segunda-feira, 25 de julho de 2016

Cecília Meireles (Poemas Escolhidos)

DESPEDIDA

Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces ? - me perguntarão. -
Por não Ter palavras, por não ter imagem.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras ?
Tudo.
Que desejas ?
Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação ...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão !
Estandarte triste de uma estranha guerra ... )
Quero solidão.

DIA DE CHUVA

As espumas desmanchadas
sobem-me pela janela,
correndo em jogos selvagens
de corça e estrela.

Pastam nuvens no ar cinzento:
bois aéreos, calmos, tristes,
que lavram esquecimento.

Velhos telhados limosos
cobrem palavras, armários,
enfermidades, heroísmos...

quem passa é como um funâmbulo,
equilibrado na lama,
metendo os pés por abismos...

Dia tão sem claridade!
só se conhece que existes
pelo pulso dos relógios...

Se um morto agora chegasse
àquela porta, e batesse,
com um guarda-chuva escorrendo,
e com limo pela face,
ali ficasse batendo

- ali ficasse batendo
àquela porta esquecida
sua mão de eternidade...

Tão frenético anda o mar
que não se ouviria o morto
bater à porta e chamar...

E o pobre ali ficaria
como debaixo da terra,
exposto à surdez do dia.

Pastam nuvens no ar cinzento.
Bois aéreos que trabalham
no arado do esquecimento.

É PRECISO NÃO ESQUECER NADA

É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.

O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos severos conosco,
pois o resto não nos pertence.

DOS CRAVOS ROXOS

Esta noite, quando, lá fora,
campanários tontos bateram
doze vezes o apelo da hora,
na minha jarra, onde a água chora,
meus dois cravos roxos morreram...
Meus dois cravos roxos morreram!
Meus dois cravos roxos defuntos,
são como beijos que sofreram,
como beijos que enlouqueceram
porque nunca vibraram juntos...
São como a sombra dolorida
de olhos tristes, que se perderam
nas extremidades da vida...
Oh! miséria da despedida...
Meus dois cravos roxos morreram...
Meus dois cravos roxos morreram!
Meus dois cravos roxos, fanados,
crepuscularam, faleceram,
como sonhos que se esqueceram,
alta noite, de olhos fechados...

Eu pensava numa criatura,
quando os campanários bateram...
Tudo agora se me afigura
irremediável desventura...
Irremediável desventura!
Meus dois cravos roxos morreram…

LAMENTO DO OFICIAL POR SEU CAVALO MORTO

Nós merecemos a morte,
porque somos humanos e a guerra é feita pelas nossas mãos,
pela nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,
por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.

Criamos o fogo, a velocidade, a nova alquimia,
os cálculos do gesto,
embora sabendo que somos irmãos.
Temos até os átomos por cúmplices, e que pecados
de ciência, pelo mar, pelas nuvens, nos astros!
Que delírio sem Deus, nossa imaginação!

E aqui morreste! Oh, tua morte é a minha, que, enganada,
recebes. Não te queixas. Não pensas. Não sabes. Indigno,
ver parar, pelo meu, teu inofensivo coração.
Animal encantado - melhor que nós todos!
- que tinhas tu com este mundo
dos homens?

Aprendias a vida, plácida e pura, e entrelaçada
em carne e sonho, que os teus olhos decifravam...
Rei das planícies verdes, com rios trêmulos de relinchos...
Como vieste morrer por um que mata seus irmãos!

MULHER AO ESPELHO

Hoje que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.

Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.

Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?

Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.

Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.

Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.

MONÓLOGO

Para onde vão minhas palavras,
se já não me escutas?
Para onde iriam, quando me escutavas?
E quando me escutaste? - Nunca.

Perdido, perdido. Ai, tudo foi perdido!
Eu e tu perdemos tudo.
Suplicávamos o infinito.
Só nos deram o mundo.

