quinta-feira, 26 de maio de 2016

Olivaldo Júnior (Conto para os que amam ou @AmorPraSempre)

No ano de 2046, o amor tinha virado peça de museu. Eu explico: a rapidez da comunicação virtual tinha suplantado a comunicação real de um tal modo que as pessoas sequer falavam umas com as outras. Tudo era na base da transmissão energético-magnética, e os homens eram cada vez mais impelidos a se comunicar sem palavras. E, sem elas, o toque foi ficando ausente das relações sociais, e o mundo intensamente high-tech cobrava seu preço dos tão maravilhados usuários de redes sociais e afins, que dominaram a cabeça, o corpo e a alma da gente. Onde entra o amor nessa história? No caso de amor entre um moço e uma moça do futuro que estão ali...

Ele, recostado na parede de um shopping ultra, super, hiper, mega moderno, mal pode esperar por ela, que já mandou telepaticamente uma mensagem para ele, com o ícone de um coração. Palavras? Elas tinham cedido lugar aos desenhos, e todo o mundo se comunicava mais por símbolos que pela fala, ou pela escrita. Tudo era um símbolo. O do amor, claro, era um doce coração, que variava entre um e outro, de acordo com o humor. O daquele casal adolescente era um coração cercado de estrelas, cada uma representando uma semana de namoro. Relações duráveis? O que era durável para um povo que já falava com o outro através do pensamento e, daqui a pouco, quem sabe, se locomoveria pelas dimensões no Expresso Quântico, que já era uma tendência em países mais adiantados que o nosso. Viajar no tempo? Isso não era coisa de cinema, mas do dia a dia. E você? Para onde quereria ir, hein?

Voltemos ao jovem esperando a namorada. Quando ela chegou, enviou para ele um beijinho metafórico, que foi prontamente respondido com outro, um pouco mais afoito, que mereceu repreensão. Certas coisas nunca mudam... O shopping, aliás, era um ambiente bem parecido com o que temos agora, mas os produtos não ficavam mais expostos. Tudo era visto e sentido em hologramas sensoriais. O que se queria era mentalmente pedido em forma de compra que, em questão de minutos, era materializado na frente do pensador, digo, comprador. Onde o romantismo de se escolher a mercadoria, pedir para entregá-la, enfim, todo o trâmite da compra? Não havia mais. Assim como o amor. Ficava-se junto porque se ficava. O amor, como questão de posse, pertença a outra pessoa, era coisa do passado, da vovó... Gostar de alguém era um luxo. Aqueles jovens passeando pelo shopping era um luxo.

Ao fim do passeio, nada de beijos. A moça percebeu uma intenção mais quente no moço e, pra fim de conversa, "blindou" sua mente, e ele ficou sem poder se comunicar com ela por quase um mês. Foi um gelo cibernético, sabe? Depois, passaram a conversar pelo WhatsApp versão 5005, que nem consigo descrever do que era capaz. Mais uma coisa não tinha mudado: a sensação de saber que era possível burlar as regras e fazer diferente dos demais contemporâneos. Marcando encontro com ela, tirou seu chip do encaixe atrás da orelha direita e pediu a ela que também fizesse o mesmo. Assim, quando se encontrassem, seriam puros, naturais. E assim se deu. Tiraram a tecnologia excessiva, a pedra, do meio do caminho, e, tão soltos quanto um verso bem livre, beijaram-se muito quando se viram.

Posso desconectar? Deslogando... Se puder, me siga no "Face", no Twitter, no Google+, no Instagram e no LinkedIn!...

Fontes:
O Autor
Imagem = http://www.noticiasdeitauna.com.br

29º Jogos Florais de Ribeirão Preto/SP - 2016 (Classificação Final)

Tema:  Forja (Lírica/Filosófica)

VETERANOS

Vencedores:

1o Lugar
Therezinha D. Brisolla
São Paulo/SP


2o Lugar
Dulcídio de Barros M. Sobrinho
Juiz de Fora/MG


3o Lugar
Carolina Ramos
Santos/SP


4o Lugar
Olímpio da Cruz S. Coutinho
Belo Horizonte/MG


5o Lugar
Alba Helena Corrêa
Niterói/RJ


Menções Honrosas:

1o Lugar
Delcy Rodrigues Canalles
Porto Alegre/RS


2o Lugar
José Antonio de Freitas
Pitangui/MG


3o Lugar
Relva do Egypto R. Silveira
Belo Horizonte/MG


4o Lugar
Dodora Gallinari
Belo Horizonte/MG

 

5o Lugar
Antonio Augusto de Assis
Maringá/PR


NOVO TROVADOR

Luiz Moraes
São José dos Campos/SP

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Trovas Humorísticas
Tema: Alfinete


VETERANOS

Vencedores:


1o Lugar
Antonio Augusto de Assis
Maringá/PR


2o Lugar
Renato Alves
Rio de Janeiro/RJ


3o Lugar
Alba Helena Corrêa
Niterói/RJ


4o Lugar
Roberto Tchepelentyky
São Paulo/SP


5o Lugar
Fabiano de Cristo Magalhães Wanderley
Natal/RN

 

Menções Honrosas:

1o Lugar
José Ouverney
Pindamonhangaba/SP

 

2o Lugar
Marialice de Araujo Velloso
São Gonçalo/RJ

 

3o Lugar
Antonio Colavite Filho
Santos/SP


4o Lugar
Heder Rubens Silveira e Souza
Natal/RN

 

5o Lugar
Edmar Japiassú Maia
Nova Friburgo/RJ

 

NOVO TROVADOR

Luiz Moraes
São José dos Campos/SP

Irmãos Grimm (O Músico Maravilhoso)

Num país distante havia um músico que tocava muito bem violino. Como a vida não lhe corria muito bem, decidiu procurar um companheiro. Foi até à floresta e pôs-se a tocar, até que lhe apareceu um lobo assustando-o. O lobo disse-lhe que tocava muito bem e que gostava de aprender a tocar como ele. O músico prometeu ensinar-lhe se ele fizesse tudo o que lhe mandasse. Então ao dirigirem-se para um carvalho velho, que estava oco e que tinha uma fenda a meio do tronco, o músico disse ao lobo que se quisesse aprender a tocar violino teria que meter a pata nessa abertura. O lobo obedeceu e o músico apanhou uma pedra, entalando a pata do lobo na fenda.

Como o músico queria encontrar um companheiro, lá continuou a tocar violino com entusiasmo, até que apareceu uma raposa encantada com a música, dizendo-lhe que gostava de aprender a tocar como ele. Pelo que o músico respondeu que para isso bastava que ele fizesse tudo o que lhe mandasse e então continuaram a andar até chegarem a um caminho estreito, aí ele prendeu com os pés dois ramos de aveleira e dizendo à raposa que se quisesse aprender a tocar violino lhe desse a pata esquerda. O animal obedeceu e o homem atou uma das patas a um ramo e a outra ao segundo ramo. Ao tirar os pés dos ramos, eles endireitaram-se e a raposa ficou suspensa pelas patas.

Como ainda não tinha encontrado o companheiro para formar sociedade e ganhar a vida, sentou-se a tocar o violino. Entretanto apareceu uma linda lebre que ao gostar da música lhe pede para o ensinar a tocar. O músico promete-lhe ensinar se ela obedecer às suas instruções. A lebre aceita e deixa-o atar um cordel à volta do pescoço, prendendo-a a um tronco.

Entretanto o lobo debatendo-se consegue soltar a pata e enfurecido vai atrás do músico, encontrando pelo caminho a raposa que lhe pede para a soltar. Ao passarem perto da lebre esta gritou por ajuda e foram todos os três em busca do músico. Este entretanto, tinha atraído com a sua música um caçador que lhe pede para aprender a tocar. O músico satisfeito disse-lhe que o ensinaria de muito bom agrado, já que tocar bem um instrumento era um privilégio de homens e piscando-lhe o olho deu-lhe sinal para os animais que se aproximavam furiosos.

O caçador apontou-lhes a arma ameaçando-os pelo que assustados fugiram todos a correr.

O músico ficou todo satisfeito por ter encontrado um companheiro e assim passaram a andar de vila em vila tocando e caçando para que nunca lhes falte comida.

Fonte:
http://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/titles

quarta-feira, 25 de maio de 2016

José Feldman (Trovas de Louvor a uma Princesa Morta)


Susana Custódio (Poemas Avulsos)

TANGO
Na noite pejada de magia
Os dois rodopiando no salão
Os olhos sorrindo d’alegria
Transmitíamos pura emoção.

Enlaçados com elegância
Em compasso de dois por quatro
Das tuas mãos o meu corpo pendia
Espargindo do amor a fragrância.

Por todo aquele anfiteatro
Os aplausos foram-se propagando
Já da noite despontava o dia
E após o ultimo passo condutor.

A vênia em plena sedução
Não era ser somente um tango
No leito continuaríamos
A performance do nosso amor.

QUANDO

Naquele jardim, te afastaste
E já longe gritaste!
Corre para mim...
Eu, louca fui correndo,
Abriste os teus braços...me agarraste...
Rodopiando num louco frenesi!

Quando
Naquele barco
Que lento ia cortando as águas do Sado,
Com a tua viola...
Dedilhando nas cordas "Les feuilles Mortes”
E a tua voz grave cantava a doce melodia!!!
Esquecemo-nos de tudo e de todos,
E de olhos nos olhos eu te ouvia...
Amando-te cada vez mais!!!Quando
Nas dunas da praia nos deitamos
E nos amamos,
Entre beijos, carícias e gemidos!!!

Quando
Hoje olho para ti...
A saudade me invade...
EU continuo a ser EU!
E TU já não és TU!
És a sombra daquele,
Quando
No jardim...
No barco...
Nas dunas...
Me amaste!!!

ENCÔMIO À MINHA MÃE

Não sei o que mais minh’alma chora;
No momento que escrevo, eu revivo
Esta dor que é antiga e que é d’agora,
P'lo sentimento qu’ inda está tão vivo…

Mãe! Não sei porque te foste embora!
Também esta amargura que cultivo
Em mim, e do que sinto, és geradora
E esta dor é lamento muito antigo.

Meu coração encharca-se de mágoas
Recordar? – Se destes olhos brotam águas...
Oh! Mãe, minha Mãe, quanta saudade!

Vê meu carinho mãe, por piedade...
Já que partiste da minha mocidade,
Vê! Quero mostrar-te as minhas mágoas!

