sábado, 12 de setembro de 2015

Aparício Fernandes (Classificação da Trova) A Mensagem




Vamos agora analisar a classificação da Trova no tocante à sua mensagem, ou conteúdo. A grande maioria das trovas, numa percentagem de 90 a 95%, podem ser incluídas em três grandes categorias:
líricas (também chamadas românticas ou sentimentais), humorísticas e filosóficas. As restantes, que fogem a estas características, são as trovas que poderíamos denominar de sociais, religiosas, descritivas, políticas, regionais, pictóricas, patrióticas, condoreiras, etc. Ainda assim, com um pouco de boa vontade, muitas dessas trovas poderiam ser englobadas em uma das três grandes categorias principais. Independente de pertencerem a uma das categorias acima citadas, as trovas podem ainda ser afirmativas ou interrogativas, otimistas ou pessimistas, conselheirais, conceituosas, acusativas, didáticas, pacifistas, épicas, místicas, queixosas, de revolta, etc.
         Em se tratando das trovas humorísticas, principalmente, as subdivisões são mais importantes e mais acentuadas, de vez que o humorismo apresenta nuances que podem ser delineadas mais nitidamente. Assim, uma trova humorística pode ser simplesmente engraçada, ou ainda brejeira, maliciosa, irônica, sarcástica, epigramática, satírica, anedota!, etc. Julgamos desnecessárias maiores explicações sobre o que seja uma trova lírica, humorística ou filosófica, de vez que estas próprias designações são bastante claras e expressivas. Contudo, a título de ilustração, apresentamos a seguir três trovas: a primeira, lírica; a segunda, humorística; e a terceira, filosófica. Os autores são, respectivamente, Maria Thereza Cavalheiro, Antônio Tortato e Luiz Otávio;

Naquele dia, tristonho,
pousaste os olhos nos meus:
— vivi na tarde do sonho,
morri na noite do adeus.

O inquérito começou
e o inspetor é interrogado:
— O cadáver, como o achou?
— Morto! senhor delegado...

Duas vidas todos temos,
muitas vezes sem saber:
– a vida que nós vivemos
e a que sonhamos viver.

         Para concluir o nosso estudo da classificação de trovas quanto à mensagem, vamos apresentar exemplos de trova social, religiosa, descritiva, política, regional, ferina, pictórica, patriótica e condoreira. Ei-los:

Trova social, de Luiz Antônio Pimentel:

Olhando, alheio á folia,
no carnaval me comovo,
ao ver tamanha alegria
sob a miséria do povo.

Trova religiosa, de João Martins de Almeida:

Aliviai as penas duras,
meu Jesus, de todos nós.
Lembrai-vos das criaturas
que se esqueceram de Vós!

Trova descritiva, de Eliézer Benevides:

Pelas planuras desertas,
nas frondes verdes, as comas
mostram corolas abertas,
num desperdício de aromas.

Trova política, de M. Augusto Costa:

Todo mundo é "boa praça"
quando é chegada a eleição.
Mas, depois que o pleito passa,
o povo fica na mão!
Trova regional, de Clodoaldo de Alencar:

Se a região do Nordeste
quiser ter um pavilhão,
ei-lo aqui: — um cardo agreste
em forma de coração!

Trova pictórica, de Félix Aires;

A flor do sol, no horizonte,
fecha as pétalas vermelhas...
Pelo pescoço do monte
se deita um colar de ovelhas!
 
Trova patriótica, de Leonardo Henke:

Deus, num símbolo que encerra
promessas de redenção,
deu ao Brasil — minha terra —
a forma de um coração.

Trova condoreira, de Lilinha Fernandes;

Amanhece... Vibra a terra!
O sol, que em ouro reluz,
sai da garganta da serra
como uma trova de luz!

         Este último tipo de trova, isto é, a condoreira, é também apelidada pelos trovadores de foguete de lágrimas, pelas suas imagens inusitadas, rutilantes e — muitas vezes — exageradas,

continua… Classificação de trovas: a origem

Fonte: Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história & antologia. Rio de Janeiro/GB: Artenova, 1972

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

A. A. de Assis e Elisabeth Souza Cruz (Vaivém do Riso)

1. (AAA)

Quando moço, acesa a chama
despia-se ante a gatona,
agora veste  o pijama
deita de lado... e ronrona.

2. (ESC)

O meu vizinho se poupa
já que o cansaço é normal...
Quando fala: "Tira a roupa!",
tira a roupa do varal!

