sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

I Concurso de Trovas Estudantis de Balneário Camboriú/SC (Resultado Final)



                    O I Concurso de Trovas Estudantis de Balneário Camboriú aconteceu em novembro de 2015. Vinte e duas trovas de alunos dos 6ºs e 7ºs anos do C. E. M. Vereador Santa foram selecionadas dentre cinquenta e oito participantes.
         O evento de certificação e premiação dos alunos aconteceu no dia 12 de novembro de 2015 na Feira do Livro de Balneário Camboriú.
Vencedoras

Num livro: um conto de fadas,
mergulho num mar de sonhos,
com criaturas aladas
e monstros que são bisonhos.
Maria Eduarda Bussler Kusiak 7ºA
.
No grande livro da vida,
por menos que seja escrito,
tem um ponto de partida,
chegando até o infinito.
Maria Eduarda Ozello 7ºB
 .
Livros são interessantes,
e gosto muito de ler,
eles são muito empolgantes,
nos ajudam a crescer.
Guilherme Cugner Granado 6º B
 .
 Um bom livro dá a partida,
há uma mágica aventura,
cada página vivida
eu enfrento com ternura.
Laura Alice da Silva 7º B
 .
Não sei se você conhece,
mas estou sempre consigo.
E se maior amor houvesse...
Sou o livro, seu amigo.
Georgia Prezzi 7º B
 .
Livro sempre! Todo dia!
Fica tudo diferente.
Com muito mais alegria,
abre sempre minha mente.
Sofia Rigo de Oliveira 7º B
 .
 Os livros são nossa vida,
exercitam nossa mente
e cada página lida
eu quero ler novamente.
Anita Ohemia Sardá 7º
Menções Honrosas

O livro é tão importante,
dando muita inteligência,
sempre tão emocionante:
Guia de sobrevivência.
Abner Gabriel da Veiga 7º B
 .
Os livros, como as sementes,
trazem imaginações,
assim como nas nascentes
nascem novas emoções.
Laura Jaqueline Greibeler 7º B
 .
O livro é uma bela arte,
fonte de sabedoria,
é uma coisa que faz parte
desse nosso dia a dia.
Mel Delavi Krug 7º B
 .
Livro é como uma jornada
sempre cheia de emoção,
então fique bem ligada,
fugindo da depressão.
Pedro Ahlf Rodrigues 7º B
 .
Aquele que sempre ler
faz do livro um alimento,
que o ajuda a bem viver
e auxilia o crescimento.
Vitória de Jesus Viana 7º B
 .
Ao ler livros ganho abrigos,
e, muito eu posso aprender.
Os livros são meus amigos,
por isso gosto de ler.
Ariadne Bodemüller de Oliveira 7º A
Menções Especiais

O livro é uma obra prima,
sendo uma das mais belas,
que nos prende feito rima
como flores amarelas.
Emily Caroline da Silva Penz 7º A
.
Um livro traz emoções,
encarando o bem e o mal,
e conquista corações
de uma maneira legal.
Adrielle Krause Costa 7º B
.
Um bom livro para a mente,
é um abrigo instrucional.
O meu amigo carente:
Meu livrinho, sem igual!
Júlia Kelly de Azevedo 7º B
 .
Achei um livro perdido,
nesse livro, uma emoção,
queria deixar unido
com o nosso coração.
Maria Eduarda Perette 7º B
 .
Pra fazer a boa ação,
você pode um livro ler.
Como uma bela canção,
cada dia se entreter.
Éric Medeiros Rogério 7º B
 .
Livro é cheio de lembrança,
faz bater o coração,
feliz como uma criança,
com muito mais emoção.
Rafaela Heloísa Bortolini 6º B
 .
Os livros são meus amigos,
são brancos e coloridos,
uns falam sobre inimigos
e outros são bem divertidos.
Laura Reckziegel da Silva 6º B
 .
Um bom livro é bem legal,
também seu melhor amigo,
sendo sempre bem leal
nestas horas de perigo.
João Lucas Colla 7º A

Contos Populares Portugueses (O Ovo de Ouro)

Havia uma pobre viúva que tinha dois filhos. Um o mais velho, era atilado e com o seu trabalho granjeava os meios de subsistência para si, sua mãe e seu irmão, um pobre parvo, que passava os dias encarapitado nas árvores e nos altos penedos à procura de ninhos.