DESAPEGO

É este não saber o que quero,
Que me amargura,
Que me dá este desassossego
Que me persegue e em mim perdura
A vontade de tudo querer
E logo este desapego!

Esta vontade não sei de quê, é dura!
Sinto o meu peito em chaga…
Eu queria tanto um amor doçura,
Esta falta que sinto me esmaga…

Todo o meu ser é confusão,
Quero pensar e não me compreendo…
Toda esta vida é uma ilusão
Só eu sei como estou sofrendo!

Ah! Seu eu tivesse alguém a quem beijar,
Que me tirasse este desejo,
Esta ânsia de amar!

RESILIÊNCIA

Possuo a delicadeza das flores
Torno-me fera para proteger
Todos os meus divinos amores
Pois sem eles não sei viver

Posso ser dura como a rocha
Mas carrego comigo um sorriso
Que ilumina o deserto qual tocha
E vou buscar forças onde for preciso

Mesmo quando me apetece gritar
Permito que entrada da alegria
Faça no meu peito o amor aportar
Pois nos sentimentos há magia

Eu sei, nasci com o dom da paciência
Altiva, couraçada, percorro a sorte
Enigmática, mas essa é minha essência

Nada temo - ares de fraca - sou forte
As forças vêm desta resiliência
Que só se deterá perante a morte

Fontes:
Boletim Os Confrades da Poesia Nr 62 | Maio / Junho 2014
http://susanacustodio.blogspot.com.br

Susana Custódio (1949)

Susana Custódio nasceu em Lisboa em Maio de 1949, reside em Sintra desde os 18 anos. Desde os 14 anos começou a escrever alguns “rabiscos” a que ela chama “Estados de Alma”.

Estudou em Lisboa e em Londres, mais tarde viajou para Moçambique, país pelo qual viria a ter uma “Grande Paixão” que ainda hoje perdura.

Aos 27 anos ganhou um prêmio de literatura oferecido pelo Inspector Varatojo na RTP, ao escrever um conto inédito sobre a grande escritora inglesa de ficção policial Agatha Christie.

Em 2010 a convite de una editora teve a oportunidade de ver alguns dos seus poemas no livro “ Sentimentos Profundos” que dedicou a seu filho.

Lecionou por muitos anos a língua inglesa.

Membro de várias associações poéticas, como:
APP – Associação Portuguesa de Poetas;
Poetas del Mundo e cônsul de Sintra;
Poetas do Povo – Sintra;
Os Confrades da Poesia;
AVSPE Brasil;
AVBAP Brasil.

Tem vários poemas escritos e alguns contos.

Fontes:
Boletim Os Confrades da Poesia Nr 62 | Maio / Junho 2014

Carlos Lúcio Gontijo (A Vida e Morte de Todos Nós)


Todos nós somos sementes de luz espiritual semeadas na Terra pelo Criador. E assim, à medida que, aos olhos do Senhor, nos apresentamos maduros, somos colhidos para auxilia-Lo na conservação e luminosidade da verdadeira "Cidade Luz": O PARAÍSO!

Sempre achei e continuo achando um grande equívoco as páginas dos jornais, aqueles poucos que ainda abrem espaço para artigos de opinião, tratarem tão-somente da análise de assuntos políticos, dentro do radicalismo tacanho do contra e a favor, sem enveredar por qualquer tentativa de levar os leitores à reflexão sobre temas capazes de introduzir no mar de tanta discórdia social e violência alguma gota de sensibilidade e noções relativas ao invisível, que rege a nossa existência e nos dá ânimo diante da perda de pessoas queridas e amadas para o inexorável destino da morte física que a todos nós espreita.

No vazio desse trabalho jornalístico de cunho espiritual, sempre visto como assunto menor ou mesmo irrelevante, assistimos ao desespero de seres humanos diante da morte, principalmente pelo fato de as pessoas terem a sua mente absorvida pela pregação materialista da cultura construída pelo consumismo desenfreado em que vivemos.

Durante o tempo em que publicamos artigos em jornal impresso de grande circulação, jamais tivemos acanhamento em misturar temática mais espiritualizada a assuntos de essência política, abrindo-os ou terminando-os com versos e pensamentos voltados ao enlevo do espírito humano, sob a crença de que, sem incensar a alma, palavras e ideias contidas em um texto não conseguem ser integralmente compreendidas pela amplitude da mente e da razão.

Em todos os momentos de nossa vida, devemos diminuir a distância entre o Céu e a Terra, porque quanto mais nos agarramos às coisas terrenas mais nos afastamos da sensibilidade e do amor ao próximo, lastreando o caminho rumo à violência e à desvalorização da vida, que é dádiva divina concebida pelo Criador, cuja misericórdia faz da morte um processo de transformação, através do qual renascemos para o resplendor da vida eterna.

Talvez não haja nada mais político que colocar à mesa da discussão gráfica nas páginas dos jornais a luz espiritual que habita cada um de nós, como se fosse um sopro de Deus, que nos abastece, fornecendo o combustível que nos conduz até determinado ponto – uns mais cedo; outros mais tarde –, até a morte, conforme os desígnios do Senhor.

Se verdadeira é a premissa que nos indica que tudo precisa de disciplina e esforço para se tornar realidade, também é de significado inarredável o conselho que nos aponta a conveniência de que a toda realização humana convém uma elevada dose de sonhos, emoção e olhos do coração voltados à satisfação dos anseios da maioria das pessoas, quebrando a visão individualista e impregnada pelo egoísmo ao qual nos encontramos subjugados.

Enfim, não importa sua condição social, a fé que professa, a cor de sua pele ou a sua ideologia política, o fato inconteste é que o imposto sobre a vida – e que, justa e democraticamente, sobre todos recai – é a morte! Já passa da hora de a sociedade introduzir o tema no dia a dia, com naturalidade e desmitificação, até mesmo como forma de livrar os incautos das mãos de tanta gente usando o santo nome de Deus em vão e incrementando o fanatismo apocalíptico do qual alimenta o seu diabólico pastoreio.

Fonte:
O Autor

terça-feira, 24 de maio de 2016

Nilton Tuller (Pai, Desculpe a Franqueza)

PAI. Puxa ! Faz tempo que não pronuncio esse nome. Sabe, papai, eu era um menino cheio de vida. Tinha sonhos febris como os meus colegas de escola. Sim eu sonhei em ser tantas coisas lindas!!! Só não sonhei em ser o que sou hoje. Eu pensava: vou crescer, estudar, trabalhar, etc., etc.

O senhor era meu herói. Sim! Meu Pai Herói! Para mim não existia ninguém com mais autoridade que o senhor. É certo que eu estranhava quando o senhor chegava, meio alcoolizado em casa, abetumado, macambúzio e jururu. Mas, papai, eu quero dizer aqui de longe algo que trago no meu peito há muito tempo. O senhor não me preparou para enfrentar a vida. Lembra, papai? O senhor não tinha tempo para mim. É verdade que o senhor me dava presentes, eu creio que o senhor nunca se esqueceu de um presente de natal, aniversário e tantas outras vezes. Só se esqueceu da minha pessoa. Lembrou-se do que eu precisava, e até do supérfluo, mas não se lembrou do que eu era. Eu era, na verdade um órfão de pai vivo! Pai, eu não queria os seus presentes apenas, eu queria mesmo era o senhor. Queria e ansiava seu calor, o seu abraço, o seu beijo a sua atenção. Abraço!!! Nem me lembro de ter recebido um! O senhor nunca elogiou um boletim escolar que trazia para casa. Um dia a minha bicicleta descentralizou as rodas. Lembro-me como se fosse hoje. O senhor ia saindo para o escritório. Eu lhe pedi para me ajudar. Lembra, papai, o que me respondeu? “Eu não tenho tempo. Meus clientes estão me esperando”. Puxa vida! Eu senti tanto ciúmes do senhor. Afinal seus clientes eram mais importantes do que eu. O senhor e mamãe estavam tão ocupados que mal me viram crescer. Vocês tinham que satisfazer os compromissos com a sociedade. Eu me sentia só, e isto me revoltava. Nasceu dentro de mim um conflito. Eu não sabia bem se o odiava ou tentava chamar a sua atenção para o meu dilema. Eu queria tanto que o senhor soubesse que apesar de tudo, eu o amava. Hoje estou confuso, e nem sei mais o que é amor. Eu sei, papai, que o senhor não é de tudo culpado. O senhor é fruto de uma sociedade consumista e humanista. O senhor nunca me ensinou nada sobre religião, fé, Deus. Nas refeições o senhor só falava em negócios, dinheiro, ações, investimentos etc... Eu quase não via o senhor chegar. Ah! Se o senhor tivesse adivinhado que as poucas vezes que eu estava acordado, esperava que a porta do meu quarto abrisse e o senhor fosse sentar-se na minha cama e pudesse me desejar uma boa noite. Mas... o senhor passava direto para o seu aposento. Por causa disso, papai, eu por curiosidade, por auto-afirmação ou aventura, não sei, entrei para as drogas. Como o senhor não me ajudou, os traficantes me adotaram.

E então os meus sonhos se desmoronaram. Eu que o admirava tanto, passei a chamá-lo de quadrado, velho, coroa e outros adjetivos.

Hoje estou aqui atrás das grades. Sim, papai! Estou preso nas garras do vício, na malha da lei. Pior que isto. Estou preso nas minhas esperanças.

Mas... pensando melhor, pai, eu olhei agora pelas grades da prisão e vi lá fora bem alto e longe uma nesga de céu azul. Creio que há esperança. Eu quero sair daqui, papai. Quero ser livre. Liberte-se também de tudo aquilo que lhe prende, e vamos começar de novo. Vamos fazer um convênio. EU VOLTO A SER CRIANÇA, E O SENHOR VOLTA A SER PAI.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

Irmãos Grimm (A Bola de Cristal)

Houve, uma vez, uma feiticeira que tinha três filhos, os quais se amavam extremamente. Mas a velha não confiava neles e vivia a desconfiar de que pretendiam expropria-la. Então transformou o mais velho numa águia, a qual tinha de viver nos píncaros rochosos e só, às vezes, era vista descrevendo grandes círculos no espaço, descendo e subindo com as largas asas abertas.

Ao segundo filho, transformou numa baleia que vivia nas profundezas do mar, podendo ser vista só quando subia à tona e de suas costas saía um repuxo de água que espirrava à grande altura. Foram concedidas aos dois apenas duas horas por dia, nas quais podiam retomar seu aspecto humano.

O terceiro filho, temendo que a mãe o transformasse, também, nalgum animal feroz, urso ou lobo, fugiu de casa às escondidas.

