sábado, 16 de abril de 2016

Neuci da Cunha Gonçalves (São Bernardo do Campo/SP) Trovadora Homenageada



 

A batata que me serve,
e que me faz tão feliz,
(ao falar, meu sangue ferve...)
é a das pernas da Taís!...

A "bicanca" do Diniz
era mesmo de assombrar,
pois usava o seu nariz
como vara de pescar…

Abraçado na Maria,
empregada bem mulata,
diz à esposa seu Faria:
- Tô descascando batata...

Arranjei uma empregada
tão bonita e tão “certinha”
que não posso fazer nada
sem passar pela cozinha…

A vida sempre nos deu
esta lição invulgar:
- quem espinhos não colheu,
não tem rosas para dar!

Batata fria eu não quero,
mas a extremos não vou não;
não quero ter, nem tolero,
"batata quente" na mão…
 
Com muita roupa, a Maria,
bons empregos nunca achou,
mas, com patrões de hoje em dia,
sem roupa... já se arrumou…

Como posso viver bem
e seguir o meu caminho,
se vivo só, e ninguém
vem me dar o seu carinho?

Deixo aqui o meu registro,
por viver neste calvário:
- Deve haver muito ministro
com "nariz inflacionário"!

Deus age sempre, querida,
de forma tão generosa,
que a cada espinho na vida,
põe no caminho uma rosa!

Disse um dia a Pedro Cura,
(Edil da Zona da Mata):
"Ministro da Agricultura
devia plantar batata..."

Do seu velho reumatismo,
meu avô só ficou bom
tomando chá de nudismo
das garotas do Leblon…
 
Em caminhos tão dispersos
encontrei estes valores:
- se a Trova é a rosa dos versos,
a rosa é a Trova das flores.

Este contraste é loucura;
tal pecado não tem nome:
– o rico vive em fartura,
– o pobre morre de fome!

Eu te invejo, jardineiro,
por trilhares tal caminho:
– colhes rosas o ano inteiro
e eu, somente colho espinho…

Foi por mera distração
que ao chegar de madrugada,
fui vestir o meu roupão
lá no quarto da empregada!

Muito bem remunerada,
a empregada do Castanho
era mesmo dedicada...
pois até lhe dava banho!

Mulher bela e sem virtude
é qual rosa sem perfume:
– pouco a pouco desilude,
pois só nisso se resume.
 
Não há riqueza no mundo
que a brilhar em meu caminho,
valha mais que um só segundo
a sentir o seu carinho.

Não me atrevo em teus caminhos,
junto a ti não chego mais,
pois teus olhos têm espinhos...
ferem mais do que punhais.

No caminho do egoísmo,
que anula quaisquer valores,
cava o homem seu abismo
e se enterra em suas dores.

Nos caminhos porque passas
orgulhosa e indiferente,
vais semeando as desgraças
que colherás mais à frente.

Nosso povo é genial
pois remédio, em sua crença,
é sambar no carnaval,
pra curar qualquer doença.

O gostoso nesta vida,
e bom mesmo, na batata,
é ver, no samba, a mexida
de uma fogosa mulata.
 
O perfume do seu lábio
eu cantei em verso e prosa:
– Deus é mesmo um grande sábio,
pois o fez cheirando a rosa!

O pobre bem que se vira
nesta vida que o castiga.
Dinheiro? Só de mentira...
Remédio: Nem pra lombriga…

O que pode ser melhor
que guisado com batata?
Ninguém sabe? Eu sei de cor:
- É gingado de mulata...

O vovô não come nata,
nabo, jiló nem purê;
mas baba com a batata
das lindas pernas que vê!

O Zezé que é mau cantor,
morador lá do meu prédio,
disse a mim, que sou doutor:
- Já estou farto de “ré... médio”.

Por não vencer ao lutar
e por viver a sofrer,
o pobre chega a pensar
que o seu pecado é nascer.

Qual uma folha de outono,
morrendo de envelhecida,
quantos morrem no abandono
na primavera da vida!!!

Quando foi comprar remédio,
tão enorme foi seu custo,
que o coitado do seu Nédio
quase que morreu de susto!

Que homem pode ser feliz
e viver somente em paz,
se a sogra põe o nariz
em tudo aquilo que faz?

Quem canta espanta seus males,
e acaba com qualquer tédio;
por isso disse Seu Sales:
- Todo canto tem ré... médio...”

Que me importa seu desdém
neste olhar com tanto brilho?
Afinal há sempre alguém
nos caminhos por que trilho.

Quem só ostenta virtude
e diz isso sempre aos brados,
demonstra em vã atitude
que esconde bem seus pecados.
 
Quer curar hipocondria
e também seu velho tédio?
Vá depressa à drogaria
ver os preços do remédio…

Remédio que cura o pobre?
Depressa digo e sorrio:
- É o patrão pôr bem mais “cobre”
no seu bolso tão vazio!!!

Seus lábios são como a rosa...
possuem tantos sabores,
que os meus, de forma ardorosa,
são seus fiéis beija-flores!

Tão real foi o meu sonho
numa certa madrugada,
que acordei, todo risonho,
lá no quarto da empregada!…

Tão tarado é seu patrão
que a empregada Soledade
trabalha, por precaução,
com cinto de castidade!