Um dia, levou o parvo à mãe um ovo com umas letras na casca. A mãe achou o ovo muito bonito e, dotada de certa esperteza, foi vendê-lo à cidade. Passou pelo estabelecimento de um ourives e mostrou-o ao dono. O ourives leu as letras e ficou surpreendido.

- É um ovo muito bonito, que quero comprar para a minha filhinha - disse ele, disfarçando o espanto e dando à mulher uma moeda de ouro.   

A mulher agradeceu, e ia já a despedir-se, quando o ourives lhe disse:

- Dava-lhe uma boa quantia de dinheiro se apanhasse a ave que pôs este ovo.

- Direi ao meu filho que lhe arme um laço.

O filho mais novo assim fez e conseguiu apanhar a ave. Foi a mulher comunicar a notícia ao ourives e este respondeu animadíssimo:

- Vá já para casa e mande assar a ave. Eu já lhe apareço com o meu irmão.

O ourives acompanhou as palavras com a oferta de uma grande bolsa de dinheiro, acrescentando:

- Ainda lhe levarei mais para sua casa.

Voltou a mulherzinha para a sua casa, depenou a ave e assou-a no espeto. Os dois filhos queriam comer alguma coisa da ave, e a mãe, para que eles ficassem sossegados, deu ao mais velho a cabeça da ave e ao mais novo o coração. Comeram aquilo e lá foi cada um para seu lado: o mais velho guardava as vacas de um lavrador e o mais novo andava à procura de mais ninhos

Chegou o ourives com o irmão e logo se sentaram à mesa. Quando a velhinha apareceu com a ave sem cabeça nem coração, pôs-se o ourives a gritar, dizendo que fora roubado.

- Roubado! - exclamou a mulher, muito aborrecida.

- O que fez ao coração e à cabeça da ave?

- O que todos fazem: dei-os ao gato – respondeu esta, querendo esconder que os dera aos filhos.

- Pois saiba agora que o ovo que me levou tinha umas letras que diziam: Quem comer a cabeça da ave que pôs este ovo será papa e o que comer o coração será rei, E, já que não comi o coração e meu irmão a cabeça, passe-me para cá o meu dinheiro.
- O senhor não fez essa declaração e nem me pôs condições, portanto, não lhe entrego o dinheiro, que é bem meu, e vou queixar-me à justiça de pretender roubar aquilo que de direito até pertence ao meu filho mais novo, para quem a Providência destinou a ave!

O ourives teve de se safar com o irmão e de perder aquele dinheiro todo.

A noite contou a mãe aos filhos o que lhe tinha acontecido. O mais novo pôs-se a rir, mas o mais velho pediu à mãe que lhe desse o seu dote para entrar num convento, o que aconteceu no dia seguinte.

O mais velho revelou grandes aptidões para os estudos e foi chamado a Roma pelo superior do convento. Mais tarde morreu o papa e todos os votos caíram nele, então, apesar de jovem, já um sábio muito respeitado. Isto levou bons anos.

Ora isto levou mesmo bons anos, e o filho parvo, que não tinha notícias do irmão e sabendo apenas que ele estava em Roma, pedindo licença à mãe, para lá partiu.

Chegou o parvo a Roma na ocasião em que o novo papa era aclamado. Atravessou a multidão e chegou próximo do novo papa, que imediatamente viu quem era. Não se conteve e pôs-se a chamar por ele, que também o reconheceu e logo o levou para o palácio. Ali soube notícias da mãe, que já estava muito velhinha, e mandou buscá-la para viver junto dele. Ao irmão mais novo perguntou:

- E tu, que tencionas fazer?

- Eu não tenho dinheiro para nada...

- Pois bem, pega nesta bolsa que hoje me ofereceram. Sempre que queiras dinheiro, abre a bolsa, que aparecem lá moedas. Mas vê se não te deixas enganar.

Saiu o parvo e foi dar a uma cidade, onde comprou um palácio fronteiriço ao do rei, que tinha uma filha muito formosa e esperta.

O parvo não saía da janela a fazer namoro à princesa, e com tanta persistência que logo deu a conhecer o seu pouco juízo.

A princesa quis rir-se à custa dele e um dia apresentou-se-lhe em casa. Ficou o moço muito satisfeito de ver a princesa em sua casa e convidou-a a sentar-se. Em pouco tempo descobriu ela que a origem de tanta riqueza era a célebre bolsa. Pediu-lhe que lhe mostrasse e o parvo assim fez. Ela, então, pediu-lhe licença para a ir mostrar ao rei, seu pai. Escusado será dizer que ele concordou e ela nunca mais voltou.