De um lado das águas, de um lado da morte,
tua sede brilhou nas águas escuras.
E hoje, que barca te socorre?
Que deus te abraça? Com que deus lutas?

Eu, nas sombras. Eu, pelas sombras,
com as minhas perguntas.
Para quê? Para quê? Rodas tontas,
em campos de areias longas
e de nuvens muitas.

PUS O MEU SONHO NUM NAVIO

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
depois abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

SONHOS DA MENINA

A flor com que a menina sonha
está no sonho?
ou na fronha?

Sonho
risonho:

O vento sozinho
no seu carrinho.

De que tamanho
seria o rebanho?

A vizinha
apanha
a sombrinha de teia de aranha...

Na lua há um ninho
de passarinho.

A lua com que a menina sonha
é o linho do sonho
ou a lua da fronha?

NOTURNO

Quem tem coragem de perguntar, na noite imensa?
E que valem as árvores, as casas, a chuva, o pequeno transeunte?

Que vale o pensamento humano,
esforçado e vencido,
na turbulência das horas?

Que valem a conversa apenas murmurada,
a erma ternura, os delicados adeuses?

Que valem as pálpebras da tímida esperança,
orvalhadas de trêmulo sal?

O sangue e a lágrima são pequenos cristais sutis,
no profundo diagrama.

E o homem tão inutilmente pensante e pensado
só tem a tristeza para distingui-lo.

Porque havia nas úmidas paragens
animais adormecidos, com o mesmo mistério humano:
grandes como pórticos, suaves como veludo,
mas sem lembranças históricas,
sem compromissos de viver.

Grandes animais sem passado, sem antecedentes,
puros e límpidos,
apenas com o peso do trabalho em seus poderosos flancos
e noções de água e de primavera nas tranqüilas narinas
e na seda longa das crinas desfraldadas.

Mas a noite desmanchava-se no oriente,
cheia de flores amarelas e vermelhas.
E os cavalos erguiam, entre mil sonhos vacilantes,
erguiam no ar a vigorosa cabeça,
e começavam a puxar as imensas rodas do dia.

Ah! o despertar dos animais no vasto campo!
Este sair do sono, este continuar da vida!
O caminho que vai das pastagens etéreas da noite
ao claro dia da humana vassalagem!

MURMÚRIO

Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!

Cecília Meireles (1901 - 1964)

         Filha de Carlos Alberto de Carvalho Meireles, funcionário do Banco do Brasil S.A., e de D. Matilde Benevides Meireles, professora municipal, Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu em 7 de novembro de 1901, na Tijuca, Rio de Janeiro. Foi a única sobrevivente dos quatros filhos do casal. O pai faleceu três meses antes do seu nascimento, e sua mãe quando ainda não tinha três anos. Criou-a, a partir de então, sua avó D. Jacinta Garcia Benevides.