3 . (AAA)

Em que aperto o bom velhinho,
de assanhado, se enfiou:
chamou pra cama o brotinho,
e ela, malvada, aceitou...

4. (ESC)

Brotinho assanhado inventa
mil jogadas para o amor
e o velhinho até que tenta,
mas sai sempre perdedor!!!

5. (AAA)

Deu desespero no Adão
por ser um “ele” sem “ela”...
Ganhando a dita, o chorão
perdeu a paz... e a costela!

6. (ESC)

Pode quem quiser falar
pois ninguém sabe o que diz,
tendo a mulher para amar
o homem ficou foi... feliz!

7. (AAA)

Jamais se viu nesta vida
marido preso em gaiola...
A mulher é mais sabida:
põe-lhe no dedo uma argola!

8. (ESC)

O homem de argola, também,
ao machismo não se furta:
– faz da mulher seu refém
e a mantém na rédea curta!

9. (AAA)

De um homem para a mulher
que pede ajuda na pista:
– Desculpe... Se ajuda eu der,
vão me chamar de machista...

10. (ESC)

A coisa é séria, querido,
tem mulher que é mulher macho...
quando manda no marido
faz dele gato e capacho!

11. (AAA)

Porém chiar é bobeira...
Quem manda mesmo é a mulher;
tanto é que desde a primeira
faz do marido o que quer...

12. (ESC)

Bobeira?!... Maior bobeira
é o salário do operário
que trabalha a vida inteira
e não fica milionário!

 13. (AAA)

Também na fauna a justiça
é às vezes discricionária:
dá mole ao bicho-preguiça,
explora a abelha operária...

14. (ESC)

Falando em exploração,
nunca vi maior babado...
a mulher do capitão,
como explora o rebolado!!!

15. (AAA)

Lá vai o siri-patola,
todo prosa, a rebolar...
Num puçá se enreda e enrola:
vira petisco de bar!

16. (ESC)

Falando num bom petisco,
quem não se arrisca, não prova,
como é bom correr o risco
de preparar uma trova!!!

17. (AAA)

Cinquentão já sou na trova;
na idade, quase oitentão...
Evito, pois, pôr-me à prova:
em museu não entro não!...

18. (ESC)

Eu também tô quase nessa
e em loja de raridade,
se eu entro, saio depressa
pois pareço antiguidade!

19. (AAA)

Essa tal de antiguidade
a mim me causa estranheza:
quando perde a utilidade,
é aí que vira riqueza...

20. (ESC)

Estranheza, caro Assis,
é  o que a gente vê "na praça"....
tem gente que pede bis
se uma injeção for de graça!!!

21. (AAA)

“Ah, que surpresa gostosa!”,
diz a velhinha, feliz,
quando o velho, todo prosa,
dá no couro... e pede bis!...

22. (ESC)

Buzinando o caminhão,
surpresa boa é a do otário
que dá tempo ao Ricardão
para se esconder no armário!

23 (AAA)

Otário simples, legal;
nada faz que prejudique.
O duro é aguentar o tal
do otário metido a chique!...

24. (ESC)

Com a trova vinte e quatro
me ocorreu agora a ideia:
– ninguém vai mais ao teatro,
pois perde o "acento"  a plateia!

25. (AAA)

Problemas há no momento
em que muda a acentuação.
– De tudo tirem o acento,
porém do “cágado” não!...

26. (ESC)

O hífen de vice-prefeito,
por certo, não caiu, não,
pois logo depois do pleito
sempre dá separação!

27. (AAA)

Se acaso se visse o vice
futricando o titular,
um baita disse-me-disse
logo iria se espalhar...

28. (ESC)

Nunca vi maior tolice
futricar a vida alheia,
pois quem faz disse-me-disse
vai cair na própria teia!

29. (AAA)

Você sabe o que é que é “teia”?
Não sabe?... Deixo explicado:
– E’ a casca de barro e areia
com que se cobre o “teiado”...

30. (ESC)

Ra! Ra! Ra! Falando em barro
lembrei da antiga moringa...
água fresquinha! Eu me amarro
e  a minha saudade vinga!!!

31. (AAA)

Era uma era inocente,
e a vida era pitoresca:
– um tempo em que toda gente
mantinha a moringa fresca...

32. (ESC)

Sem juntar alho e bugalho,
quando se fala em moringa,
já me lembrei do baralho,
pois és Assis... meu curinga!