Ele ouvira contar que no castelo do Sol de Ouro havia uma princesa encantada, que aguardava a sua libertação; mas se alguém tentasse libertá-la arriscaria a vida. Vinte e três rapazes já haviam perecido deploravelmente, ainda um podia apresentar-se e, depois desse, mais ninguém.

Sendo um rapaz destemido e arrojado, resolveu ele procurar o castelo do Sol de Ouro. Depois de andar muito tempo, sem conseguir encontrá-lo, foi parar numa grande floresta; tendo-se extraviado, não sabia como sair dela. De repente, avistou ao longe dois gigantes acenando-lhe com a mão e, quando se lhes aproximou, disseram-lhe:

- Estamos brigando por causa de um chapéu. Queremos saber a quem de direito deve pertencer. Como somos os dois de igual força, nenhum pode vencer o outro. Os homens pequenos são mais inteligentes do que nós, por isso pedimos que tu decidas.

- Como é possível engalfinhar-se assim por causa de um simples chapéu? - disse ele.

- É que não conheces as propriedades que possui. Esse é um chapéu mágico. Quem o põe na cabeça, chega no mesmo instante a qualquer lugar que deseje.

- Dai-me um pouco esse chapéu! - disse o rapaz; - vou andar até àquela distância e, quando vos chamar, correi os dois juntos. Quem chegar primeiro ganhará o chapéu.

Pegou o chapéu, botou-o na cabeça e foi andando, andando. Mas, pensando sempre na princesa, exalou um suspiro do fundo da alma e murmurou:

- Ah, quem me dera estar no castelo do Sol de Ouro!

Mal lhe saíram da boca essas palavras, eis que se achou no cume de uma montanha, bem em frente à porta do castelo.

Sem hesitar, penetrou no castelo e foi atravessando todos os aposentos até chegar a uma sala onde estava a princesa. Mas como se espantou ao vê-la! tinha o rosto de uma cor cinzenta e cheio de rugas, os olhos torvos e os cabelos vermelhos. Sem se poder conter, exclamou:

- Então, sois vós a princesa cuja beleza é exaltada no mundo inteiro?

- Oh! - respondeu ela - Esta não é a minha fisionomia real! Os olhos humanos só podem me ver assim deformada, mas se queres saber como sou realmente, olha naquele espelho: ele não engana e te mostrará a minha verdadeira imagem.

Assim dizendo, apresentou-lhe um espelho e o rapaz, olhando para ele, viu refletida a imagem da mais linda moça que pudesse existir no mundo. E viu lágrimas de intenso sofrimento escorrendo-lhe pelas faces. Então perguntou:

- Que posso fazer para te libertar desse encanto? Dize, pois eu não temo coisa alguma.

A princesa disse-lhe:

- Quem conseguir apoderar-se da bola de cristal e apresentá-la ao feiticeiro, anulará o seu poder e eu readquirirei o meu verdadeiro aspecto. - mas acrescentou: - Muitos já encontraram a morte por tê-lo tentado! Lamento, imensamente, que tu, tão jovem, queiras expor-te a tão graves perigos.

- Nada poderá deter-me. - respondeu o rapaz; - Dize-me, porém, que devo fazer para me apoderar da bola de cristal.

- Já vais saber tudo. - disse a princesa. - Se quiseres descer a montanha onde está o castelo, lá embaixo, perto de um manancial, encontrarás um feroz bisão, com o qual terás de lutar. Se conseguires matá-lo, sairá dele um pássaro de fogo, voando, o qual tem no corpo um ovo incandescente. Nesse ovo, no lugar da gema, está a bola de cristal. Mas o pássaro não deixa cair o ovo, se não for violentamente obrigado a isto. Além disso, se o ovo cair no chão, quebra-se e incendeia tudo à sua volta, destruindo-se no fogo juntamente com a bola de cristal, de maneira que, nesse caso, todo o teu trabalho terá sido inútil.

O rapaz desceu até ao manancial onde se encontrava o bisão, o qual o recebeu bufando e resfolegando, ameaçador. No mesmo instante, travou-se entre os dois uma tremenda luta e o rapaz conseguiu enterrar-lhe a espada no ventre, prostrando morta a terrível fera. Imediatamente saiu voando o pássaro de fogo, procurando elevar- se no espaço, mas a águia, que era o irmão do rapaz, chegou nesse momento através das nuvens, investiu contra o pássaro e com o bico adunco empurrou-o para o mar. A ave, vendo-se em perigo, deixou cair o ovo.

Mas o ovo não caiu no mar; caiu sobre uma choupana de pescadores situada na praia. Caindo em cima dela, imediatamente se elevou uma nuvem de fumaça e ateou- se o fogo, então se elevaram no mar ondas da altura de uma casa, despejaram-se sobre a choupana e extinguiram o fogo. Fora obra do outro irmão, transformado em baleia, que, vendo o fogo, sublevara as ondas.

Depois de extinto o incêndio, o rapaz foi em busca do ovo e, por grande sorte, o achou. Não tivera tempo de derreter, mas a casca incandescente, esfriada repentinamente pela água gelada, partira-se toda. Assim lhe foi possível extrair a bola de cristal.

Quando, finalmente, foi ter com o feiticeiro e exibiu a bola de cristal ao seu olhar, o bruxo disse-lhe:

- Meu poder está anulado. De hoje em diante serás o rei neste castelo do Sol de Ouro. E tens poder, também, de restituir a teus irmãos a forma humana.

Então o rapaz correu para junto da princesa e, ao entrar na sala em que se achava, ela surgiu-lhe pela frente em todo o esplendor de sua radiosa beleza.

Cheios de alegria, trocaram as alianças que os devia unir e viveram na mais perfeita felicidade.

Fonte:
http://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/titles

Olivaldo Júnior (Para gostar de poesia)

O menino, para gostar de poesia, pôs seus ouvidos na fonte e se deixou virar água. Depois, como ser água era pouco, fez-se mesmo em vapor. Lá no céu, refeito em mil partículas concêntricas, achou por bem virar chuva e, num dia de sol, deixou-se cair e, no meio do rio, na beira do mar, em todo o sertão, se fez chuva grossa, se fez chuva fina e voltou a ser água. Assim, compreendeu que, para gostar de poesia, preciso era mesmo ser a alma do verso, a base do som, senhor e sem hora para a matéria urdida, exposta em verso. Servo da água, rumou para o mar de si mesmo, onde a vida era onda, a onda era forma, a forma, uma via para gostar de poesia. Ai de quem não gosta, de quem não gasta seus olhos e não se deixa ser água como aquele menino!... A vida, que é líquida e fim, nubla os olhos de quem não quer chorar e cristaliza no peito as águas que empedram. Mágico, para gostar de poesia, o menino fez mares onde o pó sufocava, deixando vir-lhe a vida que há nas águas de si, sinal de que somos versos de um poema em uníssono, mesmo sem vermos sua forma na folha em branco dos dias. Sábio, para gostar de poesia, o menino (des)fez-se do rio e se encharcou de mar, não só de mágoa. Água, rio novinho à margem velha, fez brotar silêncio e música no bico das aves, na boca dos homens, na brusca poesia que busca ser água, córrego manso, dique, ou represa, para gostar, menino, só de poesia.

Fonte:
O Autor

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Concurso de Trovas Centenário de Nascimento de Luiz Otávio (1916 - 2016) (Resultado Final)

Promovido pela UBT/Santos

CONCURSO NACIONAL/INTERNACIONAL
(idioma português)

TEMA - “Meus Irmãos, os Trovadores”

VETERANOS

Vencedores


1º lugar: 
Edweine Loureiro da Silva
(Saitama/Japão)

2º lugar:
José Ouverney
(Pindamonhangaba/SP)

3º lugar:
Roberto Resende Vilela
(Pouso Alegre/MG)

4º lugar:
Gilvan Carneiro da Silva
(São Gonçalo/RJ)

5º lugar:
Agostinho Rodrigues
(Campos dos Goitacazes/RJ)


MENÇÕES HONROSAS

Giva da Rocha
(São Paulo/SP)

Jota de Jesus
(Saquarema/RJ)

Myrthes Mazza Masiero
(São José dos Campos/SP)

Plácido Ferreira do Amaral Junior
(Caicó/RN)

Relva do Egypto Rezende Silveira
(Belo Horizonte/MG)


MENÇÕES ESPECIAIS
 

Antônio Augusto de Assis
(Maringá/PR)

Ari Santos de Campos
( Balneário de Camboriú/SC)

Messias da Rocha
(Juiz de Fora/MG)

Therezinha Diegues Brisolla (2)
(São Paulo/SP)


NOVATOS

VENCEDORES


1º lugar:
Edy Soares
(Vila Velha/ES)

2º lugar:
Maria do Carmo Zerbinato
(Niterói/RJ)

3º lugar:
Madalena FerrantePizzatto
(Curitiba/PR)


MENÇÕES HONROSAS
4º lugar:
Rosa Maria Gomes Mendes
(Rio de Janeiro/ RJ)

5º lugar:
Valter Rodrigues Mota
(Taubaté/SP)


CONCURSO UBT/SANTOS “CENTENÁRIO DE LUIZ OTÁVIO” -
LOCAL (SANTOS)

VENCEDORES


1º lugar:
Maria Nelsi Sales Dias

2º lugar:
Carolina Ramos

3º lugar:
Edna Gallo

4º lugar:
Mercedes Lisbôa Sutilo

5º lugar: 
Antonio Colavite Filho


MENÇÕES HONROSAS
Ana Maria Guerrize Gouvêia

Carolina Ramos

Elenir Ferreira

Nair Rodrigues Lopes

Sônia Regina Rodrigues


MENÇÕES ESPECIAIS

AntonioColavite Filho

Edite Rocha Capelo

Edna Gallo

Nair Rodrigues Lopes

Nilce I. Lemont


CONCURSO INTERNACIONAL CENTENÁRIO DE LUIZ OTÁVIO
(idioma espanhol)

Vencedores
.
1º lugar:
Gisela CuetoLacomba
(USA)

2º lugar:
Maria Rosa Rzepca
(Argentina)

3º lugar:
Andrik Bannack Alvarez
(USA)

4º lugar: Martha Lúcia Jimenez Trojillo
(Colômbia)

5º lugar:
Jayme Hoyos Forero
(Colômbia)


MENÇÃO HONROSA

AdyYagur
(Israel)

Azucena de los Angeles Farias Hernandez
(México)

Germán Echeverría Aros
(Chile)

