer coisa comovente, ou engraçada, ou curiosa. E, no entanto, o que tive foi uma dor comum, igual à dor de todo mundo, mas que me incomoda ou me assusta, e da qual eu gostaria de falar, como todo doente gosta.

É esse o meu, o nosso privilégio - o privilégio de ser escravo. Outro exemplo: imaginemos que a nossa artista predileta, no meio do espetáculo, se chateasse, largasse a peça, tirasse a caracterização incômoda e se pusesse a falar de outra coisa. A menos que o gesto não fosse tomado como um novo maneirismo gracioso da atriz, o público ficaria danado da vida, reclamaria aos gritos e obrigaria a fugitiva a repor a cabeleira falsa, a voltar docilmente a dizer as linhas alheias, prisioneira do público, do papel, prisioneira principalmente do seu cartaz, da sua obrigação.

É no anonimato e no silêncio que se pode realmente ser alguém. Na paz, na decência da vida particular, o homem é dono do mundo inteiro. Tudo que tem ao redor é seu, pode sonhar, ou dormir, dizer o que quer ou transformar-se à vontade. Recitar a peça ao seu gosto, não tem leitor nem ouvinte que o obrigue a conformar-se com um papel ou uma figura, como é o caso quando ele quer ter valor comercial e êxito. Aliás, a palavra êxito só agora apareceu aqui, mas é ela é a chave de tudo. Pois toda a nossa vida está condicionada a isto: êxito. Por amor dele nos padronizamos num tipo que no fundo detestamos, por culpa dele vivemos no terror da frase errada, do gesto errado.

E, no final de contas, já que me dei como exemplo, feliz de mim que não fui, não sou, praticamente ninguém nessa escada perigosa. Quem menos sobe, menos tem medo da queda. Mas quem está lá nos pináculos do favor público, mais forte sente a melancólica ameaça da descida. É que, além dos cimos, não há nada - senão a vertente oposta.

 Fonte:
Jornal O Estado de São Paulo. 12 de outubro de 2002.

Dáguima Verônica (Aquarela de Trovas)

Dáguima Verônica de Oliveira (Santa Juliana/MG)
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A folha seca do galho
promove a sabedoria,
tece a colcha de retalho
no vagar do dia a dia.

A gente sempre se engana,
muitas vezes eu falhei,
esquecia que era humana
e em meu limite esbarrei.

“Água mole em pedra dura,”
- nos ensina a paciência -
“tanto bate até que fura”:
É um tesouro da Ciência.

Amor, senhor da utopia;
tempo, senhor da razão.
Mas, nessa eterna porfia,
sempre vence o coração,

Alargue seu horizonte,
empregue sua alegria,
atravesse a sua ponte
e renasça em poesia!

Analisa a própria crença,
veja a beleza da flor,
sinta seu perfume e pensa:
- A minha essência é o amor!

A noite caminha torta,
sem estrelas, sem luar...
Mesmo assim eu abro a porta,
querendo te ver chegar.

A rosa mais se perfuma
quando o vento a despetala...
Veja, perturbada, a bruma,
simplesmente ela se cala.

A saudade traz nos fios
velha malha já vestida,
de tão gasta pelos “frios”
não mais serve, está perdida.

A vida é uma escola de arte
onde o tempo é o professor
e cada etapa é uma parte
para o artista botar cor.

Com o andar cambaleante
fiz a trilha verdadeira;
não sei dar passo gigante,
porém, sei chegar inteira.

Como o pingo da goteira
a despencar fora de hora,
eu carrego a vida inteira
os sonhos que o peito chora.

Com pincel remanescente
- que  a saudade me legou,
pinto a vida sem presente
que o passado me roubou.

Controlei meu pensamento
e tracei uma divisa,
prendi a força do vento
e dei asas para a brisa.

Dizem:  “Depois da tormenta
sempre aparece a bonança”.
Pense bem e vê se aguenta,
“quem espera sempre  alcança”

Do vale emergi ao topo
da relva virei madeira
do poço fui ao escopo
e em tudo fui verdadeira.

E desde o raiar do dia,
entre rocha, musgo e lua,
vou te fazendo poesia,
morta de saudade sua.

“É na hora da aflição
que  todos lembram  de Deus.”
Veja quanta ingratidão
presente nos filhos Teus!

É na  margem do atoleiro”,
- no ponto de provação,
“que  conhece o cavaleiro”
sem nenhuma distorção.