Passados poucos dias, toda a gente falava no próximo casamento da princesa com um seu primo.

O parvo, vendo-se sem dinheiro, tornou a Roma e contou tudo ao irmão. Este disse-lhe:

- Nasceste parvo e ainda o és. Não te dou dinheiro, mas leva esta gaitinha. Quando encontrares algum cadáver, toca que logo o morto ressuscitará. Desta maneira acabarás por ganhar muito dinheiro.

E assim aconteceu: quando o parvo chegou à corte, onde tinha o seu palácio, levava já muito dinheiro. Sucedeu então morrer o primo da princesa que com ela estava para casar. Houve muitos choros por este acontecimento e logo o parvo disse que era capaz de o fazer viver de novo.

O rei mandou-o chamar e foram tão grandes as quantias de dinheiro que lhe ofereceu que o parvo ressuscitou o noivo da princesa.

Soube a princesa que o parvo tinha consigo uma gaitinha misteriosa e decidiu apoderar-se dela, o que veio a conseguir. Então, o parvo voltou a Roma a conferenciar com o irmão. A experiência própria tinha-lhe metido na cabeça algum juízo e já não era o mesmo parvo do tempo em que andava aos ninhos.

O papa, desta vez, ofereceu-lhe um rico tapete, recomendando-lhe:

- Finge que não ligas importância às coisas que ela te tirou e dá-lhe mesmo este tapete. Logo que ela lhe puser os pés em cima, salta para ele tu também e diz: – Tapete, leva-me a Roma. Quando vocês aqui chegarem, eu vos casarei.

O irmão mais novo do papa compreendeu a lição e dirigiu-se para o seu palácio. A cura do primo da princesa dera-lhe entrada livre no palácio real. Por isso, o parvo ia lá sempre que lhe apetecia. Assim, uma vez encontrou-se com a princesa e disse que tinha para lhe dar um belo tapete. A princesa logo pensou em ficar com ele. Nessa tarde, a rapariga apresentou-se no palácio do parvo e pediu-lhe que lhe mostrasse. O moço assim fez e ela pôs os seus mimosos pés em cima do tapete, que era o que o parvo queria, pois logo ordenou:

- Tapete, leva-nos à Córsega!

Enganara-se e em vez de dizer Roma dissera Córsega. Encontraram-se imediatamente nos campos desta última ilha, que então não era ainda habitada. O parvo subiu a um cerro para se orientar, mas a princesa, que não tirara os pés do tapete, disse:

- Tapete, leva-me para o meu palácio.

E a princesa desapareceu. Quando o parvo desceu do cerro, já não encontrou o tapete nem a princesa. Viu-se ali perdido e pôs-se a andar sem destino. Extenuado e cheio de fome, viu uma figueira carregada de figos pretos e comeu alguns. Em poucos momentos, na cabeça e nas costas, nasceram-lhe dez cornos. Então é que ficou triste e desesperado! Dirigiu-se, no entanto, a outra figueira de figos brancos e comeu um. Caiu-lhe imediatamente um dos cornos. Comeu mais nove figos e ficou livre de todos os cornos.

Encheu um dos bolsos de figos pretos e outro de figos brancos e dirigiu-se a uma cidade em cujo porto estava um navio que partia para a cidade onde morava a princesa. Meteu-se no navio e chegou em pouco tempo ao seu palácio.

Disfarçou-se o parvo e foi vender figos pretos ao palácio real. E em poucas horas toda a gente sabia que o rei, a rainha e a princesa tinham a cabeça cheia de cornos. Chamados todos os médicos do reino, eles só viram como solução que lhos cortassem. Ainda experimentaram, mas as dores eram muitas e o rei entendeu que essa operação não era possível.

Então espalhou-se a notícia de que chegara das Índias um médico que se comprometia a fazer cair os cornos das reais cabeças. Claro que o médico era o irmão do papa. Chamado o parvo ao quarto do rei, este não o reconheceu devido ao disfarce. Deu-lhe então o falso médico a comer os figos brancos, dizendo ser um remédio oriental, e o monarca ficou logo curado.

– Agora é necessário que Vossa Majestade não saia do seu quarto nem comunique com qualquer pessoa durante oito horas -recomendou o parvo.

Dirigiu-se depois ao quarto da rainha e aconteceu o mesmo. Entrou de seguida no quarto da princesa. Ficou pasmado. Era a que tinha comido mais figos e a sua cabeça estava mais ramalhuda do que a de um veado. E logo o moço viu o célebre tapete no chão e sobre a mesinha-de-cabeceira a sua bolsa e a gaitinha. Fingindo não dar valor àquilo, pediu à princesa que se levantasse da cama.