José Hector Rodríguez
(Argentina)

Olinda Rosa Harache
(Argentina)


MENÇÃO ESPECIAL

Ime Biassoni
(Argentina)

Irene Mercedes Aguirre
(Argentina)

Líbia Beatriz Carciofetti
(Argentina)

Maria Elena Spínosa Mata
(México)

Marguerita Tejera
(Uruguai) 

DESTAQUES

Catalina Margarita Mangione
(Argentina)

Elizabeth Leyva Rivera
(México)

Freddy Ramos Carmona
(México)

Hildebrando Rodriguez
(Venezuela)

Júlio San Martin Órdenes
(Chile)

II Concurso Internacional de Trovas do Japão (Resultado Final)

Promovido pelo Professor Edweine - Loureiro
Delegado da União Brasileira de Trovadores UBT-Japão

Tema: ESPERANÇA

Troféu Cristina Olivera Chavez

VENCEDORES:

1º Lugar:


Tenho um jardim diferente...
e entre nós, há uma aliança:
Por mais que eu mude a semente,
só nasce a flor da esperança!
Professor Francisco Garcia
(Caicó/RN)

2º Lugar:


Quando as chuvas tão pedidas
caem fartas no sertão,
a esperança é refletida
nas poças d'água no chão.
Eliana Ruiz Jimenez
(Balneário Camboriú/SC)

3º Lugar:

 
A escola... a farda... eu criança...
o hino nacional... a fila...
-Oh meu Deus, quanta esperança
eu levava na mochila...
Manoel Cavalcante de Souza Castro
(Pau dos Ferros/RN)

4º Lugar:

 
Matar a alheia esperança
é crime cruel demais...
É um pecado sem fiança,
mais grave que os capitais!
Antonio Augusto de Assis
(Maringá/PR)

5º Lugar:

 
Com esperança eu persisto,
aguardo o tempo que for...
De te querer, não desisto:
creio na força do amor!
Alba Helena Corrêa
(São Paulo/SP)

MENÇÃO HONROSA


Para quem nutre a esperança,
qualquer desejo é possível.
Luto com perseverança
e, com Deus, sou invencível!
Alba Helena Corrêa
(São Paulo/SP)

-

Minha esperança é tão grande,
que afastá-la, não consigo,
onde quer que eu vá ou ande,
ela sempre vai comigo!
Delcy Rodrigues Canalles
(Porto Alegre/RS)


Com a fé que me conduz
e a esperança que me atrai,
caminho seguindo a Luz
que leva à casa do Pai.
Maria Luíza Walendowsky
( Brusque/SC)


Para os sonhos de criança:
eu...você...nós dois depois,
roda-gigante e esperança
têm cadeirinhas pra dois!
Austregésilo de Miranda Alves
(Salvador/BA)


Sempre existe uma esperança
a acenar à nossa frente...
Feliz de quem não se cansa
de ouvir seu apelo: - “Tente!”
Carolina Ramos
(Santos/SP)

MENÇÃO ESPECIAL


Esperança é veio d’água
que brota dentro da gente;
quando, na veia, deságua,
jorra uma densa corrente.
Geraldo Trombin
(Americana/SP)


Quando a treva a mim alcança
e me deixa sem saída,
busco uma luz de esperança
no escuro túnel da vida.
Marialice Araújo Velloso
(São Gonçao/RJ)


O fardo da insegurança
faz o pai perder seu brilho,
ao dizer: - Tenha esperança!
- Não desanime, meu filho!
Wandira Fagundes Queiroz
(Curitiba/PR)


Mantenho viva a esperança
de ver unidas as mãos
e, corações, com voz mansa,
cantando em roda de irmãos!!!
Carolina Ramos
(Santos/SP)


Aceito o adeus com pujança...
Bem maior que o teu desdém,
foi ter que ver a esperança
partir contigo também!
Gilvan Carneiro da Silva
(São Gonçalo/RJ)

TROVAS DESTAQUE


A esperança é tecelã
do amor, ventura, abastança
e fiação do amanhã
que tece a calma, a bonança...
Maria Cristina Cacossi Capodeferro
(Bragança Paulista/SP)


Se encruzilhada me lança
na indecisão que ela enceta,
tiro do alforje a Esperança,
fazendo dela uma seta.
Dodora Galinari
(Belo Horizonte/MG)


Eu perco toda a esperança
e quase toda a razão
quando vejo uma criança
pedindo um pouco de pão.
José Antônio de Freitas
(Pitangui/MG)


Se a cada dia me entrego
e me sinto um derrotado,
quanta esperança eu renego
e me rotulo um coitado!
Jessé Nascimento
(Angra dos Reis/RJ)


A esperança é como um canto
que embala nosso viver,
e é tão necessária quanto
o sol para o alvorecer!
Renata Paccola
(São Paulo/SP)

domingo, 15 de maio de 2016

Trova 273 - Vanda Alves da Silva (Curitiba/PR)


Teatro da Terra (O Cravo Espanhol) Estreia 25 de Maio

de Romeu Correia

direção de produção e luz Pedro Domingos

Estreia a 25 de maio às 21H30

Teatro Cinema de Ponte de Sor / Portugal
de 25 a 29 de maio
quarta a sábado às 21h30
domingo às 16h e 21h30

info e reservas: 967 710 598 | 242 292 073
teatrodaterra@gmail.com | teatrodaterra.pt.vu
bilhete – 6 €
“Assim, com o tempo, conseguimos fundir o que de vagas recordações trouxemos da infância com o belo-da-idadeadulta saído do gênio criador dos seus autores, que para o caso d’O Cravo Espanhol foram: algumas figuras dos saltimbancos do Picasso do período rosa; a Paulette Goddard, a do vestido-trapo, quando esta personificava o fruto juventude colhido por Chaplin; a Anna Magnani de alguns filmes neo-realistas italianos do pós-guerra; o clima patético dos vagabundos com um sonho dentro d’A Estrada, de Fellini, e todo o sortilégio que, felizmente, ainda surpreendemos para nosso regalo nas feiras, romarias, exibições de fantoches, nos dias de Circo, nos pantomineiros vendedores da banha da cobra (que arte e que poder de comunicação têm alguns destes tipos!); tudo isto, dizíamos nós, o passado e o presente muito bem digeridos no almofariz-da-vida, creio ter sido a teia mestra da nossa farsa trágica. Farsa trágica, um conflito de amor e frustração baseado nas cegadas carnavalescas dos anos vinte. História  dialogada numa linguagem direta e rude, sem papas na língua, como acontecia nos espetáculos de rua desses tempos.”

É desta forma que o autor Romeu Correia descreve resumidamente a sua obra O CRAVO ESPANHOL. O Escriturário, símbolo dos improvisadores que logo perdem a autoria para o anonimato, é o impregnador das antigas cegadas no clima das cenas. Miguel, o toureiro frustrado, procura realizar-se lidando touros de pano com pernas de homem, no Carnaval. A filha bonita faz de “cavaleiro” e o filho rebelde de “bandarilheiro”. Dois cavalheiros atraídos na ocasião colaboram, vestidos de “boi” para esta “casa da brincadeira”. As memórias de infância de poetas, compositores de improviso, cantadores de fado e toda uma fauna artística eminentemente popular, despertaram a necessidade de, já nos anos setenta, voltar a um conceito esquecido e até desprezado por alguma intelectualidade da época. Tratasse de uma literatura criação-desabafo de dores e alegrias com as raízes mergulhadas no cerne da alma do Povo. A ânsia de comunicar é de tal forma imperativa que nem o desconhecimento da escrita serviu de obstáculo a uma criação artística, que teve mais tarde uma correspondente identificação no plano estético, quer nas artes plásticas quer na cinematografia.
   
O Teatro da Terra inicia com Romeu Correia uma série de espectáculos baseados na nossa investigação da corrente neo-realista portuguesa, a “batalha pelo conteúdo” precursora de muitos dos agora considerados mestres do cinema, das artes plásticas ou do teatro.

TEATRO da TERRA – Centro de Criação Artística de Ponte de Sor , C R L
Avenida da Liberdade, 64F , 2 º - 7400-218 - Ponte de Sor • Portugal | NIF 508869935
Tel . + 351242292073 / + 351967710598 - teatrodaterra@gmail . com | 
teatrodaterra.pt.vu

Fonte:
Teatro da Terra

Professor Francisco Garcia (Teu Retrato)

TEU RETRATO
 
Na moldura contemplo o teu retrato
Que me deste sorrindo um certo dia,
E por vê-lo, confesso e te relato,
que ainda vivo este sonho e fantasia.
 
Passa o tempo e não passa esta alegria
Que conservo na mente e não maltrato,
Porque sem conservá-la, a nostalgia,
Transformava este sonho em sonho ingrato
 
Vendo o teu rosto lindo e sedutor,
Como eu lembro da força deste amor
Nestes seus lábios ternos, sensuais,
 
Ah! Que pena que o tempo nada sente,
E o que guardo comigo eternamente
É uma foto, consolo dos meus ais!

Olivaldo Júnior (Aquela lá)

A claridade do dia avançava sobre o quarto como se a convidasse para a vida. Era ela que se levantaria, tomaria banho e, quase por encanto, vestiria aquele vestido de flores, meio feliz demais para uma segunda-feira, mas, vá lá, só viveria aquela segunda-feira uma vez, então...

Pronto, abriu os olhos e, sentada ao pé da cama, passou a mão levemente nos cabelos, como se certificasse de que era ela mesma que estava ali. Sim, era ela. Bem, hoje é segunda, né?...

Levantou-se, pôs-se em frente ao espelho, escovou os dentes e, quando voltava para o quarto a fim de se vestir, lá estava ela.

- O que quer aqui? Já não me fez mal o suficiente?, disse, imperiosa, para a mulher que julgava ser a dona de sua ruína.

- Eu sempre estarei aqui, você sabe. Pode me mandar embora, eu não posso sumir..., respondeu à "preguiçosa" dona daquela casa, com jardim à beira-porta, colibris beijando flores, pardaizinhos de passagem.

- Eu preciso ir trabalhar, estou atrasada!, retrucou, áspera, à indesejável mulher sentada numa poltrona em seu quarto, onde ela, quando podia, costumava ler.

- Vou com você., calmamente falou a "penetra" à sua rival.

- Não mesmo!, decretou, impaciente, a senhora de seu quarto, a rainha de suas horas, seu Reino de Copas, recém-invadido por aquela que não queria desgrudar de seu caminho.

- Olha a bolsa, amiga!..., disse a "intrusa", só querendo ajudar.