E “não adianta chorar
sobre o leite derramado”,
aproveite e vá cobrar
de você,  aprendizado.

Eu me lembro, com saudade,
da madrugada de outrora,
mamãe, na extrema bondade:
-“ Filha acorda, está na hora.”

Eu tenho aqui na garganta
o meu grito aprisionado,
não sai porque não adianta
gritar ao velho passado.

Folhas migradas de outono
como os meus sonhos trincados
num chão dormente, sem sono...
vagam, buscando outros prados.

Fugir de mim mesma, ousei,
não pensei nas consequências;
chegando lá não me achei,
eu não tinha referências.

Fui dando tudo que tinha
e como o surrar de um sino
a dor foi somente minha,
nunca culpei o destino.

Injustiça é nosso avesso,
fazemos tudo escondido:
na aparência um endereço
e por dentro o do bandido.

Lágrimas são confissões,
do coração, extirpadas,
rendidas nas emoções,
pelos olhos libertadas.

Na competição da vida
ganha quem sabe parar,
parando,  ganha a corrida
que te leva a caminhar.

Na manhã cinzenta e  fria
um lenço acena no cais,
outro alguém de mão vazia
colhe ao vento os meus sinais.

“Não conte  ovo na barriga
 da galinha” sem saber,
pois  pode haver é lombriga
fazendo-te empobrecer.

Não quero viver em vão,
quero o avesso dessa malha,
tricotar com minha mão
o reverso da medalha.

Não seja sempre medroso,
“se cair, do chão não passa”,
pode até ficar bolhoso,
mas quem ousa não fracassa.

Na paineira do sertão,
- muito longe da cidade,
sabiá, na solidão,
canta o choro da saudade.

No meu rosto que envelhece
vejo um sorriso brilhando
toda mudança é uma prece
que jovem se faz chorando.

No palco rude da vida
é preciso ser palhaço:
Ver chegada em despedida,
 puxar a sorte no laço.

No silêncio do meu grito
ouço a voz da solidão...
Nos meus versos deixo escrito
como está meu coração.

O mal nunca vence a vida,
mesmo que ele a desarrume,
mesmo a rosa fenecida,
Deus recolhe o seu perfume.

Ponha luz no seu caminho,
pinte a estrada de alegria,
deixe um rastro de carinho,
faça um mundo de poesia!

Prenda o mal com sua dor,
faça do fraco o seu forte,
transforme um espinho em flor,
plante a vida onde haja morte.

Quando eu era ainda criança,
inocente, na janela,
eu comprava uma esperança
com uma flor amarela.

Que importa se é noite ou dia?
Olvida, serve e perdoa,
acenda a luz da alegria,
 descubra que a vida é boa!

Saudade barco vazio,
abrigo sem proteção,
esquenta fazendo frio...
É presença sem visão!

Saudade que rasga trilho,
-na cidade eu não me encerro,
me arranque desse cadilho
e me leve a um trem de ferro.

Se eu pudesse rasgaria
a cortina da saudade,
que me impede, noite e dia,
de viver a minha idade.

Se pergunto o que é saudade
quem dela sabe responde:
-  uma dor com caridade,
ora vem ora se esconde.

Serenata tão singela,
fez pra mim, ao fim do dia,
um sabiá, na janela,
celebrando a nostalgia.

Somente “na adversidade
que se conhece os amigos”.
Quando se quer caridade
muitos viram inimigos.

Sou de fases como a lua:
Posso vestir de incerteza,
mas também sei ficar nua,
ao cobrir-me de firmeza.

Tem que existir o conflito
para discernir a paz
não tem silêncio sem grito
nem ordem sem capataz.

Tive o trem como uma escolta:
Da esperança preso ao trilho,
bem mais tarde ele me volta,
no brinquedo do meu filho.

Um grande amor escondido
em cada frase não lida,
em cada letra um pedido:
- Não me tranque eu sou a vida!

GRINALDA DE TROVAS

Analisa a própria crença,
veja a beleza da flor,
sinta seu perfume e pensa:
A minha essência é o amor.

A minha essência é o amor,
meu viver não tem descrença,
tendo Deus como Senhor,
Ele faz a diferença!

Ele faz a diferença,
é campeão de valor;
com AMOR faço presença,
eu sou afeto e calor!