33. (AAA)

Curinga eu sei que não sou,
mas tenho uns truques sagazes...
– Em meu nome o pai botou
o “aaa”, isto é, três “ases”..

34. (ESC)

Três "ases"... assim eu digo:
– Um "A" dizendo Alquimia;
O  "A" seguinte que é de Amigo
e mais outro "A" de alegria!

35. (AAA)

Chega manso, pede abrigo,
pede grana... e eu vejo claro:
esse é o tal de caro amigo
que em verdade é amigo caro!...

36. (ESC)

O tipo acima descrito
custa caro e é um desacato...
Mas amigo "Assis", bendito
é simplesmente um barato!

37. (AAA)

Certos tipos importantes
parecem Marte – um deserto:
vistos de longe, brilhantes;
cascalho apenas, de perto!...

38. (ESC)

Brilhantes?!! - Pois sem  trabalho,
sem ramo profissional,
a moça arranjou um galho
no "distrito" e... é federal!!

39. (AAA)

Troca o sábio a esposa culta
pela moça apimentada...
– No instante em que a ardência avulta,
cultura não conta nada!

40. (ESC)

Numa troca de "mulé",
o "mané"  ficou na mão,
que a moça que dava "pé"
tinha um baita sapatão!

41. (AAA)

Nervoso e agressivo quando
alguém lhe pisa no pé,
diz ele: – Estarás pensando
que eu não sou burro, ó mané?...

42. (ESC)

Na trova há constatação:
- Assim como o português,
que traz muita inspiração,
o  "mané" sempre tem vez!

43. (AAA)

Súbito um rato matreiro
fungou no pé do  Mané.
– Supôs ser de queijo o cheiro...
Quis provar... era chulé!


continua…

A. A. de Assis (Maringá/PR)
Elisabeth Souza Cruz (Nova Friburgo/RJ)

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Cecy Barbosa Campos (Caleidoscópio de Poetrix)

ALTERIDADE

Achar e aceitar no outro
até aquilo que não queremos
descobrir em nós mesmos.

AMIZADE

Com amigos verdadeiros
a liberdade de ser
aquilo que somos.

ATRAÇÃO

O cantar da sereia
atrai o pescador de ilusões
que naufraga em sonhos.

CELEBRAÇÃO

A lua, emocionada,
chorou estrelas prateadas
na sua chegada.

DESCOBRIMENTOS

Mergulhando em mim,
novas paragens
são descobertas.

DEVANEIO

Em balada em meus sonhos
seus braços me acomodam
com a maciez da ternura

ENCONTRO

Feliz comigo mesma
cheguei à conclusão
de que sou boa companhia…

ESQUECIMENTO

Pedaços de vida
como pegadas na areia
desaparecem sem deixar marcas.

ILUSÃO

Sinto você ao meu lado
e me aconchego ao calor
que me protege da dor.

IMAGINAÇÃO

A brisa murmurava
palavras de amor
acariciando meus ouvidos.

INCÊNDIO

A lua cheia
invadindo o meu quarto
abrasou sonhos esquecidos.

INTROSPECÇÃO

Sem encontrar palavras
arrumei em silêncio
as dores que senti.

LIGAÇÕES

Em novas composições
nossas linhas se unem
em desenhos caleidoscópicos.
 
LISBOA

Nas paredes – azulejos,
na solidão – um fado,
um barco nas águas do Tejo.

LUA

Apesar de nova
ela cresceu, ficou cheia
e depois minguou.

MARCAS

O vento escreveu no meu rosto,
com linhas trêmulas,
histórias antigas.

PERDÃO

O vento, dispersando as névoas
clareia o dia
e espalha mágoas.

PERDAS

Com o tempo que passa
vai-se perdendo a graça:
difícil encontrar o riso.


PREPARAÇÃO

Tomei um banho de lua
e, completamente renovada
enfrentei a aridez do deserto.

PROPAGANDA

A banda ensurdecedora
anunciava a liquidação
e espantava os fregueses.

SEPARAÇÃO

Tristeza cinza
molhando a vidraça.
Almas em luto.

SOLIDÃO

Concentrada em você
tornei-me autista
num mundo vazio.

SUPERAÇÃO

Totalmente inebriada
pelo perfume da rosa,
nem senti o espinho.

TENTATIVAS

Procurando no manual de instruções
tento ligar
seu coração ao meu.

VELHICE

Histórias de vida
sulcaram rugas
embranquecendo cabelos.

VISITA

O vento, trazendo o frio
insiste em entrar
pela porta entreaberta.