- Um momento... Preciso me olhar no espelho!, avisou a proprietária daquele quarto, daquela cama, daquele oásis onde se refazia de sua luta diária. Lutava contra uma depressão havia meses, anos, talvez "séculos".

- É preciso mesmo isso?, indagou a "forasteira" a sua "amiga", que, ao se olhar no espelho, sem querer, deu cabo da falastrona que esvaneceu no ar qual nuvem de poeira, pó de Pirlimpimpim, restando apenas a mulher, sua segunda-feira e um espelho, interrogativamente mudo, manhãzinha, olhando-a, só.

Aquela lá, sentada na poltrona, era ela mesma. Será?! Sim, era ela.

Fontes:
O Autor

Edweine Loureiro (O Filho da Floresta e outros poemas)


 
  São 26 poemas, todos premiados em concursos literários no Brasil e em Portugal, nos quais o author escrece sobre os mais diversos temas ― entre estes: ecologia, paz e, claro, literatura.

    A obra obteve o Prêmio Literacidade – 2015.

    A capa foi feita pela artista japonesa Junko Tomita, e o prefácio pelo grande escritor Edelson Nagues. Eis o link da Editora LiteraCidade:
 http://www.literabooks.com.br/filhodafloresta

    Edweine Loureiro nasceu em Manaus em 1975. Advogado e professor de idiomas, residindo no Japão desde 2001. Premiado em concursos literários no Brasil e em Portugal, autor dos livros “Sonhador Sim Senhor!” (2000), “Clandestinos” (2011), “Em Curto Espaço” (2012), “No mínimo, o Infinito” (2013) e “Filho da Floresta” (Prêmio LiteraCidade 2015). Vencedor do Prêmio Ganymedes José (Literatura Infantil e Juvenil) da União Brasileira de Escritores - RJ, em 2015. Também obteve o primeiro lugar, em 2016, nos Jogos Florais de Nova Friburgo (RJ), o mais tradicional concurso de trovas do Brasil. É membro correspondente da UBE-RJ e da Academia Metropolitana de Letras, Artes e Ciências – SP.

Alguns poemas do livro:

FILHO DA FLORESTA

Sou forte, sou altivo.
Nascido, por encanto,
no encontro das águas.
Curumim atroari,
que não teme nada:
seja a grande sucuri,
seja a onça-pintada…

Sou desbravador de igapós
e dos mistérios de Marajó.
E, para ter o muiraquitã,
matei o gigante Piaimã.

Não tenho medo de saci,
nem do feroz mapinguari…
E, de noite, à beira do lago,
afago o boto-encantado.

Só uma coisa me apavora:
É descobrir, em má hora,
que nada mais resta
de minha amada floresta.

[Poema vencedor do VII Concurso Poesiarte – Arraial do Cabo/ RJ (Janeiro/2013) e 4º lugar no 3º Concurso Literário da Academia Metropolitana de Letras, Artes e Ciências (AMLAC) – Vinhedo/ SP (2013).]
AFLIÇÃO

Vejo-a ferida: nossa Mãe Terra…
Ela que, nascida para ser Eterna,
deu Vida a tantos…

E, no entanto,
ao longo dos tempos,
estando Ela em tormento,
a ninguém importou o Seu lamento.
Ninguém enxugou o Seu pranto.

E agora,
ainda esquecida,
Ela agoniza…

Aguardando, entristecida,
a derradeira hora…

Que, temo, não demora.

[Menção Honrosa Internacional no VIII Concurso Poesias sem Fronteiras (2012)]

Fonte:
O Autor

Irmãos Grimm (O alfaiate no céu)

    Um belo dia, o bom Deus quis dar um passeio pelo jardim celestial, levou consigo todos os apóstolos e santos, não ficando no Paraíso senão São Pedro. O Senhor recomendou-lhe que não deixasse entrar ninguém durante sua ausência e São Pedro ficou de guarda junto à porta do céu. Não demorou muito, alguém bateu. São Pedro perguntou quem era e o que desejava.

    - Sou um pobre e honesto alfaiate - respondeu uma vozinha humilde - que pede para entrar.

    - Sim, honesto! - disse São Pedro - como um ladrão candidato à forca! Tinhas os dedos compridos quando surrupiavas o pano aos fregueses! No Céu, não podes entrar, o Senhor recomendou-me que não deixasse entrar ninguém durante a sua ausência.

- Tende compaixão de mim! - choramingou o alfaiate - pequenos retalhos que caem da mesa não são roubados, não merecem sequer que se fale neles. Olhai, estou mancando por causa das bolhas que fiz nos pés, de tanto andar; não posso absolutamente voltar daqui. Deixai-me entrar, prometo fazer todo o serviço pesado, carregarei as crianças, lavarei as fraldas, limparei e esfregarei os bancos onde brincam e remendarei os rasgões de suas roupas!

São Pedro acabou por compadecer-se e abriu um pouquinho a porta do Céu, um tantinho apenas que deu para o alfaiate coxo insinuar-se. Recomendou-lhe que ficasse quietinho num canto atrás da porta para que, quando o Senhor voltasse, não o descobrisse, senão se zangaria.

O alfaiate obedeceu. Sentou-se no canto atrás da porta, mas, assim que São Pedro deu as costas, levantou-se e pôs-se a esquadrinhar curiosamente todos os recantos do Paraíso. Por fim, foi ter a um lugar onde havia muitas cadeiras esplêndidas e, no centro, uma poltrona de ouro cravejada de pedras preciosas; era muito mais alta que as cadeiras circunstantes e à sua frente havia um escabelo também de ouro.

Era a poltrona onde sentava o Senhor quando estava em casa e da qual podia ver tudo o que se passava na terra. O alfaiate quedou-se a contemplá-la por algum tempo, pois ela lhe agradava mais que todo o resto. Até que, não conseguindo refrear a temerária curiosidade, foi sentar-se nela. Então viu tudo o que acontecia na terra e, particularmente, notou uma velha feia lavando roupa num regato, que subtraiu e pôs de lado dois véus. Vendo isso, o alfaiate foi tomado de tal indignação que agarrou o escabelo* de ouro e, através do Céu, lançou-o violentamente na velha ladra, lá na terra. Como, porém não podia mais ir buscar o escabelo tratou de escapulir o mais depressa possível da poltrona e correr para o seu lugar atrás da porta tudo como se nada houvesse acontecido.

Quando o Senhor e Mestre regressou com o séquito celeste para dizer a verdade não percebeu o alfaiate atrás da porta, mas ao sentar na poltrona deu pela falta do escabelo. Chamou São Pedro e perguntou-lhe onde fora parar. São Pedro não o sabia. Então perguntou-lhe se havia deixado entrar alguém.

- Não sei de ninguém que aqui entrasse - respondeu São Pedro - a não ser um pobre alfaiate coxo que ainda está esperando atrás da porta.

O Senhor mandou chamar o alfaiate e perguntou-lhe se tinha se apoderado do escabelo e onde o escondera.

- Senhor - respondeu prontamente o alfaiate - num ímpeto de raiva atirei-o na terra, atrás de uma velha que vi, daqui, roubar dois véus dentre a roupa que estava lavando.

-Seu patife! - disse-lhe o Senhor - se eu julgasse como tu, que pensas que teria acontecido desde tanto tempo? Eu não teria, desde séculos, cadeiras, poltronas, nem tenazes, porque tudo teria jogado sobre os pecadores. Por isso não podes ficar no Céu, apenas te será permitido ficar fora do portão. Vês que belo resultado? Fica sabendo que aqui ninguém pode castigar, somente eu, o Senhor!

São Pedro teve de reconduzir o alfaiate para fora do Paraíso. O alfaiate, que tinha os pés cobertos de bolhas e os sapatos rotos, se apoiou num bastão com a mão, e foi embora bem devagarinho, dizendo "Esperem um pouco", enquanto os bons soldados se sentavam de tanto rir.
__________________
Nota:
* escabelo = banquinho para descanso dos pés.

Fonte:
http://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/titles

sábado, 14 de maio de 2016

Trova 272 - Edweine Loureiro (Saitama/Japão)

Montagem da trova sobre pintura de Dantin, "mulher na sacada com pombos".

Carolina Ramos (A Música… meu Sol!)

“A música e a Alma! ”  Esta é a união perfeita,
sem que exista maior, desde que a vida é vida!
A Música, ao nascer, já tem destino, eleita
para encantar quem chega… e abençoa-lo à partida.

Se a Música morresse… a magia desfeita
tornaria a existência amarga e tão sofrida,
sem o bálsamo amigo e sem a ideal receita
que cura qualquer mal… ou mágoa indefinida!

Se chove dentro em mim… sem que chova, lá fora,
Tenho a Música – um Sol, fiel, à minha espera!
…Afago o meu piano… as notas ganham cores,

a consolar a dor de um coração que chora.
- E… ao Sol, que me devolve a luz da primavera,
desnuda-se minha alma… envolta em sons e flores!…

Irmãos Grimm (A Alface Mágica)

Houve, uma vez, um jovem caçador que andava pela floresta à espreita de caça. Era um moço alegre e vivaz, com o coração cheio de bondade.

Andava ele distraído, assobiando tranquilamente, quando deparou sentada, sobre uma folha, uma velhinha muito feia, que lhe disse:

- Bom dia, meu bom caçador. Tu estás alegre e satisfeito, mas eu estou morrendo de fome e de sede. Dá- me uma esmolinha, por favor!

Ouvindo isso, o moço condoeu-se da sorte da velhinha, meteu a mão no bolso e deu-lhe o que trazia consigo. Em seguida, dispôs-se a continuar o seu caminho, mas a velhinha deteve-o, dizendo:

- Meu caro caçador, ouve o que te vou dizer: quero dar-te um presente pela tua generosidade. Continua andando e daqui a pouco chegarás ao pé de uma grande árvore, sobre a qual verás nove pássaros brigando por causa de um manto, que seguram com as patinhas. Aponta a tua espingarda e atira no meio deles, eles deixarão cair o manto, e com ele cairá morto também um dos pássaros. Apanha o manto, que é mágico, quando o vestires e desejares estar num lugar qualquer, ele logo te transportará. Tira o coração do pássaro morto e engole-o inteiro, assim, todas as manhãs, ao despertares, encontrarás uma moeda de ouro sob o travesseiro.

O caçador agradeceu gentilmente a velha, pensando consigo mesmo: "Belíssimas promessas! Ah, se realmente se realizassem!" E foi andando.