Eu sou afeto e calor
e traço a minha sentença:
- No meu mundo não tem dor,
isso eu herdei de nascença.

A minha essência é o amor,
ele faz a diferença!
Eu sou afeto e calor,
isso eu herdei de nascença.

Rudyard Kipling (Rikki-tikki-tavi) Parte 1

(tradução Monteiro Lobato)

 Vou contar a história da grande guerra que Rikki-tikki tavi sustentou sozinha, na sala de banho dum grande bangalô do acantonamento de Segowlee. É verdade que Darzee, o passarinho-alfaiate, a ajudou, e Chuchundra, o rato mosqueado que nunca ousa caminhar pelo meio da casa e sempre passa deslizando ao longo das paredes, lhe deu um aviso. Isso, porém, foi pouco diante do muito que Rikki-tikki fez.

Era uma jovem mangusta, que pela cauda e pêlo se assemelhava a um gatinho, embora pela forma da cabeça e hábitos lembrasse a doninha. Tinha os olhos cor-de-rosa, e também a ponta do focinho; podia coçar-se com todas as patas, as de diante e as de trás, à vontade; podia também eriçar a cauda ao jeito dos chumaços de lavar garrafa, e seu grito de guerra, quando estava em casa nos campos, era Rikk-tikk-tikki-tikkitchek !

Certo dia as águas dum temporal de verão a arrastaram da toca onde vivia com os pais, e a levaram, a debater-se aflitíssima, para dentro dum valo que havia perto. Rikki agarrou-se a um tufo de ervas flutuantes e perdeu os sentidos. Quando voltou a si, estava numa rua de jardim iluminada pelo sol, com um menino na frente, que dizia:

- E uma mangusta morta. Vamos enterrá-la.

- Não, disse a mamãe. Vamos pô-la a secar, porque pode não estar bem, bem, bem morta.

E a recolheu dentro de casa, onde um homem a examinou e declarou que realmente não estava morta, mas apenas asfixiada; envolveram-na então em flanelas e a puseram perto do fogo... e Rikki-tikki logo abriu os olhos e espirrou.

- Bravos! - exclamou o homem (era um inglês que havia alugado o bangalô muito recentemente). - Agora é não a assustarem e veremos o que a pobrezinha faz.

A coisa mais difícil do mundo consiste justamente em assustar a mangusta, porque é um animalzinho da cabeça aos pés feito de curiosidade. Parece que a divisa da raça é: "Procura e descobre", e Rikki-tikki não desmentia as qualidades do seu povo. Provou logo a flanela que a envolvia e verificou não servir para comer; correu depois em redor da mesa, sentou-se, foi empoleirar-se sobre o ombro do menino.

- Não tenha medo, Teddy, disse-lhe o pai. Esse é o modo de as mangustas mostrarem amizade.

- Ui! Ela está-me fazendo cócegas no pescoço...

Rikki-tikki enfiou os olhos por entre a gola e o pescoço do menino, farejou-lhe as orelhas e depois veio dum salto ao chão, onde se sentou, esfregando o focinho.

- Meu Deus! - exclamou a mãe de Teddy. - Então é a isto que chamam animal selvagem? Será que compreende que somos bons para ela e mostra-se grata?

- Todas as mangustas são assim, disse o marido. Se Teddy não lhe puxar a cauda, nem procurar metê-la em gaiola, viverá em paz aqui dentro, correndo por toda a casa o dia inteiro. Vamos dar-lhe alguma coisa de comer.

Veio um pedaço de carne crua, que Rikki-tikki achou excelente. Depois que a comeu foi para a varanda e sentou-se ao sol, eriçando a cauda para fazê-la secar completamente. Estava já quase sarada.

- Há mais coisas a descobrir nesta casa do que a minha gente lá no mato verá em toda a sua vida, pensou consigo a mangustinha. Vou ficar por aqui.

E começou a correr o bangalô, peça por peça. No banheiro por um tico não morreu afogada. No escritório sujou a ponta do nariz no tinteiro e a queimou na brasa do charuto, ao saltar para o colo do pai de Teddy a fim de vê-lo manejar a pena. Ao cair da noite correu ao quarto do menino para ver a criada acender o lampião, e quando Teddy foi para a cama Rikkitikki fez o mesmo. Mas era má companheira, visto como se levantava cem vezes durante a noite para descobrir a causa de todos os barulhinhos. Os pais de Teddy tinham vindo dar no filho a última vista d'olhos e lá encontraram a mangusta, muito esperta, deitada no travesseiro.