- Não posso com a cabeça - respondeu ela a chorar.

Então ele ajudou-a carinhosamente a erguer-se e fê-la sentar numa cadeira com os pés para o tapete. Teve um momento de guardar nos bolsos a gaitinha e a bolsa, e perguntou à princesa:

- Então não me conhece?

- Conheço-o pela fala

Neste momento já o parvo tinha dito:

- Tapete, para Roma, para o palácio do meu irmão, o papa.

Ambos se encontraram de repente no gabinete do papa, que não conheceu o irmão devido ao disfarce. O papa ficou suspenso por um momento, mas o irmão arrancou as barbas e a cabeleira postiças e deu-se a conhecer

O papa falou amorosamente à princesa, e por tal forma se insinuou no seu espírito que ela declarou que levava muito em gosto casar com o parvo.

E ali mesmo foi celebrado o casamento. Quando, dias depois, o rei foi informado de toda a história, ficou muito contente com o casamento. E logo a seguir ao casamento comeu a princesa os figos brancos necessários para que lhe caíssem da cabeça todos os cornos que lá estavam.

E a verdade é que, daí em diante, o que dantes fora parvo tornou-se muito inteligente e governou muito bem o reino do sogro. O primo da princesa, esse, coitado, ficou a chuchar no dedo.

Fonte:
Viale Moutinho (org.) . Contos Populares Portugueses. 2.ed. Portugal: Publicações Europa-América.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Contos Populares Portugueses (D. Caio)

Era um alfaiate muito poltrão, que estava a trabalhar à porta da rua. Como ele tinha medo de tudo, o seu maior gosto era fingir de valente. Vai de uma vez, viu muitas moscas juntas e de uma pancada matou sete. Daqui em diante, não fazia senão gabar-se:

- Eu cá mato sete de uma vez!

Ora, o rei andava muito triste, porque lhe tinha morrido na guerra o seu general D. Caio, que era o maior valente que havia. Como sabiam que o país não tinha quem mandasse combatê-las, as tropas inimigas puseram-se a caminho. Os que ouviam o alfaiate andar a dizer por toda a parte «Eu cá mato sete de uma vez!» foram logo contá-lo ao rei. Este lembrou-se de que quem era assim tão valente seria capaz de ocupar o posto de D. Caio. Assim, o gabola foi levado à presença do rei, que lhe perguntou:

- E verdade que matas sete de uma vez?

- Saberá Vossa Majestade que sim.

– Então que vás comandar as minhas tropas e atacar o inimigo, que já nos está a cercar.

Mandou vir o fardamento de D. Caio e fez-lo vestir ao alfaiate, que era muito baixinho, e ficou com o chapéu de dois bicos enterrado até às orelhas. Depois disse que trouxessem o cavalo branco de D. Caio para o alfaiate montar. Ajudaram-no a subir para o cavalo, e ele já estava a tremer como varas verdes. E, assim que o cavalo sentiu as esporas, botou à desfilada. Aflito, o alfaiate desatou a gritar:

- Eu caio! Eu caio!

Todos os que o ouviam por onde ele passava diziam:

- Ele agora diz que é o D. Caio! Já temos homem!

O cavalo, que andava acostumado às batalhas, correu para o sítio em que estavam os soldados já a lutar, e o alfaiate sempre com medo de cair, a gritar como um desesperado:

- Eu caio! Eu caio!

O inimigo, assim que viu vir o cavalo branco do general valente e temido e ouviu o grito «Eu caio! Eu caio!», conheceu o perigo em que estava. Logo disseram os soldados uns para os outros:

- Estamos perdidos, que lá vem D. Caio! Lá vem D. Caio!

E deitaram a fugir em debandada. Os soldados do rei foram-lhe no encalço e mataram eles.

O alfaiate ganhou a batalha assim só a agarrar-se ao pescoço do cavalo e a gritar «Eu caio!». 

O rei ficou muito contente com ele e em paga da vitória deu-lhe a princesa em casamento, e a verdade é que ninguém regateava os maiores louvores à bravura do sucessor do general D. Caio...

Fonte:
Viale Moutinho (org.) . Contos Populares Portugueses. 2.ed. Portugal: Publicações Europa-América.