         Conclui seus primeiros estudos — curso primário — em 1910, ocasião em que recebe de Olavo Bilac, Inspetor Escolar do Rio de Janeiro, medalha de ouro por ter feito todo o curso com "distinção e louvor". Diplomando-se no Curso Normal, em 1917, passa a exercer o magistério primário em escolas oficiais do antigo Distrito Federal.
         Dois anos depois, em 1919, publica seu primeiro livro de poesias, "Espectro". Seguiram-se "Nunca mais... e Poema dos Poemas", em 1923, e "Baladas para El-Rei, em 1925.
         Casa-se, em 1922, com o pintor português Fernando Correia Dias, com quem tem três filhas:  Maria Elvira, Maria Mathilde e Maria Fernanda, esta última artista teatral consagrada. Suas filhas lhe dão cinco netos.
         Publica, em Lisboa - Portugal, o ensaio "O Espírito Vitorioso", uma apologia do Simbolismo.
         Correia Dias suicida-se em 1935. Cecília casa-se, em 1940,  com o professor e engenheiro agrônomo Heitor Vinícius da Silveira Grilo.
         De 1930 a 1931, mantém no Diário de Notícias uma página diária sobre problemas de educação.
         Em 1934, organiza a primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro, ao dirigir o Centro Infantil, que funcionou durante quatro anos no antigo Pavilhão Mourisco, no bairro de Botafogo. Profere, em Lisboa e Coimbra - Portugal, conferências sobre Literatura Brasileira.
         De 1935 a 1938, leciona Literatura Luso-Brasileira e de Técnica e Crítica Literária, na Universidade do Distrito Federal (hoje UFRJ).
         Publica, em Lisboa - Portugal, o ensaio "Batuque, Samba e Macumba", com ilustrações de sua autoria.
         Colabora ainda ativamente, de 1936 a 1938, no jornal A Manhã e na revista Observador Econômico.
         A concessão do Prêmio de Poesia Olavo Bilac, pela Academia Brasileira de Letras, ao seu livro Viagem, em 1939, resultou de animados debates, que tornaram manifesta a alta qualidade de sua poesia.
         Publica, em 1939/1940, em Lisboa - Portugal, em capítulos, "Olhinhos de Gato" na revista "Ocidente".
         Em 1940, leciona Literatura e Cultura Brasileira na Universidade do Texas (USA).
         Em 1942, torna-se sócia honorária do Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro (RJ).
         Aposenta-se em 1951 como diretora de escola, porém continua a trabalhar, como produtora e redatora de programas culturais, na Rádio Ministério da Educação, no Rio de Janeiro (RJ).
         Em 1952, torna-se Oficial da Ordem de Mérito do Chile, honraria concedida pelo país vizinho.
         Realiza numerosas viagens aos Estados Unidos, à Europa, à Ásia e à África, fazendo conferências, em diferentes países, sobre Literatura, Educação e Folclore, em cujos estudos se especializou.
         Torna-se sócia honorária do Instituto Vasco da Gama, em Goa, Índia, em 1953.
         Em Délhi, Índia, no ano de 1953, é agraciada com  o título de Doutora Honoris Causa da Universidade de Délhi.
         Recebe o Prêmio de Tradução/Teatro, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1962.
         No ano seguinte, ganha o Prêmio Jabuti de Tradução de Obra Literária, pelo livro "Poemas de Israel", concedido pela Câmara Brasileira do Livro.
         Seu nome é dado à Escola Municipal de Primeiro Grau, no bairro de Cangaíba, São Paulo (SP), em 1963.
         Falece no Rio de Janeiro a 9 de novembro de 1964, sendo-lhe prestadas grandes homenagens públicas. Seu corpo é velado no Ministério da Educação e Cultura. Recebe, ainda em 1964, o Prêmio Jabuti de Poesia, pelo livro "Solombra", concedido pela Câmara Brasileira do Livro. 
         Ainda em 1964, é inaugurada a Biblioteca Cecília Meireles em Valparaiso, Chile.
         Em 1965,  é agraciada com o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra, concedido pela Academia Brasileira de Letras. O Governo do então Estado da Guanabara denomina Sala Cecília Meireles o grande salão de concertos e conferências do Largo da Lapa, na cidade do Rio de Janeiro. Em São Paulo (SP), torna-se nome de rua no Jardim Japão.
         Uma cédula de cem cruzados novos, com a efígie de Cecília Meireles, é lançada pelo Banco Central do Brasil, no Rio de Janeiro (RJ), em 1989.
         O governo federal, por decreto, instituiu o ano de 2001 como "O Ano da Literatura Brasileira", em comemoração ao sesquicentenário de nascimento do escritor Silvio Romero e ao centenário de nascimento de Cecília Meireles, Murilo Mendes e José Lins do Rego.
         Há uma rua com o seu nome em São Domingos de Benfica, uma freguesia da cidade de Lisboa. Na cidade de Ponta Delgada, capital do arquipélago dos Açores, há uma avenida com o nome da escritora, que era neta de açorianos.
         Traduziu peças teatrais de Federico Garcia Lorca, Rabindranath Tagore, Rainer Rilke e Virginia Wolf.
        