- Não gosto disto, declarou a mamãe. Ela é capaz de mordê-lo.

- Não morde, não, disse o pai. Teddy está mais seguro na companhia deste animalzinho do que se estivesse uma ama a guardá-lo. Se uma cobra entrasse no quarto agora...

No dia seguinte, muito cedo, Rikki-tikki veio à varanda para a refeição, repimpada no ombro de Teddy; recebeu uma banana e um pouco de ovo cozido, deixando-se tomar ao colo por todos os presentes. A mangusta bem educada procura tornar-se logo doméstica, e a mãe de Rikki, que já morara na casa do general comandante da região, lhe havia ensinado o que fazer, caso caísse nas mãos dos homens brancos.

Depois do almoço Rikki foi passear e observar o que havia pelo jardim. Era um grande jardim, mas um tanto largado, com tufos de roseiras Marechal Niel espessos qual moitas, e limoeiros e laranjeiras e touceiras de bambu enormes. Rikki-tikki lambeu os beiços de gosto.

- Que esplendido campo de caça! - disse, e a esse pensamento sua cauda se eriçou. Imediatamente se pôs a correr dum lado e doutro, farejando tudo. Súbito, ouviu lamentações doloridas que vinham de dentro duma moita de espinheiros.

Era Darzee, o passarinho-alfaiate e sua companheira. Moravam ali, tendo construído um belo ninho por meio da junção de duas folhas largas que coseram com fibras nos bordos; a concavidade assim formada fora enchida de paina. O ninho balouçava-se no ar, enquanto os donos, com os olhos no chão, piavam um choro triste.

- Que é que têm vocês? - perguntou Rikki-tikki.

- Somos muito infelizes, respondeu Darzee. Um dos nossos filhotes caiu do ninho, e Nag o devorou.

- Hum ! exclamou Rikki-tikki. O caso é realmente triste. Mas sou nova por aqui e não sei quem é Nag.

Darzee e a companheira, em vez de responderem, recolheram-se precipitadamente para dentro do ninho. É que do espesso do ervaçal viera um silvo surdo, um horrível som arrepiante... que fez Rikki-tikki dar um pulo para trás. E então, polegada a polegada, ergueu-se da erva a cabeça com o cabelo ereto de Nag, a grande cobra negra de mais de dois metros de comprimento. Depois que se levantou de um terço acima do solo, ficou a bambolear-se da esquerda para a direita, exatamente como se balança um pé de taraxaco - e a cobra olhava para Rikki-tikki com esses olhos duros das serpentes, os quais nunca mudam de expressão, seja o que for que elas pensem.

- Quer saber quem é Nag? Sou eu, disse a cobra. O grande deus Brama pôs sua marca sobre todo o nosso povo, quando a primeira cobra estirou o seu capelo para o preservar do sol enquanto dormia... Olha para mim e treme, mangusta !

A cobra retesou o mais que pode o seu cabelo, e Rikki-tikki pode ver sobre seu corpo as marcas em forma de argolas.

Por um minuto a mangusta sentiu medo; mas é impossível tal animalzinho sentir medo por muito tempo e, embora Rikki-tikki jamais houvesse encontrado uma cobra, sua mãe a nutrira de carne de cobras e lhe ensinara que o destino das mangustas é fazer guerra às cobras e devorá-las. Nag também sabia disso e lá no fundo do coração estava receosa.

- Muito bem, disse Rikki-tikki - e sua cauda eriçou-se de novo. Com marcas de Brama ou não, acha que tem o direi to de comer os filhotes de passarinho que caem do poleiro?

Nag vigilava os menores movimentos do ervaçal que se estendia por trás da mangusta. Sabia muito bem o significado de mangusta no jardim – simplesmente morte para si e sua família, mais cedo ou mais tarde. Era preciso, pois, apanhá-la de surpresa. Pensando assim, Nag molejou o corpo e disse:

- Conversemos ... Você come ovos. Por que não havemos nós de comer o que sai dos ovos? Responda.

- Olhe para trás, olhe para trás ! cantou disfarçadamente Darzee.