Tomou chá de “catuaba”
aquele velho matreiro,
e a todo instante se gaba:
- Que remédio milagreiro!...

Tu me deste teu carinho
e eu te dei meu coração;
agora choro sozinho
este amor que foi em vão.

Um pinguço narigudo
foi beber e, por desgraça,
do nariz fez um canudo 
e se afogou na cachaça!...

Joaquim Maria Machado de Assis (Poemas Escolhidos)



O DESFECHO

Prometeu sacudiu os braços manietados
E súplice pediu a eterna compaixão,
Ao ver o desfilar dos séculos que vão
Pausadamente, como um dobre de finados.

Mais dez, mais cem, mais mil e mais um bilhão,
Uns cingidos de luz, outros ensanguentados...
Súbito, sacudindo as asas de tufão,
Fita-lhe a águia em cima os olhos espantados.

Pela primeira vez a víscera do herói,
Que a imensa ave do céu perpetuamente rói,
Deixou de renascer às raivas que a consomem.

Uma invisível mão as cadeias dilui;
Frio, inerte, ao abismo um corpo morto rui;
Acabara o suplício e acabara o homem.

MUNDO INTERIOR

Ouço que a natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
De sol à ínfima luzerna.

Ouço que a natureza, — a natureza externa, —
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.

E contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Dentro em mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,

Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia — e dorme.

LINDÓIA

Vem, vem das águas, mísera Moema,
Senta-te aqui. As vozes lastimosas
Troca pelas cantigas deleitosas,
Ao pé da doce e pálida Coema.

Vós, sombras de Iguaçu e de Iracema,
Trazei nas mãos, trazei no colo as rosas
Que amor desabrochou e fez viçosas
Nas laudas de um poema e outro poema.

Chegai, folgai, cantai. É esta, é esta
De Lindóia, que a voz suave e forte
Do vate celebrou, a alegre festa.

Além do amável, gracioso porte,
Vede o mimo, a ternura que lhe resta.
"Tanto inda é bela no seu rosto a morte!"

SPINOZA

Gosto de ver-te, grave e solitário,
Sob o fumo de esquálida candeia,
Nas mãos a ferramenta de operário,
E na cabeça a coruscante ideia.

E enquanto o pensamento delineia
Uma filosofia, o pão diário
A tua mão a labutar granjeia
E achas na independência o teu salário.

Soem cá fora agitações e lutas,
Sibile o bafo aspérrimo do inverno,
Tu trabalhas, tu pensas, e executas

Sóbrio, tranquilo, desvelado e terno,
A lei comum, e morres, e transmutas
O suado labor no prêmio eterno.

GONÇALVES CRESPO

Esta musa da pátria, esta saudosa
Níobe dolorida,
Esquece acaso a vida,
Mas não esquece a morte gloriosa.

E pálida, e chorosa,
Ao Tejo voa, onde no chão caída
Jaz aquela evadida
Lira da nossa América viçosa.

Com ela torna, e, dividindo os ares,
Trépido, mole, doce movimento
Sente nas frouxas cordas singulares.

Não é a asa do vento,
Mas a sombra do filho, no momento
De entrar perpetuamente os pátrios lares.

 ALENCAR

Hão de os anos volver, — não como as neves
De alheios climas, de geladas cores;
Hão de os anos volver, mas como as flores,
Sobre o teu nome, vívidos e leves...

Tu, cearense musa, que os amores
Meigos e tristes, rústicos e breves,
Da indiana escreveste, — ora os escreves
No volume dos pátrios esplendores.

E ao tornar este sol, que te há levado,
Já não acha a tristeza. Extinto é o dia
Da nossa dor, do nosso amargo espanto.

Porque o tempo implacável e pausado,
Que o homem consumiu na terra fria,
Não consumiu o engenho, a flor, o encanto...

CAMÕES, I

Tu quem és? Sou o século que passa.
Quem somos nós? A multidão fremente.
Que cantamos? A glória resplendente.
De quem? De quem mais soube a força e a graça.

Que cantou ele? A vossa mesma raça.
De que modo? Na lira alta e potente.
A quem amou? A sua forte gente.
Que lhe deram? Penúria, ermo, desgraça.

Nobremente sofreu? Como homem forte.
Esta imensa oblação?... É-lhe devida.
Paga?... Paga-lhe toda a adversa sorte.

Chama-se a isto? A glória apetecida.
Nós, que o cantamos?... Volvereis à morte.
Ele, que é morto?... Vive a eterna vida.

MARIA

Maria, há no seu gesto airoso e nobre,
Nos olhos meigos e no andar tão brando,
Um não sei quê suave que descobre,
Que lembra um grande pássaro marchando.

Quero, às vezes, pedir-lhe que desdobre
As asas, mas não peço, reparando
Que, desdobradas, podem ir voando
Levá-la ao teto azul que a terra cobre.

E penso então, e digo então comigo:
"Ao céu, que vê passar todas as gentes
Bastem outros primores de valia.

Pássaro ou moça, fique o olhar amigo,
O nobre gesto e as graças excelentes
Da nossa cara e lépida Maria".

A CAROLINA

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, — restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.