Não dera mais que cem passos e ouviu um pipilar estridente entre os galhos, bem em cima de sua cabeça. Ergueu os olhos e viu um bando de pássaros disputando entre si um pano, puxando-o com as patinhas e os bicos, enquanto soltavam pios e se debicavam terrivelmente, querendo cada qual ficar com o manto para si.

- Ora veja! - exclamou o caçador - exatamente como disse a velha avozinha.

Tirou a espingarda do ombro, fez pontaria e disparou sobre o bando, do qual se espalharam as penas por todos os lados. Os pássaros imediatamente fugiram, piando assustados, mas um deles caiu morto, juntamente com o manto.

O caçador apanhou-os e, conforme lhe dissera a velha, destripou a ave e engoliu o coração, sem mastigar, depois pegou o manto e foi-se embora, voltando para casa.

Na manhã seguinte, assim que acordou, veio-lhe ao pensamento a promessa da velha e quis certificar-se da veracidade de suas palavras. Levantou o travesseiro e, realmente, lá estava uma moeda de ouro brilhando intensamente. Na manhã seguinte, encontrou outra e assim foi em todas as manhãs sucessivas. Depois de juntar uma bela pilha de moedas, o rapaz pensou: "Para que me serve tanto ouro, se fico trancado aqui em casa? Quero ir-me por este mundo afora e ver outras terras."

Tendo resolvido isto, despediu-se dos pais, pegou a espingarda e o sapicuá e partiu.

Depois de muito andar, deparou com uma grande floresta, atravessou-a e, chegando à extremidade oposta, viu surgir no meio da planície um magnífico castelo. Numa das janelas estavam debruçadas uma velha e uma linda moça, olhando para baixo. A velha, que era uma bruxa, disse à moça:

- Veja, lá vem saindo um rapaz da floresta. Ele traz no corpo um precioso tesouro, meu amor, nós temos que nos apoderar dele. Isso aproveita muito mais a nós do que a ele. E' o coração de um pássaro que ele tem no estômago, graças ao qual encontra todas as manhãs uma moeda de ouro debaixo do travesseiro.

Explicou direito as coisas à moça, ensinando-lhe o que deveria fazer e, fitando-a com olhar ameaçador, concluiu:

- Ai de ti, se não me obedeceres!

Tendo-se aproximado do castelo, o caçador avistou a linda jovem e disse de si para si: "Andei tanto que estou bem cansado, preciso repousar um pouco e pedir pousada nesse castelo. Dinheiro, não me falta, tenho até demais." Mas a verdade era que seus olhos ficaram encantados com aquela beldade.

Entrou no castelo, onde foi cordialmente recebido e hospedado com grande amabilidade. Não demorou muito e se apaixonou pela linda moça, filha da bruxa, e de tal forma que já não pensava mais em nada, só via pelos olhos dela e fazia tudo o que ela lhe pedia. Então a velha, vendo como estavam as coisas, disse:

- Minha filha, agora temos que nos apoderar do coração do pássaro, verás, ele nem de leve se perceberá e não sentirá nenhuma falta.

Prepararam uma infusão e, quando ficou pronta, a velha encheu um copo, dando-o à filha para que lha levasse. A moça disse-lhe:

- Toma isto meu querido, à minha saúde!

Sem suspeitar coisa alguma, o rapaz levou o copo à boca, bebendo tudo, assim que acabou de ingerir a infusão, vomitou o coração do pássaro. A moça pegou-o disfarçadamente e engoliu-o, pois a velha assim recomendara.

Dai por diante ele nunca mais encontrou a moeda de ouro sob o travesseiro, a qual passou a brilhar diariamente sob o travesseiro da moça, onde a velha ia buscá-la todas as manhãs. O rapaz estava tão perdidamente apaixonado, que não pensava em mais nada além de poder ficar sempre ao lado da moça. Então a bruxa disse:

- O coração do pássaro já está em nosso poder, agora temos também que lhe tirar o manto mágico.

A moça respondeu:

- Deixemos-lhe ao menos isso, já que perdeu a fortuna!

A velha, porém, zangou-se e gritou:

- Um manto dessa espécie é coisa extraordinária, que muito raramente se encontra neste mundo, quero possuí-lo, custe o que custar.

Ensinou-lhe como devia proceder, acrescentando que se não lhe obedecesse, viria a arrepender-se amargamente.

A moça não tinha outra solução senão obedecer. Aproximou-se da janela e fitou o horizonte distante, fingindo uma grande tristeza. O rapaz então perguntou- -lhe:

- Por quê estás tão triste?

- Ah, meu tesouro, - respondeu ela - essa montanha que vês lá ao longe, é a montanha de rubis, toda ela está cheia dessas pedras maravilhosas. Tenho um imenso desejo de possuí-las e, sempre que olho para lá, fico muito triste. Mas, quem é que pode ir buscá-las! Somente os pássaros que voam podem ir lá e nunca um homem!

- Se é apenas essa a tua tristeza - disse o caçador - é muito fácil curá-la.

Tomou-a nos braços, sob o manto, e exprimiu o desejo de ser transportado para lá. Imediatamente foram levados os dois até ao alto da montanha. As pedras preciosas cintilavam por toda parte, numa verdadeira alegria para os olhos. Os dois apressaram-se a apanhar as mais belas e atraentes, enchendo com elas os bolsos.

Entretanto, por arte mágica da bruxa, o caçador começou a sentir as pálpebras pesarem-lhe, e então disse à moça:

- Vamos descansar um pouco, sentemo-nos aí, estou tão cansado que não aguento mais.

Sentaram-se os dois, o rapaz reclinou a cabeça no regaço dela e adormeceu. Quando o viu profundamente adormecido, ela tirou-lhe o manto, recolheu todas as pedras e rubis e desejou encontrar-se logo em casa.

Ao despertar, o caçador viu que sua amada o havia enganado, abandonando-o sozinho naquela montanha agreste.

- Oh! - exclamou, desolado - quanta perversidade existe neste mundo!

Ficou profundamente abatido e amargurado, sem saber o que devia fazer. A montanha pertencia a alguns ferozes, medonhos gigantes, que lá residiam e faziam as piores coisas. Não demorou muito, o rapaz avistou três deles, que se aproximavam a largos passos, com medo, deitou-se, fingindo-se profundamente adormecido. Os gigantes chegaram perto dele e um lhe ministrou tremendo pontapé, dizendo:

- Que espécie de vermículo é este que aí está a olhar a barriga?

Disse o segundo:

- Esmaguemo-lo!

Mas o terceiro disse, com todo o desprezo:

- Nem vale a pena! Deixai-o viver, ele não poderá viver aqui e irá certamente até ao cume, e aí as nuvens o carregarão.

Assim conversando, prosseguiram o caminho. Mas o caçador prestara bem atenção ao que tinham dito, e assim que eles se afastaram, levantou-se e trepou até ao cume da montanha. Daí a pouco, baixou uma nuvem que estava balançando no espaço, agarrou-o e levou-o consigo. Durante algum tempo, ela andou vagueando pelo azul do céu, depois foi descendo até pousar numa grande horta, toda cercada de muros, e depositou-o suavemente entre as couves e outras hortaliças.

O caçador olhou em redor e disse:

- Se tivesse ao menos alguma coisa para comer! Estou com tanta fome e não poderei continuar o meu caminho! Aqui, porém, não vejo peras, nem maçãs, nem outras frutas, não há senão hortaliças.

Por fim pensou:

- Por falta de coisa melhor, comerei um pouco de alface, não é lá muito saborosa, mas é fresca.

Escolheu uma bela cabeça de alface e pôs-se a comê- -la, mas, apenas engolira alguns bocados, sentiu uma estranha sensação e pareceu-lhe estar completamente mudado.

Cresceram-lhe quatro pernas, uma grande cabeça com duas orelhas compridas e, com imenso terror, viu que se transformara num asno. Todavia, continuava com muita fome e, graças à sua nova natureza, a alface tornou-se-lhe bem agradável e dela comeu fartamente. Chegando a outro canteiro, avistou uma espécie diferente de alface, mal apenas comeu algumas folhas, sentiu-se novamente transformado, readquirindo o aspecto humano.

Então, tendo saciado a fome, o caçador deitou-se e dormiu tranquilamente. Na manhã seguinte, ao despertar, colheu um pé de alface boa e um pé de alface ruim, pensando: "Isto me servirá para recuperar as minhas coisas e castigar a perversidade." Colocou os pés de alface no sapicuá e, saltando o muro, dirigiu-se ao castelo de sua amada.

Durante dois dias andou perambulando mas, por fim, encontrou-o. Pintou rapidamente o rosto, de modo que nem mesmo sua mãe o teria reconhecido, depois foi ao castelo e pediu pousada.

- Estou tão cansado que não posso mais ir para a frente.

A bruxa perguntou-lhe:

Quem sois e qual é vossa profissão?

- Sou um mensageiro do rei, - disse o rapaz - o qual me mandou em busca da melhor alface que existe no mundo. E tive a felicidade de encontrá-la, veja, trago-a aqui. Mas o sol está tão quente que ameaça queimar a tenra folhagem, não sei se poderei levá-la mais longe.

Ouvindo falar dessa alface melhor do mundo, a bruxa ficou com água na boca e disse:

- Meu caro campônio, deixa-me provar uma folhinha dessa maravilhosa alface, sim?

- Por quê não? - respondeu ele - levo dois pés dela, posso perfeitamente dar-vos um.

Abriu o sapicuá e tirou a alface ruim, oferecendo-a à velha. Esta não imaginou sequer que houvesse algum mal nela. A alface punha-lhe a boca cheia de água, rápida, correu à cozinha e pessoalmente a temperou.

Assim que ficou pronta não teve paciência de esperar que fosse para a mesa, ali mesmo começou a come-la. Apenas comeu algumas folhas, imediatamente perdeu o aspecto humano transformando-se em asno e saiu a correr e a pinotear pelo quintal.

Nisso a criada entrou na cozinha, viu a salada pronta e foi levá-la para a mesa, mas, pelo caminho, cheia de gulodice, tirou uma folha e comeu-a. No mesmo instante, a alface transformou-a num asno também e saiu a correr para o quintal, junto de sua ama, deixando cair o prato de salada no chão.

Enquanto isso, o caçador estava ao lado da bela jovem e, vendo que ninguém aparecia com a famosa salada, da qual ela morria de desejo, a moça disse:

- Quem sabe onde está a tal salada?

O caçador pensou: "Acho que já produziu o efeito desejado!" E, em voz alta:

- Vou até à cozinha saber o que está acontecendo.