Rikki-tikki compreendeu instantaneamente o aviso, sem necessidade de voltar a cabeça para ver do que se tratava. E saltou para o ar, o mais alto que pode, ouvindo o ruído dum bote que falha. Era Nagaína, a companheira de Nag. Tinha vindo por detrás, sorrateiramente, enquanto Nag distraía a mangusta, a fim de dar cabo do inimigo por surpresa. Rikki-tikki, ainda no ar, ouviu o silvo de raiva da cobra lograda; depois veio ao chão e quase que caiu de costas. Se fosse mangusta de mais idade saberia que era aquele o momento de quebrar a espinha do inimigo com uma boa mordedura, mas apavorou-se com a terrível chicotada que recebeu e limitou-se a uma mordidela única, pulando de lado. Nagaína ficou a rabear, furiosa e malferida.

- Malvado ! Malvado Darzee! exclamou Nag.

E deu o salto mais impetuoso que pode na direção do ninho; Darzee, porém, o construíra de modo a pô-lo fora do alcance de qualquer serpente - e o ninho continuou lá em cima, a balouçar-se, inatingido.
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continua…
 
Fonte:
Rudyard Kipling. O Livro da Jângal.

Jangada de Versos do Ceará (12) José Albano

José d'Abreu Albano
Fortaleza 1882-1923


SONETO DA DOR
 

Mata-me, puro Amor, mas docemente,
Para que eu sinta as dores que sentiste
Naquele dia tenebroso e triste
De suplício implacável e inclemente.

Faze que a dura pena me atormente
E de todo me vença e me conquiste,
Que o peito saudoso não resiste
E o coração cansado já consente.

E como te amei e sempre te amo,
Deixa-me agora padecer contigo
E depois alcançar o eterno ramo.

E, abrindo as asas para o etéreo abrigo,
Divino Amor, escuta que eu te chamo,
Divino Amor, espera que eu te sigo.

SONETO DA PRECE
 

Bom Jesus, amador das almas puras,
Bom Jesus, amador das almas mansas,
De ti vêm as serenas esperanças,
De ti vêm as angélicas doçuras.

Em toda parte vejo que procuras
O pecador ingrato e não descansas,
Para lhe dar as bem-aventuranças
Que os espíritos gozam nas alturas.

A mim, pois, que de mágoa desatino
E, noite e dia, em lágrimas me banho,
Vem abrandar o meu cruel destino.

E, terminando este degredo estranho,
Tem compaixão de mim, Pastor Divino,
Que não falte uma ovelha ao teu rebanho!

SONETO DA SAUDADE
 

Trato só da perpétua saudade
Que mora neste peito desditoso
Mas o queixume derramar não ouso
Com medo de que aos outros desagrade.

Se entanto de gemer me dissuade
O coração, tão cedo desgostoso,
Ordena e manda Amor que sem repouso
Tudo que sofro em canto se traslade.

Oh! triste verso meu, pois vais partindo
Por este baixo e escuro em que ando
Para espalhar o meu tormento infindo.

Ah! seja o teu destino manso e brando.
Porém, se te alguém ler acaso rindo,
Dize-lhe então que te escrevi chorando!

SONETO DO AMOR

Amar é desejar o sofrimento
E contentar-se só de ter sofrido,
Sem um suspiro vão, sem um gemido,
No mal mais doloroso e mais cruento.

É vagar desta vida tão isento,
É deste mundo enfim tão esquecido,
É pôr o seu cuidar num só sentido,
É todo o seu sentir num só tormento.

É nascer qual humilde carpinteiro,
De rudes pescadores rodeado,
Caminhando ao suplício derradeiro.

É viver sem carinho nem agrado,
É ser enfim vendido, por dinheiro,
E entre ladrões morrer crucificado.

SONETO DO SONHO

Doce me foi viver, quando sonhava
E entre esperanças e ilusões sorria,
Antes de conhecer a dor sombria
Cuja lembrança na alma inda se grava.

Naquele tempo não adivinhava
A pena sem igual que dura um dia
Mas sempre faz surgir a fonte fria
Que os saudosos olhos banha e lava.

Cansado coração, tu nunca viste
Outro que tanto gozo e mágoa sente,
Outro que a tanto bem e mal resiste.

Amor te castigou severamente,
Pois foste, uma só vez apenas, triste
E nunca mais tornaste a ser contente.

SONETO PESSIMISTA

Poeta fui e do áspero destino
Senti bem cedo a mão pesada e dura.
Conheci mais tristeza que ventura
E sempre andei errante e peregrino.

