domingo, 12 de fevereiro de 2017

Luci Collin (Poemas Escolhidos)


PLAY IT, SAM

Se não tinha lua
Se nua aquela cena toda
Se não teve flores
Se dores o que irrompeu
Se o vento levou
Até o último tango
Até o último trago
Até a última gota
Se não teve jura
Se você não veio

Não tinha
Não teve
Não veio

A gente não tem um amor
Pra se sentir triste
__________________ 

CONSPECTIVO

Consagração das ausências
na debandada dos verdes
nos ninhos desabitados

Até as visitas rareiam

Malogro das sementes
Desarrimo das mudas
Gorada das enxertias

Lenha que crepita
Chá e reminiscências

Olho pela janela:

do limoeiro, a coruja me fita impassível
                    - tem este junho divisado

Da paisagem
nenhum ocre que não seja
cumprir-se calmamente
a invernosa razão
dos existentes
__________________ 

 HUPÓNOIA

dos restos
eu fiz uma história
fui recolhendo folhas soltas
recuperei desperdícios
e fiz um rascunho brotar

dos risos
eu fiz uma história
fui recompondo esquecidos
rebatizei luz e escuros
e fiz a memória transbordar

de avessos
da minha aventura
vim segredar os contornos
expor silêncios que supuram
eu vim aos poucos confessar
: eu fiz a escolha dos loucos
fazendo valer da fala os ecos
no cumprimento das juras
eu fiz uma noite
voltar
__________________ 

ORA

Com aquele amor eu rascunhei eternidades
Plantei e colhi tresvarios
Ouvi os risos orvalhando
E então admiti todos os blefes

Com o outro eu rastreei recônditos
Comi e dormi sobre o linho
Ouvi as auroras partindo
E então reconheci os entretantos

Com este rebatizei absolutos
(Encontro das frases no estrelo)
E um indivisível se biparte
E aquilo não miscível se conjuga

A maçã que não se devia agora já foi
__________________ 

ESPÉCIE

vestido e tempo na caixa
só o relógio compreendeu o rigor dos pactos
as plantas do vaso não
o pó sobre os móveis não
as botas num canto não

e tudo fora de moda
vincos e adamascados
falar em silêncio
esperar pela conjuntura
regar imutáveis

acreditar naquele telefonema
é quase servir conhaque a fantasmas

até as escadas mentem
até o gelo no copo
a lâmina de rematado aço
deixa vazar árido murmúrio

rostos quedarão desconhecidos
depois de um tempo o entrevisto se firma

na lixeira a presença dura dos papéis rasgados
e por dentro um infinito de exclamações
__________________ 

O QUE CONTA

    na vida sabedoria
(que o contrário se prove)
    é sem qualquer teoria
         tirar dez
         naquela prova
                         dos nove
__________________ 

 ATENUANTE

entre as mentiras que invento
e aquelas que os sábios ensinam
as minhas

                 — preto no branco —
                são brancas 
                                     mentiras
         que, dando sorte,
                                   inda rimam
__________________ 

 DESSA FORMA

as palavras são flamas
milhas talvez
veios

um apelo denso
este assim imenso
que enfim se faz
escutar

contando a história dos dias
este exercício semelha
a trajetória do pêndulo
cumprindo a eterna aventura
de impresumível desfecho

                                      ora inicio
                                      ora meio
                                    ora extremo
__________________ 

ONÍMODO

dentro de mim
alguma coisa mais do que pulsa
dança
mais do que arde
ferve
mais do que soa
freme

mais do que muito
— completamente
mais do que às vezes
— sempre

insurge
bem mais do que sugere

sente

tanta coisa
desta alguma coisa

que nos maravilhe
sentir

          — sem encobrir coisa alguma
__________________ 

LOAS

               os pássaros
          que cantam á noite
peludos           e         obscuros
              são serenos
vadios           e           ¡nocentes 
             em sua lógica
             peluda e obscura

com ela vigiam a noite
mensuram a noite
regem
dominam

                    louvam

no escuro
cantar
o escuro

                              não bem com salmos 
                              mas com gritos
__________________ 