Silvana da Rosa (A mulher escritora e personagem nos contos de fadas) Parte VI

2.3 Homens escritores dos séculos XVII a XX: avanços e retrocessos para a inserção feminina no mundo intelectual

[...] pequenas e sofridas histórias são bem
representativas das dificuldades que as
escritoras [...] enfrentaram nos séculos
passados e até nas primeiras décadas
deste, para se imporem numa sociedade
que se recusava a aceitar a concorrência
feminina, em qualquer de seus domínios.
LIMA DUARTE, 1997, p. 56.
                                                              
Ainda no século XVII, João Amos Komensky, Comenius, publica Didática Magna, obra essa em que o autor sugere que o ensino deve ser adequado às diferentes idades. Comenius propõe também a igualdade entre homens e mulheres, partindo do princípio de que todos são racionais e de que não há privilegiados perante Deus, portanto, devem ser instruídos, independente de sexo.

Didática Magna, a obra de Comenius, apresenta valor considerável para a inclusão feminina no campo intelectual, uma vez que o autor, embasado em princípios cristãos quanto à igualdade desprovida de privilégios, escancara a deslealdade das relações humanas, visto que somente homens abastados até então poderiam conhecer e ter acessibilidade ao mundo letrado: “O próprio Deus assegura que, diante d’Ele, não há privilégio de pessoas” (COMENIUS apud NOVAES, 1991, p.111).

Novaes Coelho sustenta a importância dessa obra para aproximar-se mais dos anseios do indivíduo, uma vez que a mesma estaria alçada em diferentes faixas etárias para o ensino-aprendizagem. Além disso, essa obra faz transparecer a triste realidade de um mundo selvagem, onde a violência predominava nas relações entre os homens, sendo que essa situação se comprovava nas histórias registradas da época, assim como nos contos de fadas.

Essa atitude reformista de Comenius, no século XVII, tem para nós um valor indicial: indiretamente revela a violência que imperava, como regra, nas relações entre os homens. O que torna mais compreensíveis a violência, a agressividade e a maldade onipresentes nos “contos de fadas” ou nos “contos prodigiosos” destinados às crianças, e mesmo nas novelas de cavalaria (a despeito de todo seu elevado idealismo) e em outras formas narrativas destinadas aos adultos. (COELHO, 1991, p.111)

Já Rousseau, posterior e contrariamente, em o Livro IV de Emílio (1762), declarou repulsa à leitura das fábulas pelo público infantil e infanto-juvenil. De acordo com ele, essas acentuavam demasiadamente o caráter negativo dos personagens. Além disso, observa-se que o referido escritor mostrou-se favorável ao idealismo patriarcal, em relação à estrutura familiar, uma vez que a mulher deveria estar condicionada ao comando masculino e dele ser servidora. Aliás, esse protótipo feminino esteve presente na literatura até o século XIX.

Novaes Coelho registrou em sua obra o que Rousseau pensava a respeito das fábulas disponibilizadas às crianças e pré-adolescentes. Assim, ele menciona no Livro IV de Emílio:

Ensinamos as fábulas de La Fontaine a todas as crianças, e não há uma só que as compreenda. E se as entendessem, seria pior ainda, porque a moral ali está tão misturada e desproporcionada à sua idade que levaria mais facilmente ao vício do que à virtude. Direis que aí está um paradoxo. Seja, mas vejamos se não são verdades. (ROUSSEAU apud COELHO, 1991, p. 126)
                      
De certo modo, as idéias de Maria Tatar correspondem às de Rousseau, ou seja, ela afirma que se torna inacessível para as crianças a compreensão da moral presente nos contos de Perrault, uma vez que os infantes aprendem realmente através da observação e da experiência pessoal e não por meio de palavras aleatórias e, não raramente, acompanhadas de vaguidão de sentido. Tatar argumenta ainda que o inverso proposto nas lições das histórias acontece, quando posto em prática pelos menores aprendizes.

Novaes Coelho cita ainda as idéias de Rousseau sobre as mulheres e seus deveres, extraídas de sua obra seguinte, o Livro V de Emílio:

Toda educação das mulheres deve ser relativa aos homens. Agradá-los, ser-lhes úteis, se fazerem amar e honrar por eles, educar os jovens. Cuidar dos grandes, aconselhá-los, tornar-lhes a vida agradável e doce: eis os deveres das mulheres em todos os tempos, e o que devemos ensinar-lhes desde a infância. (ROUSSEAU apud COELHO, 1991, p.127)
                      
É notório que, durante a caminhada feminina com destino à emancipação, aconteceram avanços e recuos. Enquanto Comenius, no século XVII, buscava a inclusão intelectual da mulher, argumentando através de discursos cristãos, Rousseau, no século XVIII, retrocedia, sustentando que a educação feminina deveria estar condicionada à dos homens, e que as mulheres deveriam ser orientadas para servi-los, sendo comparadas a meras escravas dos caprichos de seus senhores.