Vivi sujeito ao doce desatino
Que tanto engana, mas tão pouco dura;
E inda choro o rigor da sorte escura,
Se nas dores passadas imagino.

Porém, como me agora vejo isento
Dos sonhos que sonhava noite e dia,
E só com as saudades me atormento;

Entendo que não tive outra alegria
Nem nunca outro qualquer contentamento
Senão de ter cantado o que sofria.

Rachel de Queiroz (Falso Mar, Falso Mundo)

Falso mar, falso mundo reune 89 crônicas produzidas por Rachel de Queiroz entre 1983 e 2000. A autora deixa em sua obra as impressões de quem assistiu a todo o processo e degradação do mundo ao longo do século XX.

Especialmente na crônica Falso mar, falso mundo, que dá título à coletânea, Rachel de Queiroz apresenta-nos, por meio de suas experiências e escrita, a confirmação da existência de um sujeito cuja identidade fragmentada remete a literatura contemporânea brasileira a uma nova perspectiva. Aberta a situações, as mais diversas possíveis, que surgem, talvez, como respostas alternativas da modernidade ou ainda, para reforçar a posição de que essa nova literatura permite a coexistência de traços muito diferentes e marcantes, a autora deixa transparecer sua posição sobre todas essas ocorrências: o medo de que, em meio a tantas transformações, os indivíduos deixem de ser seres animados e passem a ser considerados, meramente, bonecos comandados por um novo ponto de vista, alterado e distorcido, e deixem de ser sujeitos ativos para aceitar, com passividade, as novas imposições sociais.

As crônicas também mostram uma narração generosa e profunda sobre a velhice. Traz ainda as impressões da literata, da bisavó, da amiga e acima de tudo, da cidadã, que com a idade e vasta experiência que tinha, não abandonou o sertão nordestino e, especialmente, o cearense, onde está encravada a sua Fazenda Não Me Deixes, se entristecendo com o período seco e vibrando com a volta das chuvas:

    “Não é entusiasmo sertanejo, não é patriotismo cearense, mas o sertão está lindo, tão lindo, que poderia competir com as paisagens clássicas de além-mar” ("Nós e a natureza").

Aliás, algo que não lhe saía do pensamento, era o sertão; estando em Berlim Ocidental, encontra “a caatinga nordestina em réplica”. Isso foi o suficiente para o retorno à Pátria natal, “Me vi de repente no Ceará, tal como deve ele estar agora...” E prossegue a lúcida amiga, que lembra “Se você não é capaz de ter amigos, você é um erro da natureza...” ("Ah, os amigos").

A arte da escrita, tão bem dominada por Rachel de Queiroz, está presente nessas crônicas. Ao final de cada crônica, uma lição nos é dada e enriquecidos ficamos com a leitura de quem muito sabe, muito viveu e mostra que a vida é um eterno aprendizado.

Nas lições de seu bisneto Pedro e sua ânsia de conhecer o mundo, acompanhada da busca da liberdade, Rachel nos dá um exemplo de sua sabedoria, revestida da simplicidade comum aos gênios e sábios dessa vida, com suas paixões, seus declínios e acertos.

Na crônica “Rubem Braga explicava Portugal...”, Rubem Braga, à sua maneira casmurra, justificava o título e ainda ensinava à linda rapariga que não lhe dava bola, que é impossível recitar Os lusíadas ao ritmo do atual falar português, pois Camões metrificou o poema ao ritmo do falar de então, que veio a ser o nosso, brasileiro e, sobretudo, carioca.

A crônica "Os Noventa", fecha o livro com chave de ouro. Sendo que nele vemos o futebol e a ânsia que tínhamos pelo pentacampeonato que conquistamos; os colegas; o sertão; o Rio de Janeiro; as Guerras; enfim, o dia-a-dia sob a ótica lúcida de quem se preocupava com o fim do mundo e via atenta as novidades do novo milênio e lembrava o "Falso mar, falso mundo", tendo por pano de fundo uma ´Praia Artificial´ no Japão, observando que "Aquilo não pode deixar de ser pecado".

Fonte:
José Luís Lira, advogado e escritor e Adriana Giarola Ferraz Figueiredo (UEL)
Disponível em Passeiweb

quarta-feira, 5 de março de 2014

Rachel de Queiroz (Livro, Televisão, Internet)

É dizer como o outro: já que o homem não vai ao livro, que vá o livro ao homem. Multipliquem-se as feiras de livros pelas praças da cidade, e não só desta, como de todas as cidades do interior. Ah, o interior! As livrarias são poucas, a distribuição das editoras não é boa. Nunca se pisa em cidade do interior sem escutar dos interessados a queixa de que livro de fulano, que está muito falado, não apareceu à venda na terra. Talvez fosse um êxito inesperado a inauguração de feiras de livros por este Brasil afora: o pessoal ver os livros assim de cara como a farinha e os legumes. Poder mexer, palpar, olhar as figuras, se interessar. Seria talvez uma revolução.

É claro que, com a vida difícil de hoje em dia, o pessoal anda primeiramente preocupado em juntar algum no bolso para adquirir o pão, a roupa e o teto: e assim se esquece que a alma também precisa de alimento, esquece aquela velha história de que nem só de pão vive o homem, e vai deixando o livro de lado.

Mas assim mesmo, com todas as dificuldades da vida, o fato é que, para terra tão grande, vende-se muito pouco livro no Brasil. Será que o povo não tem mais tempo para ler? Nas casas mais humildes de cidades do interior aparece com notável frequência a antena de TV. E se tem antena, tem TV lá dentro.

O homem tem posto em uso invenções estupendas para o seu divertimento, mas a verdade é que não há milagre eletrônico capaz de superar o poder de entretenimento de um bom livro. A TV é ótima mas você tem de depender dos caprichos da programação, escuta e vê o que não pediu, tem de se submeter a horários criados pelos outros de acordo com as conveniências deles, não da sua, e sabe que está sendo incluído numa categoria subjetiva a que eles chamam de público-alvo, tudo catalogado como roupa em gaveta: roupa chique (classe A e B), gavetas de cima; roupas de uso doméstico e de trabalho, gavetas do meio; e lá embaixo, a roupa descombinada e sem grife dos programas de auditório. E ainda não falei na praga maior, que é o anúncio. O eterno, inevitável, apavorante anúncio, mal necessário, sim, que chateia durante meia hora para nos deixar ver um programa de cinco minutos.

Cinema é muito bom, mas é caro, longe de casa, exige que se saia, mude de roupa, e também, só se veem as fitas que estão em cartaz, e não aquelas que a gente desejaria.

O livro, não. Apesar de ter subido de preço, ainda custa barato, mais barato do que um ramo de rosas para a namorada ou um jantar no restaurante. Uma noitada em boate, com show e bebida, dá para comprar algumas dezenas de volumes - quer dizer, divertimento para meses e até ano, se o leitor é vagaroso. O livro não exige capital nem maquinismo, não tem anúncio - e não tem patrocinador! A sua variedade tem como limite o infinito; discute com você todos os assuntos que a mente humana já tratou, apresenta-o às personalidades mais ilustres e lhe conta os seus segredos. Você quer saber as últimas teorias científicas sobre o espaço cósmico, os ritos funerários dos egípcios, a série cronológica dos amantes de Catarina, a Grande? Há sempre um livro que lhe dará a informação. E se o que você deseja é sentir a presença inefável dos grandes poetas, a imaginação dos maiores ficcionistas - ah, eles estão todos aí, se oferecendo à sua mão, na hora em que você os convocar. Poemas, romances, contos, narrativas, memórias - o que a mente do homem criou, desde que sabe escrever - e isso já faz séculos, milênios - está tudo nos livros, guardado nos livros, como um tesouro para seu uso.

E a feira de livros, além de colocar o livro ao alcance fácil do comprador, a preços de desconto, ainda tem a parte social e simpática: as festas de autores, em que não só o livro, mas os que os escrevem, os autores, são convocados a se apresentar ao povo, num contato democrático e cordial. Aí você, leitor, terá oportunidade de conhecer em carne e osso seu romancista predileto, o seu poeta de estimação ou o seu erudito de confiança.

Eu sei, eu sei: todos vocês, jovens, vão dizer - "Mas hoje, toda informação que quisermos, vamos encontrar na internet." Mas é isso: internet é informação, é trabalho, não traz prazer ou divertimento. Pois então vá experimentar ler, na íntegra, Os Irmãos Karamazov, de Dostoievski, ou Guerra e Paz, de Tolstoi, pela internet. E depois me diga.

Fonte:
Jornal O Estado de São Paulo. 19  de outubro de 2002