PASSADO A LIMPO

despregar
num lance definitivo
a máscara grudada ao rosto

retirar
a trava que nos encobre
o pálido vero da pele
quase que nos delindo
a estampa real do siso
(preço que enfim se paga
pelo emprestar-nos
                              o sorriso)

demover
o sarro a borra o limo o véu
mesmo que se revele
as manchas de umidade
no rosto deixado ao tempo
os rombos dos estilhaços
na estampa de papel fino

devassar
o falso da face e as suas vozes

o que sobrar é a verdade

mesmo que ali
as cicatrizes
__________________ 

DE MEU CANTO

Não fabrico o pranto            
  e não pranteio
      o ponto
que angario
que trabalho
      e não encontro
                           pronto.
Não chamo por chamas
      que vislumbro
sem grandes esforços;
           — Sereias cederam-me encanto,
                    e dele não morro;
                    apenas viverei
                                    em meu canto.

     Canto para o sempre
          e ainda
             depois dele;
                ajudo sereias
                       em seus cânticos.

                Entoo palavras belas
                          — verdadeiras.
                Da miséria,
                     lindos os desenhos,
                          se da verdade...

      Mas,   
             não tenho recursos
               que outros
                 deste curso caudaloso
                   em que me espio.

             Perdoem-me incisivos erros;

                Aceitem um meu desvario.
__________________ 

NOÇÃO 

não foi
          para ficar
deitado
          que te puseram
no mundo

não foi
          para ficar
no mundo
              que te fizeram
          deitado

puseram-te
                 inteiro
no me io
            de meio
            mundo

fizeram-te
               meio
no meio
            do mundo
            inteiro

  no fundo
     não foi no mundo
     onde te fizeram

                         foi apenas
                           onde a mão
                         deitou-se

                                        em pé
                                          no chão

Estante de Livros (Estados Unidos: A Maldição do Tigre)

Romance dos gêneros épico, aventura e mitologia hindu, escrito por Colleen Houck e é o primeiro livro de uma série. Publicado em mais 18 países, chegou a umas das melhores posições no The New York Times. Foi rejeitado por muitas editoras. A série conta: "A Maldição do Tigre", "O Resgate do Tigre", "A Viagem do Tigre" e "O Destino do Tigre" e "A Promessa do Tigre". 

Publicado originalmente pela Editora Splinter, e no Brasil pela Editora Arqueiro, da Editora Sextante, em 31 de outubro de 2011.

Sinopse
Kelsey Hayes perdeu os pais recentemente e precisa arranjar um emprego para custear a faculdade. Contratada por um circo, ela é arrebatada pela principal atração: um lindo tigre branco. Kelsey sente uma forte conexão com o misterioso animal de olhos azuis e, tocada por sua solidão, passa a maior parte do seu tempo livre ao lado dele. O que a jovem órfã ainda não sabe é que seu tigre Ren é na verdade Alagan Dhiren Rajaram, um príncipe indiano que foi amaldiçoado por um mago há mais de 300 anos, e que ela pode ser a única pessoa capaz de ajudá-lo a quebrar esse feitiço.

Determinada a devolver a Ren sua humanidade, Kelsey embarca em uma perigosa jornada pela Índia, onde enfrenta forças sombrias, criaturas imortais e mundos místicos, tentando decifrar uma antiga profecia. Ao mesmo tempo, se apaixona perdidamente tanto pelo tigre quanto pelo homem. Então, Kelsey, Ren e Kishan – o irmão de Ren – embarcam em uma emocionante aventura para derrotar Lokesh e devolver a humanidade dos príncipes tigres, com ajuda da deusa Durga

Personagens Principais

Kelsey Hayes
É uma jovem de 17 anos que, quando seus pais morrem em um acidente de carro, vai morar com outra família. Buscando um trabalho de verão para custear a faculdade, ela entra para um circo, onde desencadeia uma forte ligação pelo príncipe Dhiren, na sua forma como tigre branco, e decide ajudá-lo, assim como seu irmão, o príncipe Kishan, a livrarem-se da maldição colocada há mais de 350 anos.