Características das poesias

A LINGUAGEM

No plano estilístico – ao contrário do coloquialismo dos poetas modernos – há em sua obra uma tendência à linguagem elevada, sempre carregada de musicalidade. A música, algumas vezes, parece ser mais importante que o próprio sentido dos versos. Também a exemplo dos simbolistas, as palavras para a autora mais sugerem do que descrevem. Daí a força das impressões sensoriais em seus poemas: imagens visuais e auditivas sucedem-se a todo momento:O rumor de suas penas era um rumor de fontes brancas em tardes morenas.Ressalte-se que certas palavras que aparecem continuamente em seus versos, tais como música, areia, espuma, lua e vento, acabam, por sua repetição obsessiva, adquirindo uma dimensão metafórica. Simbolizam o efêmero, aquilo que passa (em geral, os sentimentos do eu-lírico). Opõem-se, por exemplo, à palavra mar, que é a grande metáfora daquilo que permanece (em geral, o sofrimento).

A TEMÁTICA

Igualmente no plano dos assuntos, a poesia de Cecília Meireles revela ligações com várias estéticas tradicionais, especialmente o Simbolismo. Entre os seus motivos dominantes figuram:- O registro de estados de ânimo vagos e quase incorpóreos. Neles predomina uma difusa melancolia e uma noção de perda amorosa, abandono e solidão.- Uma aguda consciência da passagem do tempo, da brevidade enganosa de todas as coisas, sobremodo dos sentimentos.A atmosfera de dor existencial que emana dos poemas de Cecília Meireles é centrada na percepção de que tudo passa e de que o fluir do tempo dissolve as ilusões e os amores, o corpo e mesmo a memória. Um exemplo desta visão sofrida é Retrato:.Eu não tinha este rosto de hoje,assim calmo, assim triste, assim magro,nem estes olhos tão vazios,nem o lábio tão amargo.Eu não tinha estas mãos sem força,tão paradas e frias e mortas;eu não tinha este coração que nem se mostra.Eu não dei por conta esta mudança,tão simples, tão certa e fácil:Em que espelho ficou perdida a minha face?

O crítico Flávio Loureiro Chaves anotou que a poesia de Cecília Meireles vive “engolfada na torrente do tempo”, em meio a uma grande angústia, imersa num “deserto opaco”, sem passado e sem futuro. “Não há passado / nem há futuro. / Tudo que abarco / se faz presente” – diz a poeta. Sua experiência é, portanto, uma experiência do vazio, já que ela não encontra possibilidade de comunicação com o mundo circundante. Nisto residiria o vínculo da autora com a modernidade estética, já que esta tem entre suas características ideológicas as sensações do absurdo e da falta de sentido da vida contemporânea.Diante da “navegação sem estrelas”, que é a trajetória humana, resta à Cecília apenas o canto, isto é, a celebração do ato de criação poética, único enfrentamento da artista contra um universo despossuído de significado.

Fontes:

Folclore Japonês (O Cortador de Pedras)

Esta é uma história contada nas antigas aldeias e povoados da Terra do Sol Nascente. O velho conto do cortador de pedras e a cobiça, o confronto moral numa singela narrativa cheia de simbologia e ensinamento…

Era uma vez um cortador de pedras que morava em uma pequena aldeia entre as montanhas, um grande conhecedor de diferentes tipos de pedras e seus diversos propósitos, todos os dias percorria um longo caminho até as montanhas, por ser um trabalhador habilidoso e dedicado tinha muitos fregueses. Por um longo tempo esteve contente vivendo uma vida cheia de felicidade, e jamais imaginou pedir nada melhor do que aquilo que já havia conseguido.