Em 1778, no Brasil, João Rosado de Villa Lobos e Vasconcelos publica uma obra voltada para a educação dos meninos, denominada Livro dos Meninos. Apesar de o ensino, aparentemente, ter sido oferecido a qualquer cidadão, ainda a distância entre os sexos fazia-se visível, uma vez que obras específicas para meninos e outras para meninas, impregnadas de moralismos, ainda eram difundidas.

Quanto à literatura, o século XVIII assemelha-se ao anterior, uma vez que homens escritores redigem suas obras de acordo com a sociedade patriarcal vigente à época. Já no século XIX há a mescla entre o culto e o popular e, com esse meio-termo, surge o romance. Por sua vez, a criança é vista como um possível leitor e, assim, a literatura volta-se a esse público. É nesse século que as narrativas do fantástico-maravilhoso surgem e têm os filólogos Jacob e Wilhelm Grimm como adeptos.

A partir dessa perspectiva de que as crianças já estavam sendo inseridas no contexto literário, poderia se pensar que a mulher seria a próxima a usufruir desse direito. No entanto, as obras dos Irmãos Grimm ainda descrevem a figura feminina e o seu entorno em um espaço repleto de fraquezas, ansiedades, culpas, medos,  tristezas e convencionado de acordo com os moldes patriarcais.

Entre os anos de 1812 e 1822, os Irmãos Grimm publicaram o volume Contos de fadas para crianças e adultos contendo quarenta e uma histórias: A bela adormecida; Os músicos de Bremen; Os sete anões e a Branca de neve; O chapeuzinho vermelho; A gata borralheira; As aventuras do irmão folgazão; O corvo; Frederico e Catarina; Branca de neve e Rosa vermelha; O ganso de ouro; A donzela que não tinha mãos; O pescador e suas esposas; A dama e o leão; O alfaiate valente; Os sete corvos; O rato, o pássaro e a salsicha; A casa do bosque; O lobo e as sete cabras; A guardadora de gansos; O príncipe rã; O caçador habilitado; Olhinho, dois olhinhos, três olhinhos; O lobo e o homem; O príncipe e a princesa; A luz azul; O lobo e a raposa; O enigma; A raposa e a comadre; A raposa e o gato; Margarida, a espertalhona; A alface mágica; As três fiandeiras; João jogatudo; A morte da franguinha; A velha do bosque; O prego; Joãozinho e Maria; O diabo e a avó; O senhor compadre; João, o felizardo e o Pequeno polegar.

Nesses contos a descrição da figura feminina segue os padrões sociais determinados à época, ou seja, mulheres escravizadas e injustiçadas, comumente maltratadas por mulheres mais velhas. Aliás, o estereótipo anjo e demônio é bastante claro nas obras dos Irmãos Grimm. As mulheres-anjo constantemente são testadas em seus valores morais (honestidade, paciência, desprendimento material, obediência, fé inabalável) e, quando vitoriosas, são recompensadas com um casamento e/ou uma posição em ascensão na sociedade.

Posteriormente aos Irmãos Grimm e também redigindo contos, o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen publicou cento e sessenta e oito contos entre os anos 1835 e 1872, sendo que os de maior sucesso são: O patinho feio; Os sapatinhos vermelhos; A rainha da neve; O rouxinol e o imperador da China; O soldadinho de chumbo; A pastora e o limpador de chaminés; A pequena vendedora de fósforos; Pequetita; Os cisnes selvagens; A roupa nova do imperador; O companheiro de viagem; O homem da neve; João e Maria; João grande e João pequeno.

As histórias narradas por Andersen apresentam algo novo: dois contrastes marcantes, o mundo fantástico e a triste realidade envolta pela miséria, marcada pelo pós-guerra.

Apesar de o escritor estar vivendo em um cenário nada propenso à aquisição de valores e respeito aos direitos humanos, de certa forma, Andersen contribuiu para a ascensão da personagem feminina, uma vez que ele, através do conto A pequena sereia, caracterizou a personagem sereia através de atitudes nada convencionais para uma mulher e nem ao menos para um ser encantado, ou seja, o autor a vestiu de valores, ideais, atitudes e lhe concedeu voz, características até então pouco comuns na Literatura Infanto-juvenil.