Sr. Kadam
É o mestre de Ren e Kishan. Sempre está a auxiliar Kelsey, dando conselhos e ajuda quando ela mais precisa. Ele é bastante sábio e sempre cuidou dos príncipes ao passar dos séculos.

Alagan Dhiren Rajaram – Tigre Branco “Ren”
É um príncipe indiano com mais de 300 anos que foi amaldiçoado junto com seu irmão por um mago chamado Lokesh. Transformou-se em um tigre branco de olhos azuis cobalto. Antes da maldição estava destinado a casar com Yesubai, porém foi traído por seu irmão, que queria Yesubai para si.

Sohan Kishan Rajaram - Tigre Negro “Kishan”
É o irmão mais novo de Ren, que assume a forma de um tigre negro de olhos dourados. Ele se apaixona por Yesubai, a prometida de Ren, enquanto ele estava na guerra.

Durga
Deusa responsável por auxiliar os três em sua jornada, lhes dando ferramentas cruciais para sobreviver em cada situação imposta para que eles possam quebrar A Maldição do Tigre.

Lokesh
É o mago do mal que aprisiona os príncipes em forma de tigres. Ele também é imortal, e quer impedir a busca de Kelsey pela quebra da maldição, o que significaria o fim de seus poderes. Chega a ser baixo e manipulador para conseguir o que ele quer. Tem uma paixão insaciável por poder.

Yesubai
Filha de Lokesh, é a princesa indiana que estava prometida em casamento a Dhiren, contudo, se envolve emocionalmente com seu irmão Kishan. Ela realmente o amava, porém Lokesh pretende usar isso contra ela, enquanto Dhiren está na guerra. É morta por Lokesh. Descrita como miúda, batendo no ombro de Kishan, e o mesmo diz que ela era adorável e tinha incríveis olhos violetas, cabelos lisos e negros.
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Colleen Houck, a escritora da série, sempre sonhou em escrever uma série de romance. Ela estudou na Universidade de Arizona e trabalhou com intérprete para língua de sinais durante 17 anos. Colleen Houck nasceu em 03 de outubro de 1969, em Tucson, Arizona, Estados Unidos. Colleen é, antes de tudo, uma leitora assídua. Adora ação, aventura, ficção científica e romance. Seus livros favoritos incluem um pouco de cada um. Depois de obter um grau de associado da faculdade de Rick e transferência para a Universidade do Arizona, ela largou a escola para ir em uma missão da igreja onde acabou conhecendo o marido. Desde então, ela teve uma variedade de cargos, incluindo grupo de advocacia, gerente de cozinha chinesa, intérprete de linguagem, entre outros. Houck também se considera uma especialista na montagem de sanduíches Big Mac e Clássicos Big Bacon e, sim, o canal Food Network é sua estação favorita. Suas inspirações são Shakespeare, Stephenie Meyer, Chris Paolini, JK Rowling, Madeleine L, e outros. Seu gênero literário favorito para escrita é, portanto, ficção.

Colleen já viveu no Arizona, Idaho, Utah, Califórnia e Carolina do Norte e Salem, no Oregon com o marido e dois tigres, branco e preto, de pelúcia.

Bibliografia:
• A Maldição do Tigre; O Dom da Esperança (bônus de A Maldição do Tigre); O Resgate do Tigre; A Viagem do Tigre; O Destino do Tigre; A Promessa do Tigre; O Despertar do Príncipe; O Coração da Esfinge (lançamento); 

Fonte: 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Antonio Brás Constante (Os Jardineiros de Sábado)

Os pátios das casas são ótimos locais para que as pessoas possam cultivar: hortas, pomares e um belo gramado. De modo geral, a ideia de se ter um gramado parte das mulheres. Os homens prefeririam uma calçada. Mesmo porque, quem varre as calçadas são as mulheres. Já no caso dos gramados, a tarefa é deles, os chamados jardineiros de sábado.