Na aldeia onde vivia, diziam os boatos que alguns homens haviam visto na montanha um espírito que os trouxera riqueza e prosperidade. Um dia, o pedreiro levou uma  para a casa de um homem rico, e viu ali todos os tipos de coisas bonitas, das quais ele nunca tinha sequer sonhado. De repente, seu trabalho diário parecia crescer mais e mais pesado, e ele disse para si mesmo: “Ah, se eu fosse um homem rico, e pudesse dormir em uma cama com cortinas de seda e orlas de ouro, o quão feliz eu deveria ser?”.

E uma voz respondeu-lhe: “Seu desejo foi ouvido, e um homem rico, você deve ser!”.

Ao som da voz do cantante olhou ao redor, mas não viu ninguém. Ele pensou que era toda a sua fantasia, pegou suas ferramentas e foi direto para casa, já que não se sentia inclinado a fazer mais nenhum trabalho naquele dia. Mas quando chegou à pequena casa onde morava, ele completamente em espanto, viu que em vez de sua velha cabana de madeira, era, agora, um palácio imponente preenchido com um mobiliário esplêndido, e o mais esplêndido de tudo foi a cama, em todos os aspectos como a que ele tinha invejado. Ele estava quase fora de si de tanta alegria, e em sua nova vida o antigo logo foi esquecido.

Era agora o início do verão, e a cada dia que passava o sol brilhava mais intensamente. Certa manhã, o calor era tão intenso que o ex cortador de pedras mal podia respirar, ele determinou que deveria ficar em casa até anoitecer. O pedreiro se tornou uma pessoa bastante aborrecida, pois nunca se diverti. Ao tentar espiar através das cortinas fechadas para ver o que estava acontecendo lá fora, avisou uma  carruagem, acompanhada de muitos servos vestidos com elegantes uniformes azuis e pratas. No transporte sentava um príncipe, e sobre a sua cabeça um guarda-chuva de ouro para protegê-lo dos raios do sol.

“Oh, se eu fosse um príncipe!” disse o pedreiro para si mesmo, enquanto a carruagem desaparecida ao virar a esquina. “Oh, se eu fosse um príncipe, poderia ter a minha própria carruagem e um guarda-chuva de ouro para me proteger desse intenso sol, o quão feliz eu deveria ser?”.

E um príncipe ele se tornou. Acompanhando sua carruagem soldados montados a cavalo, muitos criados a seu dispor vestidos de vermelho e dourado, um guarda-chuva cobiçado foi erguido sobre sua cabeça, tudo o que seu coração poderia desejar era dele. Mas ainda não foi o suficiente.

Ele olhou ao redor, ainda pensando em algo a desejar, e quando viu que, apesar de ter derramado água sobre a grama os raios do sol a fizeram desaparecer, e que, apesar do reluzente guarda-chuva sobre a sua cabeça, a cada dia que passava seu rosto ficara mais coroado e mais coroado. O insatisfeito homem chorou na sua ira: “O sol é mais poderoso do que eu, oh, se eu fosse o sol!”.

E o espírito da montanha respondeu: “Seu desejo foi ouvido, e o sol você deve ser!”.

E o sol ele se tornou, sentiu-se orgulhoso em seu poder. Ele atirou seus raios acima e abaixo, na terra e no céu, ele queimou a grama nos campos e queimou os rostos dos príncipes os deixando como de gente mais pobre, mas em pouco tempo ele começou a se cansar do seu poder, pois não havia nada mais para ele fazer. O descontentamento mais uma vez encheu sua alma, e quando uma nuvem cobriu seu rosto, e escondeu a terra dele, ele chorou novamente na sua ira: “Será que a nuvem que mantém cativos os meus raios, é mais poderosa do que eu? Oh, se eu fosse uma nuvem, mais poderoso do que qualquer um eu seria!”.

E o espírito da montanha respondeu: “Seu desejo foi ouvido, uma nuvem você deve ser!”.