Em A pequena sereia, Andersen inovou a estrutura já estabelecida e tradicionalmente arraigada do conto de fadas.Nessa narrativa, a protagonista é vítima do destino, do meio familiar, da sociedade. Por sua vez, as circunstâncias que a envolvem a instigam a aventurar-se em busca da concretização de seus objetivos e de seu amadurecimento intelectual, assim distanciando-se de seu lar e dos laços familiares, principalmente do paternal. Uma vez que a heroína é órfã de mãe, a sereia embrenha-se no mundo terreno, enquanto o príncipe aproxima as suas atitudes às de um homem comum, sendo que não enfrenta dragões e monstros e nem salva mocinhas desamparadas ou em perigo. Além disso, singular também é o desfecho da história, uma vez que é bem conhecida a frase “e viveram felizes para sempre” em contos de fadas, porém nessa o final feliz não acontece, sendo o final da mesma um convite à pluralidade imaginativa do leitor:

E a pequena sereia levantou seus braços claros em direção ao sol de Deus e pela primeira vez sentiu que lágrimas lhe corriam pelas faces. No navio havia de novo ruídos e vida. Ela viu o príncipe com sua bela noiva procurando-a; tristes contemplavam as espumas efervescentes como se soubessem que ela se havia atirado às águas. Invisível, ela beijou a testa da noiva, sorriu para ele e sumiu com as outras filhas do ar numa nuvem rosada que viajava pelos céus [...] (ANDERSEN, 1994, p.26)

continua…

Fonte:
Silvana da Rosa. Do tempo medieval ao contemporâneo: o caminho percorrido pela figura feminina, enquanto escritora e personagem, nos contos de fadas. Dissertação de Mestrado em Letras. Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), 2009

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Jorge Luis Borges (Ulrica)

Hann tekr sverthit Gram ok leggr i methal theira bert.
Völsunga Saga, 27

Meu relato será fiel à realidade ou, em todo caso, à minha lembrança pessoal da realidade, o que é a mesma coisa. Os fatos ocorreram há muito pouco, porém sei que o hábito literário é, também, o hábito de intercalar traços circunstanciais e de acentuar as ênfases. Quero narrar o meu encontro com Ulrica (não soube seu sobrenome e talvez nunca venha a sabê-lo) na cidade de York. A crônica abarcará uma noite e uma manhã.

Nada me custaria referir que a vi pela primeira vez junto às Cinco Irmãs de York, esses vitrais puros de toda a imagem que respeitaram os iconoclastas de Cromwell, porém o fato é que nos conhecemos na salinha do Northern Inn, que está do outro lado das muralhas. Éramos poucos e ela estava de costas. Alguém lhe ofereceu uma bebida e ela recusou.

— Sou feminista — disse. — Não quero arremedar os homens. Desagrada-me seu tabaco e seu álcool.

A frase queria ser engenhosa e adivinhei que não era a primeira vez que a pronunciava. Soube depois que não era característica dela, mas o que dizemos nem sempre se parece conosco.

Contou que havia chegado tarde ao museu, mas que a deixaram entrar quando souberam que era norueguesa.

Um dos presentes comentou:

— Não é a primeira vez que os noruegueses entram em York.

— Pois é — disse ela. — a Inglaterra foi nossa e a perdemos, se é que alguém pode ter algo ou algo pode ser perdido.

Foi então que a olhei. Uma linha de William Blake fala de moças de suave prata ou furioso ouro, porém em Ulrica estavam o ouro e a suavidade. Era leve e alta, de traços afilados e de olhos cinzentos. Menos que seu rosto, impressionou-me seu ar de tranqüilo mistério. Sorria facilmente e o sorriso parecia afastá-la. Vestia-se de preto, o que é raro em terras do Norte, que tentam alegrar com cores o apagado do ambiente. Falava um inglês nítido e preciso e acentuava levemente os erres. Não sou observador; essas coisas descobri pouco a pouco.

Apresentaram-nos. Disse-lhe que eu era professor da Universidade de los Andes em Bogotá. Esclareci que era colombiano. Perguntou-me de modo pensativo:

— O que é ser colombiano?

— Não sei — respondi. — É um ato de fé.

— Como ser norueguesa — assentiu.

Nada mais posso recordar do que se disse nessa noite. No dia seguinte, desci cedo para a sala de jantar. Pelas vidraças vi que havia nevado; os páramos se perdiam na da manhã. Não havia ninguém mais. Ulrica me convidou para a sua mesa. Disse que lhe agradava sair para caminhar sozinha.