Enfim chega o fim de semana. O sono começa a se desvanecer, e o pretenso jardineiro parece ouvir o som de trovoadas. “Ótimo”, ele pensa. Não estava muito afim de cortar a grama mesmo. Mas as trovoadas vão ficando mais fortes e próximas. Seus ruídos parecendo extremamente familiares. Como se chamassem pelo seu nome.

Algo puxa suas cobertas, sacudindo-o. Finalmente percebe que não eram trovões. Era a voz de sua esposa, “mandando” levantar-se para ir cuidar do pátio. “Você prometeu”, ela diz. Aliás, para mulher, tudo que o homem diz após as juras de casamento ganha ares de “promessa”. Pode ser um simples “arram”, mais concordando com o comentário do técnico de futebol na entrevista da televisão, do que com ela.

O homem no sábado torna-se o barbeiro da natureza. É um momento único, onde ele começa limpando as “obras de arte” do seu cachorro, espalhadas pelo quintal. Depois tem de cuidar para não entrar em atrito com os inúmeros formigueiros ali existentes, que apesar de lhe ajudarem consumindo algumas folhas, acabam fazendo um serviço ineficiente. Talvez se devorassem a grama com a mesma energia que utilizam para lhe morder, evitariam que o gramado precisasse ser cortado.

Falando em preocupações, ele também tem que se preocupar com as rosetas, urtigas e pedras que ali se escondem. Mas principalmente deve atentar para não cortar a grama muito rápido. Esmerando-se para que o serviço termine próximo ao horário do almoço. Podendo então chegar com uma expressão cansada no seio de seu lar, tomar um banho rápido, saborear o almoço, e por fim se jogar no sofá para um ronco merecido, sem culpa, como um guerreiro cujo dever foi cumprido.

Quando arruma o pátio, o homem deve sempre buscar a ajuda de aliados, ou melhor, de “aliadas”. Geladinhas, deliciosas, e servidas em latinhas de alumínio. Armazenadas em caixas de isopor junto à sombra de alguma árvore. Longe do alcance de seus vizinhos e cunhados.  Elas ficarão ali, prontinhas para reanimá-lo durante toda manhã.

A cerveja é a eterna companheira do jardineiro de final de semana. Ela escuta suas lamentações, que tendem a aumentar à medida que ele vai ficando cada vez mais bêbado. Até o ponto em que as lamúrias transformam-se em decisões. Resolve que vai construir uma calçada no lugar do gramado e pronto.

A ideia vai tomando força em sua mente, mas é somente à noite, deitado na cama com sua adorada esposa que ele expõe a ideia. Ela houve pacientemente, e ao final das argumentações do marido, explica que, para por em prática a tal obra, eles terão de economizar um bom dinheiro. Ou seja, nada de cerveja nos próximos meses.

Com esta ultima afirmação da esposa, o homem desiste da ideia da calçada. Deita a cabeça no travesseiro e começa a pensar no plano “B”: Um gramado repleto de formigas amestradas, prontas para fazerem todo serviço, enquanto ele fica sentado na sombra, bebendo tranquilamente suas cervejas.

Fonte:
O Autor

Luiz Eduardo Caminha (Poemas Escolhidos)


Imprecisões

Quem sou eu,
este ser inerme,
que faz da voz,
arma confusa?

Quem sou eu,
este ser inerte,
que mexe, remexe,
látego impiedoso?

Quem sou, afinal,
este ser sereno,
que num ímpeto se faz,
irascível mordaz.

Oh, cruel, inominado e controverso ser,
Verso, reverso, homo erraticus et perdidit!

Acaso uma criatura?
Erro da Criação,
insigne animal,
pedestal de areia?

Quiçá um dia,
de tanto me procurar,
alcance, almejo,
lugar pra descansar.