E uma nuvem ele se tornou, estava entre o sol e a terra. Ele cobria os raios do sol e realizou-se, e para sua alegria a terra cresceu novamente verde e as flores floresceram. Mas isso, ainda não foi o suficiente para ele, e por dias e semanas ele  chuva até os rios transbordarem suas margens e as lavouras de arroz ficar alagadas. Cidades e aldeias foram destruídas pela força da chuva, só a grande rocha na encosta da montanha permaneceu impassível. A nuvem foi surpreendida com a visão, e gritou com espanto: “Será que a rocha é mais poderosa do que eu? Oh, se eu fosse a rocha!”

E o espírito da montanha respondeu: “Seu desejo foi ouvido, a rocha você deve ser!”.

E a rocha se tornou, glorificada em seu poder. Orgulhosamente ele estava, e nem o calor do sol, nem a força da chuva poderia movê-lo. “Isso é melhor do que tudo!” disse para si mesmo.

Mas um dia ele ouviu um barulho estranho a seus pés, e quando ele olhou para baixo para ver o que poderia ser, ele viu um homem com ferramentas dirigindo-se em sua superfície. Quando ele olhou um intenso sentimento de tremor correu por todo seu corpo, e o grande bloco se partiu e caiu no chão. Então ele gritou em sua ira: “É apenas um ser da terra! Como pode ser mais forte do que uma rocha? Oh, se eu fosse apenas um homem!”.

E o espírito da montanha respondeu: “Seu desejo foi ouvido, um homem mais uma vez, você deve ser!”.

E um homem ele se tornou, com o suor escorrendo em seu rosto, ele trabalhava novamente em seu comércio de corte de pedras. Sua cama era dura e sua comida escassa, mas havia aprendido a se satisfazer consigo mesmo, e não fez muito para ser algo ou alguém. Por nunca mais ter pedido por coisas que não tinha ou desejado ser maior e mais forte do que as outras pessoas, ele fora um homem feliz. Depois de uma longa e infeliz caminhada, o pedreiro havia finalmente re encontrado a felicidade naquilo que havia deixado para trás, e nunca mais ouviu a voz do espírito da montanha.

Fonte:
Myths and legends of ancient Japan, in Caçadores de Lendas

domingo, 24 de julho de 2016

Virgínia Wolf (Segunda ou Terça-Feira)

Preguiçosa e indiferente, vibrando facilmente o espaço com suas asas, conhecendo seu rumo, a garça sobrevoa a igreja por baixo do céu. Branca e distante, absorta em si mesma, percorre e volta a percorrer o céu, avança e continua. Um lago? Apaguem suas margens! Uma montanha? Ah, perfeito – o sol doura-lhe as margens. Lá ele se põe. Samambaias, ou penas brancas para sempre e sempre. 

Desejando a verdade, esperando-a, laboriosamente vertendo algumas palavras, para sempre desejando – (um grito ecoa para a esquerda, outro para a direita. Carros arrancam divergentes. Ônibus conglomeram-se em conflito) para sempre desejando – (com doze batidas eminentes, o relógio assegura ser meio-dia; a luz irradia tons dourados; crianças fervilham) – para sempre desejando a verdade. O domo é vermelho; moedas pendem das árvores; a fumaça arrasta-se das chaminés; ladram, berram, gritam “Vende-se ferro!” – e a verdade? 

Radiando para um ponto, pés de homens e pés de mulheres, negros e incrustados a ouro – (Este tempo nublado – Açúcar? Não, obrigado – a comunidade do futuro) – a chama dardejando e enrubescendo o aposento, exceto as figuras negras com seus olhos brilhantes, enquanto fora um caminhão descarrega, Miss Fulana toma chá à escrivaninha e vidraças conservam casacos de pele. 

Trêmula, leve-folha, vagueando nos cantos, soprada além das rodas, salpicada de prata, em casa ou fora de casa, colhida, dissipada, desperdiçada em tons distintos, varrida para cima, para baixo, arrancada, arruinada, amontoada – e a verdade? 