Quando chegou lá embaixo, viu as duas mulas correndo e saltando no quintal, enquanto que o prato de alface estava largado no chão.

- Ótimo! - exclamou ele. Aquelas duas já receberam a sua parte! Apanhou as folhas que sobraram arrumou-as direitinho no prato e levou-as à moça, dizendo:

- Eu mesmo trago esta delícia, ei-la! Acho que não deveis esperar mais tempo.

Ela serviu-se avidamente e logo perdeu o aspecto humano, como as outras, e saiu a correr para o quintal, transformada em mula.

O caçador, então, foi lavar-se cuidadosamente para que elas o pudessem reconhecer, depois desceu até o quintal e disse:

- Agora recebereis o prêmio pela vossa perversidade.

Amarrou as três com uma corda e arrastou-as consigo. Logo depois chegou a um moinho, bateu à porta e o moleiro chegou à janela, perguntando o que desejava.

- Tenho aqui três jumentas indomáveis, das quais pretendo me desfazer. Se quiseres ficar com elas, providenciar forragem e comida suficiente, e tratá-las como quero eu, pagarei o que me pedires.

- Como não? - disse o moleiro - Como é que devo tratá-las?

Então o caçador disse que devia dar à jumenta mais velha - que era a bruxa, - três rações de pancadas por dia e uma ração de comida, à segunda - que era a criada, - devia dar uma ração de pancadas e três de forragem, e à terceira, - que era a moça - nem uma pancada e três rações de forragem, porque não suportava que a espancassem.

Em seguida voltou ao castelo e encontrou todas as suas coisas.

Alguns dias depois, apareceu o moleiro, dizendo que a mula velha, em conseqüência das três rações de pancadas e uma só de comida por dia, havia morrido.

- As outras duas, - continuou - ainda não morreram e continuo dando-lhes comida três vezes por dia, mas andam tão tristes que, certamente, não viverão muito.

O caçador, então, condoeu-se, esqueceu a sua raiva e disse ao moleiro que as trouxesse para o castelo. Quando chegaram, deu às duas algumas folhas de alface boa e imediatamente elas readquiriram o aspecto normal.

A linda moça caiu-lhe aos pés, soluçando, e disse-lhe:

- Meu amor, perdoa-me o mal que involuntariamente te causei, fui obrigada por minha mãe, mas arrependo-me sinceramente, porque te amo de todo o coração. O teu manto mágico está guardado no armário, quanto ao coração do pássaro tomarei qualquer coisa que me faça vomitá-lo.

O rapaz então mudou de idéia e exclamou:

- Podes ficar com ele, é a mesma coisa, porque serás a minha querida e fiel esposa.

Pouco depois, casaram-se e viveram extremamente felizes até o fim da vida.

Fonte:
http://www.grimmstories.com/

terça-feira, 10 de maio de 2016

Trova 271 - Edweine Loureiro (Saitama/Japão)


Olivaldo Junior (Um anjinho português)

A pequena crônica que lhe escrevo agora é de um anjinho que conheci dobrando a rua de casa, quando eu ia para o trabalho. Ninguém mais o viu, só eu. Cabelos encaracolados, cheirando a azeite extravirgem, era, sem talvez, um anjinho português.

Pediu, por gentileza, que eu lhe desse um tostão de meu tempo para ouvi-lo, e ele embarcou comigo no "bus" que tomo todas as manhãs. Sentadinho ao meu lado, contou-me que seus amigos lusitanos, outros anjos como ele, o deixaram cá, neste Brasil de meu Deus, para ver se se arranjava melhor, ficando mais independente, mas ele queria ter o sal do mar de Camões.

O anjinho, numa virada mais brusca, invocou Nossa Senhora de Fátima, pedindo a ela que nos guardasse a todos, como aqueles três pastores que a avistaram e, dos olhos, nunca mais a tiraram. Amém, eu lhe disse. E ele estava com saudade.

Fazia tempo que não comia um bom bacalhau, nem pasteizinhos de Belém, muito menos toucinhos do céu, e sentia falta de um cálice de vinho do Porto, para abrir seu apetite, celestial e europeu, ora pois! O pobre, em vez de harpa, era a guitarra portuguesa que entoava, trazendo à tona velhos fados, lindos e tristes, que um marujo português ensinara a ele outra noite, lá.

Quando o ônibus chegava perto de meu trabalho, o anjinho, declamando Pessoa, sumiu no ar como a fumaça de alvas nuvens, altas demais para o nosso entendimento, e nunca mais o vi. No banco, uma pena, verde-rubra, me deixou, e "só"...

Fontes:
O Autor
Imagem = http://cantinhodoceu.wordpress.com

Irmãos Grimm (A Água da Vida)

    Houve, uma vez, um rei muito poderoso, que vivia feliz e tranquilo em seu reino. Um belo dia, adoeceu gravemente e ninguém tinha esperanças de que escapasse. Ele tinha três filhos, os quais estavam deveras consternados vendo que o estado do pai piorava dia a dia.
    Encontravam-se eles no jardim do castelo a chorar e, de repente, viram surgir à sua frente um velho de aspecto venerável, que indagou a causa de tamanha tristeza. Disseram-lhe que estavam aflitos porque o pai estava gravemente enfermo e os médicos já não tinham esperanças de o salvar.
    O velho, então, disse-lhe:
    - Eu conheço um remédio muito eficaz, que poderá curá-lo. É a famosa Agua da Vida. Mas é muito difícil obtê-la.

    O filho mais velho disse:
    - Hei de encontrá-la, custe o que custar.

    Dirigiu-se, imediatamente, aos aposentos do rei, expôs-lhe o caso e pediu permissão para ir em busca dessa água, a única coisa que poderia salvá-lo.

    - Não, - disse o rei - sei bem que essa água maravilhosa existe, mas há tantos perigos a vencer antes de chegar à fonte, que prefiro morrer a ver um filho meu correndo esses riscos.

    O príncipe, porém, insistiu tanto que o pai acabou por consentir. Em seu íntimo, o príncipe ia pensando: "Se conseguir a água, tornar-me-ei o filho predileto e assim herdarei o trono."
    Partiu, pois, montado em rápido corcel, na direção indicada pelo velho. Após alguns dias de viagem, ao atravessar uma floresta, viu um anão mal vestido, que o chamou, perguntando:

    - Aonde vais com tanta pressa?
    - Que tens tu com isso, homúnculo ridículo? - respondeu altivamente o príncipe sem deter o cavalo - não é da tua conta.

    O anãozinho enfureceu-se e rogou-lhe uma praga. Pouco mais adiante, o príncipe viu-se entalado entre duas barrancas; quanto mais andava, mais se estreitava o caminho, até que, tendo-se o atalho apertado demais, não pode mais avançar, nem recuar, nem voltar o cavalo, nem descer. Ficou ali aprisionado, sofrendo fome e sede, mas sem morrer.
    O rei aguardou sua volta durante muitos dias, mas em vão. O segundo filho, julgando que o irmão tivesse morrido, ficou contentíssimo, pois assim seria ele o herdeiro do trono.
    Foi ter com o pai e pediu-lhe permissão para ir em busca da Agua da Vida. O rei respondeu o mesmo que havia respondido ao primeiro; por fim, ante a insistência do rapaz, acabou cedendo. O segundo príncipe, então, montou a cavalo e seguiu pelo mesmo caminho.
    Após alguns dias, quando atravessava a floresta, surgiu-lhe o anão mal vestido, que lhe dirigiu a mesma pergunta:

    - Para onde vais com tanta pressa?
    - Oh, nojento pedaço de gente! Sai da minha frente se não queres que te espezinhe com o meu cavalo.

    O anão afastou-se e rogou-lhe a mesma praga que ao primeiro; assim, o príncipe acabou entalado nas barrancas como o outro irmão, sem poder avançar, recuar ou fazer qualquer movimento, sendo assim castigados os dois orgulhosos.
    Passados muitos dias e vendo que os irmãos não voltavam, o filho mais moço foi pedir licença ao pai para ir buscar a Água da Vida. O rei não queria consentir, mas, ante as insistências reiteradas do moço, foi obrigado a ceder.
    O jovem príncipe montou em seu belo cavalo e partiu; quando encontrou o anão na floresta, que lhe perguntou aonde ia com tanta pressa, o jovem, que era delicado e amável, deteve o cavalo dizendo:

    - Vou em busca da Agua da Vida, o único remédio que pode salvar meu pobre pai, que está à morte.
    - Sabes onde se encontra? - perguntou o anão.
    - Não! - respondeu o príncipe.
    - Pois bem; já que me respondeste com tanta amabilidade, - disse o anão - vou indicar-te o caminho que deves tomar. Ao sair da floresta não te metas pelo desfiladeiro que vires pela frente; vira à esquerda e segue até encontrares uma encruzilhada; aí segue ainda a esquerda. Depois de dois dias de marcha, encontrarás diante de ti um castelo encantado: é no pátio desse castelo que se acha a fonte da Agua da Vida. O castelo está fechado por um grande portão de ferro maciço; mas basta tocá-lo três vezes com esta varinha que te dou para que se abra de par em par. Assim que entrares verás dois leões enormes prestes a lançarem-se sobre ti para te devorar; atira-lhes estes dois bolos para apaziguá-los; aí corre ao parque do castelo e vai buscar a Água da Vida antes que soem as doze badaladas, senão o portão fecha-se e tu ficarás lá preso.

    O príncipe agradeceu, gentilmente, ao anão, pegou a varinha e os dois bolos e se pôs a caminho; e conforme as suas indicações chegou diante do castelo. Com a varinha mágica bateu três vezes no imenso portão e este abriu- se; ao entrar, os dois leões arremessaram-se contra ele de bocas escancaradas, mas apaziguou-os, atirando-lhes os bolos, e assim não sofreu mal algum. Antes de dirigir-se à fonte da Água da Vida, o príncipe não resistiu à tentação de ver o que havia no interior do castelo cujas portas estavam abertas; galgou a escadaria e entrou. Viu uma série de salões grandes e luxuosíssimos; no primeiro deles viu, imersos em sono letárgico, uma multidão de fidalgos e criados. Sobre uma mesa avistou uma espada e um saquinho de trigo; teve um pressentimento que esses objetos lhe poderiam ser úteis e levou-os consigo.
    Passando de um salão para outro, no último deu com uma princesa de beleza deslumbrante, a qual se levantou e disse-lhe que, tendo conseguido penetrar no castelo, destruira o encanto que pesava sobre ela e todos os súditos do seu reino; mas o efeito do encantamento só cessaria mais tarde.
   