Lembrei-me de um chiste de Schopenhauer e respondi:

— A mim também. Podemos sair juntos os dois.

Afastamo-nos da casa, sobre a neve recente. Não havia uma alma nos campos. Propus que fôssemos a Thorgate, que fica rio abaixo, a algumas milhas. Sei que já estava enamorado de Ulrica; não teria desejado a meu lado nenhuma outra pessoa.

Ouvi subitamente o distante uivo de um lobo. Nunca tinha ouvido um lobo uivar, mas sei que era um lobo. Ulrica não se alterou.

Em seguida, disse, como se pensasse em voz alta:

— As poucas e pobres espadas que vi ontem em York Minster me comoveram mais que as grandes naves do museu de Oslo.

Nossos caminhos se cruzavam. Ulrica, nessa tarde, prosseguiria a viagem em direção a Londres; eu, até Edimburgo.

— Em Oxford Street — ela disse-me — repetirei os passos de Quincey, que procurava a sua Anna perdida entre as multidões de Londres.

— De Quincey — respondi — deixou de procurá-la. Eu, ao longo do tempo, continuo procurando-a.

— Talvez — disse em voz baixa — a tenhas encontrado.

Compreendi que uma coisa inesperada não me estava proibida e a beijei-lhe a boca e os olhos. Afastou-me com suave firmeza e depois declarou:

— Serei tua na pousada de Thorgate. Peço-te, enquanto isso, que não me toques. É melhor que assim seja.

Para um celibatário entrado em anos, o amor  é um dom que já não se espera. O milagre tem direito de impor condições. Pensei em minha mocidade em Popayán e em uma moça do Texas, clara e esbelta como Ulrica, que me havia negado seu amor.

Não incorri no erro de lhe perguntar se me amava. Compreendi que não era o primeiro e que não seria o último. Essa aventura, talvez a derradeira para mim, seria uma de tantas para essa resplandecente e resoluta discípula de Ibsen.

De mão dadas, seguimos.

— Tudo isto é como um sonho — disse —  e eu nunca sonho.

— Como aquele rei — replicou Ulrica — que não sonhou até que um feiticeiro o fez dormir numa pocilga. 

Acrescentou em seguida:

— Ouve. Um pássaro está prestes a cantar.

Pouco depois ouvimos o canto.

— Nestas terras — disse — pensam que quem está para a morrer prevê o futuro.

— E eu estou para morrer — disse ela.

Olhei-a, atônito.

— Cortemos pelo bosque — apressei-a — Chegaremos mais rápido a Thorgate.

— O bosque é perigoso — replicou.

Seguimos pelos páramos.

— Eu gostaria que este momento durasse para sempre — murmurei.

— "Sempre" é uma palavra que não é permitida aos homens — afirmou Ulrica e, para minorar a ênfase, pediu-me que repetisse o meu nome, que não ouvira bem.

— Javier Otárola — disse-lhe.

Quis repeti-lo e não pôde. Fracassei, igualmente, com o nome Ulrikke.

— Vou te chamar Sigurd — declarou com um sorriso.

— Se sou Sigurd — repliquei, — tu serás Brynhild.

Havia atrasado o passo.

— Conheces a saga? — perguntei-lhe.

— Naturalmente — disse. — A trágica história que os alemães estragaram com seus tardios Nibelungos.

Não quis discutir e respondi:

— Brynhild, caminhas como se quisesses que entre os dois houvesse uma espada no leito.

Estávamos de repente diante da pousada. Não me surpreendeu que se chamasse, como a outra, Northern Inn.

Do alto da escada, Ulrica me gritou:

— Ouviste o lobo? Já não há lobos na Inglaterra. Apressa-te.

Ao subir para o andar de cima, notei que as paredes estavam empapeladas à maneira de William Morris, de um vermelho muito profundo, com entrelaçados frutos e pássaros. Ulrica entrou primeiro. O aposento escuro era baixo, com um teto de duas águas. O esperado leito se duplicava em um vago cristal e a polida caoba recordou-me o espelho da Escritura. Ulrica já se havia despido. Chamou-me pelo meu verdadeiro nome, Javier. Senti que a neve aumentava. Já não havia nem espelhos. Não havia uma espada entre os dois. Como a areia, escoava o tempo. Secular na sombra fluiu o amor, e possuí pela primeira e última vez a imagem de Ulrica.

Fonte:
Pequena Antologia para se Ler Jorge Luis Borges. Digital Source.