Agora recolhida pela lareira, no quadrado branco de mármore. Das profundezas do marfim ascendem palavras que vertem seu negrume. Caído o livro; na chama, no fumo, em momentâneas centelhas – ou agora viajando, o quadrado de mármore pendente, minaretes abaixo e mares indianos, enquanto o espaço investe azul e estrelas cintilam – verdade? Ou agora, consciente da realidade? 

Preguiçosa e indiferente, a garça retoma; o céu vela as estrelas; e então as revela.

Neyd Montingelli (Lançamento de Livros em 5 de agosto)


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Folclore Japonês (A Lenda dos Mil Tsurus)

Considerado sagrado, o Tsuru é uma das aves mais apreciadas na cultura asiática, inspirou muitas lendas, crenças e a arte baseadas em sua beleza e história. Segundo a crença, esses pássaros podem viver 1000 anos, sendo o símbolo da longevidade e juventude. Ainda, segundo a lenda, se construir mil origamis de Tsurus, terá seus pedidos atendidos pelos deuses.

Segundo a crença, os Tsurus eram os pássaros companheiros dos monges eremitas que faziam meditação no alto das montanhas. Acreditava-se, que estes anciões possuíam poderes sobrenaturais que retardavam seu envelhecimento. Com o tempo, esses poderes místicos foram creditados as aves companheiras de peregrinação. Sendo consideradas talismãs de poder, conquistaram o título de “Pássaro da longevidade”.

Na Ásia, a crença da juventude perdura até os dias atuais, onde essas aves simbolizam a mocidade eterna e a felicidade plena. Pois, por serem monogâmicas, também são o símbolo do amor conjugal e a fidelidade, acredita-se que somente a morte os separa.

O pássaro, de plumagem branca está entre as mais belas aves do Mundo. Existem mais de 15 espécies de grous que habitam o planeta, porém o mais majestoso é o grou japonês (Grus japonensis), comum no leste asiático. Esta espécie, cujas penas são brancas e possui uma coroa vermelha no topo da cabeça e que podem chegar a cinco metros de altura e mais de seis metros de envergadura, estão entre as mais raras existentes. Estima-se que atualmente no Japão, existam apenas 1.000 de sua espécie.

TSURUS:  Arte do Origami 

Os Tsurus inspiraram muitas crenças, e estas, a arte. Uma de suas formas mais reconhecidas no Mundo é o “Origami”, arte de dobradura de papel. Tanto, que muitos também consideram o tsuru como o símbolo dessa arte japonesa. Até algum tempo atrás, era comum encontrar no Japão pedaços de barbantes amarrados com vários desses tsurus de papel, que eram pendurados no teto para distrair os bebês ou deixados nos templos para pedir proteção.
No Japão, acredita-se que ao fazer mil tsurus de papel, a pessoa terá seus desejos realizados pelos deuses. Baseados nessa crença, é comum muitos enfermos receberem tsurus de presente.

Mil Tsurus de Origami: A História de Sadako

Essa crença inspirou uma das mais belas e trágicas histórias japonesas, a da pequena Sadako, um exemplo de esperança e batalha pela vida.

Sadako Sasaki nasceu em Hiroshima e tinha apenas dois anos de idade quando os americanos lançaram a bomba atômica sobre a cidade. Ela vivia distante do epicentro da bomba, cerca de 2 quilômetros do centro da explosão, e juntamente com a mãe e o irmão, saiu quase ilesa do ataque. Mas, consta que durante a fuga, quando se aproximaram da ponte em uma área chamada Misasa, foram atingidos pela “chuva negra” (chuva radioativa, consequência da bomba) que caiu sobre Hiroshima ao longo daquele dia.