Desta busca infindável,
deste contínuo rebuscar.
Neste dia, quiçá, porvir,
Deus se ponha a me perdoar.
_________________

Folhas de Outono

São como esperanças,
As Folhas de Outono.

Voam sem saber prá onde
O vento as leva.
Caem porque – urge que caiam!
Donde saíram,
Um broto nascerá.

São folhas, só folhas.
No solo, um tapete – nada mais!
Os pés que as pisam,
Errantes, apenas passam,
Que destino tomarão?

São como o futuro,
Os caminhos pisados,
Nas folhas de outono.
Incertos, imprecisos,
Calçadas de descalços.

Homens cruzam os caminhos,
Pés pisam as folhas,
A vida vai passando
Os passos se vão indo,
Rumo ao amanhã.

Assim mesmo,
Tão certo,
Como uma nova estação,
Como o inverno que virá!
Outono é caminho... de passagem!!!
________________

Acorda Sociedade

Acorda Sociedade!
Egoísta, escravizante
(escravocrata),
Olha ao teu redor,
Enxerga esta gente
Que tornaste marginal!
Escuta os clamores
Pelo pão, pela vida,
E antes que seja tarde,
Que o verdugo da justiça
Te faça sangrar,
Vai ao encontro do irmão,
Despede-te da luxúria
E corrige os teus erros
Frutos da ganância
Da hipocrisia
Da exploração.
Vai, anda logo,
Escuta, age
Antes que tarde seja,
Para a paz.
______________________

Antípodas

Lareira,
Vinho tinto,
Fondue
...
Pra passar o frio.

De minha parte,
Prefiro:

Sol,
Cerveja gelada
(ou água pura),
E... churrasco.

Mais alegre,
Minha praia.
__________________

Poesia

Que seja ela,
A poesia,
Firme como a árvore,
Embora estática,
Finca raízes,
Faz da seiva fruto
Doce cantar.

Todavia,
Que seja ela,
A poesia,
Como a água,
Que se move,
Corredeira abaixo,

Busca mar oceano,
Onde singram velas,
Horizontes sem fim!!!
_______________

Inquietudes 

Seria acaso
Azul,
A cor “escarlate”
Que corre, veias adentro,
A nobreza?
Oh! Nobre amada?

E ao se lhe ferir
O coração,
Seria sem cor
A cor do sentimento
Que lhe domina
A frigidez de seus atos?

Acaso se reveste
De rubro carmim
A vio(lácea)lenta paixão,
Quando se lhes é dado
Apaixonar-se?
Apaixonas-te tu, oh! Mulher?

Qual nada, dirão!
Nobres não tem sentimento
Apaixonam-se tampouco.
Pálida é, portanto,
A tez de seu coração.

Pálido também o é,
O sangue que lhe corre
As veias;
Esquálida,
A vida que é
Seu dia a dia.

Até que a morte
Lúgubre sombra esguia,
Na negritude da noite,
Sem lua,
Leve-a daqui.

Entrega-te
Oh! Nobilíssima amada
Ou assim será...
____________________

Desilusão

Sonho,
Amargurado,
Agruras
Dum dia feliz...
Que não vem.

Sol, chuva,
Noite fria,
Lua nua,
Noite, dia,
Que se vão

Dia, noite,
Noite dia,
Cá espero.

A Felicidade?
Mera quimera,
Castelo d’areia.
Fere-me a alma.
Machuca-me
O coração que anseia
O vazio de sua ausência,
Preencher.

Tempo passa
Ela não vem
Nem a Felicidade,
Nem aquela,
Quem me dera,
Me pudera,
Fazer feliz...

Sorrir,
Quiçá,
Outra vez!!!
_________________

O Poeta e o Velejador


Escrever está
Para o poeta, um cantor,
Como velejar,
Para o navegador!!!

Ao poeta cabe velejar
Nos oceanos de si mesmo,
Ao navegador, largar-se ao mar,
Fazer, fora de si, viagens a esmo.

Naquele, a brisa faz a pena
Navegar sobre o papel,
Neste, o vento faz poema
Singrar seu barco, sob o céu.

Sonham ambos, devaneiam,
Cada noite, cada dia,
Ao brilho da lua vadia,
Delírios que vagueiam.

Assim, lá os dois, se vão.
Poeta a velejar,
Velejador a poetar,
A rima, o mar, fazem seu pão.

Em cada folha de papel,
A poesia faz viagem
A cada porto de passagem,
Uma amada espera, fiel.

No porto, esperam a viragem
No horizonte, oceano, céu.
Rabiscam poesias... num papel
Riscam cartas... de viagem!

Poesia navega... veleja afinal!
____________________

M a m ã e

Suave, aos poucos, a música tomava o ar lentamente,
Da luz, as centelhas, enchiam de magia, o ambiente,
Trazido por anjos, um arco-íris depunha, qual tesouro, o berço iluminado,
Envolta em alvas roupas, trombetas a anunciar, ela nascia.

De tudo tomou conta, o silêncio,
Dos grilos e cigarras, o cantar,
Dos pássaros, o chilreio, das cascatas, o espoucar.
Até das matas, o barulho se fez calar.

Do berço, as mãos de Deus a tomaram (pequeno ser),
Anjos, potestades, querubins se prostraram,
À gentil palmada, um choro, rasgou aquele mágico instante.
Uma voz, tonitroante, sacudiu todas as estruturas.

Nascestes, oh! Criança! Fruto da semente plantada ao ventre,
Broto da rama, angelical expressão do Amor.
És a lúcida imagem da mulher que te gerou, há de te ver crescer,
És o prêmio, troféu de alegrias, glórias e dores,
Daquela que, por ti, se fez mãe.

Agora, és adulto indócil, irrequieto,
Seguistes tua vida,
Depois que a segurança, da barra de sua saia,
Se tornara, para ti, um estorvo.

Em ti, porém, uma semente divina foi plantada,
Semente da árvore da doce saudade,
Do querer insistente daqueles dias,
Do tempo em que todo o seu tempo, seu vigor, ela dispensava,
Guardiã majestosa do teu crescer.

Em ti, esta semente,
Gerará a árvore da lembrança,
Do querer sempre latente,
De voltar a ser criança.

Nem que seja para desfrutar momentos,
Por ti curtidos, ou sequer vividos,
Instantes inocentes, alegres, joviais,
Sonhos, devaneios, da infância revivida.

Hiatos, em que tu chegavas,
Sem que se ouvisse o ladrar dos cães,
E lá estava ela, sorridente, cálida,
Pronta prá te permitir balbuciar: mamãe!!!
__________________

Otimista

Sim, sim!
Eu sei que sou!
Um otimista prepotente.
Compulsivo e compulsório.

Forjado no talhe da ideologia,
No malho da consciência.
Ideológica, idiosincrásica,
Idiopática...mente.
Que, às vezes, mente,
Para dizer verdades,
Ou verbetes,
De uma vida.

Sou crítico,
Mordaz
Lúgubre,
Mas poço profundo,
De sonhos
E esperanças.

Quem disse que não vou mudar o mundo?
Vou sim! Se vou!
Você vai ... também!
Ele vai, nós vamos!
Cada um de nós,
Erráticos cidadãos
Deste planeta Gaia, vai!

Para melhor...
Ou para pior.
Basta querer,
Basta viver,
Dia após dia.

Não há um só
Que ao ocaso chegue,
Sem que marcas fiquem
De nossa passagem,
De nossas ações.
Como rastros
De nossos pés,
Rastejantes,
O sol por testemunha,
O pó como rastilho.

O que virá?
Depende do rumo,
Do norte que
Quisermos singre,
A nossa nau,
A nossa nave mãe...
Terra.

Tenho (ainda) esperança,
Sou otimista!

Moacyr Scliar (Infância passo-fundense)

Tenho um carinho especial por Passo Fundo, onde passei boa parte de minha infância. Isso aconteceu na pré-história, claro, mas ainda lembro de muita coisa: a casa onde morávamos, perto da Avenida Brasil, a antiga Delegacia de Polícia e, sobretudo, o Colégio Notre Dame, do qual fui aluno. Aliás, menor aluno, provavelmente; eu não tinha nem quatro anos e já frequentava o primeiro ano do curso primário. Devo dizer que era considerado, ao menos por minha mãe (fã entusiasmada do filho) como garoto prodígio. De fato, aprendi precocemente a ler e a escrever, o que seria um motivo de orgulho, não fosse por um episódio que me remeteu de volta à humildade.

Uma manhã estávamos em aula quando passou um desfile militar (se não me engano, em preparação para o Sete de Setembro). Todos, inclusive a professora, correram para as janelas para ver os garbosos soldados. E todos estavam entusiasmados. Menos eu.

Em primeiro lugar, não alcançava a janela: era pequeno demais. Em segundo lugar, estava com um prosaico problema: queria fazer xixi. Era inverno e nessa época o apelo da bexiga infantil se torna mais premente, imperioso, mesmo. Tentei chamar a atenção da mestra, que era uma religiosa, e de meus colegas. Inútil. O desfile os fascinava. Sem licença para ir lá fora, eu não podia sair da sala. Enquanto me debatia nesse dilema existencial, a natureza resolveu o problema da forma mais prática, ainda que pouco conforme às regras de etiqueta: quando vi, tinha feito xixi na calça, a grossa calça de lã que eu então usava. 

Foi, como se pode imaginar, uma humilhação. Naquele dia descobri uma coisa importante: se é para urinar nas calças, o melhor é não ser menino prodígio. Para adquirir cultura sempre há tempo. Para se fazer xixi quando se está apertado é que nem sempre se dispõe de tempo suficiente.

Voltei muitas vezes a Passo Fundo para palestras, debates, para as Jornadas de Literatura que hoje repercutem no país inteiro. Cada vez mais admiro a cidade. E cada vez mais me parecem mais gratas as recordações da infância que ali passei, nelas incluído o episódio do colégio. Ocorre-me que deveria ter guardado a calça que usava na ocasião. Pode não valer tanto quanto o vestido de Mônica Levinsky, mas para mim evocaria um momento transcendente. Ainda que molhado.

Estante de Livros (Mia Couto: Terra Sonâmbula)

do artigo "As guerras e os sonhos no africano Terra sonâmbula, de Mia Couto", de Vilto Reis

Mia Couto, um português que não é nosso, mas que também não é de Portugal, é o que logo se nota ao pegar nas mãos o livro Terra Sonâmbula, do escritor moçambicano Mia Couto. As palavras parecem pertencer a um outro local, que não poderia ser o urbano das cidades brasileiras ou portuguesas, nem mesmo o interior, é algo mais antigo e profundo, mas ao mesmo tempo atual, como se o autor tivesse achado no português uma forma de destilar a alma e as lendas africanas.

Com um pano de fundo que parece gritar na obra, um sentimento que mistura a agressividade da guerra à passividade do sono, Terra Sonâmbula é um livro errante, que contas duas histórias simultâneas. No primeiro plano se tem a história de Muidinga, um jovem que acompanha Tuahir até chegarem ao machimbombo, um autocarro completamente queimado, onde eles resolvem se abrigar, estão fugindo da guerra. Neste ínterim, surge a segunda linha narrativa, pois Muidinga encontra uns cadernos na mala que está ao lado de um homem morto. Como só ele sabe ler, passa então a fazer a leitura destes cadernos para seu companheiro de viagem, Tuahir.

“O jovem retira os caderninhos. Guarda-os por baixo de seu banco. Não pretende sacrificar aqueles papéis para iniciar o fogo. Fica sentado, alheio. No entanto, lá fora, tudo vai ficando noite. Reina um negro silvestre, cego. Muidinga olha o escuro e estremece. É um desses negros que nem os corvos comem. Parece todas as sombras desceram à terra. O medo passeia seus chifres no peito do menino que se deita, enroscado como um congolote. O machibombo se rende à quietude, tudo é silêncio taciturno”. (pg. 13)

Algo que chama a atenção em Muidinga é sua construção como personagem. Ele não recorda de seu passado, apenas que desde que se lembra, está se escondendo da guerra e viajando com Tuahir. Assim, quando começa a ler os cadernos de Kindzu, como são intitulados as folhas que estavam na mala do cadáver, o leitor se pergunta se não há ligações entre os dois, pois surge a seguinte frase: “Acendo a história, me apago a mim. No fim destes escritos, serei de novo uma sombra sem voz.” (pg. 15).

Kindzu narra sua trajetória desde a partida de sua aldeia, após a morte do pai, a quem deixa de realizar um ritual que o perseguiria pelo resto da viagem, até o encontro com uma certa mulher chamada Farida. Sua saída da aldeia, na verdade, tem um objetivo: tornar-se um Napurama – espécie de guerreiro tribal vestido de penas, que luta contra a injustiça. Mas para isso, precisa lidar com o fantasma da lembrança paterna, com a culpa de ter abandonado a mãe que se diz grávida há anos e a ausência do irmão, Junhito, desaparecido após ter sido condenado a viver em meio às galinhas.

Se na linha de Muidinga, o leitor se depara com um realismo mágico (poder ser caracterizado assim); na de Kindzu, há um verdadeiro tom surreal, que apresenta uma série de lendas africanas.

Repare neste trecho, no qual é narrado um sonho de Kindzu, com atenção ao “quem sabe”, logo na primeira frase:

“Numa das seguintes noites, escuras de perder o próprio nariz, tive, quem sabe, um sonho. O mar parava, imovente. As ondas se aplanavam, seu rugido emudecia. Havia uma calma dessas que precederam o nascer do mundo. Então, súbito e inesperado, das profundezas emergiram os afogados. Vinham ao de cimo, borbulhavam em festa. Entre eles estava meu pai, idoso como não o tínhamos deixado. Chamou-me, saudou-me sem nenhum afecto”. (pg. 43).

O livro carrega, em todo ele, esta prosa poética (de um outro português) que caracteriza o estilo de Mia Couto. Muito embora, o enredo também não é por menos, pois o leitor sai surpreso com o final proposto pelo escritor moçambicano em Terra Sonâmbula.

As guerras e os sonhos

Há um fator de cunho social também na obra. No entanto, Mia Couto se mostra um escritor maduro, pois não usa sua obra como panfleto político. Apenas descreve seus personagens de forma coerente ao mundo em que vivem. E ainda assim, oferece ao leitor frases belíssimas, como esta do padre a Farida: “O mundo não tem nenhuma utilidade, disse ele. E concluiu: a felicidade só cabe no vazio da mão fechada. A felicidade é uma coisa que os poderosos criaram para ilusão dos mais pobres” (pg. 77).

Surge sempre uma espécie de dualidade, guerra-sonho, que acompanha a obra como um todo. E funciona como se uma fruta, da qual quanto mais Mia Couto espreme, mais trechos de verdades humanas aparecem. Reparem na conclusão de Kindzu após saber a história do homem que vê morto na estrada, com uma corda na mão:

“A morte, afinal, é uma corda que nos amarra as veias. O nó está lá desde que nascemos. O tempo vai esticando as pontas da corda, nos estancando pouco a pouco” (pg. 121).

Quem busca uma história de alto teor poético, e ainda vê na literatura uma oportunidade de utilizar sua imaginação, encontrará no livro Terra Sonâmbula, de Mia Couto, uma ótima leitura. Este aspecto de ser nosso idioma, mas ao mesmo tempo não ser, é uma experiência enriquecedora, como venho comentando na resenha inteira.