    - Dentro de um ano, dia por dia, - disse ela - se voltares aqui serás meu esposo.

    Depois indicou-lhe onde estava a fonte da Água da Vida e despediu-se dele, recomendando-lhe que se apressasse para poder sair do castelo antes de o relógio da torre bater as doze badaladas do meio-dia, porque nesse momento exato os portões se fechariam.
    O príncipe percorreu em sentido inverso os numerosos salões por onde passara, até que um deles viu uma belíssima cama com as roupas muito alvas e rescendentes; como estivesse cansadíssimo da longa caminhada, sentiu-se tentado a descansar um pouco, deitou-se para tomar um breve repouso e adormeceu. Felizmente mexeu- se e fez cair no chão a espada que colocara ao seu lado; o barulho despertou-o em tempo, pois perdendo a hora ficaria prisioneiro no castelo.
    Levantou-se depressa; faltava apenas um minuto para o meio-dia e mal teve tempo de correr ao parque, encher um frasco com a preciosa água e fugir.
    Transpondo os batentes da entrada, soou o relógio dando meio-dia; o portão fechou-se com estrondo e tão rapidamente que ainda apanhou um tacão do príncipe arrancando-lhe uma espora.
    O príncipe estava no auge da felicidade por ter conseguido a água milagrosa que salvaria a vida do seu amado pai; e ansioso de ver-se no palácio pulou sobre a sela e partiu a galope. Na floresta, encontrou o anão no mesmo lugar, o qual, ao ver a espada e o saquinho de trigo, lhe disse:

    - Fizeste bem em guardar esse precioso tesouro! Com essa espada poderás sozinho vencer os exércitos mais numerosos; e com o trigo desse saquinho terás todo o pão que quiseres e nunca se lhe verá o fundo.

    Encantado por conhecer os dons prodigiosos da espada e do saquinho, estava contudo apoquentado com a ideia da desgraça dos irmãos; perguntou ao anão se não poderia fazer algo por eles.

    - Posso, - respondeu o anão - ambos estão pouco distantes daqui, entalados entre barrancas muito apertadas; amaldiçoei-os por causa do seu orgulho e insolência.

    O príncipe rogou, encarecidamente, que lhes perdoasse e os libertasse, e tanto insistiu que o anão cedeu às suas súplicas.

    - Mas advirto-te que te arrependerás. - disse o anão - Não te fies neles; são de mau coração; liberto-os apenas para te ser agradável.

    Assim dizendo, o anão fez as barrancas se afastarem deixando os entalados em liberdade; pouco depois reuniram-se ao irmão, que os estava esperando. Muito feliz por os tornar a ver, o príncipe logo lhes narrou as suas aventuras e disse-lhes que daí a um ano voltaria novamente ao castelo para desposar a maravilhosa princesa e reinar com ela sobre um grande país.
    Depois puseram-se os três a caminho de regresso para casa. Atravessaram um reino que estava assolado pela fome e pela guerra, estando o rei já desesperado de poder salvar-se e ao seu povo. O bom príncipe então confiou ao rei o saco de trigo e a espada mágica; com esses objetos, o rei conseguiu derrotar os exércitos invasores e encher todos os celeiros, até ao forro, do precioso cereal. O príncipe tornou a receber a espada e o saquinho e os três irmãos continuaram na viagem; para encurtar caminho e rever mais depressa o pai, resolveram tomar um navio.
    Durante a travessia, os dois irmãos mais velhos, devorados de ciúmes, começaram a conspirar contra ele:

    - Nosso irmão conseguiu a Água da Vida e nós não, com isso nosso pai o promoverá a herdeiro único do trono, que deveria ser nosso, e a nós nada tocará.

    Então juraram perdê-lo. De noite, quando ele dormia a sono solto, furtaram-lhe o frasco e substituíram a Água da Vida por outra salgada. Tentaram também roubar-lhe a espada e o saquinho de trigo mas, quando iam apoderar-se deles, os objetos desapareceram de repente.
    Quando chegaram em casa, o jovem correu para o pai e apresentou-lhe o frasco para que bebesse e logo ficasse bom. O rei, mal engoliu alguns goles daquela água salgada, achou o gosto horrível e piorou sensivelmente. Estava ele se lastimando quando chegaram os dois filhos mais velhos e acusaram o irmão de ter querido envenenar o pai. Eles, porém, traziam-lhe a verdadeira Agua da Vida e lha ofereceram. Apenas bebeu alguns goles, pôde logo levantar-se do leito, cheio de vida e de saúde, como nos tempos de sua juventude. O pobre príncipe, expulso da presença do pai, entregou-se ao maior pesar. Os dois mais velhos vieram ter com ele e, rindo e mofando, disseram-lhe:

    - Pobre tolo! Tu tiveste todo o trabalho e conseguiste encontrar a Agua da Vida, mas nós tivemos o proveito. Devias ser mais esperto e manter os olhos abertos. Enquanto dormias a bordo, trocamos o frasco por outro de água salgada. E poderíamos, se quiséssemos, ter-te atirado ao mar para nos livrarmos de ti, mas tivemos dó. Livra-te, contudo, de reclamar e contar a verdade ao nosso pai, que não te acreditaria; se disseres uma só palavra não nos escapas, perderás a vida. Também não penses em ir desposar a princesa daqui a um ano, ela pertencerá a um de nós dois.

    O rei estava muito zangado com o filho mais moço, julgando que o tivesse querido envenenar. Convocou, portanto, os seus ministros, e conselheiros e submeteu- lhes o caso. Foram todos de opinião que o príncipe merecera a morte e o rei decidiu que fosse morto secretamente por um tiro. E partindo o moço para a caça sem suspeitar de nada, um dos criados do rei foi encarregado de o acompanhar e matá-lo na floresta. Quando chegaram ao lugar destinado, o criado, que era o primeiro caçador do rei, estava com um ar tão triste que o príncipe indagou a razão daquilo:

    - Que tens, caro caçador?
    - Proibiram-me falar, mas devo dizer tudo. - respondeu o caçador.
    - Dize então o que há, nada temas.
    - Estou aqui por ordem do rei e devo matar-vos.
    O príncipe sobressaltou-se, mas disse;
    - Meu amigo, deixa-me viver. Dar-te-ei meus belos trajes em recompensa e tu me darás os teus, que são mais pobres.
    - Da melhor boa vontade. - disse o caçador.
    - Ê preciso que o rei julgue que executaste as suas ordens, - disse o príncipe - senão a sua cólera recairá sobre ti. Vestirei essas roupas feias e tu levarás as minhas como prova de que me mataste. Em seguida, abandonarei para sempre este reino.

    Assim fizeram.
    Pouco tempo depois, o rei viu chegar uma embaixada faustosa do rei vizinho, incumbida de entregar ao bom príncipe os mais ricos presentes em agradecimento por ter ele salvo o reino da fome e da invasão do inimigo. Diante disso, o rei pôs-se a refletir:

    - Meu filho seria inocente? - e comunicou aos que o serviam: - Como me arrependo de o ter mandado matar! Ah, se ainda estivesse vivo!

    Então, encorajado por essas palavras, o caçador revelou a verdade. Disse ao rei que o bom príncipe estava com vida, mas em lugar ignorado. Imediatamente o rei mandou um arauto proclamar em todo o pais que considerava o filho inocente e que desejava, imensamente, que ele voltasse para casa. Mas a notícia não chegou ao príncipe. Encontrara seu amigo anão, que lhe dera ouro suficiente para poder viver como um filho de rei.
    Nesse ínterim, a princesa do castelo encantado, que ele livrara do sortilégio, mandara construir uma avenida toda calcetada com chapas de ouro maciço e pedras preciosas, a qual conduzia diretamente ao castelo, explicando aos seus vassalos:

    - O filho do rei que será meu esposo não tardará a chegar, virá a galope bem pelo meio da avenida. Mas se outros pretendentes vierem, cavalgando à beira da estrada, expulsem-nos a chicotadas.

    Com efeito, dia por dia, um ano depois do jovem príncipe ter penetrado no castelo, o irmão mais velho achou que podia apresentar-se como sendo o salvador e receber a princesa por esposa. Ao atravessar o portão e vendo aquela avenida calçada no meio de ouro e pedrarias, não quis que o cavalo estragasse com as patas tanta riqueza, que ele já considerava suas, e fez passar o animal pelo lado de fora. Mas, quando chegou diante do portão do castelo, dizendo que era o noivo da princesa, todos riram e depois correram-no de lá a chicote.
    Pouco tempo depois, vinha também o segundo príncipe e, quando chegou à entrada do castelo, vendo todo aquele ouro e joias, pensou que seria um pecado arruiná-los. Deixou, portanto, o cavalo galopar pelo lado esquerdo e apresentou-se como sendo o noivo da princesa. Teve a mesma sorte que o irmão mais velho: foi corrido a chicote.
    Estava justamente findando o ano estabelecido e o terceiro príncipe resolveu deixar a floresta para ir ter com sua amada e ao seu lado esquecer suas mágoas.
    Pôs-se a caminho, só pensando na felicidade de tornar a ver a linda princesa. Ia tão embevecido que nem sequer viu que a estrada estava toda coberta de pedras preciosas. Deixou o cavalo galopar pelo meio da avenida e, quando chegou diante do portão do castelo, este foi-lhe aberto de par em par. Soaram alegres fanfarras e uma multidão de fidalgos saiu para recebê-lo. Dentro em pouco, apareceu a princesa, deslumbrante de beleza, que o acolheu cheia de felicidade, declarando a todos que ele era seu salvador e senhor daquele reino. E as núpcias foram imediatamente realizadas em meio a esplêndidas festas.
    Depois de terminadas as festas, que duraram muitos dias, ela contou-lhe que seu pai o havia proclamado inocente e desejava vê-lo de novo.
    Acompanhado da rainha, sua esposa, ele foi ter com o pai e contou-lhe tudo quanto se passara. Como fora traído pelos irmãos e como estes o obrigaram a calar-se.
    O rei, extremamente irritado contra eles, mandou que seus arqueiros os trouxessem à sua presença a fim de receberem o castigo merecido, mas vendo suas maldades descobertas, eles tinham tomado um barco tentando fugir para terras longínquas para aí esconderem sua vergonha. Não o conseguiram. Sobreveio uma tremenda tempestade, que tragou o navio, e eles pereceram miseravelmente.

Fonte:
http://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/titles