Tempos depois, a família Sasaki retornou à Hiroshima para reconstruir a casa depois da guerra. Sadako cresceu feliz e saudável, sem lembrar do dia em que a bomba atômica foi lançada, mas ciente que muitas pessoas foram mortas, incluindo sua avó.

 Sadako levava uma vida normal, em 1949 iniciou seus estudos na Escola Nobori-cho, era uma garota alegre, tinha muitos amigos e gostava de cantar e praticar esportes. Com onze anos, foi a corredora mais rápida da sua turma do ano. Ela fez parte da equipe vencedora na corrida de revezamento de bastão no Dia de Campo. A jovem Sadako sonhava ser uma atleta e um dia, professora de atletismo.

Mas, em janeiro de 1955, durante uma aula de educação física, Sadako, com então 12 anos, sentiu-se mal, com tonturas. Depois de alguns dias surgiram marcas escuras e caroços em seu corpo e o diagnóstico foi de “cancro”, leucemia, uma consequência da exposição a radiação, doença que já estava matando outras crianças expostas à bomba. Na época a leucemia era chamada de “doença da bomba atômica”. Ela foi internada em fevereiro de 1955, recebendo a previsão de apenas mais 1 ano de sobrevida.

Em Agosto deste mesmo ano, ela recebeu a visita de Chizuko Hamamoto, sua melhor amiga, que lhe contou a “Lenda dos Mil Tsurus”, a presenteando com um origami da ave sagrada .

Impressionada com a história, Sadako que desejava muito sua recuperação, resolveu confeccionar os tsurus, na esperança de que os deuses pudessem lhe conceder a cura. Então passou a fazer os origamis com ajuda de sua família e amigos que iam visitá-la no hospital. Mas a doença avançava rapidamente, sem entregar-se, Sadako cada vez mais debilitada, prosseguia esperançosa dobrando lentamente os pássaros, sem nunca falar sobre sua dor ou sofrimento. A menina compreendeu que sua doença era fruto da guerra e mais do que desejar apenas a sua própria cura, ela desejou a paz para toda a humanidade, para que nenhuma criança mais sofresse as consequências destes conflitos. Pensando nisso, ela disse para si mesma: “Eu escreverei PAZ em suas asas e você voará o mundo inteiro”.

Mas, por fim, na manhã de 25 de Outubro de 1955, Sadako montou seu último tsuru. Pouco tempo depois, com sua família a seu lado, Sadako Sasaki placidamente adormecera. Ela não conseguira completar os mil tsurus, mas sua dedicação tocara profundamente a todos e estes dobraram os tsurus que faltavam para que fossem enterrados com ela.

Inspirados por seu exemplo de coragem e força, seus amigos juntaram e publicaram um livro com uma coleção de cartas escritas por Sadako. Dando início ao sonho de construir um monumento em homenagem  a Sadako e a tantas outras vítimas da guerra. Muitos jovens japoneses, solidários a causa, passaram a arrecadar dinheiro para o projeto. Com doações de alunos de mais de 3000 escolas japonesas e de nove outros países, em 5 de Maio de 1958, exatamente no “Dia das Crianças” no Japão, foi erguido no Parque da Paz em Hiroshima o “Monumento das Crianças à Paz”, também conhecido como “Torre dos Tsurus”.

O monumento de granito simboliza o “Monte Horai”, local místico, onde os japoneses acreditam que vivem os Espíritos. Em seu cume, pousa uma estátua de bronze de Sadako segurando um tsuru dourado em suas mãos estendidas.  Em sua base, um desejo registrado para sempre: “Este é nosso grito, Esta é nossa oração: PAZ NO MUNDO!”

Hoje, todos os anos, milhares de Tsurus coloridos são enviados, tanto do Japão como de todo o Mundo, as cidades de Hiroshima e Nagasaki. Uma mensagem de todos que, assim como o Tsuru, querem viver por um longo tempo na Terra e, principalmente, em PAZ!

Fonte: 
https://en.wikipedia.org/wiki/Sadako_